quinta-feira, agosto 07, 2014

Pode? - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O GLOBO - 07/08


Temos excesso de manifestações e absoluta falta de regras ou falta de meios e de disposição para cumpri-las, quando fixadas



Imagine a situação: uma mulher desce de um carro e caminha em direção a uma clínica de aborto legal. Nesse trajeto até a clínica, na calçada, portanto um espaço público, ela pode ser abordada por manifestantes antiaborto que tentarão fazê-la mudar de ideia? Sim, pode, decidiu a Corte, por unanimidade: a Primeira Emenda à Constituição garante a livre manifestação dos militantes antiaborto.

Com isso, caiu uma lei do Estado de Massachussets, de 2007, que obrigava aqueles militantes a se colocarem a uma distância de 11 metros da entrada de tais clínicas. Para organizar a situação, faixas amarelas foram desenhadas de modo a limitar o espaço livre de manifestações. Têm que ser apagadas.

Caso encerrado? Nada disso. O governador de Massachussets, Deval Patrick, reagiu imediatamente e, ainda na semana passada, conseguiu que os deputados estaduais aprovassem outra lei determinando o seguinte: a polícia pode ordenar que manifestantes se afastem da entrada da clínica se eles estiverem fisicamente impedindo a entrada de eventuais pacientes; nessa situação, a polícia pode determinar que os manifestantes se afastem a oito metros dali, por oito horas.

Trata-se do outro lado da história: a mulher que deseja fazer um aborto tem o direito de entrar livre e pacificamente numa clínica que a atenda. Ela tem o direito de não querer ouvir outras opiniões, uma vez que já terá tomado sua decisão.

Tudo considerado, as duas partes estão se considerando vitoriosas. O movimento antiaborto, conservador, entende que a decisão da Corte restabeleceu o direito de se falar diretamente com as mulheres, uma a uma, na porta de cada clínica. O grupo pró-aborto, liberal, acha que a Corte vetou especificamente a lei dos 11 metros, mas não qualquer mecanismo que imponha limites às manifestações.

De fato, o presidente da Corte, John Roberts, comentando a decisão, observou que a zona livre de 11 metros era excessiva, afastando manifestantes legítimos de uma área pública muito larga. Quer dizer que uma área menor pode?

Pode, interpretam analistas, mas com ressalva: os manifestantes só podem ser afastados se estiverem se comportando de maneira agressiva e bloqueando a entrada da clínica. Se for assim, cabe à polícia interpretar, em cada situação específica, se o comportamento dos manifestantes é ou não um bloqueio ofensivo.

O que complica ainda mais a situação. Pode apostar: um lado vai acusar a polícia de ser excessivamente complacente com os manifestantes; o outro, de excesso de violência. E aí vai parar na Justiça, claro, que decidirá se processa civis eventualmente detidos ou se processa os policiais, neste caso ou por abuso de autoridade ou falta de autoridade para garantir a ordem e o direito dos não manifestantes.

Não é fácil. Por isso mesmo, o leitor já percebeu por que estamos tratando disso: aqui no Brasil temos excesso de manifestações e absoluta falta de regras ou falta de meios e de disposição para cumpri-las, quando são fixadas. Mais que isso: falta um debate mais qualificado e mais intenso. Ia dizer também menos ideológico, mas é impossível neste caso. Liberdade e ordem pública, liberais e conservadores, direito individual e o direito do outro, o indivíduo e sociedade — eis as eternas questões.

Mas, além de ser uma questão complexa em qualquer democracia, há entre nós um bloqueio político/eleitoral. O pessoal foge de escolhas concretas, fica no princípio geral que não compromete, mas também não resolve as diferentes situações.

Vamos falar francamente: excetuando as minorias que querem subverter a ordem capitalista, somos todos a favor da livre manifestação das ideias e também achamos que a ordem pública deve ser mantida. OK. Mas uma manifestação pode bloquear a entrada de um hospital ou de uma escola ou de uma repartição que atenda o público? O grevista pode tentar convencer o não grevista? E se o não grevista não quiser ouvir? A autoridade pública, democraticamente eleita, pode vetar manifestações em determinadas áreas da cidade ou em determinados horários? É livre o bloqueio do trânsito, como parecer ser por aqui? O grupo político tem que comunicar previamente data e trajeto da manifestação ou pode sair por aí? A polícia pode bloquear um grupo de mascarados que se aproxima de um banco, uma loja ou um prédio público? Pode prender por suspeita de que haverá um saque ou só pode agir depois que o saque começa? Aliás, o que caracteriza uma manifestação? (A reunião de duas ou mais pessoas, diz a Corte americana).

Resumo da ópera: a lei e as cortes, democraticamente, precisam dizer concretamente o que pode e o que não pode.

Futebol e imposto - EVERARDO MACIEL

O ESTADÃO - 07/08


Depois da inesquecivelmente trágica campanha do Brasil na Copa do Mundo, está em discussão, no Congresso Nacional, projeto que promove mudanças na legislação esportiva. Qualquer que seja o encaminhamento, entendo que são indispensáveis a reestruturação das agremiações esportivas e o retorno dos torcedores aos estádios. Não há bom futebol sem clubes fortes e sem torcida.

No cerne dos debates está a enorme dívida fiscal dos clubes de futebol, para a qual se aventa a possibilidade de um longo parcelamento.

Parcelamento de débitos é prática comum às administrações fiscais em todo o mundo, como de resto ocorre com dívidas bancárias, comerciais e pessoais. No Brasil, é expressamente previsto no Código Tributário Nacional.

Usualmente, os parcelamentos são de curto prazo. Mas, nos últimos anos, foram concedidos, com impressionante frequência, parcelamentos de longo prazo, cujos beneficiários costumam reincidir na inadimplência tão logo alcançados os objetivos colimados com a específica certidão de débitos (participação em licitações públicas, contratação com o setor público, etc.). Essa inadimplência tem inúmeras causas, mas não raro decorre da incompatibilidade entre o valor da parcela e a capacidade de pagamento do devedor.

A combinação de parcelamentos com anistia e remissão configura um procedimento deplorável, extremamente desrespeitoso com os contribuintes que cumpriram regularmente suas obrigações. A despeito de previstas na legislação, a anistia e a remissão somente devem ser admitidas em situações excepcionais.

A dívida fiscal dos clubes de futebol, em condições normais, é impagável, na grande maioria dos casos. O parcelamento, contudo, não é a solução. Como assegurar, qualquer que seja o prazo do parcelamento, que o valor da parcela é, ao longo do tempo, compatível com a capacidade de pagamento, especialmente quando se considera a desordem financeira, administrativa e fiscal dos clubes de futebol?

O pagamento só será viável com a completa reestruturação dessas agremiações, e isso exige tempo. A solução adequada, nesse caso, é uma moratória por prazo curto (dois ou três anos). Esse instituto suspende a exigibilidade do crédito tributário, podendo condicionar a concessão à observância de certos requisitos. No caso, o requisito essencial seria o imediato ingresso num regime especial administrativo e fiscal das agremiações esportivas.

O núcleo do regime seria a constituição de sociedades empresariais de capital aberto, cujo principal acionista seria a atual agremiação esportiva, que transferiria para aquelas seus bens e direitos, a título de integralização de capital, bem como seus débitos de qualquer natureza.

Além disso, as sociedades empresariais se obrigariam ao pagamento regular dos seus empregados, FGTS, encargos trabalhistas e previdenciários, sendo isentos os demais tributos, enquanto perdurar a moratória. Essa exigência ficaria também sujeita a regras claras de transparência e a programas sistemáticos de fiscalização pelos órgãos especializados.

Os dirigentes, por sua vez, assumiriam responsabilidade solidária sobre infrações e dívidas das sociedades.

Em relação à dívida fiscal, poderiam ser deduzidos gastos com formação dos atletas e preparadores técnicos (inclusive educação formal), construção de centros de treinamento, promoção de esportes olímpicos e futebol feminino, aquisição de equipamentos vinculados à medicina esportiva, etc.

Seriam extintos os direitos econômicos sobre os atletas, remanescendo os direitos federativos, que teriam, também, efeitos econômicos. Desse modo, seria eliminado o que hoje faz a fortuna dos empresários e de investidores e a ruína do futebol brasileiro.

No que concerne ao retorno das torcidas aos estádios, a constituição de agremiações sólidas e com capacidade para constituir boas equipes já seria em si um grande estímulo, porém é indispensável que se promova a interdição das chamadas torcidas organizadas, qualificáveis quase sempre como associações criminosas.

