REVISTA VEJA
Mais alguns dias, já na semana que vem, começa finalmente essa Copa do Mundo que fez o governo brasileiro exibir a si próprio e ao resto do planeta alguns dos piores momentos de toda a história do Brasil como país de segunda categoria. O que dá vontade de dizer, nessa hora, é: "Até que enfim". Com a bola rolando, e os melhores jogadores de futebol do mundo em campo, explode, sem controle de nenhuma força conhecida, a emoção incomparável que só os jogos heroicos conseguem criar – com seus momentos sublimes de habilidade sobrenatural, a crueldade dos acasos ou os milagres de último minuto. No caso da Copa de 2014, junto com o primeiro jogo vem a esperança de que o futebol, a mais potente magia esportiva jamais criada pelas sociedades humanas, possa proporcionar aos brasileiros um momento de alívio numa tirania de sete anos que os governos do ex-presidente Lula e da presidente Dilma Rousseff impuseram à população durante os preparativos para o grande evento. Que tipo de tirania? Simples: a que forçou o país a testemunhar (e a pagar por) uma exibição inédita de incompetência em engenharia elementar, e de arrogância na negação de sua própria inépcia.
"Já perdemos a Copa fora do campo", disse o deputado Romário de Souza Faria. "Agora só nos resta rezar para irmos bem lá dentro". Ninguém poderia resumir melhor a realidade do que Romário. Antes mesmo do primeiro jogo, nada mais sobra daquela Copa de 2014 que Lula, em 2007, festejou como a glória máxima de seu governo. Prometeu, na ocasião, fazer a "melhor" Copa que o mundo já tinha visto desde a primeira, em 1930, um empreendimento que transformaria a vida das classes populares com quantidades prodigiosas de obras públicas e mais uma tonelada de pura conversa mole. Desde então o que aconteceu na vida real foi um massacre de mentiras oficiais, de humilhações na obediência servil a exigências feitas fora do Brasil e de suas leis e de promessas grosseiramente não cumpridas – como a de que não seria gasto "um tostão" de dinheiro público na Copa, quando no fim das contas o Erário vai pagar quase 100% dos custos. Os famosos benefícios para a população, como a "mobilidade" e outras palavras tolas inventadas para fazer propaganda de fantasias, são uma piada – as obras estão atrasadas, são de má ou péssima qualidade ou simplesmente foram abandonadas. "Estou envergonhado de ser brasileiro", disse Ronaldo Nazário, até há pouco um dos mais entusiasmados promotores oficiais da Copa. Ronaldo, por sinal, lembra que todas as exigências da Fifa (que a presidente Dilma, agora, exige que lhe tirem "das costas") foram aceitas em 2007, sem discussão alguma, pelo governo brasileiro.
Não tendo como responder à sua incapacidade, comprovada em sete anos, de organizar a Copa, o PT e admiradores fazem o de sempre: ficam agressivos e falam bobagens desesperadas. O primeiro a sacar o revólver foi o próprio Lula: disse que era uma "babaquice" reivindicar metrôs que chegassem aos portões dos estádios. Toda a ideia que sustenta o metrô, em qualquer lugar do mundo, é exatamente esta: levar o máximo de pessoas ao ponto mais próximo possível dos lugares aonde queiram ir. Para o ex-presidente, isso é um luxo idiota de que o brasileiro não precisa. "Vão a pé, vão descalços, vão de jumento", concluiu. Como é que um homem que se considera o maior líder popular do mundo fala uma coisa dessas? Como um cidadão que construiu toda a sua vida dizendo que é um trabalhador pode tratar assim os trabalhadores – os mais necessitados de transporte coletivo de boa qualidade? No mesmo embalo, revelou que não estava preocupado em saber se a Copa ia movimentar "30 ou 40 bilhões de dólares" na economia brasileira – a seu ver, uma mixaria. Por que, então, não disse isso sete anos atrás? Lula, no fim das contas, não terá dificuldades de transporte – já anunciou que não vai comparecer a nenhum jogo da Copa. Não faz nexo: se era uma obra tão fabulosa, como é possível que bem agora, no que deveria ser seu maior triunfo, ele diga que não vai a "nenhum" jogo? Justo ele, que inaugura até maquete de abrigo de ônibus? Lula disse que prefere ver a Copa pela TV, pois terá muito mais conforto do que em seus estádios, tomando "uma cervejinha". Cervejinha coisa nenhuma. Não vai porque tem medo de levar uma vaia que ficará na história. A Copa de 2014 era para ser uma coisa. Saiu outra.
Paciência. O único remédio para isso chama-se coragem moral – a hombridade de que cada um precisa para assumir as consequências de seus atos. É artigo que saiu de linha no governo.
terça-feira, junho 03, 2014
Não vai ter cópula - GUILHERME FIUZA
REVISTA ÉPOCA
Mais atrasados que os preparativos para a Copa do Mundo, só os protestos contra a Copa do Mundo. Enquanto o vexame era gestado, não houve passeata. Foram sete anos de preparação para a bagunça com requintes de exibicionismo - como a gerente de negociatas Rosemary Noronha cuidando dos aeroportos brasileiros. Ninguém foi para a rua gritar contra nada disso, estava tudo bem. Terminada a feira de omissões, desvios, picaretagem implícita e explícita, desmentidos mentirosos e remendos constrangedores, os revolucionários avisam que não vai ter Copa.
Alguém precisa avisar aos quixotes retardatários que vai ter Copa. E a Copa começará em 12 de junho, Dia dos Namorados. Os rebeldes contra tudo isso que aí está terão mais chances de êxito se forem desfilar na porta dos motéis, no dia 12, gritando: "Não vai ter cópula".
Onde estavam esses brasileiros indignados quase um ano atrás, quando o Congresso Nacional, num de seus biscates para o governo popular, engavetou o pedido de CPI da Copa? Não se viu um mascarado, um ninja, um sindicalista, um grupelho do Facebook interrompendo o trânsito ou a rotina tranquila dos nobres parlamentares. No golpe do corintiano Luiz Inácio, de mãos dadas com as distintas CBF e Fifa -que desclassificou o Morumbi e arrancou R$ 1 bilhão do BNDES para erguer um Itaquerão novo em folha -, também não se ouviu um único justiceiro gritando que não teria Copa. Ali, ainda havia três anos pela frente para melar a competição internacional por improbidade administrativa.
Mas não havia o essencial: o circo da Copa montado para os revolucionários desfilarem diante dos flashes e holofotes, com o Brasil e o mundo vendo. Mobilização na baixa temporada dá muito trabalho e pouca mídia. É bem melhor chutar e socar o ônibus que leva a Seleção Brasileira para a preparação final na Granja Comary, a duas semanas do início da Copa. Aí, a revolução não tem como passar despercebida.
O mais interessante no vandalismo contra o ônibus da Seleção no Rio de Janeiro foi a comissão de frente do protesto: os autores dos socos e chutes eram professores. É a imagem-síntese dessa corrente "Não vai ter Copa". Que outra cena poderia expressar melhor a estupidez e a ignorância de um movimento do que professores falando o idioma da pancada? O slogan poderia ser até substituído por "Não vai ter aula", ou "Aulas nunca mais", porque não se pode conceber que essas criaturas sejam capazes de ensinar nada de útil a ninguém. No máximo, poderão ensinar seus métodos ao sindicato dos leões de chácara.
Dilma Rousseff declarou que os aeroportos nacionais não são "padrão Fifa", mas "padrão Brasil", É comovente ver uma governante (ou governanta), num jato de sinceridade, admitir publicamente que seu projeto nacional é a pindaíba. Ou melhor: a pindaíba para a população ordinária que não tem estrelinha no peito - porque o caixa do PT, como se sabe, está forrado, e os companheiros passam muito bem, obrigado. Saibam os críticos que os aeroportos padrão Brasil não chegaram a esse nível de excelência do dia para a noite, não. Foi necessário um longo trabalho de parasitismo comandado por Rosemary na Agência Nacional de Aviação Civil, para postergar a privatização do setor, de modo que ele não prejudicasse o balcão de negócios privados e o tráfico de influência, sob o comando firme da protegida de Lula e Dilma.
A conquista do padrão Brasil/PT para os aeroportos e para a infraestrutura nacional como um todo - incluindo as ruínas do setor elétrico e da Petrobras - tem, como sócios fundadores, os militantes do movimento "Não vai ter Copa". Se sua revolta contra o derrame de dinheiro público nos estádios bilionários é real, se sua ira contra a vagabundagem governamental na preparação viária do país é real, eles contribuíram decisivamente para o desastre com sua omissão nesses anos em que ele foi gestado. Mas, se o movimento for um rebotalho de oportunistas, lunáticos, malandros sindicais e espíritos de porco em geral, está no seu papel perfeito.
Depois de toda a permissividade do país com a orgia da montagem da Copa, vêm essas almas penadas querer embargar o único inocente da história - o futebol. Viva Neymar, e abaixo os parasitas padrão Brasil!
Mais atrasados que os preparativos para a Copa do Mundo, só os protestos contra a Copa do Mundo. Enquanto o vexame era gestado, não houve passeata. Foram sete anos de preparação para a bagunça com requintes de exibicionismo - como a gerente de negociatas Rosemary Noronha cuidando dos aeroportos brasileiros. Ninguém foi para a rua gritar contra nada disso, estava tudo bem. Terminada a feira de omissões, desvios, picaretagem implícita e explícita, desmentidos mentirosos e remendos constrangedores, os revolucionários avisam que não vai ter Copa.
Alguém precisa avisar aos quixotes retardatários que vai ter Copa. E a Copa começará em 12 de junho, Dia dos Namorados. Os rebeldes contra tudo isso que aí está terão mais chances de êxito se forem desfilar na porta dos motéis, no dia 12, gritando: "Não vai ter cópula".
Onde estavam esses brasileiros indignados quase um ano atrás, quando o Congresso Nacional, num de seus biscates para o governo popular, engavetou o pedido de CPI da Copa? Não se viu um mascarado, um ninja, um sindicalista, um grupelho do Facebook interrompendo o trânsito ou a rotina tranquila dos nobres parlamentares. No golpe do corintiano Luiz Inácio, de mãos dadas com as distintas CBF e Fifa -que desclassificou o Morumbi e arrancou R$ 1 bilhão do BNDES para erguer um Itaquerão novo em folha -, também não se ouviu um único justiceiro gritando que não teria Copa. Ali, ainda havia três anos pela frente para melar a competição internacional por improbidade administrativa.
Mas não havia o essencial: o circo da Copa montado para os revolucionários desfilarem diante dos flashes e holofotes, com o Brasil e o mundo vendo. Mobilização na baixa temporada dá muito trabalho e pouca mídia. É bem melhor chutar e socar o ônibus que leva a Seleção Brasileira para a preparação final na Granja Comary, a duas semanas do início da Copa. Aí, a revolução não tem como passar despercebida.
O mais interessante no vandalismo contra o ônibus da Seleção no Rio de Janeiro foi a comissão de frente do protesto: os autores dos socos e chutes eram professores. É a imagem-síntese dessa corrente "Não vai ter Copa". Que outra cena poderia expressar melhor a estupidez e a ignorância de um movimento do que professores falando o idioma da pancada? O slogan poderia ser até substituído por "Não vai ter aula", ou "Aulas nunca mais", porque não se pode conceber que essas criaturas sejam capazes de ensinar nada de útil a ninguém. No máximo, poderão ensinar seus métodos ao sindicato dos leões de chácara.
Dilma Rousseff declarou que os aeroportos nacionais não são "padrão Fifa", mas "padrão Brasil", É comovente ver uma governante (ou governanta), num jato de sinceridade, admitir publicamente que seu projeto nacional é a pindaíba. Ou melhor: a pindaíba para a população ordinária que não tem estrelinha no peito - porque o caixa do PT, como se sabe, está forrado, e os companheiros passam muito bem, obrigado. Saibam os críticos que os aeroportos padrão Brasil não chegaram a esse nível de excelência do dia para a noite, não. Foi necessário um longo trabalho de parasitismo comandado por Rosemary na Agência Nacional de Aviação Civil, para postergar a privatização do setor, de modo que ele não prejudicasse o balcão de negócios privados e o tráfico de influência, sob o comando firme da protegida de Lula e Dilma.
A conquista do padrão Brasil/PT para os aeroportos e para a infraestrutura nacional como um todo - incluindo as ruínas do setor elétrico e da Petrobras - tem, como sócios fundadores, os militantes do movimento "Não vai ter Copa". Se sua revolta contra o derrame de dinheiro público nos estádios bilionários é real, se sua ira contra a vagabundagem governamental na preparação viária do país é real, eles contribuíram decisivamente para o desastre com sua omissão nesses anos em que ele foi gestado. Mas, se o movimento for um rebotalho de oportunistas, lunáticos, malandros sindicais e espíritos de porco em geral, está no seu papel perfeito.
Depois de toda a permissividade do país com a orgia da montagem da Copa, vêm essas almas penadas querer embargar o único inocente da história - o futebol. Viva Neymar, e abaixo os parasitas padrão Brasil!
Devorando a Esfinge - LYA LUFT
REVISTA VEJA
A Esfinge, essa senhora pouco simpática, devorava quem não adivinhasse as charadas que propunha. Acabou desmascarada pelo rei Édipo (vejam tragédias gregas), e de raiva se lançou num precipício. A ideia de uma Esfinge brasileira a nos encher a paciência me ocorreu para construir um artigo apenas questionando enigmas brasileiros atuais (devoraremos a moça antes que ela acabe conosco?):
- Com a falência de tantas instituições respeitáveis, como ter a necessária confiança no nosso Judiciário, que não pune a grande maioria dos crimes ou infrações, prende aqui e solta ali - não por haver policiais ruins, mas leis abstrusas e descumpridas? Tratamos assassinos de 16 anos como crianças de escola primária, nunca chamados de assassinos, mas de infratores. Conduzidos a uma utópica ressocialização, serão soltos em no máximo três anos, para cumprir seu desejo, anunciado por um rapazote de 15 anos apontando a arma para um amigo meu, que lhe perguntou por que fazia aquilo: "Hoje a gente tá a fim de matar alguém". Meu amigo não morreu porque na hora a arma falhou.
- Como ainda acreditar em qualquer instituição, aliás, se na mais importante delas (o Supremo tribunal Federal) um ministro decide soltar doze figurões condenados por crimes graves e comprovados, mas, no dia seguinte, arrependido, deixa todos na prisão, menos um - por acaso. o chamado "homem-bomba", do qual dizem que, "se ele explodir, o governo implode"?
- Como ter esperança neste país dito civilizado, se o ensino é um dos itens mais esquecidos pelos governos e há milhares de crianças sem escola, outras tentando aprender sentadas no chão de terra batida onde também dormem porque a distância até sua casa é demasiada, com os donos da casa, professor e professora, preocupados porque ali tem "muita cobra e escorpião que são um perigo"? Como valorizar o estudo se pelo menos em uma das capitais grande parte das escolas públicas ainda não recebeu os livros escolares, estando nós já em junho, e em tantas outras pelo país faltam professores? Como entusiasmar os alunos pelo estudo, se a cada dia as coisas são mais facilitadas, e praticamente é preciso um esforço heroico para ser reprovado, pois considera-se que todos têm o mesmo direito a um diploma de ensino médio ou superior, tenham capacidade ou não, tenham se esforçado ou não?
- Como ser saudável se nos postos de saúde e hospitais públicos falta tudo - menos médico, ou, se isso ocorre, é porque o profissional se desesperou com a impossibilidade de dar atendimento humano aos doentes -, desde água tratada até panos limpos, estetoscópio, aspirina, maca, luz elétrica, aparelhos básicos?
- Como transportar nossos produtos se a estrutura rodoviária é lendariamente péssima? Como chegar ao trabalho se as greves, justas ou não, são nossa rotina diária? Como nos transportarmos a nós, se mulheres com crianças ao colo, velhos e frágeis caminham quilômetros até chegar em casa, exaustos depois de um dia de trabalho, ônibus são impedidos de rodar e líderes proferem palavras vazias?
- Como confiar em autoridades desmoralizadas que solenemente bradam "Não toleraremos violência ou vandalismo", enquanto dezenas de veículos, lojas, agências bancárias e farmácias são destruídas nessa mesma hora? Onde ficaram seriedade e esperança?
- Por que. neste país convulsionado por greves e manifestações constantes, surge essa oposição à Copa? São os gastos com arenas faraônicas contrastando com casebres, favelas, barracas de lona ou mesmo bancos de praça em que tantos vivem? O protesto de professores contra os jogadores da seleção brasileira na saída de um hotel no Rio, e na chegada à Granja Comary, com ameaça de outros mais, indica que não haverá trégua, durante a Copa e depois, para a indignação do povo a exigir soluções eternamente adiadas?
Senhora Esfinge, se houver respostas, a senhora estará devorada. Mas, se continuarmos ignorados e descrentes, seremos engolidos sem piedade pela nossa própria exausta indignação.
A Esfinge, essa senhora pouco simpática, devorava quem não adivinhasse as charadas que propunha. Acabou desmascarada pelo rei Édipo (vejam tragédias gregas), e de raiva se lançou num precipício. A ideia de uma Esfinge brasileira a nos encher a paciência me ocorreu para construir um artigo apenas questionando enigmas brasileiros atuais (devoraremos a moça antes que ela acabe conosco?):
- Com a falência de tantas instituições respeitáveis, como ter a necessária confiança no nosso Judiciário, que não pune a grande maioria dos crimes ou infrações, prende aqui e solta ali - não por haver policiais ruins, mas leis abstrusas e descumpridas? Tratamos assassinos de 16 anos como crianças de escola primária, nunca chamados de assassinos, mas de infratores. Conduzidos a uma utópica ressocialização, serão soltos em no máximo três anos, para cumprir seu desejo, anunciado por um rapazote de 15 anos apontando a arma para um amigo meu, que lhe perguntou por que fazia aquilo: "Hoje a gente tá a fim de matar alguém". Meu amigo não morreu porque na hora a arma falhou.
- Como ainda acreditar em qualquer instituição, aliás, se na mais importante delas (o Supremo tribunal Federal) um ministro decide soltar doze figurões condenados por crimes graves e comprovados, mas, no dia seguinte, arrependido, deixa todos na prisão, menos um - por acaso. o chamado "homem-bomba", do qual dizem que, "se ele explodir, o governo implode"?
- Como ter esperança neste país dito civilizado, se o ensino é um dos itens mais esquecidos pelos governos e há milhares de crianças sem escola, outras tentando aprender sentadas no chão de terra batida onde também dormem porque a distância até sua casa é demasiada, com os donos da casa, professor e professora, preocupados porque ali tem "muita cobra e escorpião que são um perigo"? Como valorizar o estudo se pelo menos em uma das capitais grande parte das escolas públicas ainda não recebeu os livros escolares, estando nós já em junho, e em tantas outras pelo país faltam professores? Como entusiasmar os alunos pelo estudo, se a cada dia as coisas são mais facilitadas, e praticamente é preciso um esforço heroico para ser reprovado, pois considera-se que todos têm o mesmo direito a um diploma de ensino médio ou superior, tenham capacidade ou não, tenham se esforçado ou não?
- Como ser saudável se nos postos de saúde e hospitais públicos falta tudo - menos médico, ou, se isso ocorre, é porque o profissional se desesperou com a impossibilidade de dar atendimento humano aos doentes -, desde água tratada até panos limpos, estetoscópio, aspirina, maca, luz elétrica, aparelhos básicos?
- Como transportar nossos produtos se a estrutura rodoviária é lendariamente péssima? Como chegar ao trabalho se as greves, justas ou não, são nossa rotina diária? Como nos transportarmos a nós, se mulheres com crianças ao colo, velhos e frágeis caminham quilômetros até chegar em casa, exaustos depois de um dia de trabalho, ônibus são impedidos de rodar e líderes proferem palavras vazias?
- Como confiar em autoridades desmoralizadas que solenemente bradam "Não toleraremos violência ou vandalismo", enquanto dezenas de veículos, lojas, agências bancárias e farmácias são destruídas nessa mesma hora? Onde ficaram seriedade e esperança?
- Por que. neste país convulsionado por greves e manifestações constantes, surge essa oposição à Copa? São os gastos com arenas faraônicas contrastando com casebres, favelas, barracas de lona ou mesmo bancos de praça em que tantos vivem? O protesto de professores contra os jogadores da seleção brasileira na saída de um hotel no Rio, e na chegada à Granja Comary, com ameaça de outros mais, indica que não haverá trégua, durante a Copa e depois, para a indignação do povo a exigir soluções eternamente adiadas?
Senhora Esfinge, se houver respostas, a senhora estará devorada. Mas, se continuarmos ignorados e descrentes, seremos engolidos sem piedade pela nossa própria exausta indignação.
O caixa do diretor - DIEGO ESCOSTEGUY E MARCELO ROCHA
REVISTA VEJA
Provas obtidas por ÉPOCA revelam que dezenas de empreiteiras com contratos na Petrobras pagaram milhões - no Brasil e na Suíça - a Paulo Roberto Costa e a seu parceiro, o doleiro Alberto Youssef
"Nunca quis ser mais um", disse o diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, em novembro de 2011, pouco antes de encerrar seus oito anos à frente do cargo e de se aposentar com 35 anos na estatal. Foi apeado, em seguida, por decisão da presidente Dilma Rousseff- para desespero do consórcio entre PP, PMDB.e PT, que o bancava politicamente, com o aval do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Nunca desisti dos meus sonhos, Abracei todas as minhas chances", disse. Ninguém duvida. A capacidade de Paulo Roberto em realizar seus sonhos — e de contribuir para os sonhos dos outros - tornou-se dolorosamente pública com a Operação Lava Jato, em que ele foi preso. Paulo Roberto é ácusado de comandar, ao lado do doleiro Alberto Youssef, um esquema de corrupção na Petrobras. Não era,como revela a íntegra das provas da Lava Jato, obtida por ÉPOCA com exclusividade há duas semanas, apenas mais um esquema de corrupção na Petrobras. Era o esquema dos sonhos dele - um pesadelo para os brasileiros. Um esquema com mais clientes, mais dinheiro e mais ramificações, políticas e empresariais, do que se supunha até agora.
