O GLOBO - 29/05
Não há como não se lembrar de Ronald Reagan: o governo não é a solução, é o problema
Não existe produção de prótese ortopédica no Brasil. Pode-se importar, mas é caro. Uma prótese de membro inferior, por exemplo, sai por uns R$ 4 mil, boa parte disso em impostos. Uma enorme dificuldade, cuja solução já existe. Dois jovens brasileiros, Lucas Strasburg e Eduardo Trierweileir, de Novo Hamburgo (RS), inventaram o Revo Foot, prótese de perna e pé, feita de plástico reciclado, invento premiado em feira mundial, e que deve custar em torno de R$ 200, antes dos impostos, claro. Mas não conseguiram ir além do protótipo: não há no Brasil um sistema de certificação para permitir a produção comercial.
Voemos do Sul para o município de Ibimirim (PE), mais exatamente para o Sítio Frutuoso, onde o agricultor José Gabriel Bezerra tem uma próspera lavoura de milho, melancia e feijão, num ambiente de seca e perdas. A propriedade é irrigada. Sabem como? Um poço que ele construiu com seu próprio dinheiro, cansado de esperar pelas prometidas obras públicas.
A primeira história apareceu no programa do “Jornal da CBN” “Young Professional”, em entrevista a Milton Jung. A segunda veio numa extraordinária reportagem de Letícia Lins e Cleide Carvalho, no GLOBO do último dia 18.
Os jovens gaúchos desenvolvem sua ideia há mais de seis anos, com objetivos claramente sociais: produzir algo nacional, bom e barato Era inicialmente um trabalho de fim de curso, da Escola Técnica Liberato, pública. E uma ousadia: trocar fibra de carbono por plástico reciclado? Parecia piada. Pois chegaram a uma prótese testada e retestada em diversos laboratórios universitários e privados. Experimentaram em um parente — prótese do pé esquerdo — que está muito satisfeito. Batizaram de Revo Foot e tiraram o segundo lugar num concurso do Massachussets Institute Of Technology para inovadores globais com menos de 35 anos.
Toca produzir a coisa no Brasil, claro. Não pode. Precisa certificar. OK, como faz? Não faz. Os órgãos públicos não têm normas, muito menos máquinas para testar essas próteses. Sabem o que Lucas e Eduardo resolveram fazer? Estão tentando produzir a primeira máquina brasileira de certificação de próteses, junto com normas e demais mecanismos.
É louvável a garra dos rapazes, mas está na cara que essa não é mais função deles. É do governo, do setor publico. Devia ser…
A história do agricultor de Ibimirim tem o mesmo conteúdo. Ele tocava lá seu sítio, sempre batalhando com a falta de água. Ouviu muitas promessas e anúncios de instalação de poços e cisternas. Como mostra a reportagem do GLOBO, até que muitos poços foram perfurados. Mas falta a energia elétrica para bombear a água. No outro, falta a canalização para distribuir. Mais adiante, a população local não pode utilizar a água, pois é levada para áreas mais populosas.
Sabe de uma coisa? — pensou José Gabriel Bezerra. “A gente tem de resolver.” Mudou-se para São Paulo, arrumou emprego na construção civil, juntou R$ 30 mil, voltou para Ibimirim e aplicou tudo num poço de 150 metros. Resolvido.
Mas, cuidado. O governo finalmente construiu ali na região cinco adutoras profundas. O agricultor tem medo que essas puxem a água do seu poço. Era só o que faltava. Frase exemplar de Bezerra: “Gastei tudo o que tinha para não depender do governo. Mas tenho medo que, com as adutoras, a água da gente acabe.”
Não há como não se lembrar de Ronald Reagan: o governo não é a solução, é o problema.
E o problema maior é que não dá para se livrar do governo. A esquerda costuma acusar os liberais de querer destruir o Estado. Mesmo, porém, que sonhem com isso, os liberais sabem que o Estado e seus impostos são inevitáveis.
Vai daí, eis uma agenda bem brasileira, adequada para um ano de eleições presidenciais. O Brasil só vai voltar a crescer com mais investimentos privados e públicos.
Para que floresçam os privados, é preciso que o governo, primeiro, não atrapalhe as iniciativas de gente como os jovens de Novo Hamburgo. E, segundo, dar o necessário suporte a negócios como o do agricultor do sertão.
Primeiro ponto, portanto, é abrir espaço e criar boas condições para o investimento privado. Isso requer ação política, mudança de legislação, incluindo privatizações.
O segundo ponto é dar eficiência e produtividade às ações do Estado. E foco em educação, saúde e segurança.
Para o resto, é melhor fazer a concessão de obras e serviços para o investidor privado. Quando isso não for possível, o governo deve trabalhar com os parâmetros de produtividade do setor privado.
Tem muito lugar em que é assim, inclusive no Brasil, como a boa escola técnica Liberato.
quinta-feira, maio 29, 2014
Surto agudo de mau humor - VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 29/05
Desânimo extra com a economia em maio era inédito desde a crise de 2008. É para tanto?
HÁ UMA CRISE de confiança aguda na economia desde abril, sentimento ruim que, acabamos de saber, piorou em maio numa intensidade inédita desde 2008, quando a economia mundial parecia desmoronar devido à implosão da finança americana.
Trata-se de um exagero temporário devido a tumultos nas ruas, greves, protestos, tensão pré-campanha eleitoral? Trata-se de uma reação mais fundamentada aos sinais concretos de esfriamento da economia, porém nem assim tão intensos?
O desânimo de consumidores e empresários da indústria e dos serviços assemelha-se ao do ano recessivo de 2009. No caso de construção e comércio, o ânimo é um dos menores desde os anos de início dessas estatísticas, em 2010 ou 2011.
A sensação é captada pelas pesquisas da FGV ou das entidades empresariais.
A tendência de baixa da confiança é quase contínua desde meados de 2012, declínio regular com exceção da piora extraordinária que ocorreu com os protestos de junho de 2013 e a disparada do dólar de julho-agosto daquele ano.
Temos vivido outro surto entre abril e maio deste 2014.
No que diz respeito a fatos da economia, a novidade recente é que a frente fria começou a chegar ao mercado de trabalho, ao menos nas metrópoles, onde a população empregada parou de crescer faz uns seis meses e o total dos salários pagos estagnou em março, abril.
No mais, o clima era ainda de piora ou desmelhora gradual: crédito desacelerando, juros altos, inflação resistente, vendas de varejo crescendo menos, produção industrial no nível de 2008, com altas e baixas que se anulam. Há notícias pontuais preocupantes, como as férias coletivas em montadoras de veículos e, agora, em grandes produtores de eletrodomésticos, como a Whirlpool.
No curtíssimo prazo, a perspectiva de interrupções e empecilhos à produção e vendas devidas a protestos, tumultos e feriados da Copa pode estar minando a confiança de parte do empresariado nos negócios até julho, pelo menos. As notícias recentes de estagnação no emprego não devem suscitar decerto expectativas de vendas maiores.
Deve estar ficando mais intenso o sentimento de que 2015 deve ser muito fraco, ao menos muito obscuro, devido à eleição. Mesmo na ausência de "medidas impopulares" (ajuste econômico recessivo), no mínimo o efeito dos juros altos e da penúria do governo, entre tantos outros problemas, permite prognosticar um ano novo não muito diferente deste 2014, que parece precocemente envelhecido.
Isto posto, ainda não conhecemos com precisão o desempenho da economia nem no primeiro trimestre. O resultado do PIB sai apenas amanhã, de resto com mudanças na metodologia de cálculo.
Observadores ponderados esperam um desempenho pior que o do trimestre final de 2014. Esses economistas, de grandes bancos e consultorias, vinham estimando um crescimento em torno de 1,5% para o ano. Se o resultado do PIB confirmar as análises baseadas nos dados parciais, vão começar a revisão de suas estimativas para o ano na direção de crescimento de 1%. Ou seja, de crescimento quase zero da produção, do PIB, per capita.
Melhor que estejamos errados, na desconfiança e nas estimativas.
Desânimo extra com a economia em maio era inédito desde a crise de 2008. É para tanto?
HÁ UMA CRISE de confiança aguda na economia desde abril, sentimento ruim que, acabamos de saber, piorou em maio numa intensidade inédita desde 2008, quando a economia mundial parecia desmoronar devido à implosão da finança americana.
Trata-se de um exagero temporário devido a tumultos nas ruas, greves, protestos, tensão pré-campanha eleitoral? Trata-se de uma reação mais fundamentada aos sinais concretos de esfriamento da economia, porém nem assim tão intensos?
O desânimo de consumidores e empresários da indústria e dos serviços assemelha-se ao do ano recessivo de 2009. No caso de construção e comércio, o ânimo é um dos menores desde os anos de início dessas estatísticas, em 2010 ou 2011.
A sensação é captada pelas pesquisas da FGV ou das entidades empresariais.
A tendência de baixa da confiança é quase contínua desde meados de 2012, declínio regular com exceção da piora extraordinária que ocorreu com os protestos de junho de 2013 e a disparada do dólar de julho-agosto daquele ano.
Temos vivido outro surto entre abril e maio deste 2014.
No que diz respeito a fatos da economia, a novidade recente é que a frente fria começou a chegar ao mercado de trabalho, ao menos nas metrópoles, onde a população empregada parou de crescer faz uns seis meses e o total dos salários pagos estagnou em março, abril.
No mais, o clima era ainda de piora ou desmelhora gradual: crédito desacelerando, juros altos, inflação resistente, vendas de varejo crescendo menos, produção industrial no nível de 2008, com altas e baixas que se anulam. Há notícias pontuais preocupantes, como as férias coletivas em montadoras de veículos e, agora, em grandes produtores de eletrodomésticos, como a Whirlpool.
No curtíssimo prazo, a perspectiva de interrupções e empecilhos à produção e vendas devidas a protestos, tumultos e feriados da Copa pode estar minando a confiança de parte do empresariado nos negócios até julho, pelo menos. As notícias recentes de estagnação no emprego não devem suscitar decerto expectativas de vendas maiores.
Deve estar ficando mais intenso o sentimento de que 2015 deve ser muito fraco, ao menos muito obscuro, devido à eleição. Mesmo na ausência de "medidas impopulares" (ajuste econômico recessivo), no mínimo o efeito dos juros altos e da penúria do governo, entre tantos outros problemas, permite prognosticar um ano novo não muito diferente deste 2014, que parece precocemente envelhecido.
Isto posto, ainda não conhecemos com precisão o desempenho da economia nem no primeiro trimestre. O resultado do PIB sai apenas amanhã, de resto com mudanças na metodologia de cálculo.
Observadores ponderados esperam um desempenho pior que o do trimestre final de 2014. Esses economistas, de grandes bancos e consultorias, vinham estimando um crescimento em torno de 1,5% para o ano. Se o resultado do PIB confirmar as análises baseadas nos dados parciais, vão começar a revisão de suas estimativas para o ano na direção de crescimento de 1%. Ou seja, de crescimento quase zero da produção, do PIB, per capita.
Melhor que estejamos errados, na desconfiança e nas estimativas.
A dimensão econômica das decisões judiciais - JOSÉ PASTORE
CORREIO BRAZILIENSE - 29/05
O Brasil tem uma situação peculiar. As leis trabalhistas descem a minúcias para regular o que nos países avançados é assegurado em contratos negociados, como é o caso do valor da hora extra e da hora noturna, as formas de gozar férias, licenças e afastamentos, o uso de horários de descanso e tantos outros detalhes.
Não bastasse o detalhismo das leis, há uma enormidade de decisões jurisprudenciais que detalham ainda mais a realidade do trabalho. Esse é o caso das inúmeras súmulas que vêm sendo aprovadas pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Importante estudo acaba de ser lançado pelos economistas André Portela Souza e Eduardo Zylberstajn, ambos da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, analisando as consequências econômicas das últimas súmulas editadas por aquela Corte ("A dimensão econômica das decisões judiciais", São Paulo: Fecomercio, 2014).
O estudo tomou como ponto de partida a análise de três decisões do TST. A saber, a redação da Orientação Jurisprudencial nº 372, referente ao intervalo intrajornada, atual Súmula nº 449; a Súmula nº 366, que fixa a tolerância máxima para marcação do ponto, após o que é contada hora extra; e a Súmula nº 244, relativa à licença maternidade de funcionárias contratadas por prazo determinado.
A Orientação Jurisprudencial 372, atual Súmula 449, em síntese, proíbe que empregados e empregadores façam acordos para reduzir o intervalo de refeições, mesmo quando negociados e aprovados pelos sindicatos das partes. A Súmula 366 considera hora extra todo segundo que ultrapassar o limite máximo de 10 minutos para a movimentação dos empregados na empresa, contando entradas e saídas. Finalmente, a Súmula 244 diz que mesmo quando contratada por prazo determinado, a funcionária gestante tem direito ao período completo de afastamento para gravidez e amamentação.
Os autores do estudo fazem importante pergunta: será que empregados e empregadores têm interesse em conviver com a rigidez imposta pelas súmulas? Será que elas são os expedientes que melhor atendem suas necessidades? Será que eles não prefeririam negociar seus direitos nesses casos?
Para responder a tais questões, o estudo procurou precificar as consequências das súmulas, mesmo reconhecendo que as decisões judiciais vão além dos seus impactos econômicos, e têm importante papel na garantia das proteções individuais e coletivas.
Com base em simulações baseadas na referida precificação, fica claro que, em muitos casos, as partes preferem a negociação em lugar da imposição. Isso ocorre, por exemplo, quando empregados e empregadores negociam a redução do horário do almoço de 60 para 30 minutos, para saírem mais cedo no fim do dia ou para não trabalhar aos sábados. Com essa redução, as empresas buscam economizar energia, administração, logística etc. Ao proibir esse tipo de negociação, a Orientação Jurisprudencial 342 frustra as duas partes.
O mesmo ocorre para a fixação rígida de horário de tolerância na marcação de pontos. A exagerada rigidez leva muitas empresas a exigir a retirada imediata dos empregados do local de trabalho no exato encerramento do expediente, privando-os de ficarem na empresa para estudar e se prepararem para as aulas do horário noturno, inclusive com o uso de computadores a eles franqueados.
Nesse caso, o maior perdedor é o empregado que o TST busca proteger. Outra perda para o lado do trabalhador ocorre na extensão da licença maternidade a todo tipo de contratação, pois muitas mulheres poderão ser substituídas por homens em trabalhos temporários, especialmente no comércio e nas datas festivas.
Em todos os casos examinados, verifica-se um jogo do perde-perde e não do ganha-ganha. Empregados e empregadores se ressentem da restrição à sua liberdade imposta por expedientes aprovados pelos tribunais que, na prática, funcionam como leis.
Mas súmula não é lei, pois não é discutida e aprovada pelo Poder Legislativo. Ao contrário, é uma deliberação isolada dos ministros do TST, da qual as partes não participam - nem sequer são ouvidas. A despeito disso, as súmulas se tornam ainda mais fortes do que as próprias leis. Sim, porque toda lei pode ser questionada no Judiciário quanto à sua legalidade ou constitucionalidade.
No caso das súmulas, o Supremo tribunal Federal ainda não se posicionou sobre a possibilidade de analisar sua constitucionalidade, por não ser ato concebido e aprovado pelo Poder Legislativo. Assim, até que haja uma definição, elas ganham vida própria, presidem decisões importantes, geram custos elevados e ficam imunes a questionamentos. Isso precisa mudar. Está na hora de se buscar um outro método para se elaborar súmulas e orientações jurisprudenciais.
Não bastasse o detalhismo das leis, há uma enormidade de decisões jurisprudenciais que detalham ainda mais a realidade do trabalho. Esse é o caso das inúmeras súmulas que vêm sendo aprovadas pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Importante estudo acaba de ser lançado pelos economistas André Portela Souza e Eduardo Zylberstajn, ambos da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, analisando as consequências econômicas das últimas súmulas editadas por aquela Corte ("A dimensão econômica das decisões judiciais", São Paulo: Fecomercio, 2014).