Lula e Dilma, a comparação relevante - ROBERTO MACEDO

O ESTADÃO - 07/08


Relevante porque, no regime presidencial-majestático da política brasileira, cabe exorcizar o personalismo de presidentes que se autoatribuem sucessos pelos quais não foram tanto ou mesmo nada responsáveis, ao mesmo tempo que escondem fracassos de suas ações. Para identificar uma coisa e outra é preciso examinar as circunstâncias em que ocorreram essas ações de modo a identificar o que de fato resultou delas e as demais causas. Como disse um filósofo, a pessoa é inseparável das circunstâncias no seu entorno.

Relevante também porque, nas circunstâncias eleitorais do momento, o personalismo autogratificante tende a ser exacerbado pela candidata à reeleição, alcançando também feitos atribuídos a seu antecessor. E ao fazer isso recorre a comparações dos quase 12 anos de governos petistas com os oito de Fernando Henrique Cardoso, sem atentar para as diferentes circunstâncias que marcaram os dois períodos. A oposição não pode entrar nesse jogo. Seus esforços devem ser dirigidos a outros afazeres, como o da comparação que intitula este artigo.

Segue-se um esboço dela na área econômica.

Na economia de um país, ações de seu governo usualmente se voltam para promover o crescimento do produto interno bruto (PIB), mas sem descuidar da inflação, das contas públicas e das externas. Desequilíbrios nessas áreas, no Brasil já embrionários, podem levar a sérias crises. Diante das desigualdades sociais do País, também é indispensável um esforço para reduzi-las.

Quanto ao PIB em si, a comparação com o período Lula é fortemente desfavorável a Dilma. Naquele período, a média aritmética das taxas anuais de variação do PIB foi 4,1%. Sob Dilma, e supondo uma taxa de 1% em 2014, essa média caiu para 1,8%. Mas é descabido avaliar desempenhos apenas por essas taxas, pois isso implicaria dizer que o PIB de um país depende apenas do que fazem seus presidentes, um imenso absurdo.

Mas na campanha de 2010, e mesmo depois de eleger-se, Dilma sempre seguiu esse personalismo, apregoando que Lula e ela, como sua "gerentona", haviam ampliado fortemente o crescimento do PIB, criado milhões de empregos, e por aí afora. Agora, o que ela vai dizer? Há indícios de que o bode expiatório será o desempenho da economia mundial, mais fraco na sua gestão.

Mas esse argumento só pegará se o Brasil for um país de tolos. O aspecto mais frágil da nossa economia é que ela investe pouquíssimo na expansão da sua capacidade produtiva, com o que não produz PIB bem maior. Tome-se a China, que em 2014 também vai derrotar o Brasil pelo humilhante placar de 7 a 1. Isso numa imaginária Copa do PIB em que cada 1% de crescimento valesse um gol. Mas por muitos anos a China se preparou para ganhar essas Copas investindo perto de 40% do seu PIB, enquanto o Brasil está em míseros 18%. Poder-se-ia argumentar que o país asiático tem governo autoritário, sua população é mais disciplinada e poupadora que a nossa, etc. Mas aqui perto, na América Latina, países como México, Chile, Colômbia e Peru, que investem perto de 25% do PIB, nas suas taxas de crescimento também derrotam o Brasil com folga, com placares de 3 a 1 e até de 5 a 1, conforme previsões para 2014. E, o que é importantíssimo, também enfrentando a mesma fragilidade da economia mundial com que o Brasil se depara.

Voltando aos anos Lula, o então maior crescimento do PIB, conforme a referida média, foi muito beneficiado por um período de bom desempenho da economia mundial. Dessa vez, marcado pelo forte aumento da demanda chinesa por nossas commodities, o que também aumentou seus preços. Outra força muito forte foi a expansão do crédito no Brasil, que cresceu perto de 20% do PIB entre 2002 e 2010, uma enormidade se comparada com o crescimento dos gastos sociais federais, que no mesmo período foi de 1,6% do PIB. Muitas vezes este último aumento é equivocadamente apontado como fator preponderante, embora de impacto bem menor que os outros dois citados.

Foi nesse quadro de vacas gordas que Lula cometeu um erro gravíssimo, o de crer que tal cenário continuaria indefinidamente e não optar por fortalecer a economia com mais investimentos. Dilma, em seguida, tampouco percebeu que o impulso vindo de fora para dentro do País e aqui os da expansão do crédito ao consumo haviam perdido a maior parte do seu ímpeto. O crédito, contido pelo maior endividamento dos devedores e pela maior cautela dos bancos ao concedê-lo. De sua parte, o governo continuou gastando cada vez mais sustentado pela mesma crença e disfarçando com a tal "contabilidade criativa" a consequente piora do estado de suas finanças. E, na microeconomia dos setores, Dilma interveio de forma contundente e equivocada nos seus preços, prejudicando seriamente o elétrico, o petrolífero e o sucroenergético, no processo danificando até suas queridíssimas empresas estatais envolvidas nos dois primeiros.

Tudo isso gerou o atual clima de pessimismo quanto à economia e de desconfiança no governo federal. Desse ambiente a presidente Dilma se queixa a empresários, sem reconhecer a culpa por seus próprios erros e mudar com vigor o rumo de sua política econômica.

Assim, o que se pode concluir desse retrospecto é que Lula não foi o maior responsável pelo crescimento do PIB no seu mandato, e deixou como legado um insustentável modelo de crescimento. Só mais tarde Dilma percebeu que não funcionava. E, já de olho nas urnas, optou pelo intervencionismo setorial, não tendo assim como escapar a uma responsabilidade maior pelo mau desempenho da economia.

Se culpar a economia mundial pelas taxinhas do PIB no seu governo, terá de admitir que à mesma economia cabe o devido crédito pelas taxas maiores do governo Lula, que surfou em ondas impulsionadas pelas circunstâncias. Em síntese, a comparação deixa ambos longe do conforto em que se imaginam.

É a economia, candidatos - CELSO MING

O ESTADÃO - 07/08


A novidade da campanha eleitoral deste ano é a de que os debates começaram expondo temas preponderantemente econômicos

A novidade da campanha eleitoral deste ano é a de que os debates começaram expondo temas preponderantemente econômicos.

Por enquanto, ativeram-se a públicos fechados, como o de fóruns e sabatinas entre candidatos e empresários, promovidos por instituições da Imprensa e por organismos representativos da Indústria e do Agronegócio. As posições dos candidatos ainda são um tanto vagas e expostas sem ordem de prioridades.

Mas já sabemos que a inflação está corroendo demais o poder aquisitivo do trabalhador e a capacidade de previsão nos negócios e que, por isso, exige contra-ataque mais eficiente do que vem tendo. Há uma percepção generalizada de que avanços tão medíocres do PIB pioram tudo: a arrecadação de impostos, o investimento, o emprego, a qualidade de vida.

Ficou claro que a política cambial não pode continuar a desempenhar uma função imprópria e injustificada, como a de ajudar a controlar a escalada dos preços, como hoje acontece. A sociedade avisa que os juros têm de cair, porque vêm tornando proibitivos os custos do crédito. E que, com ou sem tarifaço, os preços administrados (combustíveis, energia elétrica, transportes urbanos) exigem correção e regras claras para que não continuem a criar distorções.

Há consenso em que a infraestrutura é ruim e cara, que o governo não vem conseguindo dar agilidade aos investimentos. Enfim, que é preciso criar um ambiente mais saudável para a atividade econômica e que o comércio exterior está emperrado e precisa ser destravado.

Em certo sentido, as reivindicações são recorrentes como também o são os compromissos de campanha manifestados pelos candidatos.

Os três principais deles (foto) concordam em que não há como escapar das reformas que vêm sendo sistematicamente postergadas. Mostram-se mais à vontade para falar de reformas do sistema tributário e do sistema político, mas preferem se omitir quanto às das leis trabalhistas e as do sistema previdenciário. De qualquer maneira, os candidatos não avançaram em como encaminhariam projetos nesse sentido.

A oposição parece mais consciente do que o governo de que não é possível dar um novo salto de qualidade na política econômica e no rumo do desenvolvimento sem que antes se coloquem em ordem as contas públicas e, até mesmo, sem antes obter um mais alentado superávit primário (parcela de arrecadação destinada ao pagamento da dívida), para criar confiança e condições para um crescimento sustentável.

É possível que estes não sejam os temas que mais comparecerão aos programas de propaganda gratuita por rádio e por televisão, que vão começar no dia 19 deste mês, porque podem parecer um tanto áridos na comunicação com as massas, numa campanha eleitoral que trabalha especialmente com as emoções. Mas indicam que as preocupações de quem decide não se atêm apenas nem prioritariamente a questões de Saúde, Educação, Segurança e Corrupção, como em geral se argumenta, mas aos problemas que, tanto quanto estes ou até mais, mexem com o bolso do eleitor.

Fracasso do Mercosul
Os debates pré-eleitorais acentuaram os problemas comerciais do Brasil que decorrem da falta de negociações e do fracasso do Mercosul.