O imenso acervo das investigações da Lava Jato contém as provas inéditas que demonstram essa dimensão. A Polícia Federal encontrou as principais evidências quando fez apreensões num dos escritórios de Youssef e, especialmente, na casa de Arianna Bachmann, uma das filhas de Paulo Roberto. No caso dela, as provas estavam num notebook escondido no porta-malas do carro. Arianna era a principal funcionária de Paulo Roberto. Registrava em detalhes os negócios da família. Num dos escritórios deYoussef em São Paulo, a PF encontrou um arquivo com milhares de papéis. Eles trazem indícios de dezenas de episódios de corrupção, em muitos Estados e órgãos públicos. Eles se espelham perfeitamente com os registros sobre a Petrobras encontrados no computador de Arianna. Esses arquivos secretos revelam, entre outras coisas, que:
- Paulo Roberto chegou a ter 81 contratos, todos com fornecedores da Petrobras, quando saiu da estatal e montou sua empresa de consultoria. Há provas de que ele recebeu milhões de 23 empreiteiras, na maior parte das vezes sem prestar, segundo sugerem os documentos, qualquer serviço;
- o principal cliente de Paulo Roberto, segundo as provas da PF, era a empreiteira Camargo Corrêa. Ela liderava o principal consórcio das obras de R$ 20 bilhões da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. Paulo Roberto comandara essas obras e presidia o Conselho de Abreu e Lima. Grande parte dos clientes que repassaram dinheiro à empresa dele trabalhava nessas obras;
-Paulo Roberto recebeu, em dinheiro vivo segundo a PF, o equivalente a R$ 6,4 milhões de Youssef e R$ 2,4 milhões do lobista Fernando Soares, conhecido como Fernando Baiano, em reais, dólares e euros. Baiano o ajudava a fechar negócios com as empreiteiras e a manter boas relações com parlamentares do consórcio que o mantinha na Petrobras; e
- Youssef, o sócio de Paulo Roberto, mantinha uma subconta na Suíça em nome da principal subcontratada pela Camargo Corrêa para serviços na Abreu e Lima, a Sanko. Outra subconta deYoussef na Suíça recebia milhões de subsidiárias internacionais de empreiteiras brasileiras, entre elas a OAS.
Todas essas provas foram enviadas ao Supremo Tribunal Federal há dez dias, logo após o ministro Teori Zavascki suspender as investigações da" Lava Jato e mandar soltar Paulo Roberto. Não se sabe quando os ministros do Supremo decidirão o que fazer com o caso. Quanto mais tempo demorar, menores as chances de que delegados e procuradores avancem nas investigações. Paulo Roberto, é bom lembrar, foi preso porque sua família foi flagrada tentando destruir provas. Antes que os processos, que corriam no Paraná, fossem suspensos, Youssef e ele já eram réus, acusados de lavar dinheiro desviado, segundo denúncia do MPF, do contrato do consórcio da Camargo Corrêa em Abreu e Lima. Na semana passada, o Congresso finalmente criou uma CPI mista para investigar a Petrobras. As provas da Lava Jato oferecem aos parlamentares um bom roteiro de trabalho.
Num dos arquivos do computador de Arianna, a PP encontrou notas fiscais da Costa Global, empresa de consultoria da família, emitidas entre outubro de 2012 e fevereiro deste ano. Somam R$ 7,5 milhões, divididos entre duas dezenas de empresas - quase todas empreiteiras. A maior parte do dinheiro foi paga pela Camargo Corrêa: R$ 3,1 milhões. A Camargo fazia pagamentos mensais de R$ 100 mil. Em dezembro de 2013, fez o último e maior depósito: RS 2,2 milhões. A Camargo diz que Contratava a Costa Global para "fazer estudos".
Arianna mantinha planilhas atualizadas com os contratos da Costa Global. Continham nomes de contatos e valores a receber. Se a Costa Global chegou a ter 81 clientes, por que há notas fiscais de apenas 23? Como Paulo Roberto recebia pelos demais? Era o que a PF tentava descobrir. A investigação traz evidências de que Paulo Roberto, como qualquer lobista, recebia um percentual do negócio obtido para seus clientes, conhecido como "taxa de sucesso", do inglês "success fee", um eufemismo para aquilo que todos conhecemos como propina. O caso da Camargo, segundo os registros da filha de Paulo Roberto, resume bem a situação: "O success fee será negociado separadamente para cada negócio".
O estranho, segundo os investigadores, é a existência de contratos que não previam taxa de sucesso. Sem essa cláusula, ò trabalho de lobby não faz sentido. Cruzando os nomes das empreiteiras que fizeram contratos nesses moldes com as anotações de Paulo Roberto, a PF chegou à suspeita de que eles se referiam, na verdade, à propina dos tempos em que ele ainda era diretor da Petrobras. Há indícios de que se referiam a acertos de contas. É o caso de contratos com empreiteiras como Engevix, lesa, Queiroz Galvão e, num dos casos, também da Camargo. No caso da Queiroz, uma anotação da agenda de Paulo Roberto menciona o pagamento de R$ 600 mil. Metade para ele; a outra metade para o "partido". Em março de 2013, meses depois dessa anotação, a Queiroz Galvão fechou um contrato de seis meses com a Costa Global para pagar R$ 100 mil mensalmente - mesmo valor anotado à mão na agenda de Paulo Roberto.
na Suíça. O PKB é um banco conhecido por aceitar qualquer tipo de cliente - de traficantes a políticos condenados por corrupção. Entre outras transações consideradas suspeitas pela PF, os extratos revelam que, em 2013, a OAS African Investments, empresa internacional do grupo OAS, sediada no paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas, transferiu US$ 4,8 milhões para a conta de Youssef no PKB. Foram três depósitos de US$ 1,6 milhão, entre maio e julho.
Os documentos revelam que Youssef abrira, por meio de laranjas, uma sub-conta no mesmo PKB em nome da Sanko, empresa que mais recebera da Camargo por serviços nas obras da Abreu e Lima. Essa subconta tinha limite de US$ 1,4 milhão. Entre janeiro e fevereiro de 2014, ela recebeu cerca de US$ 1,1 milhão. Não há informação sobre quem depositou o dinheiro. Em seguida, Youssef transferiu grande parte dos recursos para contas em Hong Kong, também controladas por laranjas. Foram tantos os documentos da Sanko apreendidos com Youssef que oS investigadores
suspeitam que ele seja o dono da empresa. Entre 2009 e 2013, a Sanko recebeu R$ 113 milhões do Consórcio CNCC, liderado pela Camargo, por "serviços" em Abreu e Lima. E repassou R$ 32 milhões a uma empresa de Youssef.
As contabilidades de Youssef e Paulo Roberto são siamesas. Se Youssef registrava um pagamento a Paulo Roberto, Paulo Roberto registrava um depósito de Youssef. Em 8 de agosto de 2012, as planilhas dos dois trazem um pagamento de R$ 450 mil a Paulo Roberto. Dez dias depois, Paulo Roberto depositou R$ 120 mil, em espécie, na conta do advogado Eduardo Gouvêa. Gouvêa, dizem os papéis, é parceiro de negócios de Paulo Roberto.
No mesmo período, em 13 de agosto de 2012, Youssef anotou ter recebido R$ 1 milhão associado ao nome"Refap", correspondente à décima e à décima primeira prestação de um total de 20 parcelas de R$ 500 mil-ou R$ 10 milhões.Duas semanas antes, a Petrobras oficializara a compra da Refinaria Alberto Pasqualini, no Rio Grande do Sul, conhecida como Refap. Até então, a Refap era uma sociedade entre a Petrobras e a espanhola Repsol. Em dezembro de 2010, quando Paulo Roberto ainda era diretor da Área Internacional, a Petrobras comprara a parte da Repsol por US$ 850 milhões. "Para a Petrobras, isso é importante porque não tínhamos possibilidade de ter uma sinergia completa entre a Refap e o sistema Petrobras, porque, sendo um consórcio, tinha uma posição diferente dentro da estrutura gerencial da empresa. Voltando a ser 100% da Petrobras, isso se refletirá em benefícios grandes para nós, em termos de atendimento do mercado e de colocação de petróleo nacional", disse Paulo Roberto na ocasião. As duas parcelas de R$ 500 mil da "Refap" foram registradas como "entradas" de Youssef na planilha de Paulo Roberto. A PF suspeita que se trate de propina.
O advogado Gouvêa afirmou que recebeu ò depósito de R$ 120 mil em dinheiro porque vendeu um barco, "por acaso", a Paulo Roberto Costa. "Ele me confirmou o depósito na conta, e emiti o documento de venda dessa embarcação. Nem imaginava que tinha sido feito em dinheiro", diz Gouvêa. Reuniões com Gouvêa são mencionadas na agenda de Paulo Roberto. Ele afirma que é amigo de Humberto Mesquita, ou Beto, genro que cuida da contabilidade de Paulo Roberto. "Conheço eles desde 1997, fui ao casamento dele (Humberto) com a filha do Paulo Roberto", diz Gouvêa. "A gente fazia muita reunião, e às vezes Paulo Roberto estava presente. Humberto me pedia auxílio na área da advocacia. Mas era um auxílio assim, vamos dizer, de amigo. Porque nunca efetivamente cobrei nada pelos serviços que prestei a ele. Nunca tive uma relação contratual." Gouvêa afirma não ter "relação próxima" com o lobista Fernando Baiano: "Fernando Baiano... Conheço de nome".
As negativas das empreiteiras são abundantes. Muitas admitem ter firmado contratos com Paulo Roberto. Dentre elas, todas afirmam que nada deu certo, e o respectivo contrato fòi logo desfeito. A acreditar no que dizem, Paulo Roberto era um fracasso como lobista, embora recebesse milhões pelos contratos.
Em nota, a Camafgo Corrêa afirma que Costa Global foi contratada para "desenvolver estudos nas áreas de óleo e gás, dentro da mais absoluta legalidade". Não quis informar valores nem datas de pagamentos. O consórcio CNCC, controlado pela Camargo e responsável pelas obras em Abreu e Lima, afirma que "não tem e jamais teve qualquer relação com essas pessoas ou empresas citadas".
A Sanko-Sider diz, também em nota, que "não tem nem nunca teve conta no exterior". Admite ter contratado a Costa Global "para a prestação de serviços de consultoria relacionados à venda de projetos", embora não informe quanto pagou a Paulo Roberto. "O contrato foi rompido de forma amigável após curto período, tendo em vista a inexistência de resultados", diz a Sanko. "Os contratos das empresas do grupo Sanko são estritamente legais e comerciais."
A lesa admite ter pagado R$ 300 mil à Costa Global. "Foram realizadas diversas reuniões com a Costa Global e com empresa de engenharia conceituai, e identificados potenciais parceiros fornecedores de tecnologia para o fornecimento de minirrefinarias modulares", diz a lesa,
sem mencionar se os negócios deram certo. A GDK é a única empreiteira que confirma ter contratado Paulo Roberto para obter negócios e ter se disposto a pagar taxas de sucesso. Forneceu detalhes dos pagamentos à Costa Global. Diz que nenhum negócio prosperou e, diante disso, resolyeu cancelar o contrato. "A GDK solicita que seja mencionada sua perplexidade com a associação do seu nome à referida Operação Lava Jato", afirma. E nega qualquer irregularidade.
A Engevix afirma apenas que teve contrato com a Costa Global, sem dar maiores explicações. O lobista Fernando Baiano e as empreiteiras Andrade Gutierrez e Queiroz Galvão - as duas cujos diretores, segundo os papéis da PF, mantinham relações próximas com Baiano - preferiram, não se manifestar. O advogado de Youssef, Antonio Figueiredo, afirma que seu cliente não tem qualquer vínculo com empreiteiras, não recebeu dinheiro delas e não tem contas no exterior. O advogado de Paulo Roberto não respondeu ao pedido de entrevista de ÉPOCA até o fechamento desta edição.
Provas obtidas por ÉPOCA revelam que dezenas de empreiteiras com contratos na Petrobras pagaram milhões - no Brasil e na Suíça - a Paulo Roberto Costa e a seu parceiro, o doleiro Alberto Youssef
"Nunca quis ser mais um", disse o diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, em novembro de 2011, pouco antes de encerrar seus oito anos à frente do cargo e de se aposentar com 35 anos na estatal. Foi apeado, em seguida, por decisão da presidente Dilma Rousseff- para desespero do consórcio entre PP, PMDB.e PT, que o bancava politicamente, com o aval do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Nunca desisti dos meus sonhos, Abracei todas as minhas chances", disse. Ninguém duvida. A capacidade de Paulo Roberto em realizar seus sonhos — e de contribuir para os sonhos dos outros - tornou-se dolorosamente pública com a Operação Lava Jato, em que ele foi preso. Paulo Roberto é ácusado de comandar, ao lado do doleiro Alberto Youssef, um esquema de corrupção na Petrobras. Não era,como revela a íntegra das provas da Lava Jato, obtida por ÉPOCA com exclusividade há duas semanas, apenas mais um esquema de corrupção na Petrobras. Era o esquema dos sonhos dele - um pesadelo para os brasileiros. Um esquema com mais clientes, mais dinheiro e mais ramificações, políticas e empresariais, do que se supunha até agora.
O imenso acervo das investigações da Lava Jato contém as provas inéditas que demonstram essa dimensão. A Polícia Federal encontrou as principais evidências quando fez apreensões num dos escritórios de Youssef e, especialmente, na casa de Arianna Bachmann, uma das filhas de Paulo Roberto. No caso dela, as provas estavam num notebook escondido no porta-malas do carro. Arianna era a principal funcionária de Paulo Roberto. Registrava em detalhes os negócios da família. Num dos escritórios deYoussef em São Paulo, a PF encontrou um arquivo com milhares de papéis. Eles trazem indícios de dezenas de episódios de corrupção, em muitos Estados e órgãos públicos. Eles se espelham perfeitamente com os registros sobre a Petrobras encontrados no computador de Arianna. Esses arquivos secretos revelam, entre outras coisas, que:
- Paulo Roberto chegou a ter 81 contratos, todos com fornecedores da Petrobras, quando saiu da estatal e montou sua empresa de consultoria. Há provas de que ele recebeu milhões de 23 empreiteiras, na maior parte das vezes sem prestar, segundo sugerem os documentos, qualquer serviço;
- o principal cliente de Paulo Roberto, segundo as provas da PF, era a empreiteira Camargo Corrêa. Ela liderava o principal consórcio das obras de R$ 20 bilhões da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. Paulo Roberto comandara essas obras e presidia o Conselho de Abreu e Lima. Grande parte dos clientes que repassaram dinheiro à empresa dele trabalhava nessas obras;
-Paulo Roberto recebeu, em dinheiro vivo segundo a PF, o equivalente a R$ 6,4 milhões de Youssef e R$ 2,4 milhões do lobista Fernando Soares, conhecido como Fernando Baiano, em reais, dólares e euros. Baiano o ajudava a fechar negócios com as empreiteiras e a manter boas relações com parlamentares do consórcio que o mantinha na Petrobras; e
- Youssef, o sócio de Paulo Roberto, mantinha uma subconta na Suíça em nome da principal subcontratada pela Camargo Corrêa para serviços na Abreu e Lima, a Sanko. Outra subconta deYoussef na Suíça recebia milhões de subsidiárias internacionais de empreiteiras brasileiras, entre elas a OAS.
Todas essas provas foram enviadas ao Supremo Tribunal Federal há dez dias, logo após o ministro Teori Zavascki suspender as investigações da" Lava Jato e mandar soltar Paulo Roberto. Não se sabe quando os ministros do Supremo decidirão o que fazer com o caso. Quanto mais tempo demorar, menores as chances de que delegados e procuradores avancem nas investigações. Paulo Roberto, é bom lembrar, foi preso porque sua família foi flagrada tentando destruir provas. Antes que os processos, que corriam no Paraná, fossem suspensos, Youssef e ele já eram réus, acusados de lavar dinheiro desviado, segundo denúncia do MPF, do contrato do consórcio da Camargo Corrêa em Abreu e Lima. Na semana passada, o Congresso finalmente criou uma CPI mista para investigar a Petrobras. As provas da Lava Jato oferecem aos parlamentares um bom roteiro de trabalho.
Num dos arquivos do computador de Arianna, a PP encontrou notas fiscais da Costa Global, empresa de consultoria da família, emitidas entre outubro de 2012 e fevereiro deste ano. Somam R$ 7,5 milhões, divididos entre duas dezenas de empresas - quase todas empreiteiras. A maior parte do dinheiro foi paga pela Camargo Corrêa: R$ 3,1 milhões. A Camargo fazia pagamentos mensais de R$ 100 mil. Em dezembro de 2013, fez o último e maior depósito: RS 2,2 milhões. A Camargo diz que Contratava a Costa Global para "fazer estudos".
Arianna mantinha planilhas atualizadas com os contratos da Costa Global. Continham nomes de contatos e valores a receber. Se a Costa Global chegou a ter 81 clientes, por que há notas fiscais de apenas 23? Como Paulo Roberto recebia pelos demais? Era o que a PF tentava descobrir. A investigação traz evidências de que Paulo Roberto, como qualquer lobista, recebia um percentual do negócio obtido para seus clientes, conhecido como "taxa de sucesso", do inglês "success fee", um eufemismo para aquilo que todos conhecemos como propina. O caso da Camargo, segundo os registros da filha de Paulo Roberto, resume bem a situação: "O success fee será negociado separadamente para cada negócio".
O estranho, segundo os investigadores, é a existência de contratos que não previam taxa de sucesso. Sem essa cláusula, ò trabalho de lobby não faz sentido. Cruzando os nomes das empreiteiras que fizeram contratos nesses moldes com as anotações de Paulo Roberto, a PF chegou à suspeita de que eles se referiam, na verdade, à propina dos tempos em que ele ainda era diretor da Petrobras. Há indícios de que se referiam a acertos de contas. É o caso de contratos com empreiteiras como Engevix, lesa, Queiroz Galvão e, num dos casos, também da Camargo. No caso da Queiroz, uma anotação da agenda de Paulo Roberto menciona o pagamento de R$ 600 mil. Metade para ele; a outra metade para o "partido". Em março de 2013, meses depois dessa anotação, a Queiroz Galvão fechou um contrato de seis meses com a Costa Global para pagar R$ 100 mil mensalmente - mesmo valor anotado à mão na agenda de Paulo Roberto.
na Suíça. O PKB é um banco conhecido por aceitar qualquer tipo de cliente - de traficantes a políticos condenados por corrupção. Entre outras transações consideradas suspeitas pela PF, os extratos revelam que, em 2013, a OAS African Investments, empresa internacional do grupo OAS, sediada no paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas, transferiu US$ 4,8 milhões para a conta de Youssef no PKB. Foram três depósitos de US$ 1,6 milhão, entre maio e julho.
Os documentos revelam que Youssef abrira, por meio de laranjas, uma sub-conta no mesmo PKB em nome da Sanko, empresa que mais recebera da Camargo por serviços nas obras da Abreu e Lima. Essa subconta tinha limite de US$ 1,4 milhão. Entre janeiro e fevereiro de 2014, ela recebeu cerca de US$ 1,1 milhão. Não há informação sobre quem depositou o dinheiro. Em seguida, Youssef transferiu grande parte dos recursos para contas em Hong Kong, também controladas por laranjas. Foram tantos os documentos da Sanko apreendidos com Youssef que oS investigadores
suspeitam que ele seja o dono da empresa. Entre 2009 e 2013, a Sanko recebeu R$ 113 milhões do Consórcio CNCC, liderado pela Camargo, por "serviços" em Abreu e Lima. E repassou R$ 32 milhões a uma empresa de Youssef.
As contabilidades de Youssef e Paulo Roberto são siamesas. Se Youssef registrava um pagamento a Paulo Roberto, Paulo Roberto registrava um depósito de Youssef. Em 8 de agosto de 2012, as planilhas dos dois trazem um pagamento de R$ 450 mil a Paulo Roberto. Dez dias depois, Paulo Roberto depositou R$ 120 mil, em espécie, na conta do advogado Eduardo Gouvêa. Gouvêa, dizem os papéis, é parceiro de negócios de Paulo Roberto.
No mesmo período, em 13 de agosto de 2012, Youssef anotou ter recebido R$ 1 milhão associado ao nome"Refap", correspondente à décima e à décima primeira prestação de um total de 20 parcelas de R$ 500 mil-ou R$ 10 milhões.Duas semanas antes, a Petrobras oficializara a compra da Refinaria Alberto Pasqualini, no Rio Grande do Sul, conhecida como Refap. Até então, a Refap era uma sociedade entre a Petrobras e a espanhola Repsol. Em dezembro de 2010, quando Paulo Roberto ainda era diretor da Área Internacional, a Petrobras comprara a parte da Repsol por US$ 850 milhões. "Para a Petrobras, isso é importante porque não tínhamos possibilidade de ter uma sinergia completa entre a Refap e o sistema Petrobras, porque, sendo um consórcio, tinha uma posição diferente dentro da estrutura gerencial da empresa. Voltando a ser 100% da Petrobras, isso se refletirá em benefícios grandes para nós, em termos de atendimento do mercado e de colocação de petróleo nacional", disse Paulo Roberto na ocasião. As duas parcelas de R$ 500 mil da "Refap" foram registradas como "entradas" de Youssef na planilha de Paulo Roberto. A PF suspeita que se trate de propina.
O advogado Gouvêa afirmou que recebeu ò depósito de R$ 120 mil em dinheiro porque vendeu um barco, "por acaso", a Paulo Roberto Costa. "Ele me confirmou o depósito na conta, e emiti o documento de venda dessa embarcação. Nem imaginava que tinha sido feito em dinheiro", diz Gouvêa. Reuniões com Gouvêa são mencionadas na agenda de Paulo Roberto. Ele afirma que é amigo de Humberto Mesquita, ou Beto, genro que cuida da contabilidade de Paulo Roberto. "Conheço eles desde 1997, fui ao casamento dele (Humberto) com a filha do Paulo Roberto", diz Gouvêa. "A gente fazia muita reunião, e às vezes Paulo Roberto estava presente. Humberto me pedia auxílio na área da advocacia. Mas era um auxílio assim, vamos dizer, de amigo. Porque nunca efetivamente cobrei nada pelos serviços que prestei a ele. Nunca tive uma relação contratual." Gouvêa afirma não ter "relação próxima" com o lobista Fernando Baiano: "Fernando Baiano... Conheço de nome".
As negativas das empreiteiras são abundantes. Muitas admitem ter firmado contratos com Paulo Roberto. Dentre elas, todas afirmam que nada deu certo, e o respectivo contrato fòi logo desfeito. A acreditar no que dizem, Paulo Roberto era um fracasso como lobista, embora recebesse milhões pelos contratos.
Em nota, a Camafgo Corrêa afirma que Costa Global foi contratada para "desenvolver estudos nas áreas de óleo e gás, dentro da mais absoluta legalidade". Não quis informar valores nem datas de pagamentos. O consórcio CNCC, controlado pela Camargo e responsável pelas obras em Abreu e Lima, afirma que "não tem e jamais teve qualquer relação com essas pessoas ou empresas citadas".
A Sanko-Sider diz, também em nota, que "não tem nem nunca teve conta no exterior". Admite ter contratado a Costa Global "para a prestação de serviços de consultoria relacionados à venda de projetos", embora não informe quanto pagou a Paulo Roberto. "O contrato foi rompido de forma amigável após curto período, tendo em vista a inexistência de resultados", diz a Sanko. "Os contratos das empresas do grupo Sanko são estritamente legais e comerciais."