O estudo tomou como ponto de partida a análise de três decisões do TST. A saber, a redação da Orientação Jurisprudencial nº 372, referente ao intervalo intrajornada, atual Súmula nº 449; a Súmula nº 366, que fixa a tolerância máxima para marcação do ponto, após o que é contada hora extra; e a Súmula nº 244, relativa à licença maternidade de funcionárias contratadas por prazo determinado.
A Orientação Jurisprudencial 372, atual Súmula 449, em síntese, proíbe que empregados e empregadores façam acordos para reduzir o intervalo de refeições, mesmo quando negociados e aprovados pelos sindicatos das partes. A Súmula 366 considera hora extra todo segundo que ultrapassar o limite máximo de 10 minutos para a movimentação dos empregados na empresa, contando entradas e saídas. Finalmente, a Súmula 244 diz que mesmo quando contratada por prazo determinado, a funcionária gestante tem direito ao período completo de afastamento para gravidez e amamentação.
Os autores do estudo fazem importante pergunta: será que empregados e empregadores têm interesse em conviver com a rigidez imposta pelas súmulas? Será que elas são os expedientes que melhor atendem suas necessidades? Será que eles não prefeririam negociar seus direitos nesses casos?
Para responder a tais questões, o estudo procurou precificar as consequências das súmulas, mesmo reconhecendo que as decisões judiciais vão além dos seus impactos econômicos, e têm importante papel na garantia das proteções individuais e coletivas.
Com base em simulações baseadas na referida precificação, fica claro que, em muitos casos, as partes preferem a negociação em lugar da imposição. Isso ocorre, por exemplo, quando empregados e empregadores negociam a redução do horário do almoço de 60 para 30 minutos, para saírem mais cedo no fim do dia ou para não trabalhar aos sábados. Com essa redução, as empresas buscam economizar energia, administração, logística etc. Ao proibir esse tipo de negociação, a Orientação Jurisprudencial 342 frustra as duas partes.
O mesmo ocorre para a fixação rígida de horário de tolerância na marcação de pontos. A exagerada rigidez leva muitas empresas a exigir a retirada imediata dos empregados do local de trabalho no exato encerramento do expediente, privando-os de ficarem na empresa para estudar e se prepararem para as aulas do horário noturno, inclusive com o uso de computadores a eles franqueados.
Nesse caso, o maior perdedor é o empregado que o TST busca proteger. Outra perda para o lado do trabalhador ocorre na extensão da licença maternidade a todo tipo de contratação, pois muitas mulheres poderão ser substituídas por homens em trabalhos temporários, especialmente no comércio e nas datas festivas.
Em todos os casos examinados, verifica-se um jogo do perde-perde e não do ganha-ganha. Empregados e empregadores se ressentem da restrição à sua liberdade imposta por expedientes aprovados pelos tribunais que, na prática, funcionam como leis.
Mas súmula não é lei, pois não é discutida e aprovada pelo Poder Legislativo. Ao contrário, é uma deliberação isolada dos ministros do TST, da qual as partes não participam - nem sequer são ouvidas. A despeito disso, as súmulas se tornam ainda mais fortes do que as próprias leis. Sim, porque toda lei pode ser questionada no Judiciário quanto à sua legalidade ou constitucionalidade.
No caso das súmulas, o Supremo tribunal Federal ainda não se posicionou sobre a possibilidade de analisar sua constitucionalidade, por não ser ato concebido e aprovado pelo Poder Legislativo. Assim, até que haja uma definição, elas ganham vida própria, presidem decisões importantes, geram custos elevados e ficam imunes a questionamentos. Isso precisa mudar. Está na hora de se buscar um outro método para se elaborar súmulas e orientações jurisprudenciais.
Por que só agora? - CELSO MING
O Estado de S.Paulo - 29/05
A presidente Dilma autorizou ontem o aumento da participação de biodiesel na mistura com o óleo diesel, utilizada tanto nos motores dos caminhões, como em boa parte das termoelétricas.
A partir de 1.º de junho essa participação irá de 5% para 6%; e, a partir de 1.º de novembro, de 6% para 7%. O anúncio foi feito como se tratasse de uma decisão de excelência técnica que só trará benefícios: diversificará a matriz energética, reduzirá o consumo de derivados de petróleo, cria mais um mercado cativo para o setor da soja e melhora as condições operacionais da agricultura familiar.
Se é tudo isso - e, de fato é -, por que então esse aumento da adição do biodiesel não foi providenciado antes, uma vez que há anos o setor enfrenta forte capacidade ociosa?
O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, calcula que deixará de ser importado 1,2 bilhão de litros de óleo diesel por ano, o equivalente a uma despesa de US$ 1 bilhão, a preços de hoje, não incluídas aí as despesas com frete e seguros. Lobão também lembrou que mais biodiesel na mistura contribui para a redução de emissões de gás carbônico na atmosfera. Se é assim, por que o governo não reconheceu esses benefícios mais cedo, quando poderia ter reduzido ainda mais as importações de óleo diesel e ter contribuído também mais para preservar o meio ambiente?
Mais interessado, no momento, em quebrar a resistência e a irrigação do agronegócio, que vem tratando a presidente Dilma com vaias e protestos explícitos ou difusos, o governo desconsiderou de repente dois argumentos a que vinha se agarrando para negar esse aumento da participação do biodiesel no coquetel com o óleo diesel: o primeiro deles, o de que encareceria demais os combustíveis, e o segundo, o de que os preços da mistura final ficariam mais vulneráveis aos vaivéns das cotações internacionais da soja, especialmente em períodos sujeitos a drásticas oscilações climáticas.
Ontem, a presidente Dilma preferiu dizer que o impacto da nova mistura sobre a inflação "é insignificante". Se, ao contrário do que vinha sustentando o ministro da Fazenda, Guido Mantega, "é insignificante", especialmente diante dos demais benefícios proporcionados, por que - outra vez - essa autorização veio só agora?
No que diz respeito à vulnerabilidade das cotações da soja a períodos de seca dos grandes produtores mundiais, como Estados Unidos, Brasil e Argentina, ninguém chegou a levá-la em consideração.
Curiosamente, os mesmos argumentos usados pelo governo Dilma para justificar esse aumento de biodiesel na mistura com o diesel impõem-se na defesa das vantagens de outro biocombustível, o etanol. E, no entanto, ao obrigar a Petrobrás a pagar parte da conta do consumidor de gasolina, além de avançar sobre o caixa da Petrobrás, a política do governo prostrou o setor do etanol, sem acenar até agora com nenhuma perspectiva de redenção.
A presidente Dilma autorizou ontem o aumento da participação de biodiesel na mistura com o óleo diesel, utilizada tanto nos motores dos caminhões, como em boa parte das termoelétricas.
A partir de 1.º de junho essa participação irá de 5% para 6%; e, a partir de 1.º de novembro, de 6% para 7%. O anúncio foi feito como se tratasse de uma decisão de excelência técnica que só trará benefícios: diversificará a matriz energética, reduzirá o consumo de derivados de petróleo, cria mais um mercado cativo para o setor da soja e melhora as condições operacionais da agricultura familiar.
Se é tudo isso - e, de fato é -, por que então esse aumento da adição do biodiesel não foi providenciado antes, uma vez que há anos o setor enfrenta forte capacidade ociosa?
O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, calcula que deixará de ser importado 1,2 bilhão de litros de óleo diesel por ano, o equivalente a uma despesa de US$ 1 bilhão, a preços de hoje, não incluídas aí as despesas com frete e seguros. Lobão também lembrou que mais biodiesel na mistura contribui para a redução de emissões de gás carbônico na atmosfera. Se é assim, por que o governo não reconheceu esses benefícios mais cedo, quando poderia ter reduzido ainda mais as importações de óleo diesel e ter contribuído também mais para preservar o meio ambiente?
Mais interessado, no momento, em quebrar a resistência e a irrigação do agronegócio, que vem tratando a presidente Dilma com vaias e protestos explícitos ou difusos, o governo desconsiderou de repente dois argumentos a que vinha se agarrando para negar esse aumento da participação do biodiesel no coquetel com o óleo diesel: o primeiro deles, o de que encareceria demais os combustíveis, e o segundo, o de que os preços da mistura final ficariam mais vulneráveis aos vaivéns das cotações internacionais da soja, especialmente em períodos sujeitos a drásticas oscilações climáticas.
Ontem, a presidente Dilma preferiu dizer que o impacto da nova mistura sobre a inflação "é insignificante". Se, ao contrário do que vinha sustentando o ministro da Fazenda, Guido Mantega, "é insignificante", especialmente diante dos demais benefícios proporcionados, por que - outra vez - essa autorização veio só agora?
No que diz respeito à vulnerabilidade das cotações da soja a períodos de seca dos grandes produtores mundiais, como Estados Unidos, Brasil e Argentina, ninguém chegou a levá-la em consideração.
Curiosamente, os mesmos argumentos usados pelo governo Dilma para justificar esse aumento de biodiesel na mistura com o diesel impõem-se na defesa das vantagens de outro biocombustível, o etanol. E, no entanto, ao obrigar a Petrobrás a pagar parte da conta do consumidor de gasolina, além de avançar sobre o caixa da Petrobrás, a política do governo prostrou o setor do etanol, sem acenar até agora com nenhuma perspectiva de redenção.
Na direção certa - MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 29/05
A decisão do governo de tornar permanente a desoneração da folha salarial não é a solução perfeita, cria distorções e déficits, mas é um passo na direção de mudar um problema ainda maior na economia. O sistema tradicional de recolhimento patronal ao INSS pune quem emprega mais e quem paga mais aos seus funcionários. A desoneração agrava, no entanto, o rombo na Previdência.
Opercentual sobre a folha que as empresas recolhem à Previdência cria vários desequilíbrios. Setores capital intensivo pagam pouco e setores que naturalmente têm que ter um grande número de funcionários têm um custo pesado demais. Isso incentiva a falsa terceirização, e o registro de salários mais baixos do que os efetivamente pagos, ou seja, o famoso pagamento “por fora”, principalmente nas médias empresas.
Outro mérito da medida do governo é não ficar restrito à indústria, que é o endereço da maioria dos benefícios fiscais setoriais dos últimos anos. Empresas de serviços, construção civil e comércio também estão entre as beneficiadas pela mudança que o governo agora torna permanente.
O problema continua sendo a assimetria de tratamento. Nem todos os setores que se beneficiariam entraram na medida. O ministro Guido Mantega disse que entrarão no ano que vem. Estranha declaração para um ministro de um governo que termina em dezembro de 2014. Tomara que seja apenas um escorregão e não mais uma das várias peças de campanha eleitoral em que se transformam todos os atos de governo ultimamente.
A Previdência é outro e grave problema a resolver para que a medida seja sustentável. O que foi feito até agora reduz a arrecadação em R$ 21 bilhões e o sistema de aposentadorias já é deficitário. O rombo tende a ser cada vez maior por razões demográficas. O governo até agora nada fez para construir um equilíbrio nas contas das várias previdências. O que já estava vermelho, mais vermelho ficará, porque se as empresas reduzirão o que recolhem, o governo, obviamente, terá menor arrecadação.
A questão é que em um mundo em que o emprego é sempre escasso seria contraditório manter o mesmo sistema que sempre onerou as empresas mais empregadoras. No mundo inteiro, o grande desafio das economias em um tempo de automatização, robotização e exigência de trabalhador qualificado é exatamente a aberturas de vagas no mercado de trabalho. É nesse ponto que a política adotada agora acerta.
O problema é a subestimação do enorme problema da Previdência. O ministro Guido Mantega disse que já há previsão para cobertura desse gasto, como se ele fosse apenas em um ano e não tivesse o enorme risco de continuar crescendo.
É preciso agora olhar profundamente as assimetrias dentro do mundo empresarial criadas pela concessão a apenas alguns setores. É preciso também reconhecer otamanhodoriscoprevidenciárioqueoBrasiltem.Do contrário, a solução a ser inventada pelo governo — na hipótese ou não da reeleição da presidente Dilma — será a de criar mais um imposto para cobrir o déficit da Previdência. Tudo terá ido por água abaixo se for assim.
O ideal seria fazer a sempre adiada reforma tributária e novas mudanças no sistema previdenciário. Todos sabem disso, inclusive os atuais comandantes dos ministérios, mas em época eleitoral ninguém quer dar má notícia ao eleitorado. Há ajustes a serem feitos e eles têm sido adiado por tempo demais.
O mérito da desoneração é não ser mais uma daquelas medidas apenas para a indústria automobilística que o governo chama de política industrial. Não resolve o peso excessivo sobre a folha de salários das empresas e precisa ser aperfeiçoada, mas é um passo na direção certa.
A decisão do governo de tornar permanente a desoneração da folha salarial não é a solução perfeita, cria distorções e déficits, mas é um passo na direção de mudar um problema ainda maior na economia. O sistema tradicional de recolhimento patronal ao INSS pune quem emprega mais e quem paga mais aos seus funcionários. A desoneração agrava, no entanto, o rombo na Previdência.
Opercentual sobre a folha que as empresas recolhem à Previdência cria vários desequilíbrios. Setores capital intensivo pagam pouco e setores que naturalmente têm que ter um grande número de funcionários têm um custo pesado demais. Isso incentiva a falsa terceirização, e o registro de salários mais baixos do que os efetivamente pagos, ou seja, o famoso pagamento “por fora”, principalmente nas médias empresas.
Outro mérito da medida do governo é não ficar restrito à indústria, que é o endereço da maioria dos benefícios fiscais setoriais dos últimos anos. Empresas de serviços, construção civil e comércio também estão entre as beneficiadas pela mudança que o governo agora torna permanente.
O problema continua sendo a assimetria de tratamento. Nem todos os setores que se beneficiariam entraram na medida. O ministro Guido Mantega disse que entrarão no ano que vem. Estranha declaração para um ministro de um governo que termina em dezembro de 2014. Tomara que seja apenas um escorregão e não mais uma das várias peças de campanha eleitoral em que se transformam todos os atos de governo ultimamente.
A Previdência é outro e grave problema a resolver para que a medida seja sustentável. O que foi feito até agora reduz a arrecadação em R$ 21 bilhões e o sistema de aposentadorias já é deficitário. O rombo tende a ser cada vez maior por razões demográficas. O governo até agora nada fez para construir um equilíbrio nas contas das várias previdências. O que já estava vermelho, mais vermelho ficará, porque se as empresas reduzirão o que recolhem, o governo, obviamente, terá menor arrecadação.
A questão é que em um mundo em que o emprego é sempre escasso seria contraditório manter o mesmo sistema que sempre onerou as empresas mais empregadoras. No mundo inteiro, o grande desafio das economias em um tempo de automatização, robotização e exigência de trabalhador qualificado é exatamente a aberturas de vagas no mercado de trabalho. É nesse ponto que a política adotada agora acerta.
O problema é a subestimação do enorme problema da Previdência. O ministro Guido Mantega disse que já há previsão para cobertura desse gasto, como se ele fosse apenas em um ano e não tivesse o enorme risco de continuar crescendo.
É preciso agora olhar profundamente as assimetrias dentro do mundo empresarial criadas pela concessão a apenas alguns setores. É preciso também reconhecer otamanhodoriscoprevidenciárioqueoBrasiltem.Do contrário, a solução a ser inventada pelo governo — na hipótese ou não da reeleição da presidente Dilma — será a de criar mais um imposto para cobrir o déficit da Previdência. Tudo terá ido por água abaixo se for assim.
O ideal seria fazer a sempre adiada reforma tributária e novas mudanças no sistema previdenciário. Todos sabem disso, inclusive os atuais comandantes dos ministérios, mas em época eleitoral ninguém quer dar má notícia ao eleitorado. Há ajustes a serem feitos e eles têm sido adiado por tempo demais.
O mérito da desoneração é não ser mais uma daquelas medidas apenas para a indústria automobilística que o governo chama de política industrial. Não resolve o peso excessivo sobre a folha de salários das empresas e precisa ser aperfeiçoada, mas é um passo na direção certa.