Cemitério
Nesta quarta-feira, o ex-ministro Delfim Netto denunciou “o abandono da política comercial”. E prosseguiu: “Nos amarramos ao Mercosul, que não funciona. Transformamos o Atlântico Sul num cemitério. Abandonamos o comércio exterior como vetor de crescimento”.

Os estranhos números da Previdência - RIBAMAR OLIVEIRA

VALOR ECONÔMICO - 07/08


Déficit está longe daquele previsto pela Fazenda


O custo neste ano da desoneração da folha de pagamento dos 56 setores industriais e de serviços beneficiados com a medida será maior do que o governo previa. De janeiro a junho, o Tesouro transferiu para a Previdência Social R$ 8,2 bilhões a título de compensação pela desoneração da folha, de acordo com dados do Ministério da Fazenda, divulgados na semana passada.

Em fevereiro, ao anunciar a programação orçamentária e financeira de 2014, a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, estimou a despesa em R$ 11 bilhões em todo o ano. Mas se a média mensal do gasto do primeiro semestre se repetir no segundo, a despesa total pode superar R$ 16 bilhões.

A estimativa de R$ 11 bilhões apresentada pela ministra fez parte do contingenciamento de R$ 44 bilhões nas dotações orçamentárias, que o governo diz ser necessário para alcançar a meta de superávit primário de 1,9% do PIB para todo o setor público neste ano. Do contingenciamento total, R$ 30,5 bilhões se referem a despesas discricionárias (que o governo não tem obrigação legal de executar) e R$ 13,5 bilhões a despesas obrigatórias.

Nesse último valor foi incluída a redução de R$ 6 bilhões na estimativa de gasto com a desoneração da folha, prevista em R$ 17 bilhões no Orçamento. O governo terá que refazer suas contas e escolher outros gastos a serem cortados para compensar o aumento da despesa com a Previdência e, assim, não reduzir o superávit. Questionado pelo Valor, o Ministério do Planejamento não confirmou a mudança na estimativa, mas disse que ela será feita, se for necessário.

O aumento do custo da desoneração da folha é apenas um dado das contas da Previdência que, neste ano, estão envoltas em mistérios e polêmicas, desde que, em abril, o ex-secretário de Política de Previdência Social Leonardo Rolim Guimarães pediu demissão por discordar da previsão de R$ 40,1 bilhões do Ministério da Fazenda para o déficit do sistema previdenciário em 2014. Quando estava no cargo, o ministro Garibaldi Alves trabalhava com a estimativa de que o déficit deste ano ficaria próximo do registrado em 2013, de R$ 49,9 bilhões.

Os dados da execução orçamentária no primeiro semestre parecem dar razão ao ex-secretário. No período de julho de 2013 a junho de 2014, ou seja, no acumulado dos 12 meses terminados em junho, o déficit do sistema previdenciário está em R$ 47,68 bilhões, de acordo com o Ministério da Previdência. Se, a esse valor, forem somados os R$ 3,1 bilhões de passivo judicial que deveriam ter sido pagos em abril e foram adiados pelo Tesouro para outubro, o déficit acumulado nos 12 meses terminados em junho atingiria R$ 50,78 bilhões. De qualquer maneira, o pagamento dos precatórios adiados impactará as contas da Previdência no segundo semestre, elevando o déficit.

O déficit de R$ 47,68 bilhões dos últimos 12 meses terminados em junho, estimado pelo Ministério da Previdência, foi calculado incluindo a compensação do Tesouro à Previdência pela perda de receita com a desoneração da folha. Essa compensação foi tornada obrigatória pela Lei 12.546/2011, por pressão das lideranças sindicais de trabalhadores, com o objetivo de mostrar que a queda de receita da Previdência resulta da mudança e não de desequilíbrios estruturais do sistema. Ao substituir a contribuição patronal sobre a folha de pagamentos por uma contribuição sobre a receita bruta, a lei permitiu uma redução efetiva do encargo previdenciário de 56 setores industriais e de serviços.

O fato de o Tesouro compensar a perda de receita da Previdência com a desoneração da folha não muda o déficit previdenciário. Esse é um aspecto que os leitores precisam considerar. O Tesouro sempre foi obrigado a cobrir o déficit previdenciário, pois os aposentados e pensionistas não podem deixar de receber os seus proventos. Então, dizer que o Tesouro vai compensar a Previdência pela perda de receita em virtude da desoneração da folha, é uma forma de evitar falar que o déficit previdenciário aumentou com a desoneração. A compensação diminui o déficit na contabilidade da Previdência, mas aumenta o gasto do Tesouro, pois a compensação é uma despesa do Tesouro.

De janeiro a junho de 2013, o Tesouro transferiu à Previdência R$ 3,5 bilhões a título de compensação da desoneração da folha. Se esse valor for retirado da receita previdenciária, o déficit da Previdência no período aumenta de R$ 27 bilhões para R$ 30,5 bilhões. De janeiro a junho de 2014, o Tesouro transferiu à Previdência R$ 8,2 bilhões. Se esse valor for retirado da receita previdenciária, o déficit aumenta de R$ 23,2 bilhões para R$ 31,4 bilhões, mesmo com o adiamento do pagamento do passivo judicial de abril para novembro.

Há uma questão que precisa ser avaliada. Da forma como está sendo registrada a compensação da desoneração da folha, ocorre dupla contagem da receita. O dinheiro que é transferido para a Previdência é fruto de tributos federais arrecadados e, como tal, é contabilizado como receita do Tesouro Nacional. Ao ingressar nos cofres da Previdência, é contabilizado também como receita. Assim, os mesmos recursos são contabilizados duas vezes como receita.

Neste ano, a Previdência está exibindo números estranhos, para os quais ainda não há explicação oficial. A despesa com benefícios rurais (excluindo o passivo judicial) apresentou queda nominal e real em fevereiro deste ano em relação ao mês anterior, mesmo não tendo ocorrido redução do número de benefícios. A despesa com benefícios previdenciários (excluindo o passivo judicial) de janeiro a abril deste ano apresentou queda real de 0,3% (utilizando-se o IPCA como deflator) em comparação com igual período de 2013. Isso ocorreu mesmo com um aumento de um milhão no estoque de benefícios previdenciários e da elevação do valor médio real dos benefícios pagos. O Valor não conseguiu explicações do Ministério da Previdência para esses números até o fechamento desta edição.

O número mais misterioso, no entanto, está relacionado ao fluxo de concessão de novos benefícios. A quantidade de benefícios concedidos cresceu 3,2% de janeiro a março deste ano, em relação ao mesmo período de 2013. Mas a quantidade de benefícios concedidos começou a cair a partir de abril, de tal forma que de janeiro a junho deste ano já foi registrada queda de 2,2% em relação ao mesmo período do ano passado. O Valor não conseguiu uma explicação oficial para esse fenômeno.

Se por exemplo chover - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 07/08


Se chover acima da média histórica na estação chuvosa, ainda assim haverá uma conta de energia amarga para se pagar nos próximos anos. O preço já foi determinado por decisões anteriores. No ano passado, o governo emprestou R$ 10 bilhões para as distribuidoras. Agora, são mais R$ 17,7 bilhões e sobre esses recaem juros bancários. Chova ou faça sol, será cobrado do consumidor.

Há variáveis que podem mitigar o problema, mas a conta já está alta demais pelos custos nos quais as empresas já incorreram que serão transferidos para as contas de luz por determinação do próprio órgão regulador. O empréstimo foi tomado em nome da sociedade.

- É possível prever, sim, o impacto nas contas de luz e não depende da hidrologia, porque a maior parte dos fatos já ocorreu, é jogo jogado - explica Mário Veiga, da consultoria PSR.

Começando de 2013, o Tesouro fez um depósito de R$ 8,5 bilhões na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) para atenuar os efeitos da MP 579. Além disso, o governo emprestou sem juros R$ 10 bilhões para as distribuidoras para elas pagarem em cinco anos a partir de 2014. Quando chegou este ano, o governo decidiu começar a cobrar a partir do ano que vem. Isso irá para as contas de luz.

Em 2014, o governo induziu o setor privado a tomar dois empréstimos, até agora, para cobrir as diferenças entre custo e receita das distribuidoras, e o aval bancário é o aumento futuro da conta de luz.

- Isso é o gasto projetado do setor elétrico adicional à tarifa que seria cobrada normalmente. Acho curioso dizer que depende da hidrologia para haver ou não um tarifaço, porque ele já está acontecendo, o aumento médio este ano das empresas está em 25% e nesse reajuste não estão embutidos os empréstimos feitos às distribuidoras - diz Mário Veiga.

Ele sustenta que definitivamente "a culpa não é da chuva", porque, pelos dados que tem, esse não é nem o pior nem o segundo pior ano de média histórica de chuvas, mas sim o nono ano pior. E 2013 foi um ano excelente.