A lesa admite ter pagado R$ 300 mil à Costa Global. "Foram realizadas diversas reuniões com a Costa Global e com empresa de engenharia conceituai, e identificados potenciais parceiros fornecedores de tecnologia para o fornecimento de minirrefinarias modulares", diz a lesa,
sem mencionar se os negócios deram certo. A GDK é a única empreiteira que confirma ter contratado Paulo Roberto para obter negócios e ter se disposto a pagar taxas de sucesso. Forneceu detalhes dos pagamentos à Costa Global. Diz que nenhum negócio prosperou e, diante disso, resolyeu cancelar o contrato. "A GDK solicita que seja mencionada sua perplexidade com a associação do seu nome à referida Operação Lava Jato", afirma. E nega qualquer irregularidade.
A Engevix afirma apenas que teve contrato com a Costa Global, sem dar maiores explicações. O lobista Fernando Baiano e as empreiteiras Andrade Gutierrez e Queiroz Galvão - as duas cujos diretores, segundo os papéis da PF, mantinham relações próximas com Baiano - preferiram, não se manifestar. O advogado de Youssef, Antonio Figueiredo, afirma que seu cliente não tem qualquer vínculo com empreiteiras, não recebeu dinheiro delas e não tem contas no exterior. O advogado de Paulo Roberto não respondeu ao pedido de entrevista de ÉPOCA até o fechamento desta edição.
Salve, salve, o padrão Brasil - RUTH DE AQUINO
REVISTA ÉPOCA
Deixa que digam, que pensem, que falem. Você comemorará cada gol brasileiro na Copa, se emocionará a cada vitória, sofrerá se nossos craques pisarem na bola, vai gritar e até chorar. Isso não significa que, fora do estádio ou do sofá, você precise parar de criticar o péssimo planejamento deste Mundial, a inadmissível quebra de promessas para a população, a aparente roubalheira nas obras superfaturadas e o inferno dos serviços públicos. O Brasil tem abusado de nossa cordialidade, nossa paciência e nosso otimismo, ano após ano.
Na semana passada, foi comovente o esforço do governo e das autoridades para derreter o coração canarinho e evitar protestos durante a Copa. A reação nacionalista a "acusações" de estrangeiros foi uma tentativa patética de transformar críticos em traidores da pátria. A presidente Dilma Rousseff afirmou, com orgulho cara-pálida, que os aeroportos do Brasil não são "padrão Fifa" mas "padrão Brasil". Lindo. A gente sabe que padrão é esse quando precisa ir ao banheiro, pegar uma escada rolante ou aguardar a chegada das malas.
O secretário de Turismo do Rio de Janeiro e homem de confiança do prefeito Eduardo Paes, Antônio Pedro Figueira de Mello, disse que "o Rio não é a Suíça", ao se referir às longas filas que os turistas terão de enfrentar na cidade. Antônio Pedro também reconheceu que o Rio não se preparou para receber deficientes porque, na Copa do Mundo, "não há tanto esse público". Depois pediu desculpas pela bola fora.
Talvez por o Rio não ser a Suíça, o Exército tenha sido convocado para dar segurança aos turistas nas praias, nas ruas, no Maracanã. As duas polícias, PM e Civil, não dariam conta. Sabe como é, esse é nosso padrão. No padrão Brasil, professores manifestantes cercam o ônibus da Seleção, em protesto contra baixos salários. Mas não torcem contra a Seleção. Torcem por um Brasil à altura de nossa Seleção, por uma Educação à altura de nosso futebol. Deu para entender ou precisa desenhar?
Tudo se encaixa no padrão Brasil. Na capital, Brasília, índio flecha PM, arcos enfrentam a cavalaria. Nos arredores de estádios da Copa, em diversas cidades, há cenários lastimáveis. Lixo entulha a favela que fica a 300 metros do Maracanã, como mostrou o jornal O Globo. Comunidades junto aos novíssimos estádios convivem com água de poço, esgoto a céu aberto, zona de prostituição baixa, luz de vela,
invasões de sem-teto. Digamos que na África também é assim. Mas a gente espera mais do Brasil.
Esperávamos que o governo de Dilma e Lula cumprisse uma promessa para estimular o ecoturismo no Brasil. Foi anunciado há quatro anos que o governo federal investiria R$ 668 milhões na infraestrutura de 23 parques federais. Eram os "Parques da Copa", uma parceria dos ministérios do Turismo e do Meio Ambiente. Do total de R$ 668 milhões, quanto foi investido? Apenas R$ 1 milhão. Mas, sabe, esse é o padrão Brasil. É para se orgulhar?
Não é só o governo federal. Segundo o jornal Valor Econômico, Dilma colocou à disposição de governadores e prefeitos R$ 12,4 bilhões para obras de mobilidade urbana, ônibus e metrôs. Só R$ 479 milhões foram sacados por Estados e municípios. É muita incompetência. Devemos nos conformar? Ou podemos almejar um outro padrão?
Agora, o governo pede ao povo que se comporte. Os gringos não podem falar mal do país do sol, da alegria, da cachaça, do Carnaval e do futebol.
Nessa reta final antes da Copa, apareceu até uma "miss" padrão Brasil. É a filha do ex-todo-poderoso da CBF Ricardo Teixeira e neta de João Havelange, ex-comandante da Fifa. Joana Teixeira Havelange tem 37 anos, é do Comitê Organizador Local da Copa e publicou um texto em apoio ao Mundial, "até porque o que tinha que ser gasto, roubado, já foi". Joana tem linhagem. Seu pai renunciou em meio a denúncias de corrupção depois de 23 anos à frente da CBF. Joana é formada em administração e ganha cerca de R$ 80 mil por mês, ou R$ 100 mil, incluindo extras e bônus, segundo dizem. Joana é ou não a cara do padrão Brasil?
Nem os mais céticos imaginavam que, a poucos dias da Copa, o país ainda estivesse nessa correria para maquiar os equipamentos essenciais. O cenário mais pessimista previa um legado maior para a população. Infelizmente, a ficha ainda não caiu para os governantes. As autoridades não fizeram mea-culpa de nada. Só se preocupam com o vexame e com "o que os outros vão dizer" se os brasileiros lavarem a roupa suja diante dos convidados. É muita cara de pau.
Vamos, sim, torcer para que o Brasil seja hexacampeão. Vamos torcer também para que, fora do gramado, o Brasil honre suas cores e sua gente. E mude de padrão.
Deixa que digam, que pensem, que falem. Você comemorará cada gol brasileiro na Copa, se emocionará a cada vitória, sofrerá se nossos craques pisarem na bola, vai gritar e até chorar. Isso não significa que, fora do estádio ou do sofá, você precise parar de criticar o péssimo planejamento deste Mundial, a inadmissível quebra de promessas para a população, a aparente roubalheira nas obras superfaturadas e o inferno dos serviços públicos. O Brasil tem abusado de nossa cordialidade, nossa paciência e nosso otimismo, ano após ano.
Na semana passada, foi comovente o esforço do governo e das autoridades para derreter o coração canarinho e evitar protestos durante a Copa. A reação nacionalista a "acusações" de estrangeiros foi uma tentativa patética de transformar críticos em traidores da pátria. A presidente Dilma Rousseff afirmou, com orgulho cara-pálida, que os aeroportos do Brasil não são "padrão Fifa" mas "padrão Brasil". Lindo. A gente sabe que padrão é esse quando precisa ir ao banheiro, pegar uma escada rolante ou aguardar a chegada das malas.
O secretário de Turismo do Rio de Janeiro e homem de confiança do prefeito Eduardo Paes, Antônio Pedro Figueira de Mello, disse que "o Rio não é a Suíça", ao se referir às longas filas que os turistas terão de enfrentar na cidade. Antônio Pedro também reconheceu que o Rio não se preparou para receber deficientes porque, na Copa do Mundo, "não há tanto esse público". Depois pediu desculpas pela bola fora.
Talvez por o Rio não ser a Suíça, o Exército tenha sido convocado para dar segurança aos turistas nas praias, nas ruas, no Maracanã. As duas polícias, PM e Civil, não dariam conta. Sabe como é, esse é nosso padrão. No padrão Brasil, professores manifestantes cercam o ônibus da Seleção, em protesto contra baixos salários. Mas não torcem contra a Seleção. Torcem por um Brasil à altura de nossa Seleção, por uma Educação à altura de nosso futebol. Deu para entender ou precisa desenhar?
Tudo se encaixa no padrão Brasil. Na capital, Brasília, índio flecha PM, arcos enfrentam a cavalaria. Nos arredores de estádios da Copa, em diversas cidades, há cenários lastimáveis. Lixo entulha a favela que fica a 300 metros do Maracanã, como mostrou o jornal O Globo. Comunidades junto aos novíssimos estádios convivem com água de poço, esgoto a céu aberto, zona de prostituição baixa, luz de vela,
invasões de sem-teto. Digamos que na África também é assim. Mas a gente espera mais do Brasil.
Esperávamos que o governo de Dilma e Lula cumprisse uma promessa para estimular o ecoturismo no Brasil. Foi anunciado há quatro anos que o governo federal investiria R$ 668 milhões na infraestrutura de 23 parques federais. Eram os "Parques da Copa", uma parceria dos ministérios do Turismo e do Meio Ambiente. Do total de R$ 668 milhões, quanto foi investido? Apenas R$ 1 milhão. Mas, sabe, esse é o padrão Brasil. É para se orgulhar?
Não é só o governo federal. Segundo o jornal Valor Econômico, Dilma colocou à disposição de governadores e prefeitos R$ 12,4 bilhões para obras de mobilidade urbana, ônibus e metrôs. Só R$ 479 milhões foram sacados por Estados e municípios. É muita incompetência. Devemos nos conformar? Ou podemos almejar um outro padrão?
Agora, o governo pede ao povo que se comporte. Os gringos não podem falar mal do país do sol, da alegria, da cachaça, do Carnaval e do futebol.
Nessa reta final antes da Copa, apareceu até uma "miss" padrão Brasil. É a filha do ex-todo-poderoso da CBF Ricardo Teixeira e neta de João Havelange, ex-comandante da Fifa. Joana Teixeira Havelange tem 37 anos, é do Comitê Organizador Local da Copa e publicou um texto em apoio ao Mundial, "até porque o que tinha que ser gasto, roubado, já foi". Joana tem linhagem. Seu pai renunciou em meio a denúncias de corrupção depois de 23 anos à frente da CBF. Joana é formada em administração e ganha cerca de R$ 80 mil por mês, ou R$ 100 mil, incluindo extras e bônus, segundo dizem. Joana é ou não a cara do padrão Brasil?
Nem os mais céticos imaginavam que, a poucos dias da Copa, o país ainda estivesse nessa correria para maquiar os equipamentos essenciais. O cenário mais pessimista previa um legado maior para a população. Infelizmente, a ficha ainda não caiu para os governantes. As autoridades não fizeram mea-culpa de nada. Só se preocupam com o vexame e com "o que os outros vão dizer" se os brasileiros lavarem a roupa suja diante dos convidados. É muita cara de pau.
Vamos, sim, torcer para que o Brasil seja hexacampeão. Vamos torcer também para que, fora do gramado, o Brasil honre suas cores e sua gente. E mude de padrão.
A farsa dos movimentos sociais - CARTA AO LEITOR
REVISTA VEJA
Une os governos de Lula e Dilma Rousseff o apoio ao que seus ideólogos chamam de "movimentos sociais", que nada mais são do que grupos organizados para servir de massa de manobra aos interesses políticos radicais. O encarregado de organizar e manter vivos esses grupos é Gilberto Carvalho, que, de sua sala no Palácio do Planalto, atua como um ministro para o caos social. Essa pasta, de uma forma ou de outra, existe em todos os governos populistas da América Latina e se ocupa da cínica estratégia de formar ou adotar grupos com interesses que não podem ser contemplados dentro da ordem institucional, pois implicam o desrespeito às leis e aos direitos constitucionais. Ora são movimentos de índios que reivindicam reservas em áreas de agronegócio altamente produtivas e até cidades inteiras em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, ora são pessoas brancas como a neve que se declaram descendentes de escravos africanos e querem ocupar à força propriedades alheias sob o argumento improvável de que seus antepassados viveram ali. A estratégia de incitar esses grupos à baderna e, depois, se vender à sociedade como sendo os únicos capazes de conter as revoltas é a adaptação moderna do velho truque cartorial de criar dificuldades para vender facilidades.
Brasília assistiu, na semana passada, a uma dessas operações. Alguns índios decidiram impedir que as pessoas pudessem ver a taça da Copa do Mundo, exposta no Estádio Mané Garrincha. A polícia tentou reprimir o ato, e um dos silvícolas feriu um policial com uma flechada. Atenção! Isso ocorreu no século XXI, em Brasília, a cidade criada para, como disse o presidente Juscelino Kubitschek no discurso de inauguração da capital, há 54 anos, demonstrar nossa "pujante vontade de progresso (...), o alto grau de nossa civilização (...) e nosso irresistível destino de criação e de força construtiva". Pobre JK. Mostra uma reportagem desta edição que progresso, civilização e força construtiva passam longe de Brasília. As ruas e avenidas da capital e de muitas grandes cidades brasileiras são território dos baderneiros.
Há três meses, o MST, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, mandou seus militantes profissionais atacar o Planalto. Gilberto Carvalho foi até a rua, onde, depois de uma rápida conversa, se combinou que Dilma receberia os manifestantes. "O MST contesta o governo, e isso é da democracia", explicou Carvalho, o pacificador, que com um dedo de prosa dissolveu o cerco feroz.
O MST é um movimento arcaico, com uma pauta de reforma agrária do século passado em um Brasil com quase 90% de urbanização e 80% da produção dos alimentos consumidos pelos brasileiros vinda da agricultura familiar. Por obsoleto, já deveria ter desaparecido. Mas Carvalho não permite que isso ocorra. O MST faz parte do exército de reserva e precisa estar pronto se convocado. Foi o que se deu na semana passada, quando João Pedro Stedile, um dos fundadores do movimento, obediente ao chamado do momento, atirou: "Só espero que não ganhe o Aécio Neves, porque aí seria uma guerra". É impossível não indagar: contra quem seria essa guerra? A resposta é óbvia: contra a vontade popular e contra a democracia.
Une os governos de Lula e Dilma Rousseff o apoio ao que seus ideólogos chamam de "movimentos sociais", que nada mais são do que grupos organizados para servir de massa de manobra aos interesses políticos radicais. O encarregado de organizar e manter vivos esses grupos é Gilberto Carvalho, que, de sua sala no Palácio do Planalto, atua como um ministro para o caos social. Essa pasta, de uma forma ou de outra, existe em todos os governos populistas da América Latina e se ocupa da cínica estratégia de formar ou adotar grupos com interesses que não podem ser contemplados dentro da ordem institucional, pois implicam o desrespeito às leis e aos direitos constitucionais. Ora são movimentos de índios que reivindicam reservas em áreas de agronegócio altamente produtivas e até cidades inteiras em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, ora são pessoas brancas como a neve que se declaram descendentes de escravos africanos e querem ocupar à força propriedades alheias sob o argumento improvável de que seus antepassados viveram ali. A estratégia de incitar esses grupos à baderna e, depois, se vender à sociedade como sendo os únicos capazes de conter as revoltas é a adaptação moderna do velho truque cartorial de criar dificuldades para vender facilidades.
Brasília assistiu, na semana passada, a uma dessas operações. Alguns índios decidiram impedir que as pessoas pudessem ver a taça da Copa do Mundo, exposta no Estádio Mané Garrincha. A polícia tentou reprimir o ato, e um dos silvícolas feriu um policial com uma flechada. Atenção! Isso ocorreu no século XXI, em Brasília, a cidade criada para, como disse o presidente Juscelino Kubitschek no discurso de inauguração da capital, há 54 anos, demonstrar nossa "pujante vontade de progresso (...), o alto grau de nossa civilização (...) e nosso irresistível destino de criação e de força construtiva". Pobre JK. Mostra uma reportagem desta edição que progresso, civilização e força construtiva passam longe de Brasília. As ruas e avenidas da capital e de muitas grandes cidades brasileiras são território dos baderneiros.
Há três meses, o MST, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, mandou seus militantes profissionais atacar o Planalto. Gilberto Carvalho foi até a rua, onde, depois de uma rápida conversa, se combinou que Dilma receberia os manifestantes. "O MST contesta o governo, e isso é da democracia", explicou Carvalho, o pacificador, que com um dedo de prosa dissolveu o cerco feroz.
O MST é um movimento arcaico, com uma pauta de reforma agrária do século passado em um Brasil com quase 90% de urbanização e 80% da produção dos alimentos consumidos pelos brasileiros vinda da agricultura familiar. Por obsoleto, já deveria ter desaparecido. Mas Carvalho não permite que isso ocorra. O MST faz parte do exército de reserva e precisa estar pronto se convocado. Foi o que se deu na semana passada, quando João Pedro Stedile, um dos fundadores do movimento, obediente ao chamado do momento, atirou: "Só espero que não ganhe o Aécio Neves, porque aí seria uma guerra". É impossível não indagar: contra quem seria essa guerra? A resposta é óbvia: contra a vontade popular e contra a democracia.
Fascismo light - JOÃO PEREIRA COUTINHO
FOLHA DE SP - 03/06
Os indivíduos têm o direito de arruinar a própria saúde. Fumando. Bebendo. Transando sem camisinha
Reinaldo Azevedo escreveu na "Veja" um texto sobre o tabaco. Corrijo. Sobre a autoritária intenção do governo federal de proibir o fumo em lugares fechados. Como já acontece em São Paulo.
Subscrevo cada linha do meu colega e aproveito para responder à pergunta de Reinaldo sobre o glorioso mundo que espera o Brasil: é o mundo da União Europeia, com seus regulamentos absurdos e suas absurdas intromissões na liberdade individual --a respeito de sal, gorduras, açúcares, bebidas energéticas, exercício físico, exposição solar e qualquer manifestação de vida que seja um desvio da cartilha dos fanáticos.
Mas, antes de passarmos a esse mundo, relembremos o básico: a luta contra o fumo é uma luta médica, não política.
Os médicos podem "desaconselhar" o tabaco. Os cientistas podem provar os malefícios do fumo para a saúde do fumante (ativo), embora ainda esteja por provar qualquer relação consequente entre fumo (passivo) e câncer, por exemplo. Depois, em liberdade, cada um escolhe o modo de vida que entende com a informação de que dispõe.
Coisa diferente é afirmar que o fumo também pertence ao mundo do poder político. Não pertence. Se, como escreve Reinaldo Azevedo, os cigarros não são ilegais, não compete ao governo tratá-los como substâncias ilícitas. Sobretudo quando esse governo cobra impostos sobre o consumo, beneficiando os cofres do Estado com um vício que publicamente condena.
A hipocrisia do gesto fura os olhos de qualquer um: sob a capa da virtude, o governo rejeita os pulmões dos fumantes mas não o dinheiro deles.
Além disso, e mesmo que as proibições sejam em nome da saúde, não compete ao governo ser o "babysitter" de ninguém. Tentar aprimorar a qualidade da raça é coisa de regimes totalitários, não de democracias pluralistas.
Em democracias pluralistas, os indivíduos têm todo o direito de arruinar a própria saúde. Fumando. Bebendo. Transando sem camisinha. Rejeitando o "jogging" e abraçando o "zapping".
Aliás, não é apenas o direito de cada um dispor da sua saúde que deve ser respeitado. Existe um direito ainda mais básico que a proibição do fumo em lugares fechados viola clamorosamente: é o direito à propriedade privada.
Como escrevi nesta Folha quando a proibição de fumar em lugares fechados se abateu sobre São Paulo, não compete ao governo indicar ao proprietário de um bar ou restaurante o tipo de clientela que ele pode, ou não pode, aceitar no seu espaço.
Essa decisão pertence ao proprietário: é tão legítimo aceitar fumantes como recusá-los. O mercado e a concorrência, depois, que façam o seu papel: se eu não desejo frequentar um restaurante para fumantes, posso perfeitamente escolher jantar no restaurante do lado onde circula o ar puro de vales e montanhas.
As leis antifumo, que são hoje dominantes em toda a Europa, fazem parte de um programa mais vasto de "reeducação" dos homens em nome da Saúde (a única divindade que restou no mundo pós-religioso). E como se procede a essa "reeducação"?
Claro: criando um estigma sobre fumantes, obesos ou sedentários. Não admira que a esmagadora maioria dos fumantes brasileiros lamente a sua própria "fraqueza". Reinaldo Azevedo fala em 90%. Por razões de saúde? Admito que sim.
Mas também admito que muitos deles se olhem no espelho e se vejam como o governo e os novos "engenheiros de almas humanas" os retratam: seres fracos e repelentes --"vermes", na carinhosa expressão do velho Adolfo-- que só servem para "contaminar" a sociedade.
Essa "contaminação" não é mais a contaminação tosca dos delírios nazistas sobre a "praga" judaica. É uma "contaminação" mais subtil, que pretende espalhar na sociedade uma forma de "apartheid" com a pergunta: "Por que motivo eu devo pagar com os meus impostos o tratamento médico de gente que poderia ter cuidado melhor da sua saúde?"
Como é evidente, essa pergunta só faria sentido se fumantes ou glutões não pagassem também impostos. E, como pagadores de impostos, não tivessem os mesmos direitos que qualquer contribuinte vegetariano, praticante de ioga e abstêmio radical.
Os hospitais não existem para tratar gente saudável. Relembrar o óbvio é o melhor retrato do "fascismo light" em que vivemos.
Os indivíduos têm o direito de arruinar a própria saúde. Fumando. Bebendo. Transando sem camisinha
Reinaldo Azevedo escreveu na "Veja" um texto sobre o tabaco. Corrijo. Sobre a autoritária intenção do governo federal de proibir o fumo em lugares fechados. Como já acontece em São Paulo.
Subscrevo cada linha do meu colega e aproveito para responder à pergunta de Reinaldo sobre o glorioso mundo que espera o Brasil: é o mundo da União Europeia, com seus regulamentos absurdos e suas absurdas intromissões na liberdade individual --a respeito de sal, gorduras, açúcares, bebidas energéticas, exercício físico, exposição solar e qualquer manifestação de vida que seja um desvio da cartilha dos fanáticos.
Mas, antes de passarmos a esse mundo, relembremos o básico: a luta contra o fumo é uma luta médica, não política.
Os médicos podem "desaconselhar" o tabaco. Os cientistas podem provar os malefícios do fumo para a saúde do fumante (ativo), embora ainda esteja por provar qualquer relação consequente entre fumo (passivo) e câncer, por exemplo. Depois, em liberdade, cada um escolhe o modo de vida que entende com a informação de que dispõe.
Coisa diferente é afirmar que o fumo também pertence ao mundo do poder político. Não pertence. Se, como escreve Reinaldo Azevedo, os cigarros não são ilegais, não compete ao governo tratá-los como substâncias ilícitas. Sobretudo quando esse governo cobra impostos sobre o consumo, beneficiando os cofres do Estado com um vício que publicamente condena.
A hipocrisia do gesto fura os olhos de qualquer um: sob a capa da virtude, o governo rejeita os pulmões dos fumantes mas não o dinheiro deles.