Fragilidade das regras - RODOLFO COELHO PRATES
GAZETA DO POVO - PR - 29/05
Quando vamos à feira ou ao supermercado, por exemplo, é recorrente nos defrontarmos com preços diferentes daqueles que encontramos então da última vez. O sobe e desce dos preços significa que as leis da oferta e da demanda estão em pleno funcionamento. E isso é natural, pois advém das condições de produção e de consumo. Nesse caso, não há muitas medidas a serem tomadas, a não ser o consumidor substituir o bem mais caro por um bem mais barato.
Essas variações tão frequentes nos preços não se relacionam em nada com a inflação, é um processo normal de alteração dos preços relativos da economia. Por sua vez, a inflação é o aumento generalizado e contínuo de todos os preços dos produtos de uma economia. Num ambiente de inflação, como dos anos 1980 e parte dos anos 1990, ir à feira ou ao supermercado implica encontrar necessariamente preços superiores ao encontrados na última vez. E a substituição por produtos mais baratos não resolve, pois todos estão mais caros. É o governo, por meio da autoridade monetária, que deve adotar medidas econômicas para controlar a inflação.
Saindo do âmbito puramente econômico, podemos perceber que o Brasil está se deparando com um problema semelhante à inflação, mas no contexto social. É normal e legítimo grupos de pessoas se organizarem e reivindicarem algumas questões. Se tais reivindicações são legítimas ou não é outra discussão, mas o ato de reivindicar faz parte de sociedades democráticas. Sendo assim, conviver, principalmente nas grandes cidades, com manifestações de qualquer natureza é inerente ao desenvolvimento social. Se um grupo de trabalhadores decide realizar uma paralisação para discutir melhores condições de trabalho, isso deve ser uma decisão entre trabalhadores e a empresa. Não há necessidade de o governo intervir em um assunto privado dessa natureza, a não ser quando há desdobramentos em outros campos.
No entanto, o que se pode observar atualmente no Brasil é uma erupção de manifestações e de reivindicações sem precedentes. É algo preocupante e indica que há algo errado com a estrutura social. E isso se relaciona diretamente com o governo brasileiro, pois ele não tem demonstrado a habilidade necessária para convergir os diversos interesses sociais.
Em uma sociedade, as pessoas reconhecem a importância da cooperação, mas diferentemente de alguns animais, não temos o instinto natural de cooperar. E sempre ficamos tentados a burlar qualquer ação cooperativa, ou seja, ao contrário de valorizarmos a coletividade, tomamos ações baseadas no nosso instinto egoísta, priorizando ganhos imediatos.
É justamente este o ponto central do governo: estabelecer as regras nos diversos âmbitos para harmonizar o convívio de pessoas que naturalmente pensam e agem distintamente. De maneira simplificada, estabelecer regras para uma sociedade é como implantar um semáforo em duas ruas que se cruzam. Quando o semáforo entra em pane há vários tipos de transtornos: o trânsito se torna imensamente mais complicado, a agressividade surge entre inúmeros motoristas e a insegurança e os riscos de acidente aumentam. E no contexto atual, podemos perceber justamente que o semáforo que orienta o “tráfego” brasileiro está com problemas. E é particularmente esse ponto que o governo precisa se articular para conseguir coordenar as ações necessárias para estabelecer regras que visem harmonizar os interesses tão plurais e desiguais como os da sociedade brasileira.
Quando vamos à feira ou ao supermercado, por exemplo, é recorrente nos defrontarmos com preços diferentes daqueles que encontramos então da última vez. O sobe e desce dos preços significa que as leis da oferta e da demanda estão em pleno funcionamento. E isso é natural, pois advém das condições de produção e de consumo. Nesse caso, não há muitas medidas a serem tomadas, a não ser o consumidor substituir o bem mais caro por um bem mais barato.
Essas variações tão frequentes nos preços não se relacionam em nada com a inflação, é um processo normal de alteração dos preços relativos da economia. Por sua vez, a inflação é o aumento generalizado e contínuo de todos os preços dos produtos de uma economia. Num ambiente de inflação, como dos anos 1980 e parte dos anos 1990, ir à feira ou ao supermercado implica encontrar necessariamente preços superiores ao encontrados na última vez. E a substituição por produtos mais baratos não resolve, pois todos estão mais caros. É o governo, por meio da autoridade monetária, que deve adotar medidas econômicas para controlar a inflação.
Saindo do âmbito puramente econômico, podemos perceber que o Brasil está se deparando com um problema semelhante à inflação, mas no contexto social. É normal e legítimo grupos de pessoas se organizarem e reivindicarem algumas questões. Se tais reivindicações são legítimas ou não é outra discussão, mas o ato de reivindicar faz parte de sociedades democráticas. Sendo assim, conviver, principalmente nas grandes cidades, com manifestações de qualquer natureza é inerente ao desenvolvimento social. Se um grupo de trabalhadores decide realizar uma paralisação para discutir melhores condições de trabalho, isso deve ser uma decisão entre trabalhadores e a empresa. Não há necessidade de o governo intervir em um assunto privado dessa natureza, a não ser quando há desdobramentos em outros campos.
No entanto, o que se pode observar atualmente no Brasil é uma erupção de manifestações e de reivindicações sem precedentes. É algo preocupante e indica que há algo errado com a estrutura social. E isso se relaciona diretamente com o governo brasileiro, pois ele não tem demonstrado a habilidade necessária para convergir os diversos interesses sociais.
Em uma sociedade, as pessoas reconhecem a importância da cooperação, mas diferentemente de alguns animais, não temos o instinto natural de cooperar. E sempre ficamos tentados a burlar qualquer ação cooperativa, ou seja, ao contrário de valorizarmos a coletividade, tomamos ações baseadas no nosso instinto egoísta, priorizando ganhos imediatos.
É justamente este o ponto central do governo: estabelecer as regras nos diversos âmbitos para harmonizar o convívio de pessoas que naturalmente pensam e agem distintamente. De maneira simplificada, estabelecer regras para uma sociedade é como implantar um semáforo em duas ruas que se cruzam. Quando o semáforo entra em pane há vários tipos de transtornos: o trânsito se torna imensamente mais complicado, a agressividade surge entre inúmeros motoristas e a insegurança e os riscos de acidente aumentam. E no contexto atual, podemos perceber justamente que o semáforo que orienta o “tráfego” brasileiro está com problemas. E é particularmente esse ponto que o governo precisa se articular para conseguir coordenar as ações necessárias para estabelecer regras que visem harmonizar os interesses tão plurais e desiguais como os da sociedade brasileira.
Criminalizar o social - PAULO SILVA PINTO
CORREIO BRAZILIENSE - 29/05
Confesso que não consigo entender essa história de criminalização dos movimentos sociais. E olha que não é por falta de ouvir o termo, com subentendido alerta: não pode. Soa paradoxal. Quem se criminaliza é a pessoa que ofende o Código Penal: mata, machuca, rouba, furta, ameaça, calunia. Pode ser banqueiro, sem-terra, funcionário público, policial, político, monge, usuário de crack, jornalista ou gente de tantos outros tipos. Não importa.
Falo de pessoas. Movimentos, associações, empresas não cometem crimes. E o fato de existir um condenado por delito em determinado grupo não significa, de modo automático, que outros integrantes sejam culpados.
O problema é que se criou uma ideia de que alguns cidadãos não podem ser punidos quando erram, por já terem sofrido muito ao longo da vida e, ainda, carregarem a história de opressão dos ancestrais. Não é difícil compreender tal preocupação em um país que acumulou tantas mazelas em 514 anos. Mas não se poderá avançar reciclando a lamentação para transformá-la em leniência. A antropóloga Eunice Durham costuma dizer que, no Brasil, para resolver uma injustiça frequentemente se cria outra.
Décadas de ditadura civil e militar no século passado atrapalharam muito a formação da nossa sociedade. Em regimes assim, a Constituição, as leis e o próprio Estado se tornam ilegítimos. Passa a ser moralmente aceitável transgredir.
Foi dura a conquista da democracia. Para não regredir, de modo radical ou parcial, é preciso compreender que algumas coisas antes vistas como luta pela liberdade passaram a ser atentado à sociedade.
A divergência e a contestação devem estar vivas pela manifestação das ideias, pelo acesso ao Judiciário e pelo exercício da política. Jamais podem justificar crimes. Um dia, talvez todo mundo compreenda isso. Enquanto buscamos essa utopia, cabe ao Estado defender a sociedade, sem abrir mão do uso da força quando necessário. É assim que funcionam as democracias mais avançadas, não isentas de tensões.
Gente que lança flechas contra policiais, destrói patrimônio público e privado, queima pneus ou simplesmente impede as pessoas de ir e vir nas vias públicas não prejudica apenas quem está em volta. Pune todos os brasileiros. Até os que nem nasceram ainda.
Falo de pessoas. Movimentos, associações, empresas não cometem crimes. E o fato de existir um condenado por delito em determinado grupo não significa, de modo automático, que outros integrantes sejam culpados.
O problema é que se criou uma ideia de que alguns cidadãos não podem ser punidos quando erram, por já terem sofrido muito ao longo da vida e, ainda, carregarem a história de opressão dos ancestrais. Não é difícil compreender tal preocupação em um país que acumulou tantas mazelas em 514 anos. Mas não se poderá avançar reciclando a lamentação para transformá-la em leniência. A antropóloga Eunice Durham costuma dizer que, no Brasil, para resolver uma injustiça frequentemente se cria outra.
Décadas de ditadura civil e militar no século passado atrapalharam muito a formação da nossa sociedade. Em regimes assim, a Constituição, as leis e o próprio Estado se tornam ilegítimos. Passa a ser moralmente aceitável transgredir.
Foi dura a conquista da democracia. Para não regredir, de modo radical ou parcial, é preciso compreender que algumas coisas antes vistas como luta pela liberdade passaram a ser atentado à sociedade.
A divergência e a contestação devem estar vivas pela manifestação das ideias, pelo acesso ao Judiciário e pelo exercício da política. Jamais podem justificar crimes. Um dia, talvez todo mundo compreenda isso. Enquanto buscamos essa utopia, cabe ao Estado defender a sociedade, sem abrir mão do uso da força quando necessário. É assim que funcionam as democracias mais avançadas, não isentas de tensões.
Gente que lança flechas contra policiais, destrói patrimônio público e privado, queima pneus ou simplesmente impede as pessoas de ir e vir nas vias públicas não prejudica apenas quem está em volta. Pune todos os brasileiros. Até os que nem nasceram ainda.
Padrão Brasil - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 29/05
Ao tentar rebater as críticas aos aeroportos brasileiros afirmando que eles não são padrão Fifa , mas, sim, padrão Brasil , a presidente Dilma mais uma vez escorregou no improviso (dando de barato que não foi uma sacada genial de seus marqueteiros) e, sem querer, chancelou o padrão Brasil como definição de produto de má qualidade.
Até hoje produtos made in China carregam consigo a desconfiança do consumidor, enquanto os made in Japan já conseguiram ser um atestado de qualidade. Os aeroportos made in Brasil definitivamente não são sinônimo de coisa boa, pelo menos enquanto não entram em funcionamento os novos terminais que deveriam estar prontos para a Copa.
O Brasil, como nação, perdeu uma grande oportunidade de se mostrar ao mundo como capacitado a realizar grandes eventos como uma Copa ou as Olimpíadas. Só havia uma razão para o governo brasileiro batalhar por essa realização, e por isso a China realizou as Olimpíadas de 2008, a África do Sul realizou a Copa em 2010 e a Rússia vai ser a sede da Copa de 2018.
Todos esses países que formam os Brics têm como objetivo ganhar espaço político no mundo multipolar, e o Brasil estava no caminho certo ao pleitear a Copa e as Olimpíadas quase ao mesmo tempo. Mas perdeu sua grande chance ao não se dedicar à organização e ao planejamento desses eventos planetários com a prioridade devida. Valeu mais para o governo Lula ganhar a disputa pela realização deles do que a realização em si.
Resta agora torcer para que, mesmo dentro de condições mínimas, corra tudo bem neste próximo mês. Mas o que o mundo está vendo nestes momentos pré-Copa não faz bem à imagem do país. Até índios dando flechadas em plena Esplanada dos Ministérios em Brasília apareceram nas televisões internacionais, reforçando estereótipos. A questão é que grupos oportunistas, que querem aproveitar a Copa para fazer chantagem, fazem greves, pedem aumentos abusivos, interrompem o trânsito.
Mesmo um grupo pequeno consegue hoje interromper o trânsito nas grandes metrópoles, parando as cidades. E há ainda grupos minoritários de vândalos, ou de black blocs, que fazem uma campanha contra a Copa que absolutamente não envolve a maioria do povo.
O sentimento geral é de crítica ao governo, que não cumpriu o que prometeu, atrasou tudo, mostrou ineficiência. As pessoas suspeitam de que houve muita corrupção nas obras da Copa, mas todas essas são críticas específicas, ninguém é maluco, a esta altura, de achar que o melhor é que não tenha Copa.
Pode-se até achar que não deveria ter Copa, que o governo deveria, em vez de ter batalhado para sediá-la, não ter colocado isso na sua pauta, não deveria ser objetivo prioritário para um país pobre, necessitado de muitas coisas. Mas, já que fez, não há sentido em querer boicotar a Copa, é coisa de minorias.
Misturar política com Copa do Mundo, e aproveitar a situação para tirar proveito próprio ou político, é atitude criticável. Mas o governo também precisaria atuar com mais decisão desde sempre, no relacionamento com os chamados movimentos sociais , para evitar os abusos que estão acontecendo hoje.
Agora, diante da realidade que o populismo não conseguiu controlar, é preciso montar esquemas de segurança menos falhos, cumprir pelo menos a sua parte agora, já que a parte dos chamados legados da Copa está prejudicada pelos atrasos nas obras.
Pelo menos agora o governo tem que montar um esquema para garantir a segurança das pessoas e das delegações, dos mandatários que vêm ver os jogos. Mais uma demonstração de ineficiência do esquema oficial foi vista na saída da delegação brasileira para Teresópolis, quando professores em greve chegaram a atacar o ônibus com os jogadores da seleção brasileira dentro.
Não importa se a culpa é do governo federal ou dos governos estaduais e até municipais, esse inferno de várias esferas de poder que o secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke, experimentou. O fato é que o país perdeu uma grande chance de se mostrar ao mundo como uma potência emergente devido a seus próprios defeitos, turbinados pelo populismo no poder.
A constatação não decorre de complexo de vira-lata, mas, ao contrário, da rejeição da fantasia marqueteira de um governo que vende um país que não existe, em vez de tentar mudar sua realidade. E que agora, depois do leite derramado, quer usar o patriotismo como refúgio de seus próprios erros.
Até hoje produtos made in China carregam consigo a desconfiança do consumidor, enquanto os made in Japan já conseguiram ser um atestado de qualidade. Os aeroportos made in Brasil definitivamente não são sinônimo de coisa boa, pelo menos enquanto não entram em funcionamento os novos terminais que deveriam estar prontos para a Copa.
O Brasil, como nação, perdeu uma grande oportunidade de se mostrar ao mundo como capacitado a realizar grandes eventos como uma Copa ou as Olimpíadas. Só havia uma razão para o governo brasileiro batalhar por essa realização, e por isso a China realizou as Olimpíadas de 2008, a África do Sul realizou a Copa em 2010 e a Rússia vai ser a sede da Copa de 2018.
Todos esses países que formam os Brics têm como objetivo ganhar espaço político no mundo multipolar, e o Brasil estava no caminho certo ao pleitear a Copa e as Olimpíadas quase ao mesmo tempo. Mas perdeu sua grande chance ao não se dedicar à organização e ao planejamento desses eventos planetários com a prioridade devida. Valeu mais para o governo Lula ganhar a disputa pela realização deles do que a realização em si.
Resta agora torcer para que, mesmo dentro de condições mínimas, corra tudo bem neste próximo mês. Mas o que o mundo está vendo nestes momentos pré-Copa não faz bem à imagem do país. Até índios dando flechadas em plena Esplanada dos Ministérios em Brasília apareceram nas televisões internacionais, reforçando estereótipos. A questão é que grupos oportunistas, que querem aproveitar a Copa para fazer chantagem, fazem greves, pedem aumentos abusivos, interrompem o trânsito.