Os empréstimos às distribuidoras, mais o uso intensivo das térmicas, criaram um custo que será repassado ao consumidor. No ano passado, apesar da boa quantidade de chuvas, as térmicas ficaram ligadas quase o ano inteiro e isso encareceu a energia. Os erros nos leilões deixaram empresas expostas ao preço da energia no mercado de curto prazo. Em 2008, também as cotações no mercado de curto prazo subiram, mas não houve problema porque as distribuidoras tinham contratado a energia que precisavam. As compras foram apenas residuais.

E o problema é que, se o preço aumentar muito, podem ocorrer vários efeitos colaterais complicados. Um exemplo é o aumento da inadimplência. E o outro é o da queda da demanda por redução do consumo da energia industrial. Essa queda da demanda não seria por programas de eficiência energética, mas por queda do nível de atividade, como está acontecendo agora.

Há outros fantasmas rondando. A Eletrobrás vai receber R$ 6,5 bilhões de empréstimo, para fazer seu plano de negócios, e quem vai emprestar é a Caixa e o Banco do Brasil. Desse dinheiro, tirará uma parcela de R$ 425 milhões para um pagamento emergencial à Petrobras, a quem deve R$ 6,1 bilhões. Uma bomba de custos, déficit e dívida foi armada.

Bom é ouvir Maricotinha, de Dorival Caymmi, para pensar na vinda ou não da chuva. Na crise do setor elétrico, é melhor não esperar para decidir apenas se fizer bom tempo. Ainda que chova, o problema não se resolve sozinho. Na música, há o delicioso dilema de Caymmi ir ou não ir. Na vida real, será preciso enfrentar a pilha de problemas que se acumularam no setor e que vai inevitavelmente impactar os preços dos próximos anos.

A máquina age - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 07/08

O que de mais grave está acontecendo nos últimos dias, especialmente no caso da Petrobras, é a banalização das ações intervencionistas do governo, como se transformar uma CPI em farsa ou pressionar um órgão fiscalizador como o TCU fossem tarefas de um governo democrático que tenha um mínimo de postura legalista.
O caso do banco Santander já se transformou num exemplo de pressão governamental bem-sucedida graças à fragilidade da sua direção. É preocupante que, em diversos níveis, de meros assessores a ministros de Estado, passando pela própria presidente da República, se tente justificar o injustificável, a ingerência de uma máquina pública para tentar travar as investigações sobre falcatruas promovidas na Petrobras.

Ontem, se viu pela primeira vez na história do Tribunal de Contas da União (TCU) um advogado-geral da União fazer a defesa oral de ex-diretores da Petrobras acusados de prejuízos causados à estatal. O que incomoda os ex-diretores não é a acusação, aprovada por unanimidade, de terem causado prejuízos à Petrobras, mas terem tido seus bens pessoais bloqueados.

Até mesmo a presidente da estatal, Graça Forster, já entrou com ação preventiva no Supremo tribunal Federal (STF) para tentar impedir que venha a ter os seus bens bloqueados quando o TCU decidir se deve incluí-la na lista dos culpados, pois era diretora na época em que o negócio da refinaria de Pasadena foi discutido na Justiça dos Estados Unidos, tendo aumentado o prejuízo da estatal brasileira.

A decisão de não cumprir a sentença de uma disputa arbitral e levar o assunto para a Justiça foi tomada pelo Conselho de Administração da Petrobras, à época presidido pela hoje presidente Dilma. Por isso, toda a preocupação do advogado-geral da União: se Graça Forster, que era uma simples diretora, pode ter seus bens bloqueados, por que não os membros do Conselho que mandaram a diretoria discutir o assunto na Justiça americana?

A alegação é que Graça Forster não era diretora à época da compra da refinaria, e não deveria ter a mesma punição que os demais diretores envolvidos diretamente na aquisição que se revelou prejudicial aos cofres da estatal.

O relator do caso, ministro José Jorge, tem sido pressionado desde o primeiro instante, e até mesmo o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, foi ao TCU reforçar a tentativa da AGU de adiar o julgamento do caso. José Jorge chegou ao tribunal por indicação de Fernando Henrique Cardoso, de quem fora ministro das Minas e Energia. Presidiu o Conselho de Administração da Petrobras, e os petistas põem em sua conta medidas polêmicas que teriam causado prejuízos à Petrobras: troca de ações com uma subsidiária da Repsol, na Argentina, e o naufrágio da plataforma oceânica P-36.

Assim como supervalorizam os prejuízos da época tucana, minimizam os da era petista, transformando essa disputa política em algo próximo ao ridículo. O fato é que, nas duas ocasiões, o ministro José Jorge, na mira dos petistas da CPI da Petrobras que virou suco, recuou em suas decisões: não incluiu os membros do Conselho de Administração no rol dos culpados, e, ontem, retirou o seu voto a favor da inclusão de Graça Forster na lista, para analisar a defesa do advogado-geral da União.

Nos dois casos, alegou que foi um recuo estratégico, pois o governo havia feito um trabalho entre os ministros, e ele perderia a votação se radicalizasse na sua decisão. Aguarda momento mais oportuno para voltar ao tema, mas não há prazo para a decisão.

Toda movimentação governista para blindar a presidente Dilma e proteger até mesmo ex-diretores como Nestor Cerveró, demitido da Petrobras com seis anos de atraso por ter feito um relatório tecnicamente falho, segundo a própria presidente Dilma, só demonstra que essa tenebrosa transação nos Estados Unidos tem o poder de colocar em xeque toda a estrutura técnica da Petrobras e levar de enxurrada os membros daquele Conselho de Administração que autorizou um negócio que se provou prejudicial.

Estamos vendo em ação a máquina estatal aparelhada pelo petismo agindo em várias frentes em plena luz do dia para fragilizar a democracia.

Mudar por mudar? - ELIANE CANTANHÊDE

FOLHA DE SP - 07/08


BRASÍLIA - "A Dilma é muito ruim, está fazendo tudo errado, mas se for outro vai fazer diferente? Será? Então, para que trocar?"

A frase, de uma eleitora na faixa de 55 anos, com nível médio de escolaridade e renda de 2 a 5 salários mínimos, resume na prática, coloquialmente, o precioso artigo "Sem Rumo", do colega Mauricio Puls, na página A2 do último sábado (2).

Dilma caiu drasticamente nas pesquisas desde as manifestações de junho de 2013 e jamais voltou aos patamares recordes que tinha. Nem por isso a oposição está bombando.

Aécio Neves, Eduardo Campos e o Pastor Everaldo, somados, têm 31% das intenções de voto. Os três maiores opositores de 2010 chegavam a 48%, e os de 2006 tinham 39% na mesma fase da campanha. Mesmo assim, nas duas, o Planalto ganhou e a oposição perdeu.

Logo, Dilma não está nada bem, mas a oposição não convence e não tem nenhum motivo para comemorar. A conclusão de Puls é que "o eleitor prefere o conhecido ao desconhecido: mudar, só em último caso".

Mais de 70% dos entrevistados vêm demonstrando desejo de mudança e está claro por que mudar, mas a questão, como colocou a eleitora aqui citada, é: mudar para quem, para onde, para o quê?

Na sabatina desta quarta (6), para produtores rurais, viu-se com alguma clareza qual a estratégia dos três principais candidatos para palanques e programas eleitorais na TV e no rádio. Dilma vai elencar, com profusão de números e imagens, o que fez; Aécio vai se mostrar afável, moderno e confiável para o setor privado; Eduardo Campos vai pintar de eficiente e fazer promessas.

A forma é favorável à reeleição, porque mudar só por mudar soa como trocar seis por meia dúzia. É insuficiente para derrotar quem está no poder, com a faca, o queijo e a tal profusão de números e imagens para mostrar. Aécio e Campos nem precisam tanto que Dilma caia, precisam é subir. Como? Eles que o digam.

Pedra sobre pedra - DORA KRAMER

O ESTADÃO - 07/08


A pergunta é: se não há nada de errado na Petrobrás, qual a razão de tanto esforço para impedir que as investigações sobre os negócios da companhia, com destaque para a compra da refinaria de Pasadena, prosperem de maneira independente?

Nos últimos dias de março, há pouco mais de quatro meses, a presidente da empresa, Graça Foster, informou sobre a abertura de uma comissão de inquérito interna que em 45 dias iria apurar os fatos relativos à compra da refinaria.

"Não sobrará pedra sobre pedra", avisou em entrevista ao jornal O Globo, sugerindo rigor e transparência nos procedimentos.

De lá para cá, no entanto, o que se viu não foi uma demolição de entraves aos esclarecimentos. Observa-se, antes, a construção, pedra sobre pedra, de barreiras de proteção em torno de diretores, ex-dirigentes e tudo o mais que diga respeito à Petrobrás.