Além disso, e mesmo que as proibições sejam em nome da saúde, não compete ao governo ser o "babysitter" de ninguém. Tentar aprimorar a qualidade da raça é coisa de regimes totalitários, não de democracias pluralistas.
Em democracias pluralistas, os indivíduos têm todo o direito de arruinar a própria saúde. Fumando. Bebendo. Transando sem camisinha. Rejeitando o "jogging" e abraçando o "zapping".
Aliás, não é apenas o direito de cada um dispor da sua saúde que deve ser respeitado. Existe um direito ainda mais básico que a proibição do fumo em lugares fechados viola clamorosamente: é o direito à propriedade privada.
Como escrevi nesta Folha quando a proibição de fumar em lugares fechados se abateu sobre São Paulo, não compete ao governo indicar ao proprietário de um bar ou restaurante o tipo de clientela que ele pode, ou não pode, aceitar no seu espaço.
Essa decisão pertence ao proprietário: é tão legítimo aceitar fumantes como recusá-los. O mercado e a concorrência, depois, que façam o seu papel: se eu não desejo frequentar um restaurante para fumantes, posso perfeitamente escolher jantar no restaurante do lado onde circula o ar puro de vales e montanhas.
As leis antifumo, que são hoje dominantes em toda a Europa, fazem parte de um programa mais vasto de "reeducação" dos homens em nome da Saúde (a única divindade que restou no mundo pós-religioso). E como se procede a essa "reeducação"?
Claro: criando um estigma sobre fumantes, obesos ou sedentários. Não admira que a esmagadora maioria dos fumantes brasileiros lamente a sua própria "fraqueza". Reinaldo Azevedo fala em 90%. Por razões de saúde? Admito que sim.
Mas também admito que muitos deles se olhem no espelho e se vejam como o governo e os novos "engenheiros de almas humanas" os retratam: seres fracos e repelentes --"vermes", na carinhosa expressão do velho Adolfo-- que só servem para "contaminar" a sociedade.
Essa "contaminação" não é mais a contaminação tosca dos delírios nazistas sobre a "praga" judaica. É uma "contaminação" mais subtil, que pretende espalhar na sociedade uma forma de "apartheid" com a pergunta: "Por que motivo eu devo pagar com os meus impostos o tratamento médico de gente que poderia ter cuidado melhor da sua saúde?"
Como é evidente, essa pergunta só faria sentido se fumantes ou glutões não pagassem também impostos. E, como pagadores de impostos, não tivessem os mesmos direitos que qualquer contribuinte vegetariano, praticante de ioga e abstêmio radical.
Os hospitais não existem para tratar gente saudável. Relembrar o óbvio é o melhor retrato do "fascismo light" em que vivemos.
Trunfos de Dilma em 2010 viram revezes - FERNANDO EXMAN E ANDREA JUBÉ
VALOR ECONÔMICO - 03/05
A cerca de quatro meses da eleição de outubro, a presidente Dilma Rousseff mantém a dianteira nas pesquisas de intenção de voto e caminha para ter um tempo de propaganda de rádio e TV muito superior ao dos seus adversários. Mas, para desassossego de alguns integrantes do comitê da campanha governista e proveito de aliados que buscam argumentos para pressionar o PT a fechar alianças que contrariam a sigla, Dilma enfrenta problemas nos Estados que mais lhe garantiram vantagem na disputa de 2010. Dirigentes petistas relativizam esses números, e ponderam que a conjuntura eleitoral é favorável à presidente.
Na última eleição, Dilma pavimentou sua vitória contra José Serra (PSDB) na Bahia, Pernambuco, Ceará, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Maranhão. Esses Estados garantiram a Dilma 12,6 milhões de votos a mais que o tucano no segundo turno. Na Bahia, por exemplo, a então candidata petista obteve a maior diferença no segundo turno contra o adversário tucano: 2,79 milhões de votos.
Hoje, contudo, esses são justamente os locais onde a presidente e o PT se deparam com as maiores dificuldades na acomodação de interesses dos aliados ou defendem governos estaduais reprovados pela maioria da população. No primeiro caso, Rio de Janeiro e Ceará são exemplos notórios. No segundo grupo, a Bahia, onde o governador Jaques Wagner apresenta baixos índices de aprovação.
São esses números de um cenário adverso que têm sido apresentados a Dilma em conversas reservadas com aliados nas últimas semanas. Assim, sob o argumento de que o resultado expressivo de 2010 tende a não se repetir em outubro, o PMDB pressionou, por exemplo, o PT a apoiar a candidatura de Renan Filho em Alagoas, enquanto os petistas preferiam Renan Calheiros "pai" ou, então, Benedito de Lira, do PP, que acabou fechando com Eduardo Campos.
Da mesma forma, o PMDB elevou a pressão para que o PT não se aliasse a Flávio Dino (PCdoB) no Maranhão, e para que os petistas da Paraíba confirmassem o apoio para o governo estadual a Veneziano do Rêgo, irmão do senador Vital do Rêgo. Na Paraíba, o PP do ex-ministro das Cidades Aguinaldo Ribeiro também pleiteava o apoio de Dilma ao governo estadual. Por fim, com base nesses números, o PMDB pressiona pelo apoio do PT ao senador Eunício Oliveira no Ceará, enquanto os petistas preferem marchar com o candidato do governador Cid Gomes (Pros), ainda indefinido.
Mas o vice-presidente do PT, deputado José Guimarães (CE), contesta essa adversidade eleitoral apontada por pemedebistas. Ele argumenta que Dilma deve ter a maior coligação na disputa presidencial desde a redemocratização. Além disso, o fato de o PT contar com candidatos competitivos em parcela relevante dos principais centros urbanos do país - em alguns pela primeira vez na história - compensa essa suposta fragilidade nesses Estados. Guimarães cita como exemplo as candidaturas no Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia. "O quadro esboçado até agora é amplamente favorável à presidente Dilma. Qualquer análise fora disso não condiz com os fatos", sublinha.
Em 2010, quando obteve ampla vantagem de votos sobre Serra na Bahia, Dilma aproveitou-se da força do governo local, comandado pelo petista Jaques Wagner, que tentava se reeleger. Neste ano, porém, ela pode ser prejudicada pelos baixos índices de aprovação do governador. Não bastasse, a oposição e o PMDB local estão unidos ao prefeito de Salvador, Antonio Carlos Magalhães Neto (DEM), cuja gestão é bem vista pela população.
Pré-candidato a vice na chapa que será encabeçada pelo petista Rui Costa, o deputado federal João Leão (PP-BA) minimiza a ascensão de ACM Neto e o rompimento com o PMDB do ex-ministro da Integração Nacional Geddel Vieira Lima. Para Leão, a liderança de ACM Neto é limitada. Ele pondera que o prefeito capitalizou simpatia em cima de obras que, na verdade, seriam do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) da Mobilidade Urbana. E ressalta que, embora nesta eleição o PMDB e o PSB do presidenciável Eduardo Campos estejam em times adversários, outros partidos aderiram à chapa encabeçada pelo PT, como o PSD do vice-governador Otto Alencar - pré-candidato ao Senado - e a sua própria sigla, o PP.
Leão acrescenta que a coligação de apoio a Jaques Wagner arregimenta mais de 70% dos prefeitos baianos e tem votos até no PMDB, que oficialmente migrou para a oposição no Estado. Segundo o pré-candidato a vice governador, para evitar que a oposição se beneficie das obras federais, o governo intensificou a veiculação de propagandas para mostrar as realizações do governo estadual com o governo Dilma, como reformas na principal avenida de Salvador, a Avenida Paralela. Ele diz apostar no início oficial da campanha, quando Dilma, Lula e Wagner subirem juntos no palanque para pedir votos para a chapa governista.
Pernambuco e Minas Gerais são outros Estados onde Dilma corre o risco de não repetir o seu desempenho de 2010, quando obteve um saldo de 2,34 milhões e 1,79 milhão de votos, respectivamente, em relação a José Serra. Agora, as duas unidades da federação são redutos eleitorais dos principais adversários da petista: Eduardo Campos (PSB) e Aécio Neves (PSDB).
Pré-candidato ao Senado, o deputado João Paulo Lima (PT-PE) diz que, embora Eduardo Campos jogue nestas eleições em casa e contra Dilma, o PT avalia que a presidente tem condições de vencê-lo no Estado. Lima cita sondagens internas do partido em que Dilma aparece na dianteira, embora Campos tenha deixado o governo local como um dos governadores mais bem avaliados do país. "Nem o ex-presidente Lula nem a militância em peso do PT" entraram pra valer na campanha, ressalta o deputado, também argumentando que o antigo aliado beneficiou-se de obras feitas pelo governo federal no Estado e a partir de agora a campanha governista se esforçará para demonstrar a origem dos investimentos. "Temos um potencial amplo de crescimento."
Em Minas, onde o senador Aécio Neves é favorito, Dilma conta com o apoio do PMDB e a candidatura do ex-ministro do Desenvolvimento Fernando Pimentel. O mesmo não ocorre no Rio e no Ceará, onde a presidente enfrenta dificuldades na articulação com o seu principal aliado no plano nacional. No primeiro caso, embora o governador Luiz Fernando Pezão tenha garantido que pedirá votos para Dilma, a direção do PMDB fluminense se aliará ao pré-candidato tucano. Lá, Dilma registrou uma vantagem de 1,71 milhão contra o candidato do PSDB na última eleição. Já no Ceará, PT, PMDB e o grupo político do governador Cid Gomes (Pros) podem marchar divididos, se Gomes não ceder e apoiar o pemedebista.
Outro Estado que garantiu margem confortável de votos para Dilma em 2010 foi o Maranhão, onde a petista ficou 1,69 milhão de votos à frente de José Serra. Nesta eleição, a presidente deve ficar novamente ao lado da candidatura da família Sarney, que hoje amarga maiores índices de rejeição. Ironicamente, a oposição estará no palanque de Flávio Dino, cujo partido é um aliado histórico do PT.
A cerca de quatro meses da eleição de outubro, a presidente Dilma Rousseff mantém a dianteira nas pesquisas de intenção de voto e caminha para ter um tempo de propaganda de rádio e TV muito superior ao dos seus adversários. Mas, para desassossego de alguns integrantes do comitê da campanha governista e proveito de aliados que buscam argumentos para pressionar o PT a fechar alianças que contrariam a sigla, Dilma enfrenta problemas nos Estados que mais lhe garantiram vantagem na disputa de 2010. Dirigentes petistas relativizam esses números, e ponderam que a conjuntura eleitoral é favorável à presidente.
Na última eleição, Dilma pavimentou sua vitória contra José Serra (PSDB) na Bahia, Pernambuco, Ceará, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Maranhão. Esses Estados garantiram a Dilma 12,6 milhões de votos a mais que o tucano no segundo turno. Na Bahia, por exemplo, a então candidata petista obteve a maior diferença no segundo turno contra o adversário tucano: 2,79 milhões de votos.
Hoje, contudo, esses são justamente os locais onde a presidente e o PT se deparam com as maiores dificuldades na acomodação de interesses dos aliados ou defendem governos estaduais reprovados pela maioria da população. No primeiro caso, Rio de Janeiro e Ceará são exemplos notórios. No segundo grupo, a Bahia, onde o governador Jaques Wagner apresenta baixos índices de aprovação.
São esses números de um cenário adverso que têm sido apresentados a Dilma em conversas reservadas com aliados nas últimas semanas. Assim, sob o argumento de que o resultado expressivo de 2010 tende a não se repetir em outubro, o PMDB pressionou, por exemplo, o PT a apoiar a candidatura de Renan Filho em Alagoas, enquanto os petistas preferiam Renan Calheiros "pai" ou, então, Benedito de Lira, do PP, que acabou fechando com Eduardo Campos.
Da mesma forma, o PMDB elevou a pressão para que o PT não se aliasse a Flávio Dino (PCdoB) no Maranhão, e para que os petistas da Paraíba confirmassem o apoio para o governo estadual a Veneziano do Rêgo, irmão do senador Vital do Rêgo. Na Paraíba, o PP do ex-ministro das Cidades Aguinaldo Ribeiro também pleiteava o apoio de Dilma ao governo estadual. Por fim, com base nesses números, o PMDB pressiona pelo apoio do PT ao senador Eunício Oliveira no Ceará, enquanto os petistas preferem marchar com o candidato do governador Cid Gomes (Pros), ainda indefinido.
Mas o vice-presidente do PT, deputado José Guimarães (CE), contesta essa adversidade eleitoral apontada por pemedebistas. Ele argumenta que Dilma deve ter a maior coligação na disputa presidencial desde a redemocratização. Além disso, o fato de o PT contar com candidatos competitivos em parcela relevante dos principais centros urbanos do país - em alguns pela primeira vez na história - compensa essa suposta fragilidade nesses Estados. Guimarães cita como exemplo as candidaturas no Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia. "O quadro esboçado até agora é amplamente favorável à presidente Dilma. Qualquer análise fora disso não condiz com os fatos", sublinha.
Em 2010, quando obteve ampla vantagem de votos sobre Serra na Bahia, Dilma aproveitou-se da força do governo local, comandado pelo petista Jaques Wagner, que tentava se reeleger. Neste ano, porém, ela pode ser prejudicada pelos baixos índices de aprovação do governador. Não bastasse, a oposição e o PMDB local estão unidos ao prefeito de Salvador, Antonio Carlos Magalhães Neto (DEM), cuja gestão é bem vista pela população.
Pré-candidato a vice na chapa que será encabeçada pelo petista Rui Costa, o deputado federal João Leão (PP-BA) minimiza a ascensão de ACM Neto e o rompimento com o PMDB do ex-ministro da Integração Nacional Geddel Vieira Lima. Para Leão, a liderança de ACM Neto é limitada. Ele pondera que o prefeito capitalizou simpatia em cima de obras que, na verdade, seriam do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) da Mobilidade Urbana. E ressalta que, embora nesta eleição o PMDB e o PSB do presidenciável Eduardo Campos estejam em times adversários, outros partidos aderiram à chapa encabeçada pelo PT, como o PSD do vice-governador Otto Alencar - pré-candidato ao Senado - e a sua própria sigla, o PP.
Leão acrescenta que a coligação de apoio a Jaques Wagner arregimenta mais de 70% dos prefeitos baianos e tem votos até no PMDB, que oficialmente migrou para a oposição no Estado. Segundo o pré-candidato a vice governador, para evitar que a oposição se beneficie das obras federais, o governo intensificou a veiculação de propagandas para mostrar as realizações do governo estadual com o governo Dilma, como reformas na principal avenida de Salvador, a Avenida Paralela. Ele diz apostar no início oficial da campanha, quando Dilma, Lula e Wagner subirem juntos no palanque para pedir votos para a chapa governista.
Pernambuco e Minas Gerais são outros Estados onde Dilma corre o risco de não repetir o seu desempenho de 2010, quando obteve um saldo de 2,34 milhões e 1,79 milhão de votos, respectivamente, em relação a José Serra. Agora, as duas unidades da federação são redutos eleitorais dos principais adversários da petista: Eduardo Campos (PSB) e Aécio Neves (PSDB).
Pré-candidato ao Senado, o deputado João Paulo Lima (PT-PE) diz que, embora Eduardo Campos jogue nestas eleições em casa e contra Dilma, o PT avalia que a presidente tem condições de vencê-lo no Estado. Lima cita sondagens internas do partido em que Dilma aparece na dianteira, embora Campos tenha deixado o governo local como um dos governadores mais bem avaliados do país. "Nem o ex-presidente Lula nem a militância em peso do PT" entraram pra valer na campanha, ressalta o deputado, também argumentando que o antigo aliado beneficiou-se de obras feitas pelo governo federal no Estado e a partir de agora a campanha governista se esforçará para demonstrar a origem dos investimentos. "Temos um potencial amplo de crescimento."
Em Minas, onde o senador Aécio Neves é favorito, Dilma conta com o apoio do PMDB e a candidatura do ex-ministro do Desenvolvimento Fernando Pimentel. O mesmo não ocorre no Rio e no Ceará, onde a presidente enfrenta dificuldades na articulação com o seu principal aliado no plano nacional. No primeiro caso, embora o governador Luiz Fernando Pezão tenha garantido que pedirá votos para Dilma, a direção do PMDB fluminense se aliará ao pré-candidato tucano. Lá, Dilma registrou uma vantagem de 1,71 milhão contra o candidato do PSDB na última eleição. Já no Ceará, PT, PMDB e o grupo político do governador Cid Gomes (Pros) podem marchar divididos, se Gomes não ceder e apoiar o pemedebista.
Outro Estado que garantiu margem confortável de votos para Dilma em 2010 foi o Maranhão, onde a petista ficou 1,69 milhão de votos à frente de José Serra. Nesta eleição, a presidente deve ficar novamente ao lado da candidatura da família Sarney, que hoje amarga maiores índices de rejeição. Ironicamente, a oposição estará no palanque de Flávio Dino, cujo partido é um aliado histórico do PT.
O resfriado fica com jeito de gripe - VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 03/06
Indicadores que antecipam resultado da indústria de abril e maio dão sinal de friagem extra
A GENTE AINDA não sabe quão mal das pernas esteve a indústria no mês de abril, mas as primeiras notícias a respeito de maio também não são boas, segundo relatos das próprias empresas. As condições de negócio pioraram pelo ritmo mais rápido em dez meses.
Já está mais do que sabido que o humor do empresário industrial não estava tão abalado desde 2009, dizem as pesquisas de opinião econômica (da FGV e da Confederação Nacional da Indústria). Sempre pode haver um exagero aí.
Infelizmente, há novos indícios de que o grande desânimo pode até vir a ser temporário, mas não parece no momento um despropósito, a julgar por outra dessas pesquisas que procuram antever o desempenho industrial. No caso, trata-se do Índice Gerente de Compras compilado pela empresa Markit para o banco HSBC (PMI HSBC).
Os dados mais recentes do IBGE a respeito da indústria referem-se a março. Amanhã, deve sair a Pesquisa Industrial Mensal do desempenho de abril. Pelo PMI HSBC, os negócios pioraram em abril e em maio.
No mês passado, a queda da produção relatada pelas empresas foi a maior desde outubro de 2011. Os preços cobrados pelos produtos caíram pela primeira vez em 27 meses (desde fevereiro de 2012).
Nesse tipo de pesquisa, pergunta-se a um responsável da empresa se, por exemplo, produção, pedidos e encomendas de exportações aumentaram ou diminuíram em relação ao mês anterior. Investigam-se ainda preços, estoques, prazos.
Não se trata de uma medida de produção física ou de faturamento, mas de um levantamento de declarações de altas e baixas nas operações das empresas. Em abril e maio, a tendência foi de contração.
O pior desempenho veio do setor de bens de investimento. Isto é, de bens necessários à ampliação ou renovação da capacidade produtiva. Contenção de investimento é, óbvio, um sinal de desconfiança no futuro da economia.
Na semana passada, soube-se que o investimento total na economia caiu pelo terceiro trimestre consecutivo no início deste ano (pelos dados do PIB, a Formação Bruta de Capital Fixo, jargão para investimento, cai desde o terceiro trimestre de 2013).
Segundo a pesquisa PMI HSBC, as empresas dizem ter reduzido a produção devido a dois meses de queda nos pedidos. O número de empregados caiu de novo, dada a procura fraca e a alta de custos. Com mercado reduzido e pressões competitivas, empresas baixam preços.
A notícia melhor, relativamente melhor, é que o preço dos insumos cresceu no menor ritmo desde agosto de 2009, meados de um ano em que o Brasil passou por ligeira recessão, provocada pelo estouro da crise de 2008. Isso é, meados de um ano em que houve uma onda de demissões na indústria. O aspecto talvez positivo é que, talvez, a política monetária (alta de juros para conter a atividade) esteja funcionando.
Os indícios concretos de desaceleração geral (pelo menos até março) mais os indicadores prévios de atividade e de confiança em abril e maio têm levado os economistas a baixarem suas expectativas de crescimento para o ano.
Na mediana dos economistas ouvidos pelo Banco Central, a previsão desta semana para o aumento do PIB baixou para 1,5% em 2014. Mas vai baixar mais.
Indicadores que antecipam resultado da indústria de abril e maio dão sinal de friagem extra
A GENTE AINDA não sabe quão mal das pernas esteve a indústria no mês de abril, mas as primeiras notícias a respeito de maio também não são boas, segundo relatos das próprias empresas. As condições de negócio pioraram pelo ritmo mais rápido em dez meses.
Já está mais do que sabido que o humor do empresário industrial não estava tão abalado desde 2009, dizem as pesquisas de opinião econômica (da FGV e da Confederação Nacional da Indústria). Sempre pode haver um exagero aí.
Infelizmente, há novos indícios de que o grande desânimo pode até vir a ser temporário, mas não parece no momento um despropósito, a julgar por outra dessas pesquisas que procuram antever o desempenho industrial. No caso, trata-se do Índice Gerente de Compras compilado pela empresa Markit para o banco HSBC (PMI HSBC).
Os dados mais recentes do IBGE a respeito da indústria referem-se a março. Amanhã, deve sair a Pesquisa Industrial Mensal do desempenho de abril. Pelo PMI HSBC, os negócios pioraram em abril e em maio.
No mês passado, a queda da produção relatada pelas empresas foi a maior desde outubro de 2011. Os preços cobrados pelos produtos caíram pela primeira vez em 27 meses (desde fevereiro de 2012).
Nesse tipo de pesquisa, pergunta-se a um responsável da empresa se, por exemplo, produção, pedidos e encomendas de exportações aumentaram ou diminuíram em relação ao mês anterior. Investigam-se ainda preços, estoques, prazos.
Não se trata de uma medida de produção física ou de faturamento, mas de um levantamento de declarações de altas e baixas nas operações das empresas. Em abril e maio, a tendência foi de contração.
O pior desempenho veio do setor de bens de investimento. Isto é, de bens necessários à ampliação ou renovação da capacidade produtiva. Contenção de investimento é, óbvio, um sinal de desconfiança no futuro da economia.
Na semana passada, soube-se que o investimento total na economia caiu pelo terceiro trimestre consecutivo no início deste ano (pelos dados do PIB, a Formação Bruta de Capital Fixo, jargão para investimento, cai desde o terceiro trimestre de 2013).
Segundo a pesquisa PMI HSBC, as empresas dizem ter reduzido a produção devido a dois meses de queda nos pedidos. O número de empregados caiu de novo, dada a procura fraca e a alta de custos. Com mercado reduzido e pressões competitivas, empresas baixam preços.
A notícia melhor, relativamente melhor, é que o preço dos insumos cresceu no menor ritmo desde agosto de 2009, meados de um ano em que o Brasil passou por ligeira recessão, provocada pelo estouro da crise de 2008. Isso é, meados de um ano em que houve uma onda de demissões na indústria. O aspecto talvez positivo é que, talvez, a política monetária (alta de juros para conter a atividade) esteja funcionando.