Mesmo um grupo pequeno consegue hoje interromper o trânsito nas grandes metrópoles, parando as cidades. E há ainda grupos minoritários de vândalos, ou de black blocs, que fazem uma campanha contra a Copa que absolutamente não envolve a maioria do povo.
O sentimento geral é de crítica ao governo, que não cumpriu o que prometeu, atrasou tudo, mostrou ineficiência. As pessoas suspeitam de que houve muita corrupção nas obras da Copa, mas todas essas são críticas específicas, ninguém é maluco, a esta altura, de achar que o melhor é que não tenha Copa.
Pode-se até achar que não deveria ter Copa, que o governo deveria, em vez de ter batalhado para sediá-la, não ter colocado isso na sua pauta, não deveria ser objetivo prioritário para um país pobre, necessitado de muitas coisas. Mas, já que fez, não há sentido em querer boicotar a Copa, é coisa de minorias.
Misturar política com Copa do Mundo, e aproveitar a situação para tirar proveito próprio ou político, é atitude criticável. Mas o governo também precisaria atuar com mais decisão desde sempre, no relacionamento com os chamados movimentos sociais , para evitar os abusos que estão acontecendo hoje.
Agora, diante da realidade que o populismo não conseguiu controlar, é preciso montar esquemas de segurança menos falhos, cumprir pelo menos a sua parte agora, já que a parte dos chamados legados da Copa está prejudicada pelos atrasos nas obras.
Pelo menos agora o governo tem que montar um esquema para garantir a segurança das pessoas e das delegações, dos mandatários que vêm ver os jogos. Mais uma demonstração de ineficiência do esquema oficial foi vista na saída da delegação brasileira para Teresópolis, quando professores em greve chegaram a atacar o ônibus com os jogadores da seleção brasileira dentro.
Não importa se a culpa é do governo federal ou dos governos estaduais e até municipais, esse inferno de várias esferas de poder que o secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke, experimentou. O fato é que o país perdeu uma grande chance de se mostrar ao mundo como uma potência emergente devido a seus próprios defeitos, turbinados pelo populismo no poder.
A constatação não decorre de complexo de vira-lata, mas, ao contrário, da rejeição da fantasia marqueteira de um governo que vende um país que não existe, em vez de tentar mudar sua realidade. E que agora, depois do leite derramado, quer usar o patriotismo como refúgio de seus próprios erros.
Tá quente, tá gelado - ELIANE CANTANHÊDE
FOLHA DE SP - 29/05
BRASÍLIA - Nessa loucura pré-Copa, só estava faltando isso: índios enfrentando a polícia com arco e flecha e flechando a perna de um PM, bem no centro da capital da República. Agora, não falta mais.
Poderia ser engraçado, mas, convenhamos, não é. Os 500 mil estrangeiros esperados e os milhões que ficarão em casa devem estar imaginando: que país é este? Ou confirmando o que já imaginavam.
Muitos devem estar esperando, ou visualizando, vacas comendo capim nos centros urbanos e carroças desengonçadas trafegando nas vias públicas, entre mendigos e crianças esfomeadas. E devem estar com medo de dengue, sarampo e outras doenças transmissíveis. Ei! E a capital não é Buenos Aires!
Até aqui, não há como esconder: a propaganda do Brasil no exterior é péssima. Protestos por toda a parte, greves das mais variadas categorias, milhões de cidadãos e cidadãs mofando em pontos de rua à espera dos ônibus que não chegam. E atrasos, improvisações, jeitinhos, aeroportos com goteiras, estádios cercados de lixo e de entulho de obras.
Daqui da janela da sucursal da Folha em Brasília, vê-se um longo passeio sendo construído às pressas para o estádio Mané Garrincha. Demoraram seis anos para descobrir que precisava de um passeio ali? Ou sabiam desde o início e deixaram para fazer aos 45 do segundo tempo?
Dilma, olímpica, se ocupa em recolher o apoio, ora da cúpula do PTB, ora da direção do PP, ora dos líderes do PMDB, enquanto a Copa, as convenções partidárias oficiais e os chefes de Estado de mais de dez países não vêm, inclusive os presidentes e primeiros-ministros dos Brics, que vão se reunir em Fortaleza.
O Planalto em clima de eleição, o país em clima de Copa. Ops! De protesto, porque, de Copa mesmo, não é. Dos cerca de 300 carros no estacionamento fora do prédio, quantos tinham a bandeira do Brasil nesta quarta (28/5), a duas semanas dos jogos? Nenhum. O clima está gelado.
BRASÍLIA - Nessa loucura pré-Copa, só estava faltando isso: índios enfrentando a polícia com arco e flecha e flechando a perna de um PM, bem no centro da capital da República. Agora, não falta mais.
Poderia ser engraçado, mas, convenhamos, não é. Os 500 mil estrangeiros esperados e os milhões que ficarão em casa devem estar imaginando: que país é este? Ou confirmando o que já imaginavam.
Muitos devem estar esperando, ou visualizando, vacas comendo capim nos centros urbanos e carroças desengonçadas trafegando nas vias públicas, entre mendigos e crianças esfomeadas. E devem estar com medo de dengue, sarampo e outras doenças transmissíveis. Ei! E a capital não é Buenos Aires!
Até aqui, não há como esconder: a propaganda do Brasil no exterior é péssima. Protestos por toda a parte, greves das mais variadas categorias, milhões de cidadãos e cidadãs mofando em pontos de rua à espera dos ônibus que não chegam. E atrasos, improvisações, jeitinhos, aeroportos com goteiras, estádios cercados de lixo e de entulho de obras.
Daqui da janela da sucursal da Folha em Brasília, vê-se um longo passeio sendo construído às pressas para o estádio Mané Garrincha. Demoraram seis anos para descobrir que precisava de um passeio ali? Ou sabiam desde o início e deixaram para fazer aos 45 do segundo tempo?
Dilma, olímpica, se ocupa em recolher o apoio, ora da cúpula do PTB, ora da direção do PP, ora dos líderes do PMDB, enquanto a Copa, as convenções partidárias oficiais e os chefes de Estado de mais de dez países não vêm, inclusive os presidentes e primeiros-ministros dos Brics, que vão se reunir em Fortaleza.
O Planalto em clima de eleição, o país em clima de Copa. Ops! De protesto, porque, de Copa mesmo, não é. Dos cerca de 300 carros no estacionamento fora do prédio, quantos tinham a bandeira do Brasil nesta quarta (28/5), a duas semanas dos jogos? Nenhum. O clima está gelado.
Depois daquela nota - DORA KRAMER
O ESTADÃO - 29/05
E a nota redigida pela presidente da Petrobrás, Graça Foster, rasgada pela presidente Dilma Rousseff e substituída por uma resposta escrita de próprio punho ao Estado sobre a compra da refinaria de Pasadena, no Texas? Nunca mais se falou nela. Ficou esquecida na lata de lixo em que foi jogada num rompante, cujo custo revelou-se altíssimo.
Na perspectiva das consequências geradas pelo gesto nesses últimos mais de dois meses, seria interessante revisitar o texto original. Segundo consta, dizia que o assunto estava sendo examinado pelas instâncias competentes (Tribunal de Contas da União, Polícia Federal e Ministério Público, além da própria Petrobrás) e que a posição do governo já havia sido explicitada por ela e pelo antecessor, Sergio Gabrielli, em audiências no Congresso.
De fato, ambos haviam ido ao Parlamento para tratar do tema e dito, em suma, que à época a compra tinha sido considerada um bom negócio. Nenhum dos dois fez qualquer referência a decisões tomadas com base de informações incompletas e era nessa moldura que se enquadrava o texto sugerido por Graça Foster e rejeitado por Dilma. Se aceito, a coisa provavelmente teria ficado por aí.
Agora, todo o esforço do governo na CPI de faz de conta montada no Senado tem sido para reparar o dano político causado pela equivocada avaliação da presidente de que, transferindo a responsabilidade para um "parecer técnica e juridicamente falho", estaria matando o mal pela raiz e se precavendo de prejuízo maior durante a campanha eleitoral.
Com aquela atitude a presidente não pretendia - como sugeriram alguns aliados para tentar salvar a situação - enfrentar a questão na base da firmeza e da transparência. Essa foi a versão escolhida para tentar reduzir o tamanho da ferida produzida pelo tiro no pé.
E como é possível afirmar que a intenção da presidente não era a melhor? Pela reação da própria presidente. Se o motor do impulso fosse o desvendar da verdade, Dilma não estaria hoje dedicando-se à tarefa de fazer o diabo para impedir o Congresso de mostrar à nação o que vai pela Petrobrás.
De maduro. Não procedem as recentes especulações sobre a possibilidade de a escolha do vice na chapa de Aécio Neves ficar para depois da convenção do PSDB marcada para o próximo dia 14. O senador por enquanto ainda faz mistério, mas pretende antes disso anunciar a decisão.
Inclusive porque, se não o fizer, entrará no chamado processo "indecisório", cuja marca reforça a imagem do tucano eternamente refugiado no muro.
Agora foi. Há no PMDB o sentimento de que foi um equívoco marcar a convenção para o dia 10 de junho. Será a primeira e, no entanto, a mais polêmica. Entre os convencionais contrários à renovação da aliança com o PT viceja o arrependimento.
A avaliação é a de que houve precipitação, pois até o fim do mês, quando termina o prazo para as definições partidárias, muita coisa poderia acontecer. E, no momento, o clima que já esteve pior para o lado do governo melhorou depois que Lula entrou nas negociações de bastidor para conter insatisfações ao custo até de alguns interesses do PT.
Filhotes. Protocolar no jantar oferecido a ela pelo PMDB, a presidente Dilma Rousseff não teria como fugir de desejar "boa sorte" aos filhos de Jader Barbalho, Romero Jucá, Renan Calheiros e Edison Lobão, candidatos aos governos dos Estados onde os pais têm seus feudos.
Já os respectivos eleitorados não estão obrigados a seguir liturgias. Livres para se guiar pela sabedoria popular: quem sai aos seus não degenera. Para o bem e para o mal.
E a nota redigida pela presidente da Petrobrás, Graça Foster, rasgada pela presidente Dilma Rousseff e substituída por uma resposta escrita de próprio punho ao Estado sobre a compra da refinaria de Pasadena, no Texas? Nunca mais se falou nela. Ficou esquecida na lata de lixo em que foi jogada num rompante, cujo custo revelou-se altíssimo.
Na perspectiva das consequências geradas pelo gesto nesses últimos mais de dois meses, seria interessante revisitar o texto original. Segundo consta, dizia que o assunto estava sendo examinado pelas instâncias competentes (Tribunal de Contas da União, Polícia Federal e Ministério Público, além da própria Petrobrás) e que a posição do governo já havia sido explicitada por ela e pelo antecessor, Sergio Gabrielli, em audiências no Congresso.
De fato, ambos haviam ido ao Parlamento para tratar do tema e dito, em suma, que à época a compra tinha sido considerada um bom negócio. Nenhum dos dois fez qualquer referência a decisões tomadas com base de informações incompletas e era nessa moldura que se enquadrava o texto sugerido por Graça Foster e rejeitado por Dilma. Se aceito, a coisa provavelmente teria ficado por aí.
Agora, todo o esforço do governo na CPI de faz de conta montada no Senado tem sido para reparar o dano político causado pela equivocada avaliação da presidente de que, transferindo a responsabilidade para um "parecer técnica e juridicamente falho", estaria matando o mal pela raiz e se precavendo de prejuízo maior durante a campanha eleitoral.
Com aquela atitude a presidente não pretendia - como sugeriram alguns aliados para tentar salvar a situação - enfrentar a questão na base da firmeza e da transparência. Essa foi a versão escolhida para tentar reduzir o tamanho da ferida produzida pelo tiro no pé.
E como é possível afirmar que a intenção da presidente não era a melhor? Pela reação da própria presidente. Se o motor do impulso fosse o desvendar da verdade, Dilma não estaria hoje dedicando-se à tarefa de fazer o diabo para impedir o Congresso de mostrar à nação o que vai pela Petrobrás.
De maduro. Não procedem as recentes especulações sobre a possibilidade de a escolha do vice na chapa de Aécio Neves ficar para depois da convenção do PSDB marcada para o próximo dia 14. O senador por enquanto ainda faz mistério, mas pretende antes disso anunciar a decisão.
Inclusive porque, se não o fizer, entrará no chamado processo "indecisório", cuja marca reforça a imagem do tucano eternamente refugiado no muro.
Agora foi. Há no PMDB o sentimento de que foi um equívoco marcar a convenção para o dia 10 de junho. Será a primeira e, no entanto, a mais polêmica. Entre os convencionais contrários à renovação da aliança com o PT viceja o arrependimento.
A avaliação é a de que houve precipitação, pois até o fim do mês, quando termina o prazo para as definições partidárias, muita coisa poderia acontecer. E, no momento, o clima que já esteve pior para o lado do governo melhorou depois que Lula entrou nas negociações de bastidor para conter insatisfações ao custo até de alguns interesses do PT.
Filhotes. Protocolar no jantar oferecido a ela pelo PMDB, a presidente Dilma Rousseff não teria como fugir de desejar "boa sorte" aos filhos de Jader Barbalho, Romero Jucá, Renan Calheiros e Edison Lobão, candidatos aos governos dos Estados onde os pais têm seus feudos.
Já os respectivos eleitorados não estão obrigados a seguir liturgias. Livres para se guiar pela sabedoria popular: quem sai aos seus não degenera. Para o bem e para o mal.
Terceirização da responsabilidade - ONYX LORENZONI
ZERO HORA - 29/05
Veja você o que disse a presidente Dilma durante anúncio do PAC do Saneamento: “Hoje nós sofremos consequências na área de serviços de decisões tomadas cinco anos atrás”. No desespero de buscar culpados e terceirizar suas responsabilidades, Dilma escorrega e põe no colo de Lula o motivo de seu governo não concluir as obras que anuncia.
O discurso teve um “ato falho”, que acontece quando a gente deixa escapar o que está pensando ou o que deseja esconder. Inúmeras vezes, a presidente Dilma comete esses deslizes, que são tratados pelo lado cômico. Mas a piada (se fosse) é de muito mau gosto.
O PT tem conduzido o país ao passado a passos largos. É uma sucessão de decisões erradas que se somam a um pernicioso desmonte do Estado. Quando as instituições são ocupadas por cargos políticos na escala em que o PT promoveu no país, temos consequências trágicas e visíveis. Os interesses partidários e as alianças políticas são colocados acima do país, a incompetência se instala e se enraíza e a corrupção ganha passe livre. O partido é colocado em primeiro lugar. E os interesses do povo são tratados com medidas populistas e com muita propaganda. É preciso “convencer” o povo de que as coisas estão boas e isso custou R$ 2,3 bilhões em 2013. Sem levar em conta R$ 1,6 bilhão da Caixa, R$ 1,4 bilhão da Petrobras e R$ 1 bilhão do Banco do Brasil.
A mentalidade socialista não admite instituições que não estejam sob o comando do PT. É dessa forma que eles atacam a democracia. Se o IBGE vai revelar dados que não são bons para o governo, cale-se o IBGE. Se a economia vai mal, invente-se a “contabilidade criativa”, que é o reconhecimento da maquiagem dos números de governo. Eles usaram o Ipea para desviar a atenção de notícias ruins para o governo. Usaram uma pesquisa de 2013, sem pé nem cabeça, para iludir o país e criar uma falsa polêmica na sociedade brasileira. Um alvoroço diversionista. É nessa lógica do “tudo vale se servir ao partido” que a Petrobras foi arrastada para o ralo e se tornou 10 vezes menor do que era.
É o governo do atraso. Estamos voltando no tempo. Somos cada vez menores com o PT no governo.
Veja você o que disse a presidente Dilma durante anúncio do PAC do Saneamento: “Hoje nós sofremos consequências na área de serviços de decisões tomadas cinco anos atrás”. No desespero de buscar culpados e terceirizar suas responsabilidades, Dilma escorrega e põe no colo de Lula o motivo de seu governo não concluir as obras que anuncia.
O discurso teve um “ato falho”, que acontece quando a gente deixa escapar o que está pensando ou o que deseja esconder. Inúmeras vezes, a presidente Dilma comete esses deslizes, que são tratados pelo lado cômico. Mas a piada (se fosse) é de muito mau gosto.
O PT tem conduzido o país ao passado a passos largos. É uma sucessão de decisões erradas que se somam a um pernicioso desmonte do Estado. Quando as instituições são ocupadas por cargos políticos na escala em que o PT promoveu no país, temos consequências trágicas e visíveis. Os interesses partidários e as alianças políticas são colocados acima do país, a incompetência se instala e se enraíza e a corrupção ganha passe livre. O partido é colocado em primeiro lugar. E os interesses do povo são tratados com medidas populistas e com muita propaganda. É preciso “convencer” o povo de que as coisas estão boas e isso custou R$ 2,3 bilhões em 2013. Sem levar em conta R$ 1,6 bilhão da Caixa, R$ 1,4 bilhão da Petrobras e R$ 1 bilhão do Banco do Brasil.
A mentalidade socialista não admite instituições que não estejam sob o comando do PT. É dessa forma que eles atacam a democracia. Se o IBGE vai revelar dados que não são bons para o governo, cale-se o IBGE. Se a economia vai mal, invente-se a “contabilidade criativa”, que é o reconhecimento da maquiagem dos números de governo. Eles usaram o Ipea para desviar a atenção de notícias ruins para o governo. Usaram uma pesquisa de 2013, sem pé nem cabeça, para iludir o país e criar uma falsa polêmica na sociedade brasileira. Um alvoroço diversionista. É nessa lógica do “tudo vale se servir ao partido” que a Petrobras foi arrastada para o ralo e se tornou 10 vezes menor do que era.
É o governo do atraso. Estamos voltando no tempo. Somos cada vez menores com o PT no governo.
Xô, "Maracanazo" - ROGÉRIO GENTILE
FOLHA DE SP - 29/05
SÃO PAULO - A Copa de 2014 lembra o remake de uma novela, tantas são as coincidências com a de 1950. Sessenta e quatro anos depois, embora o país e a própria competição tenham mudado muito, o triunfalismo dos organizadores, as polêmicas sobre os gastos e os atrasos nas obras se repetem.
Se hoje o governo afirma que esta será a "Copa das Copas", à época dizia-se que o Brasil faria o "maior campeonato do mundo". "Será o mais belo e o mais brilhante campeonato mundial que se realizará", disse o representante do Brasil na Fifa, Luís Aranha, à imprensa europeia.
A despeito da promessa, muita coisa ficou para a última hora. O Maracanã, que ainda era conhecido apenas como Estádio Municipal, foi inaugurado mesmo sem estar pronto, assim como ocorreu com o Itaquerão. Na abertura da Copa, havia lama e material de construção no entorno do estádio. A situação só não foi pior porque o Exército enviara, semanas antes, centenas de soldados para acelerar a obra.
Também houve pressão da Fifa --que reclamava da desconsideração dos brasileiros com a "importância da competição"-- e muitos questionamentos sobre os gastos. O então vereador Carlos Lacerda, por exemplo, dizia que a prioridade deveria ser erguer escolas, túneis e hospitais. O jornalista Mário Filho, que hoje dá seu nome ao Maracanã, respondia que a argumentação não passava de "demagogia barata".
Em 1947, um ano depois de o país ter sido escolhido para sediar a Copa, São Paulo enfrentou também protestos em razão de aumento na tarifa dos transportes. Revoltados, manifestantes promoveram um quebra-quebra que afetou quase um terço da frota --242 bondes foram depredados, e 94 ônibus, incendiados ou danificados. A tarifa foi reduzida.
Antes que alguém reclame de mau agouro, vale notar que todas as coincidências ocorreram fora dos gramados. Na dúvida, porém, não custa bater umas 20 vezes na madeira.
SÃO PAULO - A Copa de 2014 lembra o remake de uma novela, tantas são as coincidências com a de 1950. Sessenta e quatro anos depois, embora o país e a própria competição tenham mudado muito, o triunfalismo dos organizadores, as polêmicas sobre os gastos e os atrasos nas obras se repetem.
Se hoje o governo afirma que esta será a "Copa das Copas", à época dizia-se que o Brasil faria o "maior campeonato do mundo". "Será o mais belo e o mais brilhante campeonato mundial que se realizará", disse o representante do Brasil na Fifa, Luís Aranha, à imprensa europeia.
A despeito da promessa, muita coisa ficou para a última hora. O Maracanã, que ainda era conhecido apenas como Estádio Municipal, foi inaugurado mesmo sem estar pronto, assim como ocorreu com o Itaquerão. Na abertura da Copa, havia lama e material de construção no entorno do estádio. A situação só não foi pior porque o Exército enviara, semanas antes, centenas de soldados para acelerar a obra.
Também houve pressão da Fifa --que reclamava da desconsideração dos brasileiros com a "importância da competição"-- e muitos questionamentos sobre os gastos. O então vereador Carlos Lacerda, por exemplo, dizia que a prioridade deveria ser erguer escolas, túneis e hospitais. O jornalista Mário Filho, que hoje dá seu nome ao Maracanã, respondia que a argumentação não passava de "demagogia barata".
Em 1947, um ano depois de o país ter sido escolhido para sediar a Copa, São Paulo enfrentou também protestos em razão de aumento na tarifa dos transportes. Revoltados, manifestantes promoveram um quebra-quebra que afetou quase um terço da frota --242 bondes foram depredados, e 94 ônibus, incendiados ou danificados. A tarifa foi reduzida.
Antes que alguém reclame de mau agouro, vale notar que todas as coincidências ocorreram fora dos gramados. Na dúvida, porém, não custa bater umas 20 vezes na madeira.
O paradoxo trabalhista - ALMIR PAZZIANOTTO PINTO
O ESTADÃO - 29/05
Décadas de debates em torno da reforma trabalhista, nos quais se entrechocam defensores da modernização e paladinos do atraso, deixam de discutir aspecto fundamental da questão: o direito positivo tem como principal objetivo imprimir segurança às relações sociais. É inaceitável, portanto, legislação que, por ser ardilosa e confusa, fomenta demandas.
No centro da pendência encontra-se a velha Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Quem a defende não pode deixar de reconhecer que estamos diante de texto arcaico, da época da locomotiva a lenha, dos teares manuais, dos arados a tração animal, da precária rede elétrica, da ausência de estradas pavimentadas, da falta de automóveis, ônibus, tratores e outras comodidades do gênero.
Em 1954, decorridos dez anos de vida da CLT, o Relatório Anual ao Congresso, elaborado pelo presidente Getúlio Vargas, descreveu com nitidez o subdesenvolvimento industrial, comercial, financeiro, logístico. Note-se que o Brasil atravessava um período de crescimento. O aumento médio da renda per capita era de 8,2% ao ano e o nível de atividade econômica mantinha-se alto, sustentado por expansão do consumo de 7,5%, e 12,4% dos investimentos, dizia aquele documento.
Cuidadosa leitura revelaria país em expansão, mas pobre em aço, petróleo, carvão, eletricidade, ferrovias, rodovias, aeroportos. Faltou confessar que o Brasil continuava a ser subdesenvolvido, litorâneo, rural, analfabeto, doente.
Com o passar do tempo, entremeando períodos bons e maus, regimes democráticos e ditaduras, o País evoluiu. O planeta, por sua vez, conheceu extremas alterações. Terminou a guerra fria, foi contida a corrida militarista, desapareceu a ditadura comunista, a economia, em clima de liberdade, globalizou-se. Na área da saúde os avanços foram surpreendentes. No terreno tecnológico nos beneficiamos da informatização. Comunicações nacionais e internacionais instantâneas são feitas pela internet, via iPhones e smartphones. Compramos com cartões de crédito. Crianças e jovens de variadas camadas sociais aprendem o uso de tablets, notebooks, câmeras digitais. A manufatura deu lugar a computadores e robôs. Gigantescos navios e fantásticas aeronaves cruzam oceanos e continentes orientados por satélites, em viagens turísticas, de negócios ou conduzindo matérias-primas e produtos industrializados.
No Brasil, entretanto, a legislação trabalhista petrificou. Integrada por normas constitucionais, CLT, leis esparsas, decretos, portarias e jurisprudência que avança sobre o espaço do Legislativo, ao invés de trazer segurança, converteu-se em manancial de conflitos. Surgiu o fantasma do passivo oculto, representado por ações imprevisíveis que aterrorizam empregadores.
Vamos aos números retirados do Relatório Anual do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Entre 1941 e 2013 deram entrada na Justiça do Trabalho 73,5 milhões de feitos. No curto período compreendido entre 2000 e 2013 nada menos que 33,6 milhões foram ajuizados. Em 2010 as Varas do Trabalho receberam 2,8 milhões de reclamações; em 2011, 3 milhões; em 2012, 3,271 milhões. Causas trabalhistas acumulam-se, sobretudo, nas Varas do Trabalho localizadas nos Estados de São Paulo, do Rio de Janeiro, de Minas Gerais, do Paraná, de Santa Catarina, do Rio Grande do Sul. Pequenos municípios, cujas atividades econômicas são inexpressivas, engrossam estatísticas com milhares de ações.
De 2011 a 2013 fluíram pelos canais de 1.533 Varas do Trabalho R$ 54.649,379.638,68, drenados de micro e pequenas, médias e grandes empresas, estatais ou de economia mista, entidades filantrópicas e culturais.
Conheço a área trabalhista. Fui advogado de sindicatos, secretário e ministro do trabalho, ministro do TST - tribunal que com muita honra presidi. Numerosos conflitos seriam resolvidos rápida e objetivamente se não estivessem reprimidos o arbitramento e as comissões de conciliação prévia, reservando-se a juízes do Trabalho matérias de alta indagação e complexidade.
Insistimos na intervenção exclusiva do Judiciário, cujos resultados estão nas estatísticas. Demência, disse alguém, é insistir em obter resultados positivos pelos mesmos caminhos que conduziram ao fracasso.
O Brasil passa por agudo período de desindustrialização. O desemprego ronda jovens e adultos, homens e mulheres. A indústria não consegue competir, no terreno da produtividade, com países que até a metade do século passado eram muito atrasados. A China alçou-se à posição de potência nos anos 1980, após séculos de paralisação e oito décadas de regime comunista - já nos deixou para trás. A Coreia do Sul padeceu a invasão da Coreia do Norte na década de 1950. Boa parte da juventude foi sacrificada nos campos de batalha. Apesar do conflito, hoje somos importadores de investimentos e produtos coreanos. Adquirimos, também, nos mercados japonês, alemão, francês, mexicano. Nada na Argentina, por se encontrar pior do que nós.
O paradoxo é surrealista. Na opinião dos arautos da CLT, temos a melhor legislação do universo. Como entender, então, o que se passa na Justiça do Trabalho? Por mais que labutem magistrados e servidores, proliferam os litígios e aumenta o resíduo de processos à espera de sentença ou execução. Entre os cem maiores devedores, segundo relação divulgada pelo TST, ao lado de empresas falidas se acham sociedades de economia mista, estatais, bancos, onde empregos são disputados por milhares de candidatos.
Deixamos de ser atraentes a investimentos internos e externos. Convertemo-nos em zona incerta e perigosa. Ou mudamos rapidamente de rumos, por meio das reformas, ou estamos condenados a ser como Cuba e Venezuela: governo forte, economia em pedaços.
Décadas de debates em torno da reforma trabalhista, nos quais se entrechocam defensores da modernização e paladinos do atraso, deixam de discutir aspecto fundamental da questão: o direito positivo tem como principal objetivo imprimir segurança às relações sociais. É inaceitável, portanto, legislação que, por ser ardilosa e confusa, fomenta demandas.
No centro da pendência encontra-se a velha Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Quem a defende não pode deixar de reconhecer que estamos diante de texto arcaico, da época da locomotiva a lenha, dos teares manuais, dos arados a tração animal, da precária rede elétrica, da ausência de estradas pavimentadas, da falta de automóveis, ônibus, tratores e outras comodidades do gênero.
Em 1954, decorridos dez anos de vida da CLT, o Relatório Anual ao Congresso, elaborado pelo presidente Getúlio Vargas, descreveu com nitidez o subdesenvolvimento industrial, comercial, financeiro, logístico. Note-se que o Brasil atravessava um período de crescimento. O aumento médio da renda per capita era de 8,2% ao ano e o nível de atividade econômica mantinha-se alto, sustentado por expansão do consumo de 7,5%, e 12,4% dos investimentos, dizia aquele documento.
Cuidadosa leitura revelaria país em expansão, mas pobre em aço, petróleo, carvão, eletricidade, ferrovias, rodovias, aeroportos. Faltou confessar que o Brasil continuava a ser subdesenvolvido, litorâneo, rural, analfabeto, doente.
Com o passar do tempo, entremeando períodos bons e maus, regimes democráticos e ditaduras, o País evoluiu. O planeta, por sua vez, conheceu extremas alterações. Terminou a guerra fria, foi contida a corrida militarista, desapareceu a ditadura comunista, a economia, em clima de liberdade, globalizou-se. Na área da saúde os avanços foram surpreendentes. No terreno tecnológico nos beneficiamos da informatização. Comunicações nacionais e internacionais instantâneas são feitas pela internet, via iPhones e smartphones. Compramos com cartões de crédito. Crianças e jovens de variadas camadas sociais aprendem o uso de tablets, notebooks, câmeras digitais. A manufatura deu lugar a computadores e robôs. Gigantescos navios e fantásticas aeronaves cruzam oceanos e continentes orientados por satélites, em viagens turísticas, de negócios ou conduzindo matérias-primas e produtos industrializados.
No Brasil, entretanto, a legislação trabalhista petrificou. Integrada por normas constitucionais, CLT, leis esparsas, decretos, portarias e jurisprudência que avança sobre o espaço do Legislativo, ao invés de trazer segurança, converteu-se em manancial de conflitos. Surgiu o fantasma do passivo oculto, representado por ações imprevisíveis que aterrorizam empregadores.
Vamos aos números retirados do Relatório Anual do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Entre 1941 e 2013 deram entrada na Justiça do Trabalho 73,5 milhões de feitos. No curto período compreendido entre 2000 e 2013 nada menos que 33,6 milhões foram ajuizados. Em 2010 as Varas do Trabalho receberam 2,8 milhões de reclamações; em 2011, 3 milhões; em 2012, 3,271 milhões. Causas trabalhistas acumulam-se, sobretudo, nas Varas do Trabalho localizadas nos Estados de São Paulo, do Rio de Janeiro, de Minas Gerais, do Paraná, de Santa Catarina, do Rio Grande do Sul. Pequenos municípios, cujas atividades econômicas são inexpressivas, engrossam estatísticas com milhares de ações.
De 2011 a 2013 fluíram pelos canais de 1.533 Varas do Trabalho R$ 54.649,379.638,68, drenados de micro e pequenas, médias e grandes empresas, estatais ou de economia mista, entidades filantrópicas e culturais.
Conheço a área trabalhista. Fui advogado de sindicatos, secretário e ministro do trabalho, ministro do TST - tribunal que com muita honra presidi. Numerosos conflitos seriam resolvidos rápida e objetivamente se não estivessem reprimidos o arbitramento e as comissões de conciliação prévia, reservando-se a juízes do Trabalho matérias de alta indagação e complexidade.
Insistimos na intervenção exclusiva do Judiciário, cujos resultados estão nas estatísticas. Demência, disse alguém, é insistir em obter resultados positivos pelos mesmos caminhos que conduziram ao fracasso.
O Brasil passa por agudo período de desindustrialização. O desemprego ronda jovens e adultos, homens e mulheres. A indústria não consegue competir, no terreno da produtividade, com países que até a metade do século passado eram muito atrasados. A China alçou-se à posição de potência nos anos 1980, após séculos de paralisação e oito décadas de regime comunista - já nos deixou para trás. A Coreia do Sul padeceu a invasão da Coreia do Norte na década de 1950. Boa parte da juventude foi sacrificada nos campos de batalha. Apesar do conflito, hoje somos importadores de investimentos e produtos coreanos. Adquirimos, também, nos mercados japonês, alemão, francês, mexicano. Nada na Argentina, por se encontrar pior do que nós.
O paradoxo é surrealista. Na opinião dos arautos da CLT, temos a melhor legislação do universo. Como entender, então, o que se passa na Justiça do Trabalho? Por mais que labutem magistrados e servidores, proliferam os litígios e aumenta o resíduo de processos à espera de sentença ou execução. Entre os cem maiores devedores, segundo relação divulgada pelo TST, ao lado de empresas falidas se acham sociedades de economia mista, estatais, bancos, onde empregos são disputados por milhares de candidatos.
Deixamos de ser atraentes a investimentos internos e externos. Convertemo-nos em zona incerta e perigosa. Ou mudamos rapidamente de rumos, por meio das reformas, ou estamos condenados a ser como Cuba e Venezuela: governo forte, economia em pedaços.
Mudança de regime por decreto - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo - 29/05
A presidente Dilma Rousseff quer modificar o sistema brasileiro de governo. Desistiu da Assembleia Constituinte para a reforma política - ideia nascida de supetão ante as manifestações de junho passado e que felizmente nem chegou a sair do casulo - e agora tenta por decreto mudar a ordem constitucional. O Decreto 8.243, de 23 de maio de 2014, que cria a Política Nacional de Participação Social (PNPS) e o Sistema Nacional de Participação Social (SNPS), é um conjunto de barbaridades jurídicas, ainda que possa soar, numa leitura desatenta, como uma resposta aos difusos anseios das ruas. Na realidade é o mais puro oportunismo, aproveitando os ventos do momento para impor velhas pretensões do PT, sempre rejeitadas pela Nação, a respeito do que membros desse partido entendem que deva ser uma democracia.
A fórmula não é muito original. O decreto cria um sistema para que a "sociedade civil" participe diretamente em "todos os órgãos e entidades da administração pública federal direta e indireta", e também nas agências reguladoras, através de conselhos, comissões, conferências, ouvidorias, mesas de diálogo, etc. Tudo isso tem, segundo o decreto, o objetivo de "consolidar a participação social como método de governo". Ora, a participação social numa democracia representativa se dá através dos seus representantes no Congresso, legitimamente eleitos. O que se vê é que a companheira Dilma não concorda com o sistema representativo brasileiro, definido pela Assembleia Constituinte de 1988, e quer, por decreto, instituir outra fonte de poder: a "participação direta".
Não se trata de um ato ingênuo, como se a Presidência da República tivesse descoberto uma nova forma de fazer democracia, mais aberta e menos "burocrática". O Decreto 8.243, apesar das suas palavras de efeito, tem - isso sim - um efeito profundamente antidemocrático. Ele fere o princípio básico da igualdade democrática ("uma pessoa, um voto") ao propiciar que alguns determinados cidadãos, aqueles que são politicamente alinhados a uma ideia, sejam mais ouvidos.
A participação em movimentos sociais, em si legítima, não pode significar um aumento do poder político institucional, que é o que em outras palavras estabelece o tal decreto. Institucionaliza-se assim a desigualdade, especialmente quando o Partido (leia-se, o Governo) subvenciona e controla esses "movimentos sociais".
O grande desafio da democracia - e, ao mesmo tempo, o grande mérito da democracia representativa - é dar voz a todos os cidadãos, com independência da sua atuação e do seu grau de conscientização. Não há cidadãos de primeira e de segunda categoria, discriminação que por decreto a presidente Dilma Rousseff pretende instituir, ao criar canais específicos para que uns sejam mais ouvidos do que outros. Ou ela acha que a maioria dos brasileiros, que trabalha a semana inteira, terá tempo para participar de todas essas audiências, comissões, conselhos e mesas de diálogo?
Ao longo do decreto fica explícito o sofisma que o sustenta: a ideia de que os "movimentos sociais" são a mais pura manifestação da democracia. A História mostra o contrário. Onde não há a institucionalização do poder, há a institucionalização da lei do mais forte. Por isso, o Estado Democrático de Direito significou um enorme passo civilizatório, ao institucionalizar no voto individual e secreto a origem do poder estatal. Quando se criam canais paralelos de poder, não legitimados pelas urnas, inverte-se a lógica do sistema. No mínimo, a companheira Dilma e os seus amigos precisariam para esse novo arranjo de uma nova Constituição, que já não seria democrática. No entanto, tiveram o descaramento de fazê-lo por decreto.
Querem reprisar o engodo totalitário, vendendo um mundo romântico, mas entregando o mais frio e cinzento dos mundos, onde uns poucos pretendem dominar muitos. Em resumo: é mais um ato inconstitucional da presidente Dilma. Que o Congresso esteja atento - não apenas o STF, para declarar a inconstitucionalidade do decreto -, já que a mensagem subliminar em toda essa história é a de que o Poder Legislativo é dispensável.
A presidente Dilma Rousseff quer modificar o sistema brasileiro de governo. Desistiu da Assembleia Constituinte para a reforma política - ideia nascida de supetão ante as manifestações de junho passado e que felizmente nem chegou a sair do casulo - e agora tenta por decreto mudar a ordem constitucional. O Decreto 8.243, de 23 de maio de 2014, que cria a Política Nacional de Participação Social (PNPS) e o Sistema Nacional de Participação Social (SNPS), é um conjunto de barbaridades jurídicas, ainda que possa soar, numa leitura desatenta, como uma resposta aos difusos anseios das ruas. Na realidade é o mais puro oportunismo, aproveitando os ventos do momento para impor velhas pretensões do PT, sempre rejeitadas pela Nação, a respeito do que membros desse partido entendem que deva ser uma democracia.
A fórmula não é muito original. O decreto cria um sistema para que a "sociedade civil" participe diretamente em "todos os órgãos e entidades da administração pública federal direta e indireta", e também nas agências reguladoras, através de conselhos, comissões, conferências, ouvidorias, mesas de diálogo, etc. Tudo isso tem, segundo o decreto, o objetivo de "consolidar a participação social como método de governo". Ora, a participação social numa democracia representativa se dá através dos seus representantes no Congresso, legitimamente eleitos. O que se vê é que a companheira Dilma não concorda com o sistema representativo brasileiro, definido pela Assembleia Constituinte de 1988, e quer, por decreto, instituir outra fonte de poder: a "participação direta".
Não se trata de um ato ingênuo, como se a Presidência da República tivesse descoberto uma nova forma de fazer democracia, mais aberta e menos "burocrática". O Decreto 8.243, apesar das suas palavras de efeito, tem - isso sim - um efeito profundamente antidemocrático. Ele fere o princípio básico da igualdade democrática ("uma pessoa, um voto") ao propiciar que alguns determinados cidadãos, aqueles que são politicamente alinhados a uma ideia, sejam mais ouvidos.
A participação em movimentos sociais, em si legítima, não pode significar um aumento do poder político institucional, que é o que em outras palavras estabelece o tal decreto. Institucionaliza-se assim a desigualdade, especialmente quando o Partido (leia-se, o Governo) subvenciona e controla esses "movimentos sociais".
O grande desafio da democracia - e, ao mesmo tempo, o grande mérito da democracia representativa - é dar voz a todos os cidadãos, com independência da sua atuação e do seu grau de conscientização. Não há cidadãos de primeira e de segunda categoria, discriminação que por decreto a presidente Dilma Rousseff pretende instituir, ao criar canais específicos para que uns sejam mais ouvidos do que outros. Ou ela acha que a maioria dos brasileiros, que trabalha a semana inteira, terá tempo para participar de todas essas audiências, comissões, conselhos e mesas de diálogo?
Ao longo do decreto fica explícito o sofisma que o sustenta: a ideia de que os "movimentos sociais" são a mais pura manifestação da democracia. A História mostra o contrário. Onde não há a institucionalização do poder, há a institucionalização da lei do mais forte. Por isso, o Estado Democrático de Direito significou um enorme passo civilizatório, ao institucionalizar no voto individual e secreto a origem do poder estatal. Quando se criam canais paralelos de poder, não legitimados pelas urnas, inverte-se a lógica do sistema. No mínimo, a companheira Dilma e os seus amigos precisariam para esse novo arranjo de uma nova Constituição, que já não seria democrática. No entanto, tiveram o descaramento de fazê-lo por decreto.
Querem reprisar o engodo totalitário, vendendo um mundo romântico, mas entregando o mais frio e cinzento dos mundos, onde uns poucos pretendem dominar muitos. Em resumo: é mais um ato inconstitucional da presidente Dilma. Que o Congresso esteja atento - não apenas o STF, para declarar a inconstitucionalidade do decreto -, já que a mensagem subliminar em toda essa história é a de que o Poder Legislativo é dispensável.
Manifestações desrespeitam direitos individuais - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 29/05
Milhões têm sido atormentados por grupos organizados que, sob diversos pretextos, fecham vias essenciais diante da passividade do poder público
Faz quase um ano que as principais cidades brasileiras convivem com manifestações de rua. Muito natural num regime democrático, em que uma das características é a garantia à liberdade de expressão. Mas não é simples assim.
Em junho do ano passado, o país viu surgir um movimento de características especiais: fermentado nas redes sociais na internet, sem ligações com sindicatos, à margem do comando da cúpula de partidos como o PT e suas máquinas de fazer mobilizações políticas.
Em algumas passeatas, bandeiras e faixas de partidos foram proibidos. Ficava entendido que se tratava de uma erupção social suprapartidária causada pelo cansaço de cidadãos de diversos extratos sociais diante do descaso do poder público com serviços essenciais — educação, saúde e transporte.
Houve simpatia com o gesto. Mas, não muito tempo depois, os manifestantes de junho foram banidos das ruas por sindicalistas e militantes partidários. Grupos de vândalos passaram a se aproveitar para promover depredações, até que dois deles assassinaram, no Rio, o cinegrafista da Bandeirantes, Santiago Andrade.
Há meses, cidades como Rio e São Paulo são forçadas a incorporar a seu cotidiano uma infinidade de manifestações de rua, algumas muito violentas. Incendiar ônibus passou a ser perigosa rotina, sempre em prejuízo da maioria da população, a que se utiliza do transporte coletivo.
A vida de milhões pessoas tem sido atormentada por grupos organizados que, sob os mais diversos pretextos, fecham vias essenciais. A PM, por sua vez, evita agir com violência — o que não é mal —, porém, como falta um protocolo de operação pelo qual direitos individuais sejam protegidos, sem excessos policiais, tudo continua na mesma. E quaisquer 50 pessoas podem paralisar amplas áreas de Rio, São Paulo ou qualquer outra cidade, em prejuízo, por exemplo, do atendimento de emergência à população, pois ambulâncias, patrulhas e bombeiros também são apanhados pelos enormes engarrafamentos.
É de extrema oportunidade, então, um insuspeito manifesto lançado por professores e pesquisadores universitários — entre eles, Alba Zaluar e Simon Schwartzman — em que é exigido do poder público que “preserve o direito de ir e vir a todos aos cidadãos, não apenas aos grupos de manifestantes”. É criticada a passividade das autoridades diante da situação. O documento alerta que o efeito deste absoluto desregramento é o descrédito das próprias manifestações — “isso não é democracia, mas prepara sua destruição”.
Já passou, portanto, da hora de os governos agirem. Basta exigirem o cumprimento do que já estabelece a legislação, inclusive a Constituição. Falta decisão política para se fazer o óbvio.
Milhões têm sido atormentados por grupos organizados que, sob diversos pretextos, fecham vias essenciais diante da passividade do poder público
Faz quase um ano que as principais cidades brasileiras convivem com manifestações de rua. Muito natural num regime democrático, em que uma das características é a garantia à liberdade de expressão. Mas não é simples assim.
Em junho do ano passado, o país viu surgir um movimento de características especiais: fermentado nas redes sociais na internet, sem ligações com sindicatos, à margem do comando da cúpula de partidos como o PT e suas máquinas de fazer mobilizações políticas.
Em algumas passeatas, bandeiras e faixas de partidos foram proibidos. Ficava entendido que se tratava de uma erupção social suprapartidária causada pelo cansaço de cidadãos de diversos extratos sociais diante do descaso do poder público com serviços essenciais — educação, saúde e transporte.
Houve simpatia com o gesto. Mas, não muito tempo depois, os manifestantes de junho foram banidos das ruas por sindicalistas e militantes partidários. Grupos de vândalos passaram a se aproveitar para promover depredações, até que dois deles assassinaram, no Rio, o cinegrafista da Bandeirantes, Santiago Andrade.
Há meses, cidades como Rio e São Paulo são forçadas a incorporar a seu cotidiano uma infinidade de manifestações de rua, algumas muito violentas. Incendiar ônibus passou a ser perigosa rotina, sempre em prejuízo da maioria da população, a que se utiliza do transporte coletivo.
A vida de milhões pessoas tem sido atormentada por grupos organizados que, sob os mais diversos pretextos, fecham vias essenciais. A PM, por sua vez, evita agir com violência — o que não é mal —, porém, como falta um protocolo de operação pelo qual direitos individuais sejam protegidos, sem excessos policiais, tudo continua na mesma. E quaisquer 50 pessoas podem paralisar amplas áreas de Rio, São Paulo ou qualquer outra cidade, em prejuízo, por exemplo, do atendimento de emergência à população, pois ambulâncias, patrulhas e bombeiros também são apanhados pelos enormes engarrafamentos.
É de extrema oportunidade, então, um insuspeito manifesto lançado por professores e pesquisadores universitários — entre eles, Alba Zaluar e Simon Schwartzman — em que é exigido do poder público que “preserve o direito de ir e vir a todos aos cidadãos, não apenas aos grupos de manifestantes”. É criticada a passividade das autoridades diante da situação. O documento alerta que o efeito deste absoluto desregramento é o descrédito das próprias manifestações — “isso não é democracia, mas prepara sua destruição”.
Já passou, portanto, da hora de os governos agirem. Basta exigirem o cumprimento do que já estabelece a legislação, inclusive a Constituição. Falta decisão política para se fazer o óbvio.
Agir contra abusos - EDITORIAL FOLHA DE SP
FOLHA DE SP - 29/05
Governo acerta ao enfrentar na Justiça paralisações cuja ilegalidade é patente; Legislativo precisa disciplinar greve de servidor público
Diante da multiplicação de greves nos setores público e privado, o governo federal, por meio da Advocacia-Geral da União (AGU), decidiu intimidar movimentos paredistas em pelo menos um setor de particular importância estratégica para o país: a segurança.
Somando-se aos esforços das administrações estaduais, ações serão protocoladas na Justiça Federal contra paralisações das polícias. Haverá, além disso, processos pedindo o ressarcimento de eventuais despesas decorrentes do emprego de forças emergenciais para garantir a lei e a ordem pública.
A iniciativa vem em boa hora. A exposição mundial propiciada pela Copa e as pressões do calendário eleitoral tornam o período propício para movimentos reivindicatórios. Se muitos grupos nada mais fazem do que legitimamente aproveitar a conjuntura favorável, outros descambam para o abuso e a ilegalidade --e estes últimos não podem passar impunes.
Verificam-se desmandos, sem dúvida, quando não se mantêm percentuais mínimos de atendimento aos serviços essenciais. E, de forma ainda mais patente, quando policiais militares resolvem fazer greves --que, embora vedadas pela Constituição, se repetem com frequência inaceitável, deixando a população à mercê dos criminosos.
A mais recente delas, duas semanas atrás, em Pernambuco, foi considerada ilegal pelo Tribunal de Justiça daquele Estado. Na Justiça Federal, o governo computou nesta semana o primeiro êxito de sua estratégia: associações apontadas como responsáveis pela paralisação viram-se obrigadas a pagar, juntas, um total de R$ 1,1 milhão.
O montante equivale ao que, segundo a AGU, foi despendido (em itens como alimentação, manutenção de viaturas e combustível) para mobilizar 177 agentes da Força Nacional de Segurança, por exemplo.
É melhor, de fato, que essa operação emergencial seja bancada por quem a tornou necessária, e não pelos cofres públicos --ou seja, pelo conjunto da sociedade.
Mirar o bolso de grevistas é uma maneira de tornar menos banais as paralisações abusivas; sendo mais custosas, serão utilizadas apenas em situações excepcionais.
Isso não resolve todas as dificuldades, contudo. O que fazer quando sindicatos recusam a paternidade dos movimentos? E como fixar o limiar da legalidade quando estão envolvidos servidores públicos que não são proibidos, por lei, de cruzar os braços?
A primeira pergunta exige debate caso a caso. A segunda requer solução normativa: o Congresso precisa aprovar, o quanto antes, projeto de lei para disciplinar o direito de greve do funcionalismo.
O Judiciário tem declarado a ilegalidade de paralisações abusivas; o Executivo parece sensível à crescente insatisfação da sociedade. Falta o Legislativo fazer a sua parte.
Governo acerta ao enfrentar na Justiça paralisações cuja ilegalidade é patente; Legislativo precisa disciplinar greve de servidor público
Diante da multiplicação de greves nos setores público e privado, o governo federal, por meio da Advocacia-Geral da União (AGU), decidiu intimidar movimentos paredistas em pelo menos um setor de particular importância estratégica para o país: a segurança.
Somando-se aos esforços das administrações estaduais, ações serão protocoladas na Justiça Federal contra paralisações das polícias. Haverá, além disso, processos pedindo o ressarcimento de eventuais despesas decorrentes do emprego de forças emergenciais para garantir a lei e a ordem pública.
A iniciativa vem em boa hora. A exposição mundial propiciada pela Copa e as pressões do calendário eleitoral tornam o período propício para movimentos reivindicatórios. Se muitos grupos nada mais fazem do que legitimamente aproveitar a conjuntura favorável, outros descambam para o abuso e a ilegalidade --e estes últimos não podem passar impunes.
Verificam-se desmandos, sem dúvida, quando não se mantêm percentuais mínimos de atendimento aos serviços essenciais. E, de forma ainda mais patente, quando policiais militares resolvem fazer greves --que, embora vedadas pela Constituição, se repetem com frequência inaceitável, deixando a população à mercê dos criminosos.
A mais recente delas, duas semanas atrás, em Pernambuco, foi considerada ilegal pelo Tribunal de Justiça daquele Estado. Na Justiça Federal, o governo computou nesta semana o primeiro êxito de sua estratégia: associações apontadas como responsáveis pela paralisação viram-se obrigadas a pagar, juntas, um total de R$ 1,1 milhão.
O montante equivale ao que, segundo a AGU, foi despendido (em itens como alimentação, manutenção de viaturas e combustível) para mobilizar 177 agentes da Força Nacional de Segurança, por exemplo.
É melhor, de fato, que essa operação emergencial seja bancada por quem a tornou necessária, e não pelos cofres públicos --ou seja, pelo conjunto da sociedade.
Mirar o bolso de grevistas é uma maneira de tornar menos banais as paralisações abusivas; sendo mais custosas, serão utilizadas apenas em situações excepcionais.
Isso não resolve todas as dificuldades, contudo. O que fazer quando sindicatos recusam a paternidade dos movimentos? E como fixar o limiar da legalidade quando estão envolvidos servidores públicos que não são proibidos, por lei, de cruzar os braços?
A primeira pergunta exige debate caso a caso. A segunda requer solução normativa: o Congresso precisa aprovar, o quanto antes, projeto de lei para disciplinar o direito de greve do funcionalismo.
O Judiciário tem declarado a ilegalidade de paralisações abusivas; o Executivo parece sensível à crescente insatisfação da sociedade. Falta o Legislativo fazer a sua parte.
Como conter o brasilicídio? - EDITORIAL ZERO HORA
ZERO HORA - 29/05
O Brasil está diante de um retrato sem retoques de uma de suas mazelas históricas. É o estudo sobre homicídios no país, segundo o qual a taxa de assassinatos em 2012 é a mais alta desde 1980. Foram mortas 56,3 mil pessoas, uma taxa de 29 vítimas por 100 mil habitantes. É a comprovação da falência das políticas públicas na área da segurança e das deficiências dos planos de prevenção contra a delinquência e até mesmo da insuficiência de programas de transferência de renda. O estudo do Sistema de Informações de Mortalidade, do Ministério da Saúde, confronta os brasileiros com uma realidade que avanços econômicos e sociais não conseguem mascarar e que está a exigir abordagem urgente não só das autoridades, mas de todos os que se dedicam à compreensão dos fenômenos relacionados com a violência.
Não há, no entanto, com o que se surpreender. A pesquisa consolida dados alarmantes, que se repetem ano a ano, e refletem uma realidade que está nas ruas. A sensação de insegurança amplia-se na medida em que o Brasil se transforma num país violento, com índices de homicídio comparáveis aos de cenários de guerra. Somente entre 2011 e 2012, o número de assassinatos cresceu 7,9%. De cada três crimes, em dois as vítimas são negras. A crueldade que leva a morte, às vezes em circunstâncias aparentemente banais, passa a crescer num ritmo maior em cidades do Interior. As migrações fortalecem e, ao mesmo tempo, degradam novos polos regionais. O tráfico, o acesso a armas, a impunidade e a banalização da resolução de conflitos com mortes são apenas parte das explicações.
Tudo fica ainda mais assustador, para quem tenta compreender a desconexão entre melhorias sociais e aumento de homicídios, quando as taxas de assassinatos do Brasil são confrontadas com as de outros países. No Japão, o índice é de apenas 0,3 assassinatos por 100 mil, ou seja, temos aqui uma taxa cem vezes maior. Na comparação com vizinhos, como o Uruguai, também ficamos em situação vexatória. Os uruguaios têm um índice de nove por 100 mil, mesmo que também venham enfrentando aumento da criminalidade. Os gaúchos não têm com o que se consolar _ a taxa no Estado é de 21,9 por 100 mil.
O estudo não se propõe a indicar soluções, e são conhecidas as análises sobre o esgotamento das ações na área de segurança, incapazes de contemplar as mudanças estruturais no perfil da criminalidade. O Brasil deve admitir, a partir de análises como essa, que suas polícias estão superadas, que o sistema penitenciário faliu e que as instituições, inclusive a Justiça, estão com a imagem abalada junto à sociedade. As estatísticas sobre homicídios também desafiam os candidatos a formular propostas concretas, e não mensagens vagas e genéricas, para que o país enfrente uma situação degradante para uma nação que aspira ser potência mundial.
O Brasil está diante de um retrato sem retoques de uma de suas mazelas históricas. É o estudo sobre homicídios no país, segundo o qual a taxa de assassinatos em 2012 é a mais alta desde 1980. Foram mortas 56,3 mil pessoas, uma taxa de 29 vítimas por 100 mil habitantes. É a comprovação da falência das políticas públicas na área da segurança e das deficiências dos planos de prevenção contra a delinquência e até mesmo da insuficiência de programas de transferência de renda. O estudo do Sistema de Informações de Mortalidade, do Ministério da Saúde, confronta os brasileiros com uma realidade que avanços econômicos e sociais não conseguem mascarar e que está a exigir abordagem urgente não só das autoridades, mas de todos os que se dedicam à compreensão dos fenômenos relacionados com a violência.
Não há, no entanto, com o que se surpreender. A pesquisa consolida dados alarmantes, que se repetem ano a ano, e refletem uma realidade que está nas ruas. A sensação de insegurança amplia-se na medida em que o Brasil se transforma num país violento, com índices de homicídio comparáveis aos de cenários de guerra. Somente entre 2011 e 2012, o número de assassinatos cresceu 7,9%. De cada três crimes, em dois as vítimas são negras. A crueldade que leva a morte, às vezes em circunstâncias aparentemente banais, passa a crescer num ritmo maior em cidades do Interior. As migrações fortalecem e, ao mesmo tempo, degradam novos polos regionais. O tráfico, o acesso a armas, a impunidade e a banalização da resolução de conflitos com mortes são apenas parte das explicações.
Tudo fica ainda mais assustador, para quem tenta compreender a desconexão entre melhorias sociais e aumento de homicídios, quando as taxas de assassinatos do Brasil são confrontadas com as de outros países. No Japão, o índice é de apenas 0,3 assassinatos por 100 mil, ou seja, temos aqui uma taxa cem vezes maior. Na comparação com vizinhos, como o Uruguai, também ficamos em situação vexatória. Os uruguaios têm um índice de nove por 100 mil, mesmo que também venham enfrentando aumento da criminalidade. Os gaúchos não têm com o que se consolar _ a taxa no Estado é de 21,9 por 100 mil.
O estudo não se propõe a indicar soluções, e são conhecidas as análises sobre o esgotamento das ações na área de segurança, incapazes de contemplar as mudanças estruturais no perfil da criminalidade. O Brasil deve admitir, a partir de análises como essa, que suas polícias estão superadas, que o sistema penitenciário faliu e que as instituições, inclusive a Justiça, estão com a imagem abalada junto à sociedade. As estatísticas sobre homicídios também desafiam os candidatos a formular propostas concretas, e não mensagens vagas e genéricas, para que o país enfrente uma situação degradante para uma nação que aspira ser potência mundial.
Mais vergonha na educação - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE
CORREIO BRAZILIENSE - 29/05
Seis das instituições superiores de ensino classificadas até o 10º lugar entre as mais qualificadas da América Latina são brasileiras. Duas delas estão empatadas na 10ª colocação: as universidade federais de Minas Gerais (UFMG) e do Rio Grande do Sul (UFRGS). Entre as 20 primeiras, 10 são do Brasil, sendo que a Universidade de Brasília (UnB) ficou em 17º, subindo quatro posições em relação a 2013.
Até aqui, parece que estamos bem no ranking internacional. Não é verdade. Primeiro, a Universidade de São Paulo (USP), no topo, havia três anos, caiu para a segunda colocação, superada pela Pontificia Universidad Católica (PUC) de Chile. Segundo, que, aberto o leque da pesquisa até cobrir o mundo inteiro, não temos nenhuma instituição do gênero nem sequer entre as 200 melhores.
Tanto o estudo que cobre apenas a América Latina quanto o universal foram produzidos por instituições britânicas. O latino-americano, feito pela consultoria Quacquarelli Symonds (QS), foi divulgado na última terça-feira. O mundial, da publicação Times Higher Education, saiu em outubro do ano passado. Por essa última, a USP, que antes figurava em 158º lugar, passou a ser situada entre a 226ª e a 250ª posições. Já a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), terceira do subcontinente, não ficou nem entre as 300 primeiras do mundo.
Isso posto, vê-se quão longo é o caminho até que o Brasil consiga fazer da educação um motor para o desenvolvimento e a inserção no Primeiro Mundo. E o retrato pode ser ainda pior. É só constatar, por exemplo, que, além do ensino superior ser ruim, poucos conseguem alcançá-lo neste país. É o que expressa outro ranking, este do Fórum Econômico Mundial de 2013, pelo qual a taxa brasileira de matrícula no 3º grau é apenas a 76ª entre as de 122 nações. Aliás, o ensino nacional como um todo mereceu o 88º lugar nesse estudo.
Como essas avaliações adotam critérios diversos, vale dizer que a situação é feia por qualquer ângulo que seja examinada. Bom, no 3º grau, pode-se afirmar que é ainda pior vista a partir do setor privado. No ranking da consultoria QS, das 10 instituições superiores brasileiras classificadas até a 20ª colocação na América Latina, nove são públicas. Ou seja, salva-se apenas uma particular, a PUC do Rio de Janeiro, com a proeza de um 13º lugar. Note-se que a chilena primeiríssima colocada é também uma Pontifícia Universidade Católica.
Se ainda faltasse argumento para definir o quadro como preocupante, bastaria atentar para o que ocorre em nossa melhor universidade. Justo neste momento, a USP, que acaba de perder o pódio latino-americano, está metida numa crise financeira, com funcionários e professores de braços cruzados por melhorias salariais. E assim segue a educação brasileira. Até quando?
Até aqui, parece que estamos bem no ranking internacional. Não é verdade. Primeiro, a Universidade de São Paulo (USP), no topo, havia três anos, caiu para a segunda colocação, superada pela Pontificia Universidad Católica (PUC) de Chile. Segundo, que, aberto o leque da pesquisa até cobrir o mundo inteiro, não temos nenhuma instituição do gênero nem sequer entre as 200 melhores.
Tanto o estudo que cobre apenas a América Latina quanto o universal foram produzidos por instituições britânicas. O latino-americano, feito pela consultoria Quacquarelli Symonds (QS), foi divulgado na última terça-feira. O mundial, da publicação Times Higher Education, saiu em outubro do ano passado. Por essa última, a USP, que antes figurava em 158º lugar, passou a ser situada entre a 226ª e a 250ª posições. Já a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), terceira do subcontinente, não ficou nem entre as 300 primeiras do mundo.
Isso posto, vê-se quão longo é o caminho até que o Brasil consiga fazer da educação um motor para o desenvolvimento e a inserção no Primeiro Mundo. E o retrato pode ser ainda pior. É só constatar, por exemplo, que, além do ensino superior ser ruim, poucos conseguem alcançá-lo neste país. É o que expressa outro ranking, este do Fórum Econômico Mundial de 2013, pelo qual a taxa brasileira de matrícula no 3º grau é apenas a 76ª entre as de 122 nações. Aliás, o ensino nacional como um todo mereceu o 88º lugar nesse estudo.
Como essas avaliações adotam critérios diversos, vale dizer que a situação é feia por qualquer ângulo que seja examinada. Bom, no 3º grau, pode-se afirmar que é ainda pior vista a partir do setor privado. No ranking da consultoria QS, das 10 instituições superiores brasileiras classificadas até a 20ª colocação na América Latina, nove são públicas. Ou seja, salva-se apenas uma particular, a PUC do Rio de Janeiro, com a proeza de um 13º lugar. Note-se que a chilena primeiríssima colocada é também uma Pontifícia Universidade Católica.
Se ainda faltasse argumento para definir o quadro como preocupante, bastaria atentar para o que ocorre em nossa melhor universidade. Justo neste momento, a USP, que acaba de perder o pódio latino-americano, está metida numa crise financeira, com funcionários e professores de braços cruzados por melhorias salariais. E assim segue a educação brasileira. Até quando?
A garantia da presidente - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo - 29/05
A presidente Dilma Rousseff desafiou abertamente o movimento "Não vai ter Copa", quase ao mesmo tempo que, na terça-feira, cerca de 2,5 mil índios e sem-teto pararam Brasília para protestar contra a Copa - foram impedidos pela PM de chegar ao Estádio Mané Garrincha, onde a taça está exposta, porque poderiam danificá-la ou dela se apropriar como seu troféu -, e foram dispersados a bombas de gás e de efeito moral, depois de reagir ao bloqueio até com a arma letal do arco e flecha.
Reunida em palácio com empresários de 35 setores da atividade, garantiu: "Não vai ter baderna". Foi a forma que encontrou para advertir os ativistas de que serão reprimidos caso ameacem reproduzir os distúrbios que marcaram a Copa das Confederações, em junho do ano passado. "Aquelas cenas", afirmou, "não vão se repetir." O governo, acrescentou, não permitirá que "encostem um dedo" nas delegações estrangeiras. Na segunda-feira, na ida e na chegada à concentração da Granja Comary, em Teresópolis, o ônibus da seleção foi alvo de protesto. Mas o máximo que os manifestantes fizeram foi colar adesivos no veículo.
Como quem suspeita que possa não ter sido captada em todas as suas implicações a mensagem de que o governo agirá preventivamente em defesa da paz pública e da "imagem do País", Dilma falou de sua disposição de "chamar o Exército". Mais do que isso, informou já ter oferecido a ajuda da Força aos Estados onde se situam as 12 cidades-sede da competição. As tropas serão despachadas assim que os governadores as requisitarem. A presidente deixou claro que, a depender dela, deveriam ir para as ruas, não como última, mas primeira linha de defesa, antes mesmo de qualquer manifestação.
Se é nítida a fronteira entre o exercício da livre expressão e a sua degradação em violências contra o patrimônio público e privado, cuja repressão é dever do Estado - como Dilma está de todo ciente -, há quem diga que o mesmo não se aplica quando o direito democrático de falar o que se queira, ainda que sem agressões ou depredações, interfira no direito da maioria de se dirigir aonde queira acompanhar os jogos, sujeita apenas ao inevitável agravamento dos problemas de circulação provocados pelo próprio evento. (Na reunião com os empresários, o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, contou que, na Olimpíada de 2012 em Londres, ficou preso uma hora e meia em um engarrafamento.)
A distinção, no entanto, procede também. Das tantas coisas de que o País ainda não se deu conta sobre os imperativos da prática democrática, está a de que a coesão de uma sociedade pressupõe, entre outros valores, o da prevalência dos interesses legítimos do grande número, ainda que atomizado, sobre os de grupos menores, ainda que organizados. Sobre estes é que deveria recair a responsabilidade de subordinar as suas aparições públicas a favor ou contra seja lá o que for ao direito dos demais - a começar pelo de ir e vir em paz e segurança. Todo ato que o obste, mesmo em defesa de causas presumivelmente justas para a coletividade, é uma forma de violência social. O "Não vai ter Copa" é isso.
O pior é que o movimento que acha que o Brasil tem carências demais para se permitir realizá-la - superestimando toscamente os seus custos efetivos e subestimando os seus benefícios potenciais - está longe de ser o mais nocivo para milhões de moradores das nossas metrópoles. É da lógica das coisas que diversas categorias profissionais, quase sempre do setor público, apostando na vulnerabilidade dos seus interlocutores, tomem carona na Copa para fazer praça de suas reivindicações, infladas, de resto, pelo momento. O resultado é o sequestro das cidades, dia sim, o outro também.
A tal ponto chegou o transtorno que até ontem mais de 300 pessoas haviam assinado uma petição de acadêmicos lançada dias antes na internet pedindo "um basta" às passeatas abusivas, cobrando das autoridades que preservem o direito de ir e vir de todos os cidadãos e denunciando a "escalada antidemocrática das manifestações que não respeitam os direitos elementares" das populações.
A presidente Dilma Rousseff desafiou abertamente o movimento "Não vai ter Copa", quase ao mesmo tempo que, na terça-feira, cerca de 2,5 mil índios e sem-teto pararam Brasília para protestar contra a Copa - foram impedidos pela PM de chegar ao Estádio Mané Garrincha, onde a taça está exposta, porque poderiam danificá-la ou dela se apropriar como seu troféu -, e foram dispersados a bombas de gás e de efeito moral, depois de reagir ao bloqueio até com a arma letal do arco e flecha.
Reunida em palácio com empresários de 35 setores da atividade, garantiu: "Não vai ter baderna". Foi a forma que encontrou para advertir os ativistas de que serão reprimidos caso ameacem reproduzir os distúrbios que marcaram a Copa das Confederações, em junho do ano passado. "Aquelas cenas", afirmou, "não vão se repetir." O governo, acrescentou, não permitirá que "encostem um dedo" nas delegações estrangeiras. Na segunda-feira, na ida e na chegada à concentração da Granja Comary, em Teresópolis, o ônibus da seleção foi alvo de protesto. Mas o máximo que os manifestantes fizeram foi colar adesivos no veículo.
Como quem suspeita que possa não ter sido captada em todas as suas implicações a mensagem de que o governo agirá preventivamente em defesa da paz pública e da "imagem do País", Dilma falou de sua disposição de "chamar o Exército". Mais do que isso, informou já ter oferecido a ajuda da Força aos Estados onde se situam as 12 cidades-sede da competição. As tropas serão despachadas assim que os governadores as requisitarem. A presidente deixou claro que, a depender dela, deveriam ir para as ruas, não como última, mas primeira linha de defesa, antes mesmo de qualquer manifestação.
Se é nítida a fronteira entre o exercício da livre expressão e a sua degradação em violências contra o patrimônio público e privado, cuja repressão é dever do Estado - como Dilma está de todo ciente -, há quem diga que o mesmo não se aplica quando o direito democrático de falar o que se queira, ainda que sem agressões ou depredações, interfira no direito da maioria de se dirigir aonde queira acompanhar os jogos, sujeita apenas ao inevitável agravamento dos problemas de circulação provocados pelo próprio evento. (Na reunião com os empresários, o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, contou que, na Olimpíada de 2012 em Londres, ficou preso uma hora e meia em um engarrafamento.)
A distinção, no entanto, procede também. Das tantas coisas de que o País ainda não se deu conta sobre os imperativos da prática democrática, está a de que a coesão de uma sociedade pressupõe, entre outros valores, o da prevalência dos interesses legítimos do grande número, ainda que atomizado, sobre os de grupos menores, ainda que organizados. Sobre estes é que deveria recair a responsabilidade de subordinar as suas aparições públicas a favor ou contra seja lá o que for ao direito dos demais - a começar pelo de ir e vir em paz e segurança. Todo ato que o obste, mesmo em defesa de causas presumivelmente justas para a coletividade, é uma forma de violência social. O "Não vai ter Copa" é isso.
O pior é que o movimento que acha que o Brasil tem carências demais para se permitir realizá-la - superestimando toscamente os seus custos efetivos e subestimando os seus benefícios potenciais - está longe de ser o mais nocivo para milhões de moradores das nossas metrópoles. É da lógica das coisas que diversas categorias profissionais, quase sempre do setor público, apostando na vulnerabilidade dos seus interlocutores, tomem carona na Copa para fazer praça de suas reivindicações, infladas, de resto, pelo momento. O resultado é o sequestro das cidades, dia sim, o outro também.
A tal ponto chegou o transtorno que até ontem mais de 300 pessoas haviam assinado uma petição de acadêmicos lançada dias antes na internet pedindo "um basta" às passeatas abusivas, cobrando das autoridades que preservem o direito de ir e vir de todos os cidadãos e denunciando a "escalada antidemocrática das manifestações que não respeitam os direitos elementares" das populações.
COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO
“Eu me nego a fazer sessão durante jogos da seleção brasileira”
Deputado Marco Maia (PT-RS) sem mostrar pressa na relatoria da CPMI da Petrobras
ANDRÉ VARGAS MANOBRA PARA SE MANTER ELEGÍVEL
Enrolado até o pescoço com o doleiro Alberto Youssef, para quem operava junto ao governo federal, o ex-vice-presidente da Câmara André Vargas (PR) procurou deputados em busca de apoio para se manter na Casa até dezembro. Vargas, que foi desligado do PT após o escândalo, quer aproveitar a Copa e as eleições para empurrar o processo de cassação até o fim do mandato, e sair impune e elegível.
FICHA QUASE SUJA
A Lei Ficha Limpa torna o parlamentar cassado inelegível por oito anos. Caso se safe do processo, Vargas pode se candidatar já em 2016.
APENAS SUSPENSÃO
Após a Câmara punir Carlos Lereia (PSDB-GO) com suspensão de 90 dias, o PT aposta na mesma alternativa para livrar André Vargas.
DIFICULDADE
A dificuldade do PT para convencer o plenário a apenas suspender André Vargas é que o deputado sócio de Youssef mentiu na tribuna.
LITERATURA MASTIGADA
Lula e Evo Morales anunciaram que escreverão um livro. O primeiro no mundo a quatro mãos e 19 dedos, em 20 folhas de coca. E em branco.
PESQUISA REVELA QUE ARRUDA CAIU 10 PONTOS NO DF
O ex-governador José Roberto Arruda (PR) caiu mais de 10 pontos percentuais nas intenções de voto para o governo do Distrito Federal, entre março e maio, segundo pesquisa do Instituto O&P. Em dois meses, ele despencou de 33% para 22,9%. O atual governador, Agnelo Queiroz (PT), candidato à reeleição, subiu de 12,7%, em março, para 15,8%. Rodrigo Rollemberg (PSB) aparece em terceiro com 8,7%.
FATOR AÉCIO
Candidato do PSDB, deputado Luiz Pitiman foi quem mais cresceu proporcionalmente no DF em maio: passou de 2,5% em março para 4,6%.
REGISTRO
O Instituto O&P ouviu mil eleitores entre 16 e 20 de maio, no DF. A pesquisa está registrada na Justiça Eleitoral sob o nº BR 118/2014.
RUMO AO ATRASO
Agora, mais que nunca, no exterior têm certeza de que há macacos, cobras, onças, e elefantes nas ruas do Brasil, e índios atirando flechas.
ÁGUAS DE JUNHO
O tucano José Serra (SP) afirma que não será vice do desafeto Aécio Neves (MG), mas tudo não passa de jogo político. Na verdade, ele jamais foi convidado para ocupar essa posição. Mas o será.
FOGO AMIGO
Havia estupefação no Planalto, ontem, com a denúncia do empresário Caio Gorentzvaig, do setor petroquímico, sobre negócios suspeitos de José Dirceu na Petrobras. Não pela gravidade da mutreta, mas porque Caio é amigo pessoal do senador Renan Calheiros, aliado do governo.
SUPERFATURAMENTO
Caio Gorentzvaig diz que pode provar que José Dirceu influiu para que a petroquímica Suzano, valendo R$ 1,2 bilhão na bolsa, fosse adquirida pela Petrobras por R$ 2,7 bilhões, além da dívida de R$ 1,4 bilhão.
HESITAÇÃO
Kassab estava animado em ser vice na chapa de Geraldo Alckmin (PSDB), mas como não esquece do tratamento que recebia do governador paulista, ele ainda prefere apoiar Paulo Skaf (PMDB).
BIG BROTHER
O governo belga criou um site para monitorar a segurança dos cerca de três mil torcedores na Copa, com contato de e-mail, hospedagem, voos e dicas de segurança “em caso de necessidade”, diz o jornal Le Soir.
FALSO TESTEMUNHO
Nº 2 do Ministério da Previdência, Carlos Gabas recebeu “desagravo” do chefão da Confederação Nacional do Comércio, Antonio de Oliveira Santos. É que o presidente da Fecomércio-PI, Valdeci Cavalcanti, o acusa de crime de “falso testemunho” em ação na Justiça paulista.
GUERRA DE NANICOS
O empresário mineiro Bertolino Ricardo se lançou pré-candidato ao Planalto pelo nanico Partido Ecológico Nacional (PEN). Vai desafiar a ex-diretora da Agência Nacional de Aviação Civil Denise Abreu.
FOI PARA PROTEGER
Escreveram muitas tolices sobre o conflito de Brasília, até que a PM agiu porque os manifestantes “se aproximaram perigosamente do estádio”.
A PM agiu para proteger mil crianças que esperavam na fila para ver a Taça, exposta no estacionamento do Mané Garrincha.
PENSANDO BEM...
...vem aí uma nova descoberta do Brasil, após o retorno aos jegues e às flechadas de índios.
PODER SEM PUDOR
BOIA GARANTIDA
À saída do 10º andar da Câmara, onde fica o restaurante dos deputados, uma família de Goiás certa vez esmolava ajuda para voltar ao estado. O deputado Marcelo Ortiz (PV-SP) se livrou dos pedintes apontando para um colega:
- As passagens eu não garanto, mas chegou o homem da boia...
E saiu de fininho.
Referia-se à aproximação do deputado Jurandir Boia (PSB-AL)
Deputado Marco Maia (PT-RS) sem mostrar pressa na relatoria da CPMI da Petrobras
ANDRÉ VARGAS MANOBRA PARA SE MANTER ELEGÍVEL
Enrolado até o pescoço com o doleiro Alberto Youssef, para quem operava junto ao governo federal, o ex-vice-presidente da Câmara André Vargas (PR) procurou deputados em busca de apoio para se manter na Casa até dezembro. Vargas, que foi desligado do PT após o escândalo, quer aproveitar a Copa e as eleições para empurrar o processo de cassação até o fim do mandato, e sair impune e elegível.
FICHA QUASE SUJA
A Lei Ficha Limpa torna o parlamentar cassado inelegível por oito anos. Caso se safe do processo, Vargas pode se candidatar já em 2016.
APENAS SUSPENSÃO
Após a Câmara punir Carlos Lereia (PSDB-GO) com suspensão de 90 dias, o PT aposta na mesma alternativa para livrar André Vargas.
DIFICULDADE
A dificuldade do PT para convencer o plenário a apenas suspender André Vargas é que o deputado sócio de Youssef mentiu na tribuna.
LITERATURA MASTIGADA
Lula e Evo Morales anunciaram que escreverão um livro. O primeiro no mundo a quatro mãos e 19 dedos, em 20 folhas de coca. E em branco.
PESQUISA REVELA QUE ARRUDA CAIU 10 PONTOS NO DF
O ex-governador José Roberto Arruda (PR) caiu mais de 10 pontos percentuais nas intenções de voto para o governo do Distrito Federal, entre março e maio, segundo pesquisa do Instituto O&P. Em dois meses, ele despencou de 33% para 22,9%. O atual governador, Agnelo Queiroz (PT), candidato à reeleição, subiu de 12,7%, em março, para 15,8%. Rodrigo Rollemberg (PSB) aparece em terceiro com 8,7%.
FATOR AÉCIO
Candidato do PSDB, deputado Luiz Pitiman foi quem mais cresceu proporcionalmente no DF em maio: passou de 2,5% em março para 4,6%.
REGISTRO
O Instituto O&P ouviu mil eleitores entre 16 e 20 de maio, no DF. A pesquisa está registrada na Justiça Eleitoral sob o nº BR 118/2014.
RUMO AO ATRASO
Agora, mais que nunca, no exterior têm certeza de que há macacos, cobras, onças, e elefantes nas ruas do Brasil, e índios atirando flechas.
ÁGUAS DE JUNHO
O tucano José Serra (SP) afirma que não será vice do desafeto Aécio Neves (MG), mas tudo não passa de jogo político. Na verdade, ele jamais foi convidado para ocupar essa posição. Mas o será.
FOGO AMIGO
Havia estupefação no Planalto, ontem, com a denúncia do empresário Caio Gorentzvaig, do setor petroquímico, sobre negócios suspeitos de José Dirceu na Petrobras. Não pela gravidade da mutreta, mas porque Caio é amigo pessoal do senador Renan Calheiros, aliado do governo.
SUPERFATURAMENTO
Caio Gorentzvaig diz que pode provar que José Dirceu influiu para que a petroquímica Suzano, valendo R$ 1,2 bilhão na bolsa, fosse adquirida pela Petrobras por R$ 2,7 bilhões, além da dívida de R$ 1,4 bilhão.
HESITAÇÃO
Kassab estava animado em ser vice na chapa de Geraldo Alckmin (PSDB), mas como não esquece do tratamento que recebia do governador paulista, ele ainda prefere apoiar Paulo Skaf (PMDB).
BIG BROTHER
O governo belga criou um site para monitorar a segurança dos cerca de três mil torcedores na Copa, com contato de e-mail, hospedagem, voos e dicas de segurança “em caso de necessidade”, diz o jornal Le Soir.
FALSO TESTEMUNHO
Nº 2 do Ministério da Previdência, Carlos Gabas recebeu “desagravo” do chefão da Confederação Nacional do Comércio, Antonio de Oliveira Santos. É que o presidente da Fecomércio-PI, Valdeci Cavalcanti, o acusa de crime de “falso testemunho” em ação na Justiça paulista.
GUERRA DE NANICOS
O empresário mineiro Bertolino Ricardo se lançou pré-candidato ao Planalto pelo nanico Partido Ecológico Nacional (PEN). Vai desafiar a ex-diretora da Agência Nacional de Aviação Civil Denise Abreu.
FOI PARA PROTEGER
Escreveram muitas tolices sobre o conflito de Brasília, até que a PM agiu porque os manifestantes “se aproximaram perigosamente do estádio”.
A PM agiu para proteger mil crianças que esperavam na fila para ver a Taça, exposta no estacionamento do Mané Garrincha.
PENSANDO BEM...
...vem aí uma nova descoberta do Brasil, após o retorno aos jegues e às flechadas de índios.
PODER SEM PUDOR
BOIA GARANTIDA
À saída do 10º andar da Câmara, onde fica o restaurante dos deputados, uma família de Goiás certa vez esmolava ajuda para voltar ao estado. O deputado Marcelo Ortiz (PV-SP) se livrou dos pedintes apontando para um colega:
- As passagens eu não garanto, mas chegou o homem da boia...
E saiu de fininho.
Referia-se à aproximação do deputado Jurandir Boia (PSB-AL)