Proteção à empresa? Não foi isso o que se fez permitindo-se o uso político dos preços dos combustíveis e a desvalorização de suas ações.

A blindagem se dá mediante a ação conjunta da estatal, do governo e de seus aliados no Congresso. Os diretores em princípio responsabilizados pelo Tribunal de Contas da União pelo prejuízo de US$ 792 milhões terão a cobertura das despesas com as multas, ressarcimentos e custos com advogados garantidos por seguro da própria Petrobrás.

Aqueles que foram apontados pela presidente da República como responsáveis por tê-la induzido e aos integrantes do Conselho de Administração ao erro de aprovar um negócio que viria a provocar o prejuízo da ordem apurada pelo TCU, hoje estão todos do mesmo lado.

Há uma CPI para investigar, mas nessa investigação tudo é previamente combinado entre investigados e investigadores. Francamente, não há outra maneira - a não ser que alguém explique de forma didática - de entender o que se passa: existe uma ação conjunta para impedir que se conheçam os meandros daquela negociação e a verdade sobre a responsabilidade de cada um.

O que se pretende, ao que parece, é pôr uma pedra, se não várias, sobre essa história. E a cada dia surge uma nova armação. A mais recente aparece em decorrência da revelação das cartas marcadas na CPI do Senado.

De um lado, o PT propõe criar duas outras comissões de inquérito para atingir a oposição. Não porque queira investigar de fato, mas porque pretende assim desviar o foco.

De outro, o Senado faz dois gestos tão teatrais quanto vazios. O presidente da CPI, Vital do Rêgo, encaminha ofício à Polícia Federal pedindo que investigue a própria CPI, sabendo que a PF não vai entrar numa fria dessa envergadura.

O presidente da Casa, Renan Calheiros, empenha todo seu notório capital de credibilidade para informar que considera "muito grave" a denúncia de acertos de perguntas e respostas e, diligente, anuncia a criação de uma comissão interna de sindicância.

Faz isso na maior seriedade, como se alguém pudesse confiar na independência da comissão formada por três servidores do Senado encarregados de uma investigação cujo resultado pode apontar o envolvimento de senadores governistas, de assessores da Casa Civil do Palácio do Planalto e de funcionários da Petrobrás.

Calheiros pede "pressa" na apuração e ensina que "CPI é uma instituição que não pode ser arranhada, um instrumento fundamental de fiscalização". Seria de rir a desfaçatez, não fosse de lamentar o cinismo.

Bicudos. Em vários momentos de sua apresentação na Confederação Nacional da Agricultura, Eduardo Campos provocou na plateia reação de muito agrado. Já a referência feita ao final por ele à vice, dizendo ter certeza de que Marina Silva era ali "muito bem vinda", mereceu a frieza do silêncio.

Em seguida a ex-senadora subiu ao palco para as despedidas deixando claro no semblante que a recíproca era verdadeira.

República Suvinil - ALAN GRIPP

FOLHA DE SP - 07/08


SÃO PAULO - O paulistano que esteve fora da cidade nas últimas semanas provavelmente se surpreendeu com os grandes corredores vermelhos nas ruas, especialmente no centro, pintados de uma tacada só.

Com a popularidade "padrão Pitta" e a missão de alavancar um candidato esquálido a governador, o prefeito Fernando Haddad (PT) acelerou a implantação de ciclovias na tentativa de imprimir uma marca num mandato até aqui apagado.

A iniciativa lembra a criação frenética das faixas de ônibus, em 2013, quando o petista precisava reagir aos protestos de rua, que clamavam por mobilidade urbana. Na campanha, Haddad prometeu 150 km de faixas até o fim do governo; com a faca no pescoço, fez 300 km em seis meses.

O impacto das ciclovias também é significativo: o prefeito anunciou 10 km por semana, 400 km ao todo.

A chiadeira já começou. Moradores e comerciantes de Santa Cecília reclamam por não terem sido avisados com antecedência e pela eliminação de vagas de rua --em toda a cidade, serão 40 mil a menos.

A despeito do atropelo e do queixume habitual, a novidade é bem-vinda. São Paulo precisa retirar carros da rua, e a experiência de grandes cidades nos ensina que, infelizmente, isso só se dá a fórceps.

O problema é que os paulistanos que bradam contra essas medidas também têm razão em seu argumento principal: a cidade não oferece transporte público satisfatório.

No caso de Haddad, a parte que lhe cabe é a construção de 150 km de corredores de ônibus, mais eficientes que as faixas e que os corredores atuais, com pistas segregadas, pontos de ultrapassagem e estações semelhantes a de um metrô convencional.

Encalacrado financeiramente, Haddad ainda não conseguiu nem sequer concluir a licitação. Suas intervenções mais visíveis nessa seara são aquelas à base de tinta. Podem até resultar numa marca, mas são incapazes de promover a transformação que a cidade necessita.

Um país legítimo - SÓCRATES NOLASCO

O GLOBO - 07/08


Judeus não foram para a Palestina, eles já estavam lá. Em Israel há projetos que integram os dois povos



O articulista da “Folha de S. Paulo” Ricardo Melo escreveu: “Inexiste solução para a crise do Oriente Médio, que não inclua o fim do Estado de Israel.” Porém, qualquer argumento está fadado ao fracasso se as análises que o sustentam partem de crenças e não de fatos. Quando isso ocorre, tem-se um texto com impressões pessoais, usadas como recurso para provar ao leitor que aquele que o escreveu está correto.

Faltam informações a Melo sobre a origem do povo judeu. Vitimizar os civis de Gaza lhe serve como argumento, mas não resolve o problema dos palestinos submetidos ao Hamas. Para ele, o que garante a existência do Estado de Israel é o apoio dos EUA. Se for só isto, os índios brasileiros teriam um futuro melhor caso os EUA os apoiassem?

Israel sobreviveu à Guerra de 1948 e se tornou um país democrático, do ponto de vista religioso, político e social. Dos países do Oriente Médio, é o que tem o IDH mais alto. Nele, homens e mulheres são iguais perante a lei, o casamento entre pessoas do mesmo sexo é reconhecido, há liberdade religiosa, representatividade dos árabes e minorias no parlamento e eleições livres, o que o distingue dos países da região. Nele há igrejas, mesquitas e sinagogas. É um dos países que mais investem em pesquisa e desenvolvimento em relação ao PIB, tem o maior número de autores publicados nos campos das ciências naturais, engenharia, agricultura e medicina. Até hoje, dez israelenses ganharam o Prêmio Nobel em diferentes áreas. É este país que Melo quer eliminar? Será que seus argumentos foram produzidos pelo desencanto de quem assiste à derrocada da esquerda no mundo, uma esquerda ineficiente para transformar as sociedades, mas eficiente, como a direita, para fomentar guerras?

Sobre um solo duro e seco, construiu-se com otimismo e fé um país que não mede esforços para resgatar judeus, como foi o caso dos etíopes. A democracia israelense não incomoda só países que fazem parte do Oriente Médio, mas também políticos sul-americanos que se distanciaram das necessidades da população, para investirem na permanência no poder. O judeus começaram sua história como escravos fugidos do Egito que retornaram à terra de seus patriarcas para constituírem uma nação. Nela proclamaram um reino, posteriormente divido em dois. Um deles foi derrotado pelos assírios (722 AC) e o outro pelos babilônios (586 AC). Exilados pelos vitoriosos, retornaram à terra de seus ancestrais, criando nela um segundo Estado. Contudo, foram derrotados pelos romanos (70 DC) e, contrariando os precedentes, os vencidos sobreviveram em comunidades dispersas, ressurgindo dois mil anos depois pela terceira vez.

Em 1948, Israel se tornou independente. Os judeus não foram para a Palestina, eles já estavam lá. Atualmente em Israel há projetos que integram árabes e judeus que se recusam a ser inimigos, como é o caso do “Hand in hand”, “Seed of peace” e Shalom Arshav (Paz Agora). É este país que se quer acabar?

Reativa-se a indústria da criação de municípios - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 07/08


Congresso volta a facilitar regras para o surgimento de prefeituras, mas, desta vez, não deverão ser vetadas por Dilma. O custo cairá sobre os contribuintes



Se a política brasileira não estivesse em um ciclo do qual uma das marcas é o mais escancarado fisiologismo, seria possível esperar que a presidente Dilma vetasse projeto de lei aprovado terça-feira no Senado para facilitar a criação de municípios.

Até porque foi o que ela fez, acertadamente, no fim do ano passado, com projeto de lei complementar semelhante. Depois de passar pelo Senado, a lei foi a Dilma e dela não passou, sob o argumento, fundamentado, de que a facilitação no surgimento de prefeituras ia contra a necessidade de controle dos gastos públicos.

Mas os tempos são outros. Os defensores da legislação agora aprovada garantem que ela é menos magnânima que a anterior. Em vez de plainar o terreno para a fundação de 400 municípios, surgiriam, agora, cerca de 200.

