quinta-feira, agosto 07, 2014

Futebol e imposto - EVERARDO MACIEL

O ESTADÃO - 07/08


Depois da inesquecivelmente trágica campanha do Brasil na Copa do Mundo, está em discussão, no Congresso Nacional, projeto que promove mudanças na legislação esportiva. Qualquer que seja o encaminhamento, entendo que são indispensáveis a reestruturação das agremiações esportivas e o retorno dos torcedores aos estádios. Não há bom futebol sem clubes fortes e sem torcida.

No cerne dos debates está a enorme dívida fiscal dos clubes de futebol, para a qual se aventa a possibilidade de um longo parcelamento.

Parcelamento de débitos é prática comum às administrações fiscais em todo o mundo, como de resto ocorre com dívidas bancárias, comerciais e pessoais. No Brasil, é expressamente previsto no Código Tributário Nacional.

Usualmente, os parcelamentos são de curto prazo. Mas, nos últimos anos, foram concedidos, com impressionante frequência, parcelamentos de longo prazo, cujos beneficiários costumam reincidir na inadimplência tão logo alcançados os objetivos colimados com a específica certidão de débitos (participação em licitações públicas, contratação com o setor público, etc.). Essa inadimplência tem inúmeras causas, mas não raro decorre da incompatibilidade entre o valor da parcela e a capacidade de pagamento do devedor.

A combinação de parcelamentos com anistia e remissão configura um procedimento deplorável, extremamente desrespeitoso com os contribuintes que cumpriram regularmente suas obrigações. A despeito de previstas na legislação, a anistia e a remissão somente devem ser admitidas em situações excepcionais.

A dívida fiscal dos clubes de futebol, em condições normais, é impagável, na grande maioria dos casos. O parcelamento, contudo, não é a solução. Como assegurar, qualquer que seja o prazo do parcelamento, que o valor da parcela é, ao longo do tempo, compatível com a capacidade de pagamento, especialmente quando se considera a desordem financeira, administrativa e fiscal dos clubes de futebol?

O pagamento só será viável com a completa reestruturação dessas agremiações, e isso exige tempo. A solução adequada, nesse caso, é uma moratória por prazo curto (dois ou três anos). Esse instituto suspende a exigibilidade do crédito tributário, podendo condicionar a concessão à observância de certos requisitos. No caso, o requisito essencial seria o imediato ingresso num regime especial administrativo e fiscal das agremiações esportivas.

O núcleo do regime seria a constituição de sociedades empresariais de capital aberto, cujo principal acionista seria a atual agremiação esportiva, que transferiria para aquelas seus bens e direitos, a título de integralização de capital, bem como seus débitos de qualquer natureza.

Além disso, as sociedades empresariais se obrigariam ao pagamento regular dos seus empregados, FGTS, encargos trabalhistas e previdenciários, sendo isentos os demais tributos, enquanto perdurar a moratória. Essa exigência ficaria também sujeita a regras claras de transparência e a programas sistemáticos de fiscalização pelos órgãos especializados.

Os dirigentes, por sua vez, assumiriam responsabilidade solidária sobre infrações e dívidas das sociedades.

Em relação à dívida fiscal, poderiam ser deduzidos gastos com formação dos atletas e preparadores técnicos (inclusive educação formal), construção de centros de treinamento, promoção de esportes olímpicos e futebol feminino, aquisição de equipamentos vinculados à medicina esportiva, etc.

Seriam extintos os direitos econômicos sobre os atletas, remanescendo os direitos federativos, que teriam, também, efeitos econômicos. Desse modo, seria eliminado o que hoje faz a fortuna dos empresários e de investidores e a ruína do futebol brasileiro.

No que concerne ao retorno das torcidas aos estádios, a constituição de agremiações sólidas e com capacidade para constituir boas equipes já seria em si um grande estímulo, porém é indispensável que se promova a interdição das chamadas torcidas organizadas, qualificáveis quase sempre como associações criminosas.

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