Os indícios concretos de desaceleração geral (pelo menos até março) mais os indicadores prévios de atividade e de confiança em abril e maio têm levado os economistas a baixarem suas expectativas de crescimento para o ano.
Na mediana dos economistas ouvidos pelo Banco Central, a previsão desta semana para o aumento do PIB baixou para 1,5% em 2014. Mas vai baixar mais.
PIB que murcha - MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 03/06
O PIB do primeiro trimestre não foi apenas um número ruim. Foram vários. Na opinião do economista José Roberto Mendonça de Barros, o pior é a “consolidação da estagnação no investimento”. Foi exatamente esse olhar por dentro dos dados que fez a pesquisa Focus reduzir a projeção de crescimento deste ano para 1,5%. José Roberto está, desde março, prevendo 1,3%.
Ocurioso
é que não era para ser assim. Os dados contrariam uma tendência: de que o PIB cresce mais em ano de eleição e Copa do Mundo.
— Confirma-se que este será um ano ruim para os negócios. A Copa poderia aumentar o crescimento, mas o efeito feriado — ou seja, a soma dos feriados que vão suspender produção e vendas durante os jogos — está derrubando os dados.
Alguns economistas já falam em PIB negativo no segundo trimestre. José Roberto diz que não há certeza.
— Será, sem duvida, um número ruim, e pode até ser negativo.
Com os três trimestres de retração no investimento, é difícil apostar em crescimento maior a curto prazo. A indústria continua em recessão, também com a terceira taxa negativa, puxada pelas indústrias de transformação e de construção (vejam os gráficos).
O governo tem divulgado números de liberação de crédito do BNDES e exibiu taxas de alta de investimento no primeiro semestre de 2013 falando que haveria um boom de investimentos no país. Na verdade, os dados mostravam apenas a renovação da frota de caminhões, provocada por um fenômeno muito pontual.
A redução da taxa de poupança para o inacreditável número de 12,7% do PIB, combinada com um déficit em conta-corrente próximo de 4%, lança sombras sobre os próximos trimestres. O país não tem acumulado capital para financiar seus investimentos e já está tomando recursos demais no exterior.
O consumo das famílias caiu 0,1%, o primeiro recuo desde 2009. Isso mostra que está esgotado o modelo de crescimento dos últimos anos, segundo José Roberto.
— Será inevitável e difícil o ajuste. O mais do mesmo não vai dar, independentemente do resultado da eleição. Nós estamos vendo uma pá de cal numa forma de crescimento que se esgotou completamente.
Na avaliação de José Roberto Mendonça de Barros, de todos os setores, o único que vai bem, apesar de o número não ter sido brilhante, é a agropecuária.
— Se tirar açúcar e álcool, o setor vai bem. Na revisão, o PIB agrícola de 2013 foi a 7,3%. No primeiro trimestre de 2014, foi 2,8%. A seca foi concentrada em janeiro e fevereiro, quando a safra estava garantida. O café reduziu produção, mas o preço vai bem. No resto, o conjunto vai bem. O setor que aposta na melhora tecnológica como centro do negócio é o único segmento que tem um aumento de produtividade que compensa os problemas de infraestrutura que o país tem.
A principal causa da crise do álcool é a opção pelo subsídio à gasolina:
— É inacreditável o que fizeram com o etanol, depois de todo o esforço nacional para desenvolver o setor.
Além da incerteza nessa área, a crise elétrica de uma forma geral é outro fator que inibe investimentos. O empresário preferiu cortar custos, arquivar investimentos e garantir um bom lucro.
Ontem, o governo divulgou a balança comercial de maio, que teve superávit de US$ 700 milhões. O problema é que no acumulado do ano ainda há déficit de US$ 4,9 bi. Nos últimos 12 meses, o superávit é de apenas US$ 3 bi, contra US$ 7,7 bilhões e US$ 27,5 bi dos mesmos períodos de 2013 e 2012.O saldo sumiu.
O PIB do primeiro trimestre não foi apenas um número ruim. Foram vários. Na opinião do economista José Roberto Mendonça de Barros, o pior é a “consolidação da estagnação no investimento”. Foi exatamente esse olhar por dentro dos dados que fez a pesquisa Focus reduzir a projeção de crescimento deste ano para 1,5%. José Roberto está, desde março, prevendo 1,3%.
Ocurioso
é que não era para ser assim. Os dados contrariam uma tendência: de que o PIB cresce mais em ano de eleição e Copa do Mundo.
— Confirma-se que este será um ano ruim para os negócios. A Copa poderia aumentar o crescimento, mas o efeito feriado — ou seja, a soma dos feriados que vão suspender produção e vendas durante os jogos — está derrubando os dados.
Alguns economistas já falam em PIB negativo no segundo trimestre. José Roberto diz que não há certeza.
— Será, sem duvida, um número ruim, e pode até ser negativo.
Com os três trimestres de retração no investimento, é difícil apostar em crescimento maior a curto prazo. A indústria continua em recessão, também com a terceira taxa negativa, puxada pelas indústrias de transformação e de construção (vejam os gráficos).
O governo tem divulgado números de liberação de crédito do BNDES e exibiu taxas de alta de investimento no primeiro semestre de 2013 falando que haveria um boom de investimentos no país. Na verdade, os dados mostravam apenas a renovação da frota de caminhões, provocada por um fenômeno muito pontual.
A redução da taxa de poupança para o inacreditável número de 12,7% do PIB, combinada com um déficit em conta-corrente próximo de 4%, lança sombras sobre os próximos trimestres. O país não tem acumulado capital para financiar seus investimentos e já está tomando recursos demais no exterior.
O consumo das famílias caiu 0,1%, o primeiro recuo desde 2009. Isso mostra que está esgotado o modelo de crescimento dos últimos anos, segundo José Roberto.
— Será inevitável e difícil o ajuste. O mais do mesmo não vai dar, independentemente do resultado da eleição. Nós estamos vendo uma pá de cal numa forma de crescimento que se esgotou completamente.
Na avaliação de José Roberto Mendonça de Barros, de todos os setores, o único que vai bem, apesar de o número não ter sido brilhante, é a agropecuária.
— Se tirar açúcar e álcool, o setor vai bem. Na revisão, o PIB agrícola de 2013 foi a 7,3%. No primeiro trimestre de 2014, foi 2,8%. A seca foi concentrada em janeiro e fevereiro, quando a safra estava garantida. O café reduziu produção, mas o preço vai bem. No resto, o conjunto vai bem. O setor que aposta na melhora tecnológica como centro do negócio é o único segmento que tem um aumento de produtividade que compensa os problemas de infraestrutura que o país tem.
A principal causa da crise do álcool é a opção pelo subsídio à gasolina:
— É inacreditável o que fizeram com o etanol, depois de todo o esforço nacional para desenvolver o setor.
Além da incerteza nessa área, a crise elétrica de uma forma geral é outro fator que inibe investimentos. O empresário preferiu cortar custos, arquivar investimentos e garantir um bom lucro.
Ontem, o governo divulgou a balança comercial de maio, que teve superávit de US$ 700 milhões. O problema é que no acumulado do ano ainda há déficit de US$ 4,9 bi. Nos últimos 12 meses, o superávit é de apenas US$ 3 bi, contra US$ 7,7 bilhões e US$ 27,5 bi dos mesmos períodos de 2013 e 2012.O saldo sumiu.
Projeções: do PIB para a Copa - ILAN GOLDFAJN
O ESTADÃO - 03/06
Melhor escrever sobre as previsões para a Copa do Mundo do que sobre o PIB. É mais divertido. Nem sempre foi assim. Em 2010, o resultado da Copa decepcionou, com a eliminação do Brasil nas quartas de final frente à Holanda, mas o PIB cresceu impressionantes 7,5%. O país parecia ter decolado, como ilustrado pela imagem do Cristo Redentor na capa da revista “The Economist” na época. Passaram-se quatro anos, e tudo mudou. A média de crescimento do PIB de 2011 a 2014 deve ter sido de apenas 1,8%, abaixo das previsões mais pessimistas. Dizem que não há entusiasmo pela Copa do Mundo, mas só se fala nisso nestes últimos dias. Quais as chances da seleção brasileira e das outras seleções?
Antes da diversão, a obrigação. A divulgação do PIB nessa sexta foi um balde de água fria. O PIB cresceu apenas 0,2% no primeiro trimestre de 2014. A indústria está em recessão. O investimento tem caído, e pela primeira vez o consumo também mostrou um crescimento negativo. A agropecuária tem sido o único destaque positivo do PIB.
O que preocupa, no momento, é a perspectiva para o crescimento do PIB no segundo trimestre deste ano. O sinal é inequívoco. Um conjunto amplo de indicadores coincidentes para o segundo trimestre — incluindo, entre outros, indicadores para a produção industrial, a atividade do setor de serviços, a demanda por crédito e a confiança de empresários e consumidores — aponta para uma retração da atividade econômica: projetamos queda de 0,2%.
A consequência é uma perspectiva de crescimento fraco para o ano de 2014. Com o resultado mais fraco do PIB no primeiro trimestre, aliado à perspectiva de queda do PIB para o segundo trimestre, dentro do contexto dos atuais fundamentos econômicos, acreditamos que a economia dificilmente conseguirá crescer acima de 1% em 2014.
As previsões para o resultado da Copa são mais animadoras, pelo menos para os que torcem pelo Brasil. Usando as mesmas técnicas econométricas que empregamos para projeções econômicas (temperadas com alguma dose de cultura futebolística), encontramos indicadores que ajudam a prever os resultados da Copa. São dados que estatisticamente ajudaram a prever a probabilidade de uma seleção avançar nas Copas do Mundo desde 1994 (vejam estudo “Copa do Mundo da Fifa Brasil 2014: quem tem mais chances?”, no aplicativo Itaú Análises Econômicas). Os resultados passam no teste do bom senso: encontramos que, na semifinal, classificam-se Alemanha, Espanha, Argentina e Brasil.
Há três fatores que saltam aos olhos quando analisamos os resultados na Copa: a qualidade da equipe no momento, a tradição e o apoio da torcida. Uma variável objetiva de qualidade, o ranking da Fifa, que tende a resumir o desempenho recente da seleção, resulta correlacionada ao desempenho das equipes em Copas passadas. Duas variáveis de tradição se mostraram significativas para prever o desempenho das seleções na Copa: 1) o número de títulos mundiais conquistados; e 2) se o país é europeu ou latino-americano. Finalmente, as equipes que jogam em casa tendem a levar vantagem. Os resultados mostram que a tendência é esta. Basta lembrar a histórica campanha da Coreia do Sul em 2002. De fato, em seis ocasiões o país organizador venceu o torneio. Suécia e Inglaterra só conseguiram chegar à final quando sediaram o evento.
Claro que há o imponderável. Além das variáveis objetivas, vale o uso de um grau maior de subjetividade. Desde a Copa de 1990 na Itália, sempre houve uma seleção africana alcançando pelo menos as oitavas de final (Camarões, Senegal, Gana, Nigéria) e, em quase todas, uma seleção asiática (Japão, Coreia). Impusemos ao modelo que uma seleção africana e uma asiática se classificarão para as oitavas de final do torneio. Examinando o desempenho das eliminatórias nessas regiões e fazendo uma análise qualitativa dos grupos e dos times, concluímos que a Costa do Marfim e o Irã são os que têm mais chances de avançar para a fase seguinte.
Os resultados são interessantes. Na primeira fase, os grandes favoritos avançam, com exceção da Inglaterra, que sucumbe aos tradicionais Itália e Uruguai no chamado “grupo da morte”. Nas oitavas, nomes mais fortes, como Colômbia, México e Rússia, vão ficando pelo meio do caminho. Um embate apertado acontece nas quartas de final entre Itália e Espanha. A Itália, tetracampeã mundial, é uma das seleções mais tradicionais da Copa, mas, se estivermos certos, a Itália cai nas quartas de final do torneio. Prevemos que Brasil, Espanha, Argentina e Alemanha cheguem às semifinais, com seus 11 títulos mundiais e grandes rivalidades históricas.
O estudo original para na semifinal, mas, usando os dados um pouco mais além, o Brasil aparece como campeão. Tomara!
Melhor escrever sobre as previsões para a Copa do Mundo do que sobre o PIB. É mais divertido. Nem sempre foi assim. Em 2010, o resultado da Copa decepcionou, com a eliminação do Brasil nas quartas de final frente à Holanda, mas o PIB cresceu impressionantes 7,5%. O país parecia ter decolado, como ilustrado pela imagem do Cristo Redentor na capa da revista “The Economist” na época. Passaram-se quatro anos, e tudo mudou. A média de crescimento do PIB de 2011 a 2014 deve ter sido de apenas 1,8%, abaixo das previsões mais pessimistas. Dizem que não há entusiasmo pela Copa do Mundo, mas só se fala nisso nestes últimos dias. Quais as chances da seleção brasileira e das outras seleções?
Antes da diversão, a obrigação. A divulgação do PIB nessa sexta foi um balde de água fria. O PIB cresceu apenas 0,2% no primeiro trimestre de 2014. A indústria está em recessão. O investimento tem caído, e pela primeira vez o consumo também mostrou um crescimento negativo. A agropecuária tem sido o único destaque positivo do PIB.
O que preocupa, no momento, é a perspectiva para o crescimento do PIB no segundo trimestre deste ano. O sinal é inequívoco. Um conjunto amplo de indicadores coincidentes para o segundo trimestre — incluindo, entre outros, indicadores para a produção industrial, a atividade do setor de serviços, a demanda por crédito e a confiança de empresários e consumidores — aponta para uma retração da atividade econômica: projetamos queda de 0,2%.
A consequência é uma perspectiva de crescimento fraco para o ano de 2014. Com o resultado mais fraco do PIB no primeiro trimestre, aliado à perspectiva de queda do PIB para o segundo trimestre, dentro do contexto dos atuais fundamentos econômicos, acreditamos que a economia dificilmente conseguirá crescer acima de 1% em 2014.
As previsões para o resultado da Copa são mais animadoras, pelo menos para os que torcem pelo Brasil. Usando as mesmas técnicas econométricas que empregamos para projeções econômicas (temperadas com alguma dose de cultura futebolística), encontramos indicadores que ajudam a prever os resultados da Copa. São dados que estatisticamente ajudaram a prever a probabilidade de uma seleção avançar nas Copas do Mundo desde 1994 (vejam estudo “Copa do Mundo da Fifa Brasil 2014: quem tem mais chances?”, no aplicativo Itaú Análises Econômicas). Os resultados passam no teste do bom senso: encontramos que, na semifinal, classificam-se Alemanha, Espanha, Argentina e Brasil.
Há três fatores que saltam aos olhos quando analisamos os resultados na Copa: a qualidade da equipe no momento, a tradição e o apoio da torcida. Uma variável objetiva de qualidade, o ranking da Fifa, que tende a resumir o desempenho recente da seleção, resulta correlacionada ao desempenho das equipes em Copas passadas. Duas variáveis de tradição se mostraram significativas para prever o desempenho das seleções na Copa: 1) o número de títulos mundiais conquistados; e 2) se o país é europeu ou latino-americano. Finalmente, as equipes que jogam em casa tendem a levar vantagem. Os resultados mostram que a tendência é esta. Basta lembrar a histórica campanha da Coreia do Sul em 2002. De fato, em seis ocasiões o país organizador venceu o torneio. Suécia e Inglaterra só conseguiram chegar à final quando sediaram o evento.
Claro que há o imponderável. Além das variáveis objetivas, vale o uso de um grau maior de subjetividade. Desde a Copa de 1990 na Itália, sempre houve uma seleção africana alcançando pelo menos as oitavas de final (Camarões, Senegal, Gana, Nigéria) e, em quase todas, uma seleção asiática (Japão, Coreia). Impusemos ao modelo que uma seleção africana e uma asiática se classificarão para as oitavas de final do torneio. Examinando o desempenho das eliminatórias nessas regiões e fazendo uma análise qualitativa dos grupos e dos times, concluímos que a Costa do Marfim e o Irã são os que têm mais chances de avançar para a fase seguinte.
Os resultados são interessantes. Na primeira fase, os grandes favoritos avançam, com exceção da Inglaterra, que sucumbe aos tradicionais Itália e Uruguai no chamado “grupo da morte”. Nas oitavas, nomes mais fortes, como Colômbia, México e Rússia, vão ficando pelo meio do caminho. Um embate apertado acontece nas quartas de final entre Itália e Espanha. A Itália, tetracampeã mundial, é uma das seleções mais tradicionais da Copa, mas, se estivermos certos, a Itália cai nas quartas de final do torneio. Prevemos que Brasil, Espanha, Argentina e Alemanha cheguem às semifinais, com seus 11 títulos mundiais e grandes rivalidades históricas.
O estudo original para na semifinal, mas, usando os dados um pouco mais além, o Brasil aparece como campeão. Tomara!
O governo acabou - MARCO ANTONIO VILLA
O GLOBO - 03/06
Os ministérios estão paralisados. O que se mantém é a rotina administrativa
O governo Dilma definha a olhos vistos. Caminha para um fim melancólico. Os agentes econômicos têm plena consciência de que não podem esperar nada de novo. Cada declaração do ministro da Fazenda é recebida com desdém. As previsões são desmentidas semanas depois. Os planos não passam de ideias ao vento. O governo caiu no descrédito. Os ministérios estão paralisados. O que se mantém é a rotina administrativa. O governo se arrasta como um jogador de futebol, em fim de carreira, aos 40 minutos do segundo tempo, em uma tarde ensolarada.
Apesar do fracasso — e as pífias taxas de crescimento do PIB estão aí para que não haja nenhum desmentido —, Dilma é candidata à reeleição. São aquelas coisas que só acontecem no Brasil. Em qualquer lugar do mundo, após uma pálida gestão, o presidente abdicaria de concorrer. Não aqui. E, principalmente, tendo no governo a máquina petista que, hoje, só sobrevive como parasita do Estado.
A permanência no poder é a essência do projeto petista. Todo o resto é absolutamente secundário. O partido necessita da estrutura estatal para financeiramente se manter e o mesmo se aplica às suas lideranças — além dos milhares de assessores.
É nesta conjuntura que o partido tenta a todo custo manter o mesmo bloco que elegeu Dilma em 2010. E tem fracassado. Muitos dos companheiros de viagem já sentiram que os ventos estão soprando em sentido contrário. Estão procurando a oposição para manter o naco de poder que tiveram nos últimos 12 anos. O desafio para a oposição é como aproveitar esta divisão sem reproduzir a mesma forma de aliança que sempre condenou.
Como o cenário político foi ficando desfavorável à permanência do petismo, era mais que esperada a constante presença de Lula como elemento motivador e agregador para as alianças. Sabe, como criador, que o fracasso eleitoral da criatura será também o seu. Mas o sentimento popular de enfado, de cansaço, também o atingiu. O encanto está sendo quebrado, tanto no Brasil como no exterior. Hoje suas viagens internacionais não têm mais o apelo do período presidencial. Viaja como lobista utilizando descaradamente a estrutura governamental e intermediando negócios nebulosos à custa do Erário.
Se na campanha de 2010 era um presidente que pretendia eleger o sucessor, quatro anos depois a sua participação soa estranha, postiça. A tentativa de transferência do carisma fracassou. Isto explica por que Lula tem de trabalhar ativamente na campanha. Dilma deve ficar em um plano secundário quando o processo eleitoral efetivamente começar. Ela não tem o que apresentar. O figurino de faxineira, combatente da corrupção, foi esquecido. Na história da República, não houve um quadriênio com tantas acusações de “malfeitos” e desvios bilionários, como o dela. O figurino de gerentona foi abandonado com a sucessão de “pibinhos”. O que restou? Nada.
Lula está como gosta. É o centro das atenções. Acredita que pode novamente encarnar o personagem de Dom Sebastião. Em um país com uma pobre cultura democrática, não deve ser desprezada a sua participação nas eleições.
A paralisia política tem reflexos diretos na gestão governamental. As principais obras públicas estão atrasadas. Boa parte delas, além do atraso, teve majorados seus custos. Em três anos e meio, Dilma não conseguiu entregar nenhuma obra importante de infraestrutura. Isto em um país com os conhecidos problemas nesta área e que trazem sérios prejuízos à economia. Mas quando a ideologia se sobrepõe aos interesses nacionais não causa estranheza o investimento de US$ 1 bilhão na modernização e ampliação do porto de Mariel. Ou seja, a ironia da história é que a maior ação administrativa do governo Dilma não foi no Brasil, mas em Cuba.
Os investimentos de longo prazo foram caindo, os gastos para o desenvolvimento de educação, ciência e tecnologia são inferiores às necessidades de um país com as nossas carências. Não há uma área no governo que tenha cumprido suas metas, se destacado pela eficiência e que o ministro — alguém lembra o nome de ao menos cinco deles? — tenha se transformado em referência, positiva, claro, pois negativa não faltam candidatos.
O irresponsável namoro com o populismo econômico levou ao abandono das contas públicas, das metas de inflação e ao desequilíbrio das tarifas públicas. Basta ver o rombo produzido no setor elétrico. A ação governamental ficou pautada exclusivamente pela manutenção do PT no poder. As intervenções estatais impuseram uma lógica voluntarista e um estatismo fora de época. Basta citar as fabulosas injeções de capital — via Tesouro — para o BNDES e os generosos empréstimos (alguns, quase doações) ao grande capital. E a dívida pública, que está próxima dos R$ 2,5 trilhões?
No campo externo as opções escolhidas pelo governo foram as piores possíveis. Mais uma vez foi a ideologia que deu o tom. Basta citar um exemplo: a opção preferencial pelo Mercosul. Enquanto isso, o eixo dinâmico da economia mundial está se transferindo para a região Ásia-Pacífico.
Ainda não sabemos plenamente o significado para o país desta gestão. Mas quando comparamos os nossos índices de crescimento do PIB com os dos países emergentes ou nossos vizinhos da América Latina, o resultado é assustador. É possível estimar que no quadriênio Dilma a média sequer chegue a 2%. A média dos emergentes é de 5,2%, e da América Latina, de 3,2%. E o governo Dilma ainda tem mais sete meses pela frente. Meses de paralisia econômica. Haja agonia.
Os ministérios estão paralisados. O que se mantém é a rotina administrativa
O governo Dilma definha a olhos vistos. Caminha para um fim melancólico. Os agentes econômicos têm plena consciência de que não podem esperar nada de novo. Cada declaração do ministro da Fazenda é recebida com desdém. As previsões são desmentidas semanas depois. Os planos não passam de ideias ao vento. O governo caiu no descrédito. Os ministérios estão paralisados. O que se mantém é a rotina administrativa. O governo se arrasta como um jogador de futebol, em fim de carreira, aos 40 minutos do segundo tempo, em uma tarde ensolarada.
Apesar do fracasso — e as pífias taxas de crescimento do PIB estão aí para que não haja nenhum desmentido —, Dilma é candidata à reeleição. São aquelas coisas que só acontecem no Brasil. Em qualquer lugar do mundo, após uma pálida gestão, o presidente abdicaria de concorrer. Não aqui. E, principalmente, tendo no governo a máquina petista que, hoje, só sobrevive como parasita do Estado.
A permanência no poder é a essência do projeto petista. Todo o resto é absolutamente secundário. O partido necessita da estrutura estatal para financeiramente se manter e o mesmo se aplica às suas lideranças — além dos milhares de assessores.
É nesta conjuntura que o partido tenta a todo custo manter o mesmo bloco que elegeu Dilma em 2010. E tem fracassado. Muitos dos companheiros de viagem já sentiram que os ventos estão soprando em sentido contrário. Estão procurando a oposição para manter o naco de poder que tiveram nos últimos 12 anos. O desafio para a oposição é como aproveitar esta divisão sem reproduzir a mesma forma de aliança que sempre condenou.
Como o cenário político foi ficando desfavorável à permanência do petismo, era mais que esperada a constante presença de Lula como elemento motivador e agregador para as alianças. Sabe, como criador, que o fracasso eleitoral da criatura será também o seu. Mas o sentimento popular de enfado, de cansaço, também o atingiu. O encanto está sendo quebrado, tanto no Brasil como no exterior. Hoje suas viagens internacionais não têm mais o apelo do período presidencial. Viaja como lobista utilizando descaradamente a estrutura governamental e intermediando negócios nebulosos à custa do Erário.
Se na campanha de 2010 era um presidente que pretendia eleger o sucessor, quatro anos depois a sua participação soa estranha, postiça. A tentativa de transferência do carisma fracassou. Isto explica por que Lula tem de trabalhar ativamente na campanha. Dilma deve ficar em um plano secundário quando o processo eleitoral efetivamente começar. Ela não tem o que apresentar. O figurino de faxineira, combatente da corrupção, foi esquecido. Na história da República, não houve um quadriênio com tantas acusações de “malfeitos” e desvios bilionários, como o dela. O figurino de gerentona foi abandonado com a sucessão de “pibinhos”. O que restou? Nada.
Lula está como gosta. É o centro das atenções. Acredita que pode novamente encarnar o personagem de Dom Sebastião. Em um país com uma pobre cultura democrática, não deve ser desprezada a sua participação nas eleições.
A paralisia política tem reflexos diretos na gestão governamental. As principais obras públicas estão atrasadas. Boa parte delas, além do atraso, teve majorados seus custos. Em três anos e meio, Dilma não conseguiu entregar nenhuma obra importante de infraestrutura. Isto em um país com os conhecidos problemas nesta área e que trazem sérios prejuízos à economia. Mas quando a ideologia se sobrepõe aos interesses nacionais não causa estranheza o investimento de US$ 1 bilhão na modernização e ampliação do porto de Mariel. Ou seja, a ironia da história é que a maior ação administrativa do governo Dilma não foi no Brasil, mas em Cuba.
Os investimentos de longo prazo foram caindo, os gastos para o desenvolvimento de educação, ciência e tecnologia são inferiores às necessidades de um país com as nossas carências. Não há uma área no governo que tenha cumprido suas metas, se destacado pela eficiência e que o ministro — alguém lembra o nome de ao menos cinco deles? — tenha se transformado em referência, positiva, claro, pois negativa não faltam candidatos.
O irresponsável namoro com o populismo econômico levou ao abandono das contas públicas, das metas de inflação e ao desequilíbrio das tarifas públicas. Basta ver o rombo produzido no setor elétrico. A ação governamental ficou pautada exclusivamente pela manutenção do PT no poder. As intervenções estatais impuseram uma lógica voluntarista e um estatismo fora de época. Basta citar as fabulosas injeções de capital — via Tesouro — para o BNDES e os generosos empréstimos (alguns, quase doações) ao grande capital. E a dívida pública, que está próxima dos R$ 2,5 trilhões?
No campo externo as opções escolhidas pelo governo foram as piores possíveis. Mais uma vez foi a ideologia que deu o tom. Basta citar um exemplo: a opção preferencial pelo Mercosul. Enquanto isso, o eixo dinâmico da economia mundial está se transferindo para a região Ásia-Pacífico.
Ainda não sabemos plenamente o significado para o país desta gestão. Mas quando comparamos os nossos índices de crescimento do PIB com os dos países emergentes ou nossos vizinhos da América Latina, o resultado é assustador. É possível estimar que no quadriênio Dilma a média sequer chegue a 2%. A média dos emergentes é de 5,2%, e da América Latina, de 3,2%. E o governo Dilma ainda tem mais sete meses pela frente. Meses de paralisia econômica. Haja agonia.
O custo da inépcia - JOSÉ CASADO
O GLOBO - 03/06
União gasta com seis hospitais e três institutos no Rio tanto quanto o estado com 60 unidades. Há espera de até dez anos por uma cirurgia. Alguns morrem na portaria
Há mais de dois anos a população do Rio está praticamente sem acesso aos 2.700 leitos hospitalares — entre eles, 198 de Unidade de Terapia Intensiva — dos seis hospitais e três institutos mantidos pelo Ministério da Saúde.
Na origem da crise está uma estrutura ineficiente. Combina inépcia com obras atrasadas, e conflitos trabalhistas que se arrastam há pelo menos 29 meses.
Outra greve de médicos começou há duas semanas. Ontem, um homem agonizou durante uma hora na portaria do Instituto de Cardiologia, em Laranjeiras. Morreu sem socorro.
No Hospital do Andaraí, na Zona Norte, a Justiça Federal acaba de comprovar uma rotina de doentes espalhados pelos corredores, no chão ou em cadeiras — ladeados por latas de lixo.
Em visita recente, inspetores da Vigilância Sanitária interditaram a sala de preparo de quimioterapia. Encontraram a geladeira de medicamentos ao lado de um recipiente aberto, com veneno, à espera de roedores.
Os nove hospitais e institutos federais do Rio possuem 22% dos leitos existentes na cidade. Deveriam desempenhar um papel-chave no serviço de saúde aos 12 milhões de habitantes da região metropolitana. Mas, no conjunto, compõem uma síntese da anarquia gerencial que domina o Sistema Único de Saúde.
A percepção pública desse desgoverno tem turbinado protestos nas ruas e vem sendo reafirmada a cada nova pesquisa de opinião.
A crise do sistema de saúde pública já é entendida como problema mais grave do que representou a escassez de empregos duas décadas atrás. Os registros são do Ibope: no fim do ciclo da superinflação, em agosto de 1994, a maioria (53%) dos brasileiros indicava o desemprego como maior problema nacional. Numa consulta em dezembro passado, ampla maioria (58%) não hesitou em responder “saúde”.
É paradoxal, mas até agora nenhum dos principais candidatos à Presidência da República apresentou sequer um esboço de ideias para essa situação que afeta a vida das pessoas.
O que está aí não comporta terapia retórica ou soluções simplistas. Não é só pelo dinheiro. Há o suficiente para os seis hospitais (Andaraí, Bonsucesso, Cardoso Fontes, Ipanema, Lagoa e Servidores) mais os três institutos especializados (Câncer, Cardiologia e Traumatologia).
Juntos, eles receberam R$ 3,4 bilhões no ano passado. Dessa dinheirama, R$ 2,1 bilhões foram para pagamento de pessoal e encargos, R$ 1,2 bilhão para custeio e R$ 81 milhões destinados a investimentos.
Significa que, no ano passado, o Ministério da Saúde concentrou em apenas seis hospitais da capital um volume de recursos equivalente ao dinheiro gasto com toda a estrutura de saúde mantida pelo Estado do Rio.
Com 60 unidades hospitalares (1.050 leitos de UTI) e serviços adicionais, como a vigilância epidemiológica, o conjunto estadual de saúde consumiu R$ 3,7 bilhões — somente R$ 300 milhões a mais que os seis hospitais e três institutos federais na cidade do Rio.
Aparentemente, o governo federal perdeu o controle. Gasta com seis hospitais e três institutos na capital tanto quanto o governo estadual em 60 unidades. Ainda assim, mantém milhares de pessoas à espera de vaga para cirurgia. Alguns já completaram uma década na fila, informam a Justiça Federal e a Defensoria Pública da União.
União gasta com seis hospitais e três institutos no Rio tanto quanto o estado com 60 unidades. Há espera de até dez anos por uma cirurgia. Alguns morrem na portaria
Há mais de dois anos a população do Rio está praticamente sem acesso aos 2.700 leitos hospitalares — entre eles, 198 de Unidade de Terapia Intensiva — dos seis hospitais e três institutos mantidos pelo Ministério da Saúde.
Na origem da crise está uma estrutura ineficiente. Combina inépcia com obras atrasadas, e conflitos trabalhistas que se arrastam há pelo menos 29 meses.
Outra greve de médicos começou há duas semanas. Ontem, um homem agonizou durante uma hora na portaria do Instituto de Cardiologia, em Laranjeiras. Morreu sem socorro.
No Hospital do Andaraí, na Zona Norte, a Justiça Federal acaba de comprovar uma rotina de doentes espalhados pelos corredores, no chão ou em cadeiras — ladeados por latas de lixo.
Em visita recente, inspetores da Vigilância Sanitária interditaram a sala de preparo de quimioterapia. Encontraram a geladeira de medicamentos ao lado de um recipiente aberto, com veneno, à espera de roedores.
Os nove hospitais e institutos federais do Rio possuem 22% dos leitos existentes na cidade. Deveriam desempenhar um papel-chave no serviço de saúde aos 12 milhões de habitantes da região metropolitana. Mas, no conjunto, compõem uma síntese da anarquia gerencial que domina o Sistema Único de Saúde.
A percepção pública desse desgoverno tem turbinado protestos nas ruas e vem sendo reafirmada a cada nova pesquisa de opinião.
A crise do sistema de saúde pública já é entendida como problema mais grave do que representou a escassez de empregos duas décadas atrás. Os registros são do Ibope: no fim do ciclo da superinflação, em agosto de 1994, a maioria (53%) dos brasileiros indicava o desemprego como maior problema nacional. Numa consulta em dezembro passado, ampla maioria (58%) não hesitou em responder “saúde”.
É paradoxal, mas até agora nenhum dos principais candidatos à Presidência da República apresentou sequer um esboço de ideias para essa situação que afeta a vida das pessoas.
O que está aí não comporta terapia retórica ou soluções simplistas. Não é só pelo dinheiro. Há o suficiente para os seis hospitais (Andaraí, Bonsucesso, Cardoso Fontes, Ipanema, Lagoa e Servidores) mais os três institutos especializados (Câncer, Cardiologia e Traumatologia).
Juntos, eles receberam R$ 3,4 bilhões no ano passado. Dessa dinheirama, R$ 2,1 bilhões foram para pagamento de pessoal e encargos, R$ 1,2 bilhão para custeio e R$ 81 milhões destinados a investimentos.
Significa que, no ano passado, o Ministério da Saúde concentrou em apenas seis hospitais da capital um volume de recursos equivalente ao dinheiro gasto com toda a estrutura de saúde mantida pelo Estado do Rio.
Com 60 unidades hospitalares (1.050 leitos de UTI) e serviços adicionais, como a vigilância epidemiológica, o conjunto estadual de saúde consumiu R$ 3,7 bilhões — somente R$ 300 milhões a mais que os seis hospitais e três institutos federais na cidade do Rio.
Aparentemente, o governo federal perdeu o controle. Gasta com seis hospitais e três institutos na capital tanto quanto o governo estadual em 60 unidades. Ainda assim, mantém milhares de pessoas à espera de vaga para cirurgia. Alguns já completaram uma década na fila, informam a Justiça Federal e a Defensoria Pública da União.
Um bonde chamado Maluf - ARNALDO JABOR
O ESTADÃO - 03/06
As fotos do Maluf abraçado no Alexandre Padilha merecem uma análise semiológica. Nelas, podemos ver o belo e dramático constrangimento do petista superando as agruras da dignidade pequeno-burguesa para ter mais um minuto na TV. Quão pragmático, quão tarefeiro, quão obediente o Padilha, cumprindo a estratégia do PT! O partido não anuncia programas para S. Paulo. Mas, para vencer, precisam de um bonde. Um bonde chamado Maluf. A antiga foto dele com Lula já foi absorvida, mas essa foto com Padilha não chocou tanto; já nos habituamos.
Nas fotos, Padilha faz um grande esforço para não sorrir, como se dissesse: "Estou cumprindo ordens!". Enquanto isso, Maluf se diverte ao afagá-lo com carinho, tentando amolecê-lo, fazendo-lhe cócegas e com tapinhas amigos, orlados de vingança, como se dissesse: "Calma, Padilhão, a vida é assim mesmo...".
O que fascina em Maluf é ver como ele goza, como se orgulha de estar solto, livre, acima de todas as provas que surgiram, um prazer perverso de se sentir um intocável útil. Maluf não tem um resquício de culpa; ele adora sua fama de mau. Virou um aliado indispensável ao descalabro que está se gestando: reeleição de Dilma, Lula em 18 e depois o infinito.
O rosto feliz de Maluf: “Eles me desprezam, mas vêm a mim. Eles não têm a liberdade que conquistei em anos de negações absolutas, que me trouxeram a impunidade e a irresponsabilidade - privilégios raros. Eu sou livre!".
Nas fotos, vemos que Maluf está simpático, Padilha é antipático; fica falso quando tenta a simpatia. Mas não é a antipatia do rancor ou inveja; é a seriedade de quem tem uma missão política a cumprir (qual?). O petista de carteirinha sente um certo orgulho por sua “realpolitik” mesmo desonesta. Moralismo é coisa de pequeno-burguês da UDN.
O gênio Rui Falcão cunhou a frase fatal: “Isto é uma aliança de princípios!”. Pronto, Maluf pode dizer, como já disse: "Perto do Lula eu é que sou comunista!”. E perto de Maluf, os petistas são o quê? Quais são os princípios comuns aos dois? Ambos usam quaisquer maracutaias para vencer? Ambos sabem negar tudo até o fim? Ambos têm desprezo pela moral de classe média que condena roubalheiras? Criticando os tucanos, Padilha disse que o PCC manda em S.Paulo. Como explicar então os petistas envolvidos com doleiros e a facção criminosa, via Vargas e Luiz Moura? Será mais uma aliança "necessária"?
Maluf não tem missão nenhuma - só curte sua liberdade. Maluf declarou gostosamente: "Lula é o maior estadista do País!", lembrando sua ausência na foto. Lula não está na foto, mas sua presença está ali: é um pai carismático que todos obedecem, é uma versão simplificada de todas as ideologias daqueles que se dizem de “esquerda”.
Seus seguidores dizem que a política nos obriga a sujar as mãos. Tudo bem; mas, no caso, um pôs a mão no outro. Quem é o sujo? Os dois?
Maluf já foi julgado em vão e é procurado pela Interpol; se pisar em Paris, cana. Os petistas têm negócios internacionais sujos (Pasadena, etc...), mas nunca serão julgados, principalmente agora que o Barbosão saiu, aquele que eles chamam de "monstro" e de "negro pernóstico". Aliás, perto do escândalo da refinaria Abreu e Lima, Pasadena é um troco - de dois bilhões orçados, vai custar mais de 20 bilhões.
Maluf acha que Dilma vai ganhar e a apoia porque ela (sacaneou ele) "terá mais propaganda do que as Casas Bahia, a Petrobrás e a Caixa", como se ela fosse um produto de varejo. Talvez ela seja.
Maluf disse que o PT era uma nuvem de gafanhotos e Lula disse que Maluf era uma ave de rapina. Pois a ave e os gafanhotos se perdoaram mutuamente. Maluf parece dizer a Padilha: "Eu sou você amanhã". Padilha tenta escapar com seu 'não sorriso': "Eu não sou você hoje". Mas, é.
É uma aliança entre corrupção privada e pública. Maluf só pensou em si, privado. O PT criou a "corrupção revolucionária pública" - tascar a grana do povo para o ‘bem’ do povo.
Essas fotografias são os indícios do que vem por aí, com a vitória de Dilma, já que seus eleitores mais pobres (grande maioria) não têm ideia do que está acontecendo no Brasil.
Os sinais estão no ar. Será o fim do constrangimento autoritário, será o fim das luvas de pelica, o fim das meias-palavras, o fim das envergonhadas ‘defesas’ da democracia 'burguesa', será a crescente bolivarianização da nossa vida. Será o ataque imediato da liberdade de expressão e da mídia a ser ‘regulada’ do jeito de Kirchner ou Maduro. O Lula tem repetido diuturnamente que “a imprensa é a pior forma de oposição" e disse que vai se vingar das denúncias e verdades que publicamos. Lula é um Maluf sindicalista que subiu na vida.
E mais: o caráter brizolista de Dilma virá à tona. Ela pensa igual a seu antigo chefe, que ela largou para se filiar ao PT, mas continuou fiel às suas ideias - as mais atrapalhadas bobagens que ele teceu com cartilhas socialistas.
Escreveu Rodrigo Constantino outro dia:
"Se Brizola já se foi, o brizolismo continua vivo. Infelizmente. Seus filhotes políticos governaram o Rio por muitos anos. Um dos principais ícones mais recentes deste brizolismo é Anthony Garotinho. Sua marca é a demagogia elevada, a retórica de luta de classes, o nacionalismo xenófobo, e a idolatria do Estado como único meio para os fins nobres. A simbiose entre governo e máfias sindicais tem sido outra marca do brizolismo também.
Brizola sempre foi uma das mais virulentas vozes contrárias ao processo de desestatização. Em abril de 1997, chegou a escrever no Jornal do Commercio: "A privatização da Vale é um ato insano e injustificável; eu desconfio da inteireza mental do presidente Fernando Henrique”. O discurso de Brizola contra o suposto “entreguismo" sempre foi carregado de xenofobia, como se o comércio mundial fosse apenas uma batalha de estrangeiros contra brasileiros.
Em suma, como mostram as fotografias, estávamos prontos para levantar voo, quando o mais burro regressismo tomou conta do governo. A frase que mais ouço hoje em dia, travada de impotência, é: "Nunca vi o País assim...".
As fotos do Maluf abraçado no Alexandre Padilha merecem uma análise semiológica. Nelas, podemos ver o belo e dramático constrangimento do petista superando as agruras da dignidade pequeno-burguesa para ter mais um minuto na TV. Quão pragmático, quão tarefeiro, quão obediente o Padilha, cumprindo a estratégia do PT! O partido não anuncia programas para S. Paulo. Mas, para vencer, precisam de um bonde. Um bonde chamado Maluf. A antiga foto dele com Lula já foi absorvida, mas essa foto com Padilha não chocou tanto; já nos habituamos.
Nas fotos, Padilha faz um grande esforço para não sorrir, como se dissesse: "Estou cumprindo ordens!". Enquanto isso, Maluf se diverte ao afagá-lo com carinho, tentando amolecê-lo, fazendo-lhe cócegas e com tapinhas amigos, orlados de vingança, como se dissesse: "Calma, Padilhão, a vida é assim mesmo...".
O que fascina em Maluf é ver como ele goza, como se orgulha de estar solto, livre, acima de todas as provas que surgiram, um prazer perverso de se sentir um intocável útil. Maluf não tem um resquício de culpa; ele adora sua fama de mau. Virou um aliado indispensável ao descalabro que está se gestando: reeleição de Dilma, Lula em 18 e depois o infinito.
O rosto feliz de Maluf: “Eles me desprezam, mas vêm a mim. Eles não têm a liberdade que conquistei em anos de negações absolutas, que me trouxeram a impunidade e a irresponsabilidade - privilégios raros. Eu sou livre!".
Nas fotos, vemos que Maluf está simpático, Padilha é antipático; fica falso quando tenta a simpatia. Mas não é a antipatia do rancor ou inveja; é a seriedade de quem tem uma missão política a cumprir (qual?). O petista de carteirinha sente um certo orgulho por sua “realpolitik” mesmo desonesta. Moralismo é coisa de pequeno-burguês da UDN.
O gênio Rui Falcão cunhou a frase fatal: “Isto é uma aliança de princípios!”. Pronto, Maluf pode dizer, como já disse: "Perto do Lula eu é que sou comunista!”. E perto de Maluf, os petistas são o quê? Quais são os princípios comuns aos dois? Ambos usam quaisquer maracutaias para vencer? Ambos sabem negar tudo até o fim? Ambos têm desprezo pela moral de classe média que condena roubalheiras? Criticando os tucanos, Padilha disse que o PCC manda em S.Paulo. Como explicar então os petistas envolvidos com doleiros e a facção criminosa, via Vargas e Luiz Moura? Será mais uma aliança "necessária"?
Maluf não tem missão nenhuma - só curte sua liberdade. Maluf declarou gostosamente: "Lula é o maior estadista do País!", lembrando sua ausência na foto. Lula não está na foto, mas sua presença está ali: é um pai carismático que todos obedecem, é uma versão simplificada de todas as ideologias daqueles que se dizem de “esquerda”.
Seus seguidores dizem que a política nos obriga a sujar as mãos. Tudo bem; mas, no caso, um pôs a mão no outro. Quem é o sujo? Os dois?
Maluf já foi julgado em vão e é procurado pela Interpol; se pisar em Paris, cana. Os petistas têm negócios internacionais sujos (Pasadena, etc...), mas nunca serão julgados, principalmente agora que o Barbosão saiu, aquele que eles chamam de "monstro" e de "negro pernóstico". Aliás, perto do escândalo da refinaria Abreu e Lima, Pasadena é um troco - de dois bilhões orçados, vai custar mais de 20 bilhões.
Maluf acha que Dilma vai ganhar e a apoia porque ela (sacaneou ele) "terá mais propaganda do que as Casas Bahia, a Petrobrás e a Caixa", como se ela fosse um produto de varejo. Talvez ela seja.
Maluf disse que o PT era uma nuvem de gafanhotos e Lula disse que Maluf era uma ave de rapina. Pois a ave e os gafanhotos se perdoaram mutuamente. Maluf parece dizer a Padilha: "Eu sou você amanhã". Padilha tenta escapar com seu 'não sorriso': "Eu não sou você hoje". Mas, é.
É uma aliança entre corrupção privada e pública. Maluf só pensou em si, privado. O PT criou a "corrupção revolucionária pública" - tascar a grana do povo para o ‘bem’ do povo.
Essas fotografias são os indícios do que vem por aí, com a vitória de Dilma, já que seus eleitores mais pobres (grande maioria) não têm ideia do que está acontecendo no Brasil.
Os sinais estão no ar. Será o fim do constrangimento autoritário, será o fim das luvas de pelica, o fim das meias-palavras, o fim das envergonhadas ‘defesas’ da democracia 'burguesa', será a crescente bolivarianização da nossa vida. Será o ataque imediato da liberdade de expressão e da mídia a ser ‘regulada’ do jeito de Kirchner ou Maduro. O Lula tem repetido diuturnamente que “a imprensa é a pior forma de oposição" e disse que vai se vingar das denúncias e verdades que publicamos. Lula é um Maluf sindicalista que subiu na vida.
E mais: o caráter brizolista de Dilma virá à tona. Ela pensa igual a seu antigo chefe, que ela largou para se filiar ao PT, mas continuou fiel às suas ideias - as mais atrapalhadas bobagens que ele teceu com cartilhas socialistas.
Escreveu Rodrigo Constantino outro dia:
"Se Brizola já se foi, o brizolismo continua vivo. Infelizmente. Seus filhotes políticos governaram o Rio por muitos anos. Um dos principais ícones mais recentes deste brizolismo é Anthony Garotinho. Sua marca é a demagogia elevada, a retórica de luta de classes, o nacionalismo xenófobo, e a idolatria do Estado como único meio para os fins nobres. A simbiose entre governo e máfias sindicais tem sido outra marca do brizolismo também.
Brizola sempre foi uma das mais virulentas vozes contrárias ao processo de desestatização. Em abril de 1997, chegou a escrever no Jornal do Commercio: "A privatização da Vale é um ato insano e injustificável; eu desconfio da inteireza mental do presidente Fernando Henrique”. O discurso de Brizola contra o suposto “entreguismo" sempre foi carregado de xenofobia, como se o comércio mundial fosse apenas uma batalha de estrangeiros contra brasileiros.
Em suma, como mostram as fotografias, estávamos prontos para levantar voo, quando o mais burro regressismo tomou conta do governo. A frase que mais ouço hoje em dia, travada de impotência, é: "Nunca vi o País assim...".
Skaf rejeita dilma - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 03/06
O desentendimento entre Paulo Skaf, o candidato do PMDB ao governo de São Paulo, e a presidente Dilma Rousseff é reflexo da geleia geral em que se transformou a política partidária no Brasil. A presidente, em reunião com o PMDB em Brasília, procurou atrair Skaf para sua candidatura à reeleição, colocando-o como mais uma opção para derrotar o PSDB além do candidato do PT Alexandre Padilha.
Quem deveria ficar magoado com a declaração seria Padilha ou o PT. Mas não, foi Skaf quem correu para esclarecer que, em São Paulo, ele é candidato de oposição ao PT tanto quanto ao PSDB, recusando assim a possibilidade de que Dilma tenha um palanque duplo no estado.
O presidente da Fiesp tomou a atitude para definir uma posição que lhe dá bastante conforto, caso vá para o 2º turno: se contra o PT, receberá votos dos antipetistas; se contra o PSDB, é a escolha obrigatória dos petistas para impedir que os tucanos continuem no poder.
Mas há também um cálculo eleitoral nessa recusa do palanque para Dilma: Skaf não quer se contaminar com o desprestígio que detecta no governo federal. A exemplo do candidato à Presidência da República Eduardo Campos, do PSB, Skaf quer ser a alternativa à polarização entre PT e PSDB em São Paulo e, pelo menos na teoria, está em melhor situação que Campos.
Aparece nas pesquisas em segundo lugar, bem à frente de Padilha. Nessa situação, o que menos quer é aproximação com Dilma, apoiada por seu partido para a Presidência da República.
Situação inversa acontece com Campos: o PSB deve acabar fazendo um acordo político com o PSDB em São Paulo, entrando na chapa de reeleição de Geraldo Alckmin, mas se recusou a manter o acordo com os tucanos nos demais estados em que ele estava sendo negociado, notadamente Minas Gerais e Pernambuco.
Já o PSD de Geraldo Kassab deve aderir à candidatura de Alckmin em São Paulo, mas não abre mão do apoio a Dilma para a Presidência da República, dando-lhe seus minutos de propaganda como gesto de gratidão pelo apoio que recebeu na formação do partido.
Com isso, inviabiliza o movimento para que o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles venha a ser o vice do senador Aécio Neves, o que seria uma derrota direta do ex-presidente Lula. Meirelles, eleito deputado federal pelo PSDB em 2002, passou os oito anos do governo Lula à frente do BC, tornando-se um dos símbolos de seu governo, mesmo que em determinado momento Lula tenha pensado em trocá-lo.
Dilma terá o dobro de tempo de TV que o segundo colocado, Aécio Neves, do PSDB, mas não terá o apoio integral dos dez partidos que formam sua aliança. No Rio, Aécio tem uma aliança informal maior talvez que a formalizada pelos partidos da base aliada do governo Cabral-Pezão, que oficialmente a apoiam.
Isso acontece porque, segundo o cientista político Sérgio Abranches, o governo está em uma fase de ambivalência , tendo perdido sua força centrípeta, que é a fase em que é plenamente dominante. O presidente, com alta popularidade e liderança plenamente assegurada, consegue preservar o núcleo do governo com relativa facilidade, com o poder relativamente compartilhado e a rivalidade entre os parceiros da coalizão se dá dentro dos limites do negociável.
Essa força de atração, diz Abranches, começa a arrefecer em situações de crises de corrupção que atinjam o núcleo central do governo e a própria Presidência, ou reversão negativa do crescimento econômico, particularmente com alta da inflação e queda da renda real.
Nesse processo, o regime muda de fase, passando à fase de ambivalência , que é onde estamos na avaliação de Abranches. Nessa, o sinal positivo da Presidência é fraco, regular , pouco indicativo do grau de apoio que ela de fato terá dos eleitores. A rivalidade entre os parceiros passa a afetar o núcleo central do governo .
Se esse momento não for revertido por mudança significativa no ambiente político-econômico, adverte Abranches, o regime tende a mudar de fase, entrando na fase centrífuga . Nessa, a Presidência passa a ter sinal negativo. A popularidade cai de tal modo que a popularidade líquida (positivo - negativo) fica negativa e o regular não passa dos 20%. A liderança presidencial é contestada, da mesma forma que o núcleo central do governo. Há paralisia decisória e legislativa, levando o sistema para uma crise de governança.
Quem deveria ficar magoado com a declaração seria Padilha ou o PT. Mas não, foi Skaf quem correu para esclarecer que, em São Paulo, ele é candidato de oposição ao PT tanto quanto ao PSDB, recusando assim a possibilidade de que Dilma tenha um palanque duplo no estado.
O presidente da Fiesp tomou a atitude para definir uma posição que lhe dá bastante conforto, caso vá para o 2º turno: se contra o PT, receberá votos dos antipetistas; se contra o PSDB, é a escolha obrigatória dos petistas para impedir que os tucanos continuem no poder.
Mas há também um cálculo eleitoral nessa recusa do palanque para Dilma: Skaf não quer se contaminar com o desprestígio que detecta no governo federal. A exemplo do candidato à Presidência da República Eduardo Campos, do PSB, Skaf quer ser a alternativa à polarização entre PT e PSDB em São Paulo e, pelo menos na teoria, está em melhor situação que Campos.
Aparece nas pesquisas em segundo lugar, bem à frente de Padilha. Nessa situação, o que menos quer é aproximação com Dilma, apoiada por seu partido para a Presidência da República.
Situação inversa acontece com Campos: o PSB deve acabar fazendo um acordo político com o PSDB em São Paulo, entrando na chapa de reeleição de Geraldo Alckmin, mas se recusou a manter o acordo com os tucanos nos demais estados em que ele estava sendo negociado, notadamente Minas Gerais e Pernambuco.
Já o PSD de Geraldo Kassab deve aderir à candidatura de Alckmin em São Paulo, mas não abre mão do apoio a Dilma para a Presidência da República, dando-lhe seus minutos de propaganda como gesto de gratidão pelo apoio que recebeu na formação do partido.
Com isso, inviabiliza o movimento para que o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles venha a ser o vice do senador Aécio Neves, o que seria uma derrota direta do ex-presidente Lula. Meirelles, eleito deputado federal pelo PSDB em 2002, passou os oito anos do governo Lula à frente do BC, tornando-se um dos símbolos de seu governo, mesmo que em determinado momento Lula tenha pensado em trocá-lo.
Dilma terá o dobro de tempo de TV que o segundo colocado, Aécio Neves, do PSDB, mas não terá o apoio integral dos dez partidos que formam sua aliança. No Rio, Aécio tem uma aliança informal maior talvez que a formalizada pelos partidos da base aliada do governo Cabral-Pezão, que oficialmente a apoiam.
Isso acontece porque, segundo o cientista político Sérgio Abranches, o governo está em uma fase de ambivalência , tendo perdido sua força centrípeta, que é a fase em que é plenamente dominante. O presidente, com alta popularidade e liderança plenamente assegurada, consegue preservar o núcleo do governo com relativa facilidade, com o poder relativamente compartilhado e a rivalidade entre os parceiros da coalizão se dá dentro dos limites do negociável.
Essa força de atração, diz Abranches, começa a arrefecer em situações de crises de corrupção que atinjam o núcleo central do governo e a própria Presidência, ou reversão negativa do crescimento econômico, particularmente com alta da inflação e queda da renda real.
Nesse processo, o regime muda de fase, passando à fase de ambivalência , que é onde estamos na avaliação de Abranches. Nessa, o sinal positivo da Presidência é fraco, regular , pouco indicativo do grau de apoio que ela de fato terá dos eleitores. A rivalidade entre os parceiros passa a afetar o núcleo central do governo .
Se esse momento não for revertido por mudança significativa no ambiente político-econômico, adverte Abranches, o regime tende a mudar de fase, entrando na fase centrífuga . Nessa, a Presidência passa a ter sinal negativo. A popularidade cai de tal modo que a popularidade líquida (positivo - negativo) fica negativa e o regular não passa dos 20%. A liderança presidencial é contestada, da mesma forma que o núcleo central do governo. Há paralisia decisória e legislativa, levando o sistema para uma crise de governança.
À francesa - DORA KRAMER
O ESTADÃO - 03/06
Há emissão de sinais sobre os negócios da Petrobrás, notadamente os dois de mais fácil compreensão - a compra da refinaria de Pasadena, no Texas, e a construção de Abreu e Lima, em Pernambuco -, que indicam a preparação de uma saída à francesa para a confusão criada pelo ímpeto da presidente Dilma Rousseff de afastar de si um problema por meio de emenda desastrosa para o conjunto do soneto.
Os personagens envolvidos na história até um tempo atrás apresentavam versões contraditórias, pareciam trocar mensagens cifradas e até algumas alfinetadas. Instaladas as duas CPIs no Congresso, porque o governo não teve força para impedir, as falas de cada um foram sendo adaptadas de forma a convergirem para um ponto: quaisquer que tenham sido os problemas - sim, pois que existem não há como negar -, eles foram todos produtos de mera negligência.
No início de maio, a presidente Dilma, que em março havia sido tão veemente ao atribuir a informações "técnica e juridicamente falhas" a compra da refinaria que em 2005 valia US$ 42,5 milhões e em 2012 custou US$ 1,18 bilhão à Petrobrás, amenizou o tom. Passou a dizer que "pode ter havido equívoco" no negócio, mas jamais "má-fé".
Domingo, o ex-diretor de Abastecimento e Refino da estatal Paulo Roberto Costa deu à Folha de S. Paulo sua primeira entrevista depois de dois meses preso sob a suspeita de participar de um esquema de coleta de propinas entre empresas interessadas em contratos com a Petrobrás para dividir o butim com políticos.
Em resumo, negou quaisquer irregularidades de ordem criminal, rejeitou a hipótese de superfaturamento na refinaria de Abreu e Lima e disse que a previsão inicial de US$ 2,5 bilhões contra o custo final da construção de US$ 18,5 bilhões deveu-se à falta de planejamento. "Conta de padeiro", desleixo. Desmazelo, sabe como é? Um aumento de 620%. Mas, tudo na maior inocência.
Ainda que tenha sido uma questão de incúria, sem resquício de "má-fé". Nem por isso deixa de ser malfeito. Ou em português claro: malversação de dinheiro público.
Efeito especial. Embora componham bem a cena da retirada, as ameaças ao ministro Joaquim Barbosa não convencem como motivação real para a decisão dele de antecipar a aposentadoria, depois de afirmar que ficaria ao menos até novembro quando terminaria seu período na presidência do Supremo Tribunal Federal.
Em primeiro lugar porque, em matéria de segurança, ele está muito mais protegido como integrante da Corte do que fora dele. Em segundo, expõe absoluta descrença (desconfiança?) na capacidade do Estado de preservar sua integridade física.
De qualquer modo, o ministro não confirmou essas versões nem tampouco as desmentiu.
Lé com cré. As situações esdrúxulas vão se reproduzir nas alianças País afora. No caso do Rio de Janeiro a bagunça é assim organizada: o ex-presidente Lula faz campanha para o candidato do PT ao governo, Lindbergh Farias; a presidente Dilma Rousseff fecha com o governador Pezão, do PMDB, que por sua vez declara apoio da seção regional a Aécio Neves na eleição presidencial.
Na mosca. De tão precisa, a frase do publicitário Renato Meirelles (Instituto de pesquisas Data Popular) em entrevista à coluna Direto da Fonte merece um bis: "A política brasileira é analógica, e os jovens eleitores são digitais".
Acrescento: no sentido figurado não apenas os jovens, mas a maior parte do eleitorado é "digital" em relação aos meios e modos da política ainda referidos na era pré-redemocratização.
Há emissão de sinais sobre os negócios da Petrobrás, notadamente os dois de mais fácil compreensão - a compra da refinaria de Pasadena, no Texas, e a construção de Abreu e Lima, em Pernambuco -, que indicam a preparação de uma saída à francesa para a confusão criada pelo ímpeto da presidente Dilma Rousseff de afastar de si um problema por meio de emenda desastrosa para o conjunto do soneto.
Os personagens envolvidos na história até um tempo atrás apresentavam versões contraditórias, pareciam trocar mensagens cifradas e até algumas alfinetadas. Instaladas as duas CPIs no Congresso, porque o governo não teve força para impedir, as falas de cada um foram sendo adaptadas de forma a convergirem para um ponto: quaisquer que tenham sido os problemas - sim, pois que existem não há como negar -, eles foram todos produtos de mera negligência.
No início de maio, a presidente Dilma, que em março havia sido tão veemente ao atribuir a informações "técnica e juridicamente falhas" a compra da refinaria que em 2005 valia US$ 42,5 milhões e em 2012 custou US$ 1,18 bilhão à Petrobrás, amenizou o tom. Passou a dizer que "pode ter havido equívoco" no negócio, mas jamais "má-fé".
Domingo, o ex-diretor de Abastecimento e Refino da estatal Paulo Roberto Costa deu à Folha de S. Paulo sua primeira entrevista depois de dois meses preso sob a suspeita de participar de um esquema de coleta de propinas entre empresas interessadas em contratos com a Petrobrás para dividir o butim com políticos.
Em resumo, negou quaisquer irregularidades de ordem criminal, rejeitou a hipótese de superfaturamento na refinaria de Abreu e Lima e disse que a previsão inicial de US$ 2,5 bilhões contra o custo final da construção de US$ 18,5 bilhões deveu-se à falta de planejamento. "Conta de padeiro", desleixo. Desmazelo, sabe como é? Um aumento de 620%. Mas, tudo na maior inocência.
Ainda que tenha sido uma questão de incúria, sem resquício de "má-fé". Nem por isso deixa de ser malfeito. Ou em português claro: malversação de dinheiro público.
Efeito especial. Embora componham bem a cena da retirada, as ameaças ao ministro Joaquim Barbosa não convencem como motivação real para a decisão dele de antecipar a aposentadoria, depois de afirmar que ficaria ao menos até novembro quando terminaria seu período na presidência do Supremo Tribunal Federal.
Em primeiro lugar porque, em matéria de segurança, ele está muito mais protegido como integrante da Corte do que fora dele. Em segundo, expõe absoluta descrença (desconfiança?) na capacidade do Estado de preservar sua integridade física.
De qualquer modo, o ministro não confirmou essas versões nem tampouco as desmentiu.
Lé com cré. As situações esdrúxulas vão se reproduzir nas alianças País afora. No caso do Rio de Janeiro a bagunça é assim organizada: o ex-presidente Lula faz campanha para o candidato do PT ao governo, Lindbergh Farias; a presidente Dilma Rousseff fecha com o governador Pezão, do PMDB, que por sua vez declara apoio da seção regional a Aécio Neves na eleição presidencial.
Na mosca. De tão precisa, a frase do publicitário Renato Meirelles (Instituto de pesquisas Data Popular) em entrevista à coluna Direto da Fonte merece um bis: "A política brasileira é analógica, e os jovens eleitores são digitais".
Acrescento: no sentido figurado não apenas os jovens, mas a maior parte do eleitorado é "digital" em relação aos meios e modos da política ainda referidos na era pré-redemocratização.
Tabus e oportunismo - ELIANE CANTANHÊDE
FOLHA DE SP - 03/06
BRASÍLIA - A manchete da Folha desta segunda (2), informando que seis em cada dez alunos da USP poderiam pagar mensalidade, é muito importante e duplamente oportuna.
Primeiro, por causa da crise da melhor universidade brasileira, que acaba de perder o primeiro lugar da América Latina para a PUC do Chile. Segundo, porque a campanha eleitoral já está escancarada.
Campanhas e eleições são para exposição e confronto de ideias, de forma que o eleitor possa optar pelos candidatos que melhor traduzam suas posições, suas aspirações, suas crenças. Mas não é isso que ocorre. Há uma pasteurização.
Petistas e tucanos correm atrás de Maluf e, como liberais e conservadores, gregos e troianos, viram papagaios repetindo o mesmo discurso sobre os temas mais polêmicos e que, portanto, deveriam justamente diferenciá-los diante da sociedade.
Quem não se lembra do contorcionismo de Dilma e de Serra ao falar sobre aborto em 2010? Eles diziam a mesma coisa --o oposto do que ambos acreditam. Em vez de expor corajosamente suas ideias ao escrutínio do eleitor, decoraram um discurso enviesado ditado pelos marqueteiros com base nas pesquisas e no oportunismo eleitoral.
Agora, em 2014, quem terá coragem de remar contra a corrente e falar o que pensa e o que planeja de fato? Dilma, Aécio, Eduardo Campos? Nenhum deles. Nem suas campanhas deixam nem eles mesmo se arriscariam. Seria "ingenuidade".
Em sendo assim, o país perderá uma grande chance (mais uma) de debater para valer: 1) sistema misto de bolsas e cobrança no ensino superior; 2) o direito ao aborto; 3) a descriminalização da maconha; 4) a redução da maioridade penal. Muito menos (5) como tratar as tarifas públicas para o bem de todos.
E é assim que o estudante pobre vai continuar pagando universidades privadas ruins e caras, enquanto o rico estuda nas públicas boas e gratuitas. Mas é proibido falar disso.
BRASÍLIA - A manchete da Folha desta segunda (2), informando que seis em cada dez alunos da USP poderiam pagar mensalidade, é muito importante e duplamente oportuna.
Primeiro, por causa da crise da melhor universidade brasileira, que acaba de perder o primeiro lugar da América Latina para a PUC do Chile. Segundo, porque a campanha eleitoral já está escancarada.
Campanhas e eleições são para exposição e confronto de ideias, de forma que o eleitor possa optar pelos candidatos que melhor traduzam suas posições, suas aspirações, suas crenças. Mas não é isso que ocorre. Há uma pasteurização.
Petistas e tucanos correm atrás de Maluf e, como liberais e conservadores, gregos e troianos, viram papagaios repetindo o mesmo discurso sobre os temas mais polêmicos e que, portanto, deveriam justamente diferenciá-los diante da sociedade.
Quem não se lembra do contorcionismo de Dilma e de Serra ao falar sobre aborto em 2010? Eles diziam a mesma coisa --o oposto do que ambos acreditam. Em vez de expor corajosamente suas ideias ao escrutínio do eleitor, decoraram um discurso enviesado ditado pelos marqueteiros com base nas pesquisas e no oportunismo eleitoral.
Agora, em 2014, quem terá coragem de remar contra a corrente e falar o que pensa e o que planeja de fato? Dilma, Aécio, Eduardo Campos? Nenhum deles. Nem suas campanhas deixam nem eles mesmo se arriscariam. Seria "ingenuidade".
Em sendo assim, o país perderá uma grande chance (mais uma) de debater para valer: 1) sistema misto de bolsas e cobrança no ensino superior; 2) o direito ao aborto; 3) a descriminalização da maconha; 4) a redução da maioridade penal. Muito menos (5) como tratar as tarifas públicas para o bem de todos.
E é assim que o estudante pobre vai continuar pagando universidades privadas ruins e caras, enquanto o rico estuda nas públicas boas e gratuitas. Mas é proibido falar disso.
Jornalismo sob ataque - PAULO NASSAR
O GLOBO - 03/06
Ninguém gosta de uma imprensa que fiscaliza
O panorama da imprensa na América Latina é sombrio. Na Venezuela, na Argentina e no Equador, por exemplo, vigoram novas regulamentações que, na prática, cerceiam a atividade dos profissionais e das empresas informativas. Só no Brasil, nos últimos três anos, dez repórteres foram assassinados em pleno trabalho de denunciar corrupção e desmazelos políticos. Na prática, o quarto poder — em vez de intimidar os poderosos e confortar os aflitos — tornou-se ele mesmo intimidado pelos poderosos de plantão.
A organização Pew Research, porém, traz boas-novas dos Estados Unidos. A indústria de notícias, em vez de fenecer sob os desafios digitais, está crescendo e soma hoje, em todas as suas plataformas, um faturamento expressivo de US$ 65 bilhões. Ninguém pode esquecer que os WikiLeaks e os Snowden da vida não teriam sido nada sem os abrigos corajosos do “The Guardian”, em Londres, e do GLOBO, no Brasil. Maduros e Castros não teriam nada a censurar nessas coberturas. Já Obamas e Camerons chegaram a ensaiar um discurso de “traição à pátria”. Ninguém gosta de uma imprensa que fiscaliza, seja de esquerda ou de direita. Como dizia Millôr Fernandes, “jornalismo é oposição, o resto é armazém de secos e molhados”.
O que pode significar a liberdade de imprensa? Um termo tão singular e atual. Singular porque está intimamente associado ao exercício do poder num mundo em crise. Já a atualidade é consequência da disseminação desses impasses, sobretudo por meio das redes sociais que ora se revelam, como disse Manuel Castells, redes da indignação e da esperança, ora são também o motor de autêntica Babel, onde todos falam a um só tempo.
A mídia é alvo contínuo de críticas: incompetência, denuncismo, culto do espetacular, manipulação, venalidade, despreparo, golpismo. No Brasil, nada aconteceu ou acontece de forma diferente. A imprensa pode errar — e erra muito —, sem dúvida, mas a vocação dominante é oferecer informação ao público. Os fatos são, assim, o elo aglutinador da sociedade.
É como a dança das cadeiras: a cada erro, declina a credibilidade. As críticas não são tão importantes quando dirigidas por questões de posicionamento ou por condicionamentos partidários. Mas quando comete erros factuais graves, que podem ser imputados a posicionamentos ideológicos, mente ou fantasia as notícias, nesse momento a credibilidade se rompe, trinca e como o cristal não ressoa mais o mesmo som. Jornalismo é fato. E os fatos são teimosos. São como óleo na água, sempre aparecem.
Daí, o culto aos fatos ser o tema de reflexão que inspira a liberdade de imprensa. E em torno dela é que se organizam um dos fortes vetores da liberdade da sociedade e os critérios de verdade. Não são, pois, os fatos que se politizaram, é a politização que turva a visão da realidade concreta. Eis uma concepção de singular atualidade que o país tem descoberto na prática.
Ninguém gosta de uma imprensa que fiscaliza
O panorama da imprensa na América Latina é sombrio. Na Venezuela, na Argentina e no Equador, por exemplo, vigoram novas regulamentações que, na prática, cerceiam a atividade dos profissionais e das empresas informativas. Só no Brasil, nos últimos três anos, dez repórteres foram assassinados em pleno trabalho de denunciar corrupção e desmazelos políticos. Na prática, o quarto poder — em vez de intimidar os poderosos e confortar os aflitos — tornou-se ele mesmo intimidado pelos poderosos de plantão.
A organização Pew Research, porém, traz boas-novas dos Estados Unidos. A indústria de notícias, em vez de fenecer sob os desafios digitais, está crescendo e soma hoje, em todas as suas plataformas, um faturamento expressivo de US$ 65 bilhões. Ninguém pode esquecer que os WikiLeaks e os Snowden da vida não teriam sido nada sem os abrigos corajosos do “The Guardian”, em Londres, e do GLOBO, no Brasil. Maduros e Castros não teriam nada a censurar nessas coberturas. Já Obamas e Camerons chegaram a ensaiar um discurso de “traição à pátria”. Ninguém gosta de uma imprensa que fiscaliza, seja de esquerda ou de direita. Como dizia Millôr Fernandes, “jornalismo é oposição, o resto é armazém de secos e molhados”.
O que pode significar a liberdade de imprensa? Um termo tão singular e atual. Singular porque está intimamente associado ao exercício do poder num mundo em crise. Já a atualidade é consequência da disseminação desses impasses, sobretudo por meio das redes sociais que ora se revelam, como disse Manuel Castells, redes da indignação e da esperança, ora são também o motor de autêntica Babel, onde todos falam a um só tempo.
A mídia é alvo contínuo de críticas: incompetência, denuncismo, culto do espetacular, manipulação, venalidade, despreparo, golpismo. No Brasil, nada aconteceu ou acontece de forma diferente. A imprensa pode errar — e erra muito —, sem dúvida, mas a vocação dominante é oferecer informação ao público. Os fatos são, assim, o elo aglutinador da sociedade.
É como a dança das cadeiras: a cada erro, declina a credibilidade. As críticas não são tão importantes quando dirigidas por questões de posicionamento ou por condicionamentos partidários. Mas quando comete erros factuais graves, que podem ser imputados a posicionamentos ideológicos, mente ou fantasia as notícias, nesse momento a credibilidade se rompe, trinca e como o cristal não ressoa mais o mesmo som. Jornalismo é fato. E os fatos são teimosos. São como óleo na água, sempre aparecem.
Daí, o culto aos fatos ser o tema de reflexão que inspira a liberdade de imprensa. E em torno dela é que se organizam um dos fortes vetores da liberdade da sociedade e os critérios de verdade. Não são, pois, os fatos que se politizaram, é a politização que turva a visão da realidade concreta. Eis uma concepção de singular atualidade que o país tem descoberto na prática.
Ameaça real e presente - EDITORIAL O ESTADÃO
O ESTADÃO - 03/06
Preparando-se para criar "o caos" nas 12 cidades-sede da Copa do Mundo, principalmente naquelas onde as suas ações terão o máximo de visibilidade, os black blocs não disfarçam a sua torcida para terem nas ruas, fazendo o mesmo durante o torneio, os delinquentes profissionais do Primeiro Comando da Capital (PCC). A maior organização criminosa do País, que levou terror e pânico a São Paulo em maio de 2006, ao desencadear uma série de ataques contra as forças de segurança do Estado, controla os presídios paulistas, de onde dá ordens aos seus cúmplices em liberdade.
É de levar a sério a possibilidade dessa união de forças entre a formidável quadrilha e os neoanarquistas cujas máscaras, provocações e, afinal, atos de vandalismo roubaram a cena das manifestações em âmbito nacional de junho do ano passado. A dezena e meia de membros do núcleo do movimento - desconhecidos da polícia, por sinal - que o repórter Lourival Sant'Anna, do Estado, conseguiu localizar e entrevistar, sob anonimato, nega ter se aliado à facção. Mas, como confessa tranquilamente o mais veterano deles, de 34 anos, formado em história pela USP, "não somos contra o PCC". Já é um começo.
A sua fantasia assumida é que os quadrilheiros também aproveitem a Copa para dar, com muito mais meios, logística e experiência do que eles, a sua contribuição para o "estouro" que pretendem provocar, com o intento de mandar "um recado" para o Estado a que acusam de infligir padecimentos de toda ordem à população das periferias. Mas decerto não lhes faltará vontade para ir além, tomando ou recebendo de bom grado eventuais iniciativas de coordenação das respectivas ações. Agindo cada qual por si ou em parceria, a sua capacidade de conflagrar o Brasil da Copa configura uma ameaça real e presente.
Não vai aí nenhum alarmismo. Black blocs contam que o pessoal do PCC na Penitenciária do Tremembé, no Vale do Paraíba, recebeu da melhor forma dois companheiros para lá levados depois de serem presos numa manifestação. "Colocaram colchões para eles", detalham, agradecidos. "Os 'torres' (líderes, no jargão do PCC) respeitam o que fazemos por causa do nosso idealismo", vangloria-se o veterano black bloc. "Eles fazem por lucro, e a gente, contra o sistema", teoriza o ativista. "Não nos arriscamos por dinheiro, mas para que a mãe deles também seja atendida pelo SUS."
Em nome da redenção das vítimas do Estado a serviço do capitalismo, os anarquistas europeus do século 19 - como aqueles que jogavam bombas nos cafés parisienses aos gritos de "não existem inocentes" - já pregavam uma frente comum com o "lumpemproletariado", como Marx se referia à escória de marginais e marginalizados da sociedade. Faz sentido: se a ordem é dar o troco à violência estatal na mesma moeda, nada deve separar os seus praticantes. "Não existe o errado e o certo", diz um black bloc, para justificar os seus métodos. Emenda outro: "A manifestação não pode ser pacífica, sendo que é resposta à repressão".
Uma greve selvagem, como a dos motoristas de ônibus que infernizaram a vida de milhões de paulistanos dos quais os blocs se dizem defensores, é tão legítima para eles como a depredação de agências bancárias (e bancas de jornais), saques em lojas, queima de veículos e ataques a policiais. A legitimidade de que se consideram portadores teria nascido da convicção de que o protesto pacífico e a mudança por meio da pressão sobre as instituições políticas estão fadados ao fracasso. Se assim fosse, para invocar um exemplo extremo, a ditadura militar teria sido derrubada pelo radicalismo armado - que, aliás, só serviu para prolongá-la - e não pela resistência e mobilização das lideranças civis do País.
O mórbido prazer do exercício do vandalismo e a não menos animadora expectativa de vingança por violências sofridas marcham juntos. Na noite de 13 de junho passado, é oportuno lembrar, a PM desbaratou com brutalidade uma passeata pacífica no centro de São Paulo contra as tarifas de ônibus. Foi o detonador dos movimentos que galvanizaram em seguida o País. Até agora nenhum policial foi punido pelas agressões. Cinco dias depois, a PM se omitiu quando black blocs atacaram a sede da Prefeitura.
Preparando-se para criar "o caos" nas 12 cidades-sede da Copa do Mundo, principalmente naquelas onde as suas ações terão o máximo de visibilidade, os black blocs não disfarçam a sua torcida para terem nas ruas, fazendo o mesmo durante o torneio, os delinquentes profissionais do Primeiro Comando da Capital (PCC). A maior organização criminosa do País, que levou terror e pânico a São Paulo em maio de 2006, ao desencadear uma série de ataques contra as forças de segurança do Estado, controla os presídios paulistas, de onde dá ordens aos seus cúmplices em liberdade.
É de levar a sério a possibilidade dessa união de forças entre a formidável quadrilha e os neoanarquistas cujas máscaras, provocações e, afinal, atos de vandalismo roubaram a cena das manifestações em âmbito nacional de junho do ano passado. A dezena e meia de membros do núcleo do movimento - desconhecidos da polícia, por sinal - que o repórter Lourival Sant'Anna, do Estado, conseguiu localizar e entrevistar, sob anonimato, nega ter se aliado à facção. Mas, como confessa tranquilamente o mais veterano deles, de 34 anos, formado em história pela USP, "não somos contra o PCC". Já é um começo.
A sua fantasia assumida é que os quadrilheiros também aproveitem a Copa para dar, com muito mais meios, logística e experiência do que eles, a sua contribuição para o "estouro" que pretendem provocar, com o intento de mandar "um recado" para o Estado a que acusam de infligir padecimentos de toda ordem à população das periferias. Mas decerto não lhes faltará vontade para ir além, tomando ou recebendo de bom grado eventuais iniciativas de coordenação das respectivas ações. Agindo cada qual por si ou em parceria, a sua capacidade de conflagrar o Brasil da Copa configura uma ameaça real e presente.
Não vai aí nenhum alarmismo. Black blocs contam que o pessoal do PCC na Penitenciária do Tremembé, no Vale do Paraíba, recebeu da melhor forma dois companheiros para lá levados depois de serem presos numa manifestação. "Colocaram colchões para eles", detalham, agradecidos. "Os 'torres' (líderes, no jargão do PCC) respeitam o que fazemos por causa do nosso idealismo", vangloria-se o veterano black bloc. "Eles fazem por lucro, e a gente, contra o sistema", teoriza o ativista. "Não nos arriscamos por dinheiro, mas para que a mãe deles também seja atendida pelo SUS."
Em nome da redenção das vítimas do Estado a serviço do capitalismo, os anarquistas europeus do século 19 - como aqueles que jogavam bombas nos cafés parisienses aos gritos de "não existem inocentes" - já pregavam uma frente comum com o "lumpemproletariado", como Marx se referia à escória de marginais e marginalizados da sociedade. Faz sentido: se a ordem é dar o troco à violência estatal na mesma moeda, nada deve separar os seus praticantes. "Não existe o errado e o certo", diz um black bloc, para justificar os seus métodos. Emenda outro: "A manifestação não pode ser pacífica, sendo que é resposta à repressão".
Uma greve selvagem, como a dos motoristas de ônibus que infernizaram a vida de milhões de paulistanos dos quais os blocs se dizem defensores, é tão legítima para eles como a depredação de agências bancárias (e bancas de jornais), saques em lojas, queima de veículos e ataques a policiais. A legitimidade de que se consideram portadores teria nascido da convicção de que o protesto pacífico e a mudança por meio da pressão sobre as instituições políticas estão fadados ao fracasso. Se assim fosse, para invocar um exemplo extremo, a ditadura militar teria sido derrubada pelo radicalismo armado - que, aliás, só serviu para prolongá-la - e não pela resistência e mobilização das lideranças civis do País.
O mórbido prazer do exercício do vandalismo e a não menos animadora expectativa de vingança por violências sofridas marcham juntos. Na noite de 13 de junho passado, é oportuno lembrar, a PM desbaratou com brutalidade uma passeata pacífica no centro de São Paulo contra as tarifas de ônibus. Foi o detonador dos movimentos que galvanizaram em seguida o País. Até agora nenhum policial foi punido pelas agressões. Cinco dias depois, a PM se omitiu quando black blocs atacaram a sede da Prefeitura.
Ministro reconhece malefícios da inflação - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 03/06
Mantega admite que alta dos alimentos reduziu poder de compra das famílias. Seria um avanço se o Ministério da Fazenda ajudasse o BC a conter alta de preços em geral
Praticamente estagnada no primeiro trimestre, a economia confirma a expectativa negativa dos analistas. O insignificante 0,2% de expansão calculado pelo IBGE para o PIB do período de janeiro a março, em relação ao trimestre anterior, só não foi pior, nos últimos anos, neste período, do que a retração de menos 0,3% verificada em 2011. Firma-se a perspectiva de que a evolução da economia, este ano, ficará entre 1% e 1,5%.
A economia brasileira demonstra padecer de uma transição mal realizada entre uma fase em que o consumo puxou o crescimento e um novo ciclo, no qual o investimento deve cumprir esta função, porém sem consegui-lo.
Também como previsto, chegaria o momento em que se esgotaria a capacidade de consumo das famílias. Mas, como os investimentos não reagem — apesar de toda a injeção de recursos provenientes de endividamento público no BNDES —, o PIB tende a andar de lado. Neste primeiro trimestre, os investimentos chegaram a recuar ainda mais, de 18,2% do PIB para 17,7%. Para se medir o tamanho do problema: estima-se que para a economia manter uma razoável velocidade de crescimento, entre 4% e 5% ao ano, os investimentos tenham de ser de 25% do PIB. Outra face deste mesmo cenário, a poupança ficou em 12,7% do PIB, o patamar mais baixo dos últimos 14 anos.
A baixa temperatura nos investimentos tem se repetido nos últimos meses, e reflete a baixa confiança dos empresários diante do futuro. Depois de uma fase de intervencionismo agudo, o governo Dilma foi obrigado a exercitar alguma flexibilidade em regras para licitações de projetos de infraestrutura. Foram, então, fechados alguns contratos de cessão de rodovias à gestão privada. Mas ainda levará tempo até que estes projetos se reflitam nas estatísticas agregadas de investimentos.
Em linhas gerais, os dados do IBGE sobre o primeiro trimestre da produção não trouxeram maiores novidades. De surpreendente, o reconhecimento público pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, de que a inflação foi uma das causas do mau resultado do PIB trimestral.
Não é costume alguém da escola “desenvolvimentista” reclamar da alta de preços. Pois é parte de sua cartilha estabelecer que mais inflação costuma ser inevitável companhia de um crescimento mais elevado — portanto, um efeito colateral negativo, mas inevitável. Crescimento elevado este que não existe há tempos. Desta vez, o ministro interpretou que a combinação de alta dos preços de alimentos com a escassez de crédito esmagou o poder de consumo da população, com inexorável reflexo no PIB.
Seria um efetivo avanço se o Ministério da Fazenda ajudasse o Banco Central a conter a inflação, originada não apenas nos alimentos, por meio de uma política de gastos mais responsável. Mas, como se está em ano eleitoral, não se pode ser otimista neste campo. Mesmo que o ministro reconheça, enfim, os malefícios da inflação.
Mantega admite que alta dos alimentos reduziu poder de compra das famílias. Seria um avanço se o Ministério da Fazenda ajudasse o BC a conter alta de preços em geral
Praticamente estagnada no primeiro trimestre, a economia confirma a expectativa negativa dos analistas. O insignificante 0,2% de expansão calculado pelo IBGE para o PIB do período de janeiro a março, em relação ao trimestre anterior, só não foi pior, nos últimos anos, neste período, do que a retração de menos 0,3% verificada em 2011. Firma-se a perspectiva de que a evolução da economia, este ano, ficará entre 1% e 1,5%.
A economia brasileira demonstra padecer de uma transição mal realizada entre uma fase em que o consumo puxou o crescimento e um novo ciclo, no qual o investimento deve cumprir esta função, porém sem consegui-lo.
Também como previsto, chegaria o momento em que se esgotaria a capacidade de consumo das famílias. Mas, como os investimentos não reagem — apesar de toda a injeção de recursos provenientes de endividamento público no BNDES —, o PIB tende a andar de lado. Neste primeiro trimestre, os investimentos chegaram a recuar ainda mais, de 18,2% do PIB para 17,7%. Para se medir o tamanho do problema: estima-se que para a economia manter uma razoável velocidade de crescimento, entre 4% e 5% ao ano, os investimentos tenham de ser de 25% do PIB. Outra face deste mesmo cenário, a poupança ficou em 12,7% do PIB, o patamar mais baixo dos últimos 14 anos.
A baixa temperatura nos investimentos tem se repetido nos últimos meses, e reflete a baixa confiança dos empresários diante do futuro. Depois de uma fase de intervencionismo agudo, o governo Dilma foi obrigado a exercitar alguma flexibilidade em regras para licitações de projetos de infraestrutura. Foram, então, fechados alguns contratos de cessão de rodovias à gestão privada. Mas ainda levará tempo até que estes projetos se reflitam nas estatísticas agregadas de investimentos.
Em linhas gerais, os dados do IBGE sobre o primeiro trimestre da produção não trouxeram maiores novidades. De surpreendente, o reconhecimento público pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, de que a inflação foi uma das causas do mau resultado do PIB trimestral.
Não é costume alguém da escola “desenvolvimentista” reclamar da alta de preços. Pois é parte de sua cartilha estabelecer que mais inflação costuma ser inevitável companhia de um crescimento mais elevado — portanto, um efeito colateral negativo, mas inevitável. Crescimento elevado este que não existe há tempos. Desta vez, o ministro interpretou que a combinação de alta dos preços de alimentos com a escassez de crédito esmagou o poder de consumo da população, com inexorável reflexo no PIB.
Seria um efetivo avanço se o Ministério da Fazenda ajudasse o Banco Central a conter a inflação, originada não apenas nos alimentos, por meio de uma política de gastos mais responsável. Mas, como se está em ano eleitoral, não se pode ser otimista neste campo. Mesmo que o ministro reconheça, enfim, os malefícios da inflação.
Mais maquiagem - EDITORIAL FOLHA DE SP
FOLHA DE SP - 03/06
Governo insiste no uso de truques contábeis para fechar as contas; repasses crescentes de dividendos de estatais reforçam o caixa
O governo federal não para de surpreender na área da chamada contabilidade criativa. Em 2013, receitas extraordinárias obtidas com o leilão de um grande campo de petróleo e o refinanciamento de dívidas de empresas foram cruciais para que se cumprissem as metas de economia do Orçamento.
Ou seja, em vez de demonstrar responsabilidade com os gastos públicos, mantendo-os suficientemente abaixo da arrecadação corrente, a administração Dilma Rousseff (PT) preferiu, ou precisou, recorrer a fontes adicionais (e inconstantes) de recursos para fechar as contas em equilíbrio.
Neste ano, esse tipo de expediente continua a ser utilizado. Os truques da vez incluem avançar nos dividendos de estatais e adiar despesas em tese obrigatórias.
Em abril, registrou-se superavit primário (saldo das receitas e despesas antes do pagamento de juros) de R$ 16,6 bilhões; no acumulado dos primeiros quatro meses, são R$ 29,7 bilhões, o equivalente a 36,7% da meta do ano.
Na superfície, o resultado é sem dúvida elogiável. Ocorre que ele se deve em boa parte ao recolhimento frenético de dividendos, que atingiram R$ 8,2 bilhões no período --no ano passado, na mesma época, não passavam de R$ 1 bilhão.
Há, além disso, um represamento insustentável de algumas despesas. O cronograma de pagamento de precatórios, por exemplo, foi alterado. Ao final do ano, calcula-se que a rubrica consuma R$ 18,5 bilhões; se tomados os primeiros quatro meses, contudo, o desembolso não passou de R$ 3,3 bilhões, o menor desde 2010 para o período.
Tudo somado, nada menos que R$ 11,9 bilhões (40% do saldo) decorreram de eventos pouco ligados às boas práticas administrativas.
O governo não deixa de ter razão quando afirma ser natural receber dividendos das empresas das quais é sócio. A questão, todavia, diz respeito aos montantes envolvidos.
Nos primeiros três anos da gestão Dilma, 37,9% dos lucros das cinco principais estatais foram repassados ao Tesouro, muito acima do mínimo de 25% determinado por lei. Excluída a Eletrobras, que teve prejuízo nos últimos dois anos, a média chega a 49%.
Para o Tribunal de Contas da União, os altos repasses ao Tesouro podem comprometer a saúde financeira das empresas --os recursos poderiam ser investidos em suas próprias atividades.
A prática não põe em risco apenas as estatais. Medidas como subterfúgios contábeis, uso de receitas atípicas e represamento oportunista de gastos até podem ajudar a fechar as contas, mas prejudicam a já combalida credibilidade do país --um preço que nenhum governo deveria aceitar pagar.
Governo insiste no uso de truques contábeis para fechar as contas; repasses crescentes de dividendos de estatais reforçam o caixa
O governo federal não para de surpreender na área da chamada contabilidade criativa. Em 2013, receitas extraordinárias obtidas com o leilão de um grande campo de petróleo e o refinanciamento de dívidas de empresas foram cruciais para que se cumprissem as metas de economia do Orçamento.
Ou seja, em vez de demonstrar responsabilidade com os gastos públicos, mantendo-os suficientemente abaixo da arrecadação corrente, a administração Dilma Rousseff (PT) preferiu, ou precisou, recorrer a fontes adicionais (e inconstantes) de recursos para fechar as contas em equilíbrio.
Neste ano, esse tipo de expediente continua a ser utilizado. Os truques da vez incluem avançar nos dividendos de estatais e adiar despesas em tese obrigatórias.
Em abril, registrou-se superavit primário (saldo das receitas e despesas antes do pagamento de juros) de R$ 16,6 bilhões; no acumulado dos primeiros quatro meses, são R$ 29,7 bilhões, o equivalente a 36,7% da meta do ano.
Na superfície, o resultado é sem dúvida elogiável. Ocorre que ele se deve em boa parte ao recolhimento frenético de dividendos, que atingiram R$ 8,2 bilhões no período --no ano passado, na mesma época, não passavam de R$ 1 bilhão.
Há, além disso, um represamento insustentável de algumas despesas. O cronograma de pagamento de precatórios, por exemplo, foi alterado. Ao final do ano, calcula-se que a rubrica consuma R$ 18,5 bilhões; se tomados os primeiros quatro meses, contudo, o desembolso não passou de R$ 3,3 bilhões, o menor desde 2010 para o período.
Tudo somado, nada menos que R$ 11,9 bilhões (40% do saldo) decorreram de eventos pouco ligados às boas práticas administrativas.
O governo não deixa de ter razão quando afirma ser natural receber dividendos das empresas das quais é sócio. A questão, todavia, diz respeito aos montantes envolvidos.
Nos primeiros três anos da gestão Dilma, 37,9% dos lucros das cinco principais estatais foram repassados ao Tesouro, muito acima do mínimo de 25% determinado por lei. Excluída a Eletrobras, que teve prejuízo nos últimos dois anos, a média chega a 49%.
Para o Tribunal de Contas da União, os altos repasses ao Tesouro podem comprometer a saúde financeira das empresas --os recursos poderiam ser investidos em suas próprias atividades.
A prática não põe em risco apenas as estatais. Medidas como subterfúgios contábeis, uso de receitas atípicas e represamento oportunista de gastos até podem ajudar a fechar as contas, mas prejudicam a já combalida credibilidade do país --um preço que nenhum governo deveria aceitar pagar.