Ora, as razões que levaram ao veto do fim de 2013 continuam válidas. Mas, desta vez, deverá ser diferente, pois a candidata Dilma Rousseff por certo não desejará contrariar os esquemas políticos regionais que procuram criar municípios. Mesmo que seu objetivo seja apenas buscar apoio no eleitorado com a manipulação clientelista de verbas e cargos que surgem com as prefeituras.

Já se viveu esta experiência e sabe-se que o seu desfecho é mais pressão sobre o Erário. A partir da promulgação da atual Constituição, em 1988, marcada pela liberalização política, montou-se uma produtiva indústria de fundação de municípios, lastreada na falsa ideia de que a multiplicação de entes federativos melhoraria a qualidade da administração pública.

Talvez fosse assim, se os novos entes pudessem sobreviver com recursos da própria arrecadação. E não foi o que aconteceu. Da entrada em vigor da Carta a 1996, portanto em oito anos, apareceram 1.480 prefeituras. A farra foi tão intensa que, em 96, no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), aprovou-se lei complementar para cortar o ímpeto dessa indústria.

A vida real comprovou que boa parte dos novos municípios não tinha, nem tem, condições de sobreviver sem os repasses do fundo de participações. Hoje, do total de 5.700 municípios, a grande maioria é dependente desse dinheiro de estados e da União. Só existem para satisfazer caciques políticos, sem qualquer justificativa geoeconômica. A multiplicação de entes federativos também não interessa às prefeituras e estados já existentes, porque as fatias do bolo a ser repartido ficam menores.

Também na terça, o Senado aprovou emenda constitucional que aumenta em um ponto percentual os recursos transferidos ao fundo de participações dos municípios provenientes do imposto de renda e do imposto sobre produtos industrializados (IPI).

A conta, portanto, das demandas de municípios e estados vai para a União. E esta tem transferido este custo para o cada vez mais sobrecarregado contribuinte. Este será o mesmo destino das despesas que surgirão com as novas prefeituras.

Emergência no Tesouro - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S.PAULO - 07/08


Com suas contas em muito mau estado, o governo tenta arrancar dinheiro de onde puder para fechar o balanço fiscal, no fim do ano, com um resultado pelo menos próximo do prometido no começo de 2014. No esforço para cavar mais alguma receita, o Ministério da Fazenda tem pressionado a Caixa Econômica para entregar ao Tesouro o dobro dos dividendos combinados, embora isso torne praticamente inevitável um novo aporte de capital no próximo ano. Pela mesma razão, o Ministério das Comunicações tem insistido em realizar neste ano, contra a vontade da maior parte das companhias do setor, o leilão de telefonia 4G, mais uma promissora fonte de recursos extraordinários para um orçamento depauperado.

O setor público deve fechar suas contas de 2014 com R$ 99 bilhões de superávit primário, dinheiro destinado ao pagamento de pelo menos parte dos juros da dívida pública. Uma parcela de R$ 80,8 bilhões deverá ser fornecida pelo poder central (governo federal, Banco Central e Previdência). Mas a contribuição poderá ser maior, se for insuficiente o resultado obtido pelos governos de Estados e municípios e pelas estatais. Essa foi, pelo menos, a promessa formulada há meses pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega.

Conhecido o balanço fiscal do primeiro semestre, fica muito difícil de acreditar no cumprimento de qualquer dessas promessas, exceto, é claro, por meio de novos lances de criatividade contábil. A contabilidade criativa foi usada amplamente nos últimos dois anos. Sem ela, o governo teria apresentado resultados muito piores. O governo jamais conseguiu enganar a imprensa e os profissionais especializados e a opinião pública foi informada sobre os truques, mas as manobras têm sido repetidas.

Neste ano, até junho, o setor público produziu um superávit primário de apenas R$ 29,38 bilhões, 43,67% menor que de igual período de 2013. O resultado primário do governo central ficou em R$ 15,37 bilhões, 54,43% abaixo do obtido de janeiro a julho do ano passado, mesmo com a redução do déficit da Previdência de R$ 27,03 bilhões para R$ 23,16 bilhões.

A arrecadação do Tesouro ficou muito abaixo da previsão inicial e o aumento real de receita estimado para o ano já passou de 3% para 2%. Mas os detalhes tornam o quadro mais feio. Mais de dois terços do superávit primário do governo central foram proporcionados por R$ 10,49 bilhões de dividendos, uma soma 36,3% maior que a do primeiro semestre de 2013. O aumento desse tipo de contribuição resultou, obviamente, de fortes pressões.

Com o baixo ritmo da atividade econômica e a manutenção das desonerações fiscais, o governo passou a depender mais dramaticamente que nos anos anteriores de receitas especiais. Essas receitas incluem dividendos, bônus de concessões e pagamentos do Refis, isto é, do reescalonamento de dívidas tributárias. A arrecadação prevista do novo Refis foi elevada, em pouco tempo, de R$ 12,5 bilhões para R$ 18 bilhões.

A pressão sobre a Caixa Econômica é parte desse jogo. Por acordo com o governo, a Caixa deveria transferir neste ano só metade dos lucros normalmente disponíveis para dividendos. O Ministério da Fazenda resolveu romper a combinação e cobrar todo o resultado, estimado em cerca de R$ 5 bilhões. A exigência complica seriamente a situação da Caixa, forçada também a participar, juntamente com o Banco do Brasil, de uma nova operação de socorro ao setor elétrico. O governo tenta, ao mesmo tempo, maquiar suas contas com dinheiro da Caixa e socorrer empresas de eletricidade, seriamente prejudicadas pela mal planejada renovação de concessões.

Os bônus de contratos para infraestrutura também entram nesse jogo. Nas últimas semanas, o grande empenho do governo foi para realizar em setembro o leilão de telefonia 4G. A ideia era obter uma receita de uns R$ 8 bilhões para reforçar as contas do Tesouro. Além de atropelar a conveniência das teles, interessadas em adiar o leilão para 2015, o governo enfrentou uma barreira criada pelo Tribunal de Contas da União. O fechamento do balanço ainda vai dar muito trabalho.

O PIB mais maduro - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 07/08


A agenda ambiental não é mais monopólio de militantes verdes. Ganhou há tempos a atenção de empresários interessados na sobrevivência de longo prazo dos negócios. Líderes do setor se batem agora para incluir a "sustentabilidade", acrescida dos temas justiça social e qualidade de vida, na pauta da campanha eleitoral.

A face mais visível desse movimento é a carta aberta dirigida aos candidatos à Presidência pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS). A entidade, que congrega 70 grupos empresariais e 40% do PIB, pede que eles se comprometam com um rol de 22 propostas.

Trata-se de "romper a crise sistêmica que reproduz a desigualdade, esgarça o tecido social, alimenta os incentivos perversos e coloca a economia em conflito com os recursos naturais", afirma a carta subscrita por essa instituição.

Já existe tecnologia para isso, diz o CEBDS. Mas não na escala e na velocidade necessárias –as quais dependeriam de ações do governo.

Boa parte das 22 propostas elencadas repete promessas habituais em programas de governo, como melhoria nos transportes públicos, na medicina preventiva e na educação básica. Reedita-se, ainda, a tradicional queixa quanto à complexidade do licenciamento ambiental. Outras ideias, contudo, são de fato inovadoras.

Uma delas é a criação de um "Selo Brasil", para promover produtos de várias empresas cujo sucesso não só não conflita como depende da preservação do ambiente.

Outra: regulamentar o pagamento por serviços ambientais. Vale dizer, remunerar proprietários e comunidades que demonstrem benefícios mensuráveis para o meio (como proteção de mananciais por matas preservadas).

Mais difíceis de serem aceitas pelos candidatos se mostram medidas como estabelecer metas obrigatórias para melhorar indicadores de saneamento, por meio de uma Lei de Responsabilidade Sanitária. Ou, então, reduzir os subsídios aos combustíveis fósseis (carvão, derivados de petróleo e gás natural, cuja queima contribui para agravar o efeito estufa).

São objetivos ambiciosos, alguns dos quais se chocarão com interesses de corporações dotadas de influência no meio político, se não de alguns dos próprios integrantes do CEBDS (entre eles a Petrobras). No entanto, chegam ao debate eleitoral com a chancela de uma elite entre os dirigentes de empresas do Brasil.
Compete aos candidatos atentar para suas propostas e comprometer-se com o que for factível. Uma vez eleitos, caberá às organizações, ao Congresso e às empresas zelar para que cumpram o prometido.

Mais municípios - EDITORIAL ZERO HORA

ZERO HORA - 07/08


Comparado ao anterior, vetado no final do ano passado pela presidência da República, o projeto de lei complementar aprovado nesta semana pelo Senado torna mais rígidas as exigências para a criação de novos municípios. Ainda assim, abre caminho para o surgimento de pelo menos duas centenas de administrações municipais, com um impacto considerável sobre as finanças públicas. Mais uma vez, portanto, o parlamento cedeu às pressões das galerias lotadas por defensores da autonomia de localidades em muitos casos sem condições de gerar a receita necessária para garantir sua autonomia. O que está por trás disso, na maioria das vezes, é a preocupação de líderes políticos em contemplar os interesses de potenciais eleitores, reforçando suas bases.
Os brasileiros arcam ainda hoje com o impacto financeiro da farra emancipacionista que, nos anos 1990, elevou um considerável número de vilarejos à condição de cidades. Como muitas dessas localidades não tinham, como não têm hoje, condições de se manter com receitas próprias, o resultado imediato é uma redução no montante de verbas destinado pela União aos municípios já estruturados. Entre as medidas aprovadas agora com as novas regras, está justamente o aumento de um ponto percentual no montante do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). O acréscimo pode acabar não assegurando os ganhos esperados se o projeto de lei der margem a uma ampliação acelerada no número de novos municípios.
Na mais recente decisão sobre o tema, resultante de acordo entre governo e oposição, o Senado se preocupou pelo menos em evitar que, ao se tornar independente, a comunidade não implique o risco de inviabilizar o município do qual teve origem. Não são raros os casos no país em que cidades estruturadas acabaram perdendo justamente o distrito de onde tinha origem sua maior fonte de renda. Mesmo esse cuidado, porém, não elimina demandas de infraestrutura da competência de diferentes instâncias da federação, além de custos permanentes como os exigidos para a construção e a manutenção de câmaras de vereadores, por exemplo.
Os resultados tendem a ser mais favoráveis quando as administrações ficam mais próximas dos munícipes, mas há sempre um custo financeiro que precisa ser muito bem avaliado. A ameaça para a qual todos precisam ficar atentos a partir de agora é a de um inchaço na máquina pública e na burocracia, com ônus pesados para os cidadãos.

Muitos impostos, pouco retorno - GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR 07/08


O paranaense só recebe em investimentos R$ 1 de cada R$ 42,60 pagos em impostos federais; é preciso rediscutir o pacto federativo e a justiça tributária


É da essência do nosso sistema republicano e federado a competência da União de distribuir os impostos que arrecada sob critérios que visam a, sobretudo, promover equilibrado desenvolvimento social e econômico entre os entes federados. É justamente em função desse critério, conforme reportagem que publicamos no último domingo, que o Paraná, embora seja o quinto maior celeiro de impostos recolhidos pela União, ocupa a 24.ª posição em investimentos federais. A conta que se faz é dramática: cada paranaense paga à União R$ 42,60 em impostos federais para receber R$ 1 em investimentos em forma de obras.

Sob esse prisma, em situação pior que a paranaense figuram apenas São Paulo, Rio de Janeiro e Distrito Federal. Relativamente ao que arrecadam, há estados – como o Acre, Tocantins e Roraima – que mais recebem da União do que a soma dos tributos que recolhem. Uma visão distanciada de algumas realidades levaria-nos simplesmente a nos conformar com a nossa própria penúria, mas, em tese, as diferenças tão gritantes retratam também o desequilíbrio que se pretende romper entre pobres e ricos entes federados.

Não seria justo imputar o baixo retorno da arrecadação a supostas discriminações de ordem política, já que, conforme o levantamento demonstrado em nossa reportagem, poucas variações nesse quadro foram observadas na última década, ainda que os grupos governantes federais e estaduais tenham se alternado neste período. A série histórica torna impossível afirmar que governos politicamente alinhados à União tenham sido visivelmente mais beneficiados que os de oposição. Trata-se, portanto, de um sistema. E, por mais que reconheçamos a necessidade de redistribuição de recursos das regiões mais ricas para as mais pobres, um sistema em que um estado recebe de volta, como investimento (porque sabemos que também há outros tipos de transferências, como os fundos de participação), apenas 1% do que envia à União chega a ser perverso.

A justiça tributária que se faz desse modo, no entanto, não é necessariamente a mais inteligente e benéfica para o próprio país. Há fatores que aconselhariam uma reforma profunda no pacto federativo, o que inclui mudanças nos atuais métodos redistributivos, levando em conta também as potencialidades estaduais e regionais. O Paraná é exemplo típico de que a tal justiça acaba por ser injusta não só com o estado, mas também com o país.

Há o que se chama de efeito multiplicador. À medida que a União destinar, proporcionalmente, mais recursos para o estado, maior ainda poderá ser sua contribuição para enriquecer de impostos os cofres federais. A alta expressão econômica da nossa produção agropecuária e o ainda não suficientemente explorado potencial de crescimento da agroindústria são dois segmentos que demandam investimentos para ganhar em produtividade e competitividade nos mercados.

Por isso, soa incompreensível o deliberado – embora “normal” do ponto de vista do pacto federativo – baixíssimo retorno dos tributos que o Paraná arrecada. Soa incompreensível que a nossa vocação exportadora não seja devidamente correspondida com investimentos federais em infraestrutura portuária, aeroportuária, ferroviária ou rodoviária, sem dúvida alguns dos (muitos) gargalos que afetam pesadamente o desenvolvimento da nossa economia – e, consequentemente, freiam também o crescimento da arrecadação.

Afora a necessidade histórica do país de promover a tão prometida reforma tributária, é sem dúvida também importante que o Paraná seja politicamente mais proativo no sentido de obter retorno mais justo e mais consentâneo com a contribuição que já oferece e com o seu potencial de desenvolvimento futuro.

Justiça temporã - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 07/08


Brasileiros que hoje estão separados e cujos filhos moram no exterior relatam crescentes dificuldades para trazê-los ao Brasil, mesmo quando a intenção é apenas passar um período de férias.

O motivo: os Judiciários de outros países começam a considerar alto o risco de a criança ser retida por aqui --sem o consentimento de um dos pais e em flagrante desrespeito a um tratado internacional.

Não se pode condenar os juízes que pensam assim; a presunção se baseia não em preconceitos, mas em fatos. Tem aumentado o número de queixas contra brasileiros acusados, nos termos da convenção de Haia, de sequestrar os próprios filhos.

Contando com a adesão de mais de 80 nações, entre as quais o Brasil, esse tratado estabelece que, quando uma criança é retirada ilicitamente do país onde vive, seu retorno deve ser determinado pela Justiça do local de destino em até seis semanas.

Um prazo como esse, no entanto, não passa de ficção para o Judiciário brasileiro. As decisões efetivas sobre esse tema com frequência tardam mais de cinco anos. Nesse período, não é difícil imaginar, a criança já terá se habituado ao novo ambiente, com o que a volta, se de fato for ordenada, representará um segundo trauma.

Instaura-se, assim, uma lógica perversa: ao enfraquecer, a cada situação concreta, o princípio de urgência que rege a convenção, a morosidade estimula a reiteração da conduta ilegal; esta, por sua vez, reforça, em outros países, a percepção de que o Brasil descumpre o tratado do qual é signatário; isso, enfim, prejudica os genitores que jamais cogitaram no ato ilícito.

De acordo com o órgão do governo responsável por monitorar o cumprimento da convenção, o número de casos novos praticamente dobra a cada ano. Em 2013, havia 193 processos em andamento; em 2014, já são 243 em apenas seis meses. Neste ano, 79% das queixas se referem a crianças trazidas para o Brasil, enquanto 21% a menores levados ao exterior.

Talvez essa situação mude nos próximo anos. Desde 2010 o Superior Tribunal de Justiça tem analisado o mérito de ações desse tipo. As decisões, ainda poucas, têm em geral privilegiado o cumprimento da convenção internacional, mesmo que de forma tardia. É de esperar que isso se reflita em sentenças mais céleres na primeira instância.

Enquanto isso, a proverbial lentidão do Judiciário brasileiro, que provoca conhecidos transtornos às partes envolvidas num processo judicial, faz uma nova vítima: a imagem do país no cenário global.

De onde veio a armação - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S.PAULO - 07/08


Sobe sem cessar o nível das águas turvas do escândalo da CPI da Petrobrás no Senado. Trata-se, como se sabe, do preparo e repasse das perguntas que seriam respondidas em depoimentos à comissão - também conforme acerto prévio com agentes petistas e altos funcionários da empresa - por ex-dirigentes e a sua atual presidente, Graça Foster, sobre a desastrosa aquisição da Refinaria de Pasadena, autorizada em 2006 pela então chefe do Conselho de Administração da estatal, Dilma Rousseff.

A armação foi revelada no fim da semana pela revista Veja, com base no vídeo de uma conversa que justamente gira em torno da operação concebida para blindar os executivos envolvidos no negócio e a candidatura da presidente à reeleição. Paulo Argenta, assessor especial da Secretaria de Relações Institucionais do Planalto, conduzida pelo ministro Ricardo Berzoini, do PT, é citado como um dos redatores do questionário sob medida. Na segunda-feira, o Estado descreveu em detalhes as sucessivas etapas do engodo, assim como os papéis nele desempenhados notadamente pelo chefe do escritório da Petrobrás em Brasília, José Eduardo Sobral Barrocas, e um assessor do dublê de líder do governo no Congresso e relator da CPI, o senador petista José Pimentel.

No mesmo dia, instada a falar do assunto em meio a uma ação de campanha eleitoral em Guarulhos, mal disfarçada de atividade administrativa, Dilma abateu a pergunta com meia dúzia de palavras. "É uma questão que deve ser respondida pelo Congresso", decretou. A tentativa de fuga teve vida breve. Foi bloqueada por nova escavação "para cima" da imprensa. Ontem, a Folha de S.Paulo informou que o secretário executivo da Secretaria - portanto, o sub de Berzoini -, Luiz Azevedo, foi encarregado de amoldar o trabalho da CPI aos interesses escusos dos figurões da Petrobrás e da candidatura Dilma. Argenta, o assessor especial da pasta citado na conversa a que a Veja teve acesso, não era, portanto, nem o único nem o principal incumbido de minar a CPI pelo lado do Planalto.

Azevedo foi identificado como coordenador do grupo que não apenas selecionava as perguntas - de um rol de mais de 100, segundo a reportagem - que seriam feitas nas sabatinas com os dirigentes da petroleira. Ele também se entendia com Barrocas, o número um da Petrobrás na capital, sobre quais requerimentos deveriam ser apreciados pela Mesa da comissão, mandando para o lixo aqueles que poderiam ser desconfortáveis para o governo e a estatal que aparelhara. Até a escolha dos nomes dos sabatinados passava pelo QG da operação abafa. Pelo visto, nem o fato de serem da base aliada o comando e 10 dos 13 integrantes da CPI nem tampouco o boicote aos seus trabalhos decidido pela mesma oposição de quem partira a iniciativa do inquérito apaziguaram os aflitos com o seu desenrolar.

Sem corar, o calejado Berzoini alega que faz parte das atribuições da Secretaria acompanhar a vida parlamentar, incluindo as CPIs. Já se sustentou neste espaço que tão zeloso "acompanhamento" - o que os americanos chamariam, no caso, de overkill - deve ser proporcional aos erros e malfeitos que precisam permanecer soterrados, tanto na infausta transação de Pasadena como em outros empreendimentos que sangraram a empresa, decerto em benefício alheio, a exemplo da inacabada Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. Para o acobertamento dar os resultados pretendidos, tudo, absolutamente tudo, precisa ficar dominado. Como de costume no sistema petista de poder, o governo, o partido e, desta vez, a Petrobrás subestimaram o trabalho da imprensa.

Agora, prepara-se outra farsa para desmanchar a original e tirar quanto antes o assunto do noticiário. Trata-se da sindicância de 90 dias que o presidente do Senado, o notório Renan Calheiros, acaba de anunciar para "apurar as responsabilidades de quem as tenha" na história das perguntas recebidas com antecedência pelos depoentes para resultar em respostas combinadas. Se outras razões não houvesse, a iniciativa é suspeita pelo singelo fato de que ninguém no Congresso superou Calheiros na jogada a quatro mãos com Dilma para eliminar no nascedouro qualquer tentativa de apurar a sério os podres da Petrobrás.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

“Fazendas invadidas não serão desapropriadas no prazo de 2 anos”
Aécio Neves (PSDB), candidato a presidente, prometendo combater invasão de terras



CALOTE DO BRASIL NA ONU PASSA DE R$ 380 MILHÕES

Sem conseguir cumprir as obrigações financeiras junto à Organização das Nações Unidas (ONU) desde 2013, o calote brasileiro já soma mais de R$ 380 milhões. De acordo com o último relatório sobre a saúde financeira da ONU, o Brasil é o quinto maior devedor entre 196 países-membros que contribuem para o financiamento das missões de paz, mas estamos em segundo lugar geral na lista de inadimplentes.

NEM TÃO PREOCUPADO

Do total da dívida, R$ 122 milhões são referentes às missões de paz da ONU que o Brasil sempre teve o orgulho de fazer parte e até liderar.

ANÃO INADIMPLENTE

A inadimplência pode ter sido um dos motivos que levou Israel, sempre em dia com os pagamentos, a fazer chacota da diplomacia brasileira.

ESFORÇO RECONHECIDO

Secretário-geral da ONU fez menção honrosa aos membros com todos os pagamentos em dia em abril citando um a um, incluindo Timor Leste.

PUXÃO DE ORELHA

Ao final do relatório, a ONU reitera que a saúde financeira só é mantida quando os países-membros quitam, dentro do prazo, todos os débitos.

OPORTUNISMO ELEITORAL NÃO POUPA O CORINTHIANS

Candidato a deputado federal, Andrés Sanchez abandonou o barco do Corinthians tão logo viu o Itaquerão registrar colossal prejuízo mensal. Ele sabe que, a rigor, o estádio logo deixará de pertencer ao Corinthians, e não quer estar por perto quando isso for anunciado. Segundo fonte da Caixa, o Itaquerão foi dado como garantia do próprio financiamento, e o Corinthians não tem condições financeiras de pagar as parcelas.

TOMA, QUE O FILHO É TEU

Após fazer a “fiel” acreditar que, finalmente, tinha casa própria, Sanchez deixará na conta da diretoria do Timão a eventual perda do Itaquerão.

SAPATO ALTO

Andrés Sanchez acha que terá votação “milionária” para deputado. Mas a rejeição do PT em São Paulo pode obrigá-lo a descer do sapato alto.

SUPERSIMPLES

O presidente nacional da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, está exultante: Dilma sanciona hoje o Supersimples dos advogados.

NATURALÍSSIMO

O ex-diretor Jorge Zelada fez parecer na CPMI da Petrobras que foi a coisa mais natural do mundo a estatal pagar US$ 360 milhões por metade da refinaria dos EUA, que valia US$ 42,5 milhões, assim como a briga societária que a “obrigou” a pagar US$ 1,3 bilhão pelo mico.

CPI SEM CREDIBILIDADE

Após a passagem do ex-diretor da Petrobras Jorge Zelada pela CPI Mista, ontem, jornalistas e parlamentares de oposição ficaram inseguros sobre se o depoimento foi também combinado.

FRITAR É MELHOR

O PSDB desistiu de mandado de segurança para afastar o relator da CPI da Petrobras, José Pimentel (PT-CE). O partido teme que uma negativa do STF prejudique a denúncia do escândalo.

BATALHA FINAL

Pesquisas em São Paulo mostram grande rejeição a Dilma, ao PT e, até mesmo a Lula, mostrando algo novo e revelador. Aécio acredita que a batalha final vai ser em São Paulo, para onde direciona sua campanha.

PRIORIDADE

Segundo vice-presidente da Câmara, Fábio Faria (PSD) divulgou nas redes sociais uma fotografia de campanha jogando sinuca em Macau (RN), durante pleno dia de esforço concentrado dos parlamentares.

MINISTRO DE QUÊ MESMO?

A reunião da base aliada com o ministro Ricardo Berzoini foi completamente esvaziada. Dos líderes, só compareceram os do PTB, PDT e PROS. Nem a assessoria do PMDB se fez representar.

CONVENIENTE

Em semana com dois dias de trabalho, a Câmara simulou a evacuação do prédio com os servidores da taquigrafia, justamente quem anota e registra tudo que os deputados falam. Teve até busca por bombas.

FIM DO FALATÓRIO

A disposição do PT em impedir votações esta semana foi tamanha que o partido pediu verificação de quórum para derrubar até aquela sessão em que deputados aproveitam para se exibir para a TV Câmara.

PENSANDO BEM...

...Dilma disse que o Planalto não é “expert em petróleo e gás”. Nem agora, nem quando era ela a ministra de Minas e Energia.


PODER SEM PUDOR

DOIS EM UM

Além de Petrônio Portela, que se notabilizou como o articulador da abertura política, o Piauí também fez senador outro Portela, o Lucídio. É verdade que biônico, mas senador. Ao contrário do irmão Petrônio, Lucídio era autoritário e pouco letrado, mas um dia ele ocupou a tribuna do Senado para ler um discurso em defesa do regime militar. Tanto sua peroração incensou os militares que acabou contemplando uma citação do escritor Fiodor Dostoievsky. Um senador da oposição foi ao aparte:

- Interessante sua citação. A propósito, o nobre colega já leu Crime e Castigo?

- Li os dois! - fulminou o velho Lucídio, multiplicando por dois o clássico romance da literatura russa.