sábado, março 15, 2014

Gênios impúberes - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 15/03

RIO DE JANEIRO - Um estudante inglês, Jamie Edwards, de 13 anos, construiu um reator nuclear --em casa, nas horas vagas, com um dinheiro que sua avó lhe deu no Natal. Há dias, na escola, ele apresentou o invento: fez dois átomos de hidrogênio se chocarem e provocou uma fusão nuclear, ou algo assim.

A ciência favorece a que certos garotos descubram ou inventem coisas espetaculares. Steve Jobs e Bill Gates, como se sabe, tinham menos de 20 anos quando pensaram no computador pessoal, na internet e em outras ferramentas que iriam mudar o mundo. E quem inventou o Google, o Facebook, o Twitter? Vários meninos também impúberes. Não por acaso, todos ficaram bilionários.

Na área da criação artística, isso é mais raro de acontecer. Supõe-se que, para fazer grande poesia, literatura ou música, exijam-se alguma idade, maturidade e experiência --pense em Dante, Stendhal, Beethoven. Claro, há exceções. Mozart, aos cinco anos, já podia dar aulas de piano a seu professor. Mary Shelley escreveu "Frankenstein" aos 19. E Rimbaud, antes dos 20, dissera tudo que tinha a dizer. Não por acaso, nenhum deles ficou bilionário.

E houve Orson Welles. Aos 25 anos, em 1941, ele revolucionou o cinema com "Cidadão Kane". Mas, antes disso, aos 22, já fora capa da "Time" por seu "Júlio César" de terno e gravata na Broadway. E, aos 23, aterrorizara os EUA com sua versão de "A Guerra dos Mundos" no rádio. Mesmo assim, um amigo da família comentou: "Quem conheceu Orson aos cinco anos sabe que ele é um fiasco aos 25".

O contrário também acontece. Meu tio-avô Benicio, um homem do século 19, levou seus mais de 80 anos de vida tentando construir o moto contínuo. E, a exemplo de milhares antes dele, fracassou. Dizem que o moto contínuo é uma impossibilidade. Mas isso porque, até hoje, nenhum menino de 11 anos resolveu construir um.

Malária, uma alpinista competente - FERNANDO REINACH

O ESTADÃO - 15/03

Sabendo que o aquecimento global é uma realidade, os cientistas tentam prever suas consequências. Uma das mais importantes é impacto das mudanças climáticas sobre doenças endêmicas, como a malária. Usando um método engenhoso, epidemiologistas conseguiram demonstrar que o aquecimento global vai facilitar o espalhamento da doença.

Apesar de as mudanças climáticas já estarem ocorrendo há algumas décadas, é praticamente impossível usar os dados de incidência da doença ao longo do tempo para descobrir se a malária se espalhou ou se contraiu com o recente aquecimento do planeta. Isso porque os fatores que determinam a incidência da malária são tantos que o efeito do clima fica totalmente obscurecido. O número de casos é afetado pela eficácia no combate dos mosquitos, pela intensidade e frequência das chuvas, pelo número de habitantes, e pelo uso extensivo de drogas que combatem a doença. Todos esses fatores mudam muito ao longo dos anos e impedem que o pequeno efeito do aquecimento global, que é lento, possa ser medido diretamente. Mas, agora, um grupo de cientistas descobriram um método capaz de medir o efeito da temperatura sobre a incidência da malária.

O estudo foi feito na Colômbia e na Etiópia. Nesses países, existem regiões em que a malária é endêmica e onde a altitude varia bastante. Na Etiópia, as partes baixas estão a 1.600 metros e, as mais altas, a 2.500 metros. Na Colômbia, a altitude varia de 50 a 2.200 metros. Em ambas regiões já se sabia que nos vilarejos localizados nos pontos mais altos não havia malária, pois a temperatura ao longo do ano é muito baixa, e tanto o inseto quanto o parasita têm dificuldade para se reproduzir. Já nos vilarejos mais baixos, onde a temperatura é alta o ano inteiro, tanto o mosquito quanto o parasita se reproduzem muito bem e a malária está sempre presente. Mas o que estaria ocorrendo nos vilarejos localizados entre os mais altos e os mais baixos? Será que a incidência da doença diminui gradativamente à medida que subimos a serra? Ou será que nesses vilarejos a incidência aumenta no verão e diminui no inverno?

Num primeiro passo, os cientistas identificaram a altitude em que ocorria a transição entre a área com malária e as áreas sem malária. Na Etiópia, isso ocorria entre 1.780 metros e 2.000 metros e, na Colômbia, entre 1.200 metros e 1.700 metros. Nessas regiões, a temperatura média durante o ano fica entre 17°C e 19,5°C. Numa segunda etapa, foram coletados todos os dados de incidência de malária nessas regiões, mês a mês, entre 1980 e 2005. Quando esses dados foram colocados num gráfico, foi possível observar que a incidência de malária aumenta e diminui a cada ano de maneira cíclica. Quando a temperatura cai, a quantidade de casos diminui, quando a temperatura aumenta, o número de casos também aumenta. A correlação entre a temperatura média de cada mês e a incidência de malária é muito alta

Esses resultados demonstram que, à medida que chega o verão, a malária sobe a montanha e ataca os moradores, mas, ao chegar o inverno, ela desce e permanece nas regiões mais baixas. De certa forma, a malária se comporta como os carneiros que pastam nas regiões altas no verão e voltam para os vales no inverno. Tal como os cabritos montanheses, a malária é um alpinista assíduo e competente.

O fato de esse fenômeno ter sido observado em dois continentes de maneira repetitiva por 25 anos sugere muito fortemente que o que limita o espalhamento da malária nessas regiões é somente a temperatura. É a primeira vez que uma relação direta entre o espalhamento da malária e a temperatura média de uma região é demonstrada de maneira direta. Com base nos resultados, os cientista preveem que a malária está entre as doenças que vão se espalhar conforme a temperatura do planeta for aumentando. As regiões mais altas, ao sofrerem com o aquecimento, passarão a ser atacadas pela malária da mesma maneira que as regiões mais baixas são atacadas hoje. E a fração da população mundial sujeita ao ataque da malária poderá aumentar.

Cabeça de tirano - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 15/03

SÃO PAULO - Kim Jong-un, o ditador da Coreia do Norte, acaba de ser eleito deputado pela 111ª circunscrição com 100% dos votos e sem nenhuma abstenção, embora o sufrágio seja facultativo no país. O curioso é que é possível que os números propriamente ditos não tenham sido falsificados. É que pelo sistema local, há apenas um candidato por circunscrição, e o eleitor se limita a dar seu "sim" ou "não" ao nome proposto. O pulo do gato é que, para votar "não", o cidadão precisa dirigir-se a uma cabine separada.

Por que tiranos se dão ao trabalho de encenar farsas eleitorais? Kim Jong-un está longe de ser um caso isolado. Os há pouco depostos presidentes Zine el Abidine Ben Ali (Tunísia) e Hosni Mubarak (Egito) costumavam ser "eleitos" por margens superiores aos 94%. Na Síria, Bashar al-Assad ungiu-se em 2007 para mais sete anos de mandato com o apoio de 97,2% de seus compatriotas; hoje enfrenta uma guerra civil. Saddam Hussein também era um sujeito querido. Em 95 ele fora aprovado por 99,96% dos iraquianos e, em 2002, conseguiu a notável marca dos 100%.

É improvável que estes e tantos outros ditadores achem que vão enganar governos estrangeiros e a própria população divulgando números tão absurdos. Não obstante, insistem neles. Por quê? Penso que há aí dois sistemas psicológicos em operação.

De um lado, ao promover a farsa, os tiranos prestam tributo à democracia, admitindo que é a vontade popular que confere legitimidade a um governo. De outro, como ditadores não podem nem por hipótese demonstrar fraqueza, não resistem a apelar aos números superlativos. Mas como lidar com a contradição resultante? Isso não é um grande problema. Se há algo que nós, seres humanos, conseguimos fazer bem, é ir reprocessando mentalmente ideias incompatíveis até que elas deixem de causar dissonância cognitiva, isto é, que deixemos de senti-las como uma ameaça à lógica.

Ficção na energia - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 15/03

O malabarismo fiscal reapareceu no meio do pacote de energia. O mais grosseiro dos truques é a ideia de usar a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) para se endividar e emprestar às distribuidoras. Houve uma longa reunião na entidade. Nem todos concordam com a operação. Na assembleia, será fácil aprovar porque 46% dos votos são das geradoras estatais e distribuidoras.

Há prazos e rituais para serem aprovados “orçamentos para cobertura de despesas extraordinárias”. E o procedimento tem que começar já porque até o dia 9 de abril as distribuidoras precisam de socorro financeiro. Uma das dúvidas na reunião da Câmara é a mesma que todos têm: como uma instituição que não tem ativos pode tomar um empréstimo de R$ 8 bilhões? A garantia será uma anuência da Aneel no contrato, dando permissão de uso de parte da receita tarifária das distribuidoras para pagar esse empréstimo. A agência reguladora vai “anuir” que um percentual da receita futura, como o aumento das tarifas das distribuidoras, será usado para pagar à Câmara.

Achou confuso? Não há nada de errado com você ou sua capacidade de compreensão. É confuso mesmo porque o Tesouro está fazendo mais um dos seus truques. Se for a CCEE o tomador desse empréstimo não aumentará o gasto público ou o endividamento público. É para esconder das agências de risco. Mas é fácil ver a camuflagem no gasto que o governo está costurando nessa heterodoxa operação.

Tudo isso é para manter o preço artificial da energia à custa de subsídios com o objetivo de enganar o eleitor. O governo gastou R$ 9 bilhões no ano passado para cobrir os rombos das distribuidoras com a queda da energia. Eles iriam pagar este ano e repassar para as tarifas, mas deixou-se para 2015. No Orçamento de 2014, há outros R$ 9 bilhões. Com o pacote de R$12 bilhões de quinta-feira, serão, ao todo, R$ 30 bilhões para manter a ficção de que em tempos de escassez existe energia barata. As distribuidoras agora vivem de empréstimo do governo e não sabem quando pagar e como vão se ressarcir.

O mais perigoso é não encarar os riscos de racionamento de energia que o Brasil está vivendo neste momento. Segundo especialistas e técnicos do setor, caminha-se para o racionamento. Ele pode ser evitado este ano, mas a ameaça continuará em 2015. O país pode ter um início de mandato em que a pessoa eleita, seja ou não a atual presidente, terá que lidar com duas bombas: o enorme peso da correção das tarifas e riscos de suprimento no setor elétrico.

O clima é parte do problema, mas não todo. A desastrosa gestão do setor fez o resto. Ao não admitir que estamos em risco, o governo não faz campanha nem programas de uso mais eficiente, racional e cuidadoso da energia. Isso elevou o consumo, exigiu mais térmicas, subiu o custo, e diminuiu a água dos reservatórios.

Nesse contexto, é difícil comemorar o número que saiu ontem, do IBC-BR, o índice do Banco Central que tenta antecipar o número do PIB. Ele registrou que a economia cresceu 1,26% em janeiro. A semana trouxe outros números bons: o crescimento de 2,9% da produção industrial de janeiro, e as vendas de varejo, também do mesmo mês, em 0,4% e registrando uma alta de 6% em relação a janeiro do ano passado. Mostram que a economia conseguiu recuperar um pouco da queda da indústria no final de 2013, manteve o consumo porque a renda permanece crescendo, ainda que em ritmo menor. Mesmo assim, os economistas alertam que esses índices não são o início de uma nova tendência.

No meio do caminho da economia há muita incerteza que impede o país de manter o crescimento. A maior das pedras neste momento é a incerteza sobre o preço futuro da energia.

Encrenca adiada - CELSO MING

O Estado de S.Paulo - 15/03

O pacote para o setor de energia elétrica escancara fragilidades do governo Dilma e mais um adiamento da solução de problemas.

O governo vem sendo incapaz de assumir a vulnerabilidade da economia a um colapso no fornecimento de energia elétrica. Essa situação poderia ser mais bem evitada se a população fosse incentivada a reduzir o consumo ou por meio de estímulos ou por meio do aumento de preços. Mas, por uma reação narcisística que pretende evitar qualquer ideia que lembre racionamento ou algo parecido, decidiu por medidas paliativas e protelatórias cujo principal efeito é o aumento da desconfiança, e não o contrário. O investidor tem agora mais razões para se sentir inseguro em relação ao custo e ao fornecimento do insumo mais importante para a produção.

O pacote cuidou de repassar imediatamente R$ 12 bilhões às distribuidoras de energia sem repassar imediatamente essa despesa para o consumidor. O Tesouro se encarrega de uma despesa adicional de R$ 4 bilhões, 10% do que a presidente Dilma prometeu cortar há apenas 23 dias, a ser coberto com aumento de impostos, que ninguém explicou como será.

Outra decisão é levar a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica a contratar uma dívida de R$ 8 bilhões. Como esta é uma instituição sem ativos e, portanto, incapaz de fornecer garantias reais, não haverá instituição privada capaz de adiantar esses recursos. A saída será apelar para os bancos públicos de sempre: Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e BNDES, apenas para disfarçar o adiantamento de uma conta que, depois das eleições, será descarregada sobre o consumidor.

Outra decisão será a realização de um leilão de "energia existente" para tentar reforçar a oferta. Como quase tão somente a Petrobrás possui unidades termoelétricas que podem ser acionadas, embora a custos mais altos, o resultado será nova sobrecarga do caixa da empresa.

O governo se exime de responsabilidades pela crise. Argumenta que é vítima de uma fatalidade provocada por uma seca implacável. Não é assim. O colapso é o resultado de uma administração casuística e autoritária do setor, que não consegue nem sequer reconhecer que o sistema está vulnerável a apagões provocados por raios ou por ação de queimadas sob linhas de transmissão.

Culpar a falta de chuvas é o mesmo que descarregar a raiva sobre "esse juiz mal-intencionado (segue-se o palavrão de praxe)" pela inversão da marcação de uma falta que levou o time à derrota. Os problemas do perdedor são outros: mau preparo físico e técnico, falta de padrão de jogo, desmotivação dos atletas, etc.

A presidente Dilma interferiu autoritariamente no mercado com a Medida Provisória 579, de setembro de 2012, e desorganizou o sistema. A construção de hidrelétricas e de linhas de transmissão, que poderiam regularizar a oferta, está cronicamente atrasada. A queima de óleo diesel em termoelétricas ultrapassadas é mais um fator que provoca a deterioração do caixa da Petrobrás. E tem essa omissão incompreensível que bloqueia uma política de uso racional de energia em tempos de escassez.

Os desafios do varejo - RÔMULO DE MELLO DIAS

O ESTADÃO - 15/03

Nos dois anos que se seguiram à eclosão da crise global de 2008, o Brasil tornou-se o mercado preferido de analistas e investidores do mundo todo. Um dos efeitos desse movimento foi a expressiva valorização do real em relação a outras moedas. No início de março de 2010, o dólar americano, por exemplo, valia R$ 1,76, ante os cerca de R$ 2,40 de hoje. A quase euforia foi perdendo fôlego até se transformar numa enorme onda de pessimismo nos últimos meses.

A realidade da economia brasileira provavelmente está em algum ponto entre essas duas visões. Se, lá atrás, não havia justificativas para que fôssemos o "queridinho" dos mercados, tampouco existem hoje elementos para tamanho descrédito no potencial da sétima maior economia do planeta.

Tomemos como exemplo o comércio varejista, que segue como principal motor do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. Segundo o IBGE, as vendas do setor cresceram, em média, 5,3% ao ano de 2001 a 2013. O desempenho é bem superior ao de outros países emergentes. O México, hoje um dos preferidos dos investidores internacionais, viu seu varejo crescer num ritmo anual de apenas 2,2% no mesmo período. Nos EUA, que sempre são parâmetro respeitável quando se trata de consumo, o varejo se expandiu 4,6% ao ano no mesmo intervalo de tempo.

Especificamente em 2013, o comércio varejista brasileiro teve alta real de 5,7% em receita de vendas, de acordo com o Índice Cielo do Varejo Ampliado (ICVA), criado pela Cielo e obtido por meio das transações efetuadas nas plataformas de pagamento da companhia. Para os próximos anos, o foco desse crescimento deverá estar em regiões fora do eixo das grandes capitais, conforme indica tendência apurada também pelo ICVA. No ano passado, Estados das Regiões Norte e Nordeste, como Amapá e Piauí, foram os que apresentaram maior crescimento nominal do varejo, ambos com 21,2% em termos nominais.

O bom desempenho dos últimos anos não significa, evidentemente, que o céu será sempre livre de nuvens. O varejo, como de resto toda a economia brasileira, precisa superar uma série de desafios para se manter em alta. Em termos conjunturais, os recentes ajustes para cima na política monetária encarecem o custo do crédito, impondo um obstáculo para a manutenção dos bons níveis de demanda por empréstimos e financiamentos e, por tabela, para a expansão do mercado doméstico.

Também não se pode desprezar a alta do dólar, cuja valorização diante do real impacta diretamente os preços de muitos produtos que compõem a cesta de consumo de todas as classes sociais. Nos últimos anos, a participação dos importados no consumo dos brasileiros cresceu fortemente, alcançando o recorde de 21,8% em 2013, segundo estudo conduzido pela Funcex em parceria com a Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Saindo da esfera do varejo, o panorama é semelhante. Reduzir a inflação para o centro da meta de 4,5% ao ano é um desafio que já mobiliza o Banco Central. Mas os recentes aumentos da taxa básica de juros (Selic) ainda levarão tempo para surtir o efeito desejado. Na política fiscal, a despeito do compromisso assumido pelo governo federal com um superávit primário de 1,9% do PIB em 2014, ainda restam dúvidas entre investidores e analistas se esse nível de poupança pública será atingido num ano eleitoral. Por fim, não se pode esquecer do ambiente global ainda instável, com importantes incertezas em relação à performance das duas maiores economias do planeta, EUA e China.

Nesse cenário, o empresário e o lojista têm de apurar o faro para superar os desafios e aproveitar as boas chances que ainda estão no horizonte. O comércio varejista brasileiro permanece forte a ponto de muitos especialistas classificarem esta década como "a década do varejo". Na pior hipótese, deveremos assistir a uma desaceleração do crescimento do setor. Prova de que, apesar dos obstáculos, não há um desvio de rota.

Cadê a quadrilha que estava aqui? - GUILHERME FIUZA

O GLOBO - 15/03

Dilma tem razão: não há motivo para pessimismo. Basta olhar a situação dos seus amigos mensaleiros



Nelson Rodrigues foi novamente convocado por Dilma Rousseff. Sempre que tira os olhos do teleprompter, a presidente sofre em sua árdua missão de fazer sentido. Nelson foi o primeiro a satirizar essa esquerda parasitária escondida atrás de bandeirolas do bem. Hoje talvez o dramaturgo acrescentasse ao “padre de passeata” a “presidenta de teleprompter”. Alguém precisa avisar à assessoria de Dilma quem foi Nelson Rodrigues. Era mais honesto quando ela traficava a imagem de Norma Bengell.

Ao assinar contratos de concessão de rodovias, Dilma citou o companheiro Nelson para dizer que “os pessimistas fazem parte da paisagem, assim como os morros, as praças e os arruamentos”. Por que não acrescentar: assim como as estradas estouradas, os aeroportos em ruínas e o sistema elétrico em estado de coma. A paisagem da infraestrutura brasileira hoje é tão impactante que fica até difícil enxergar nela os pessimistas — mesmo que eles desfilem pelados contra a mentira da conta de luz barata, e o desfalque de 12 bilhões de reais do contribuinte para sustentá-la.

Dilma tem razão: não há motivo para pessimismo. Basta olhar a situação dos seus amigos mensaleiros. Eles montaram um duto de dinheiro público para o partido governista, na maior engenharia já vista para roubar o Estado de dentro do Palácio do Planalto. Mas o otimista, ao contrário do pessimista, sempre espera pelo milagre. E ele veio: rasurando a sua própria decisão, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o bando do mensalão, famoso pela monumental arquitetura do valerioduto, não era uma quadrilha.

O esquema que envolvia ministro de Estado, tesoureiro e presidente de partido, banqueiro, funcionário público graduado e outros companheiros fiéis, todos ligados por um mesmo despachante e uma mesma base operacional, agindo de forma orquestrada e sistemática para o mesmo e deliberado fim, não constituía uma quadrilha. Agora o Brasil já sabe: só há quadrilha quando os criminosos que fazem tudo isso juntos são pessimistas perdidos na paisagem.

O discurso épico do ministro Luís Roberto Barroso, inocentando os otimistas do crime de formação de quadrilha — e liberando-os da prisão em regime fechado — é um marco de esperança para os bandoleiros solidários, que abominam as trampolinagens individualistas e neoliberais. E assim chega ao fim o julgamento do mensalão, com a sentença histórica prenunciando os novos tempos: agir em bando com estrelinha no peito não é quadrilha, é socialismo.

Foi emocionante ver os ministros Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli — os já famosos Batman e Robin do PT no Supremo — voando com suas capas em defesa de Barroso e do seu Direito lírico. Todo esse otimismo permitia antever a chegada da sobremesa: a absolvição de João Paulo Cunha (o Mandela brasileiro) do crime de lavagem de dinheiro. A tese vencedora, mais uma vez esgrimida com arte por Barroso, foi de que o então presidente da Câmara dos Deputados participou da corrupção sem saber que o dinheiro que recebia era sujo. Era o dinheiro do mensalão, operado por seus companheiros de cúpula do PT, mas ele, assim como Lula, não sabia. Os otimistas são distraídos mesmo.

O ministro Luís Roberto Barroso chegou a dizer que João Paulo não sabia da origem ilícita do dinheiro porque não fazia parte da quadrilha. Logo retificou, dizendo que o réu não fora denunciado por formação de quadrilha. Nem precisava esclarecer, todo mundo já sabe que quadrilha não existe. Inclusive o governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz, considerando-se o seu rolezinho na prisão da Papuda para visitar José Dirceu, o chefe da ex-quadrilha.

Disse Agnelo: “Eu sou governador, vou ao presídio a qualquer hora e visito quem eu quiser.” Está certo. Se Deus e a quadrilha não existem, tudo é permitido. Agnelo deve ter ido levar umas palavras cruzadas a Dirceu.

O companheiro Nelson Rodrigues dizia que a única forma possível de consciência é o medo da polícia. A desinibição da ex-quadrilha mostra que, para o PT, Nelson está definitivamente superado.

O recado de Dilma aos pessimistas servia também como resposta às críticas feitas à sua política econômica no aniversário de 20 anos do Plano Real. Os autores do plano disseram que esse negócio de esconder inflação com tarifas inventadas e esconder déficit público com maquiagem de contas não vai acabar bem. Mas depende do ponto de vista.

As pesquisas apontam a reeleição de Dilma em primeiro turno, com toda a política monetária do crioulo doido, a infraestrutura em petição de miséria, a pilhagem do mensalão e do pós-mensalão, a contabilidade criativa, as ONGs piratas penduradas na floresta de ministérios, a sangria do BNDES para a Copa dos malandros e grande elenco de jogadas solidárias.

Isso não vai acabar bem para a paisagem brasileira. Mas não tem problema, porque os companheiros otimistas estão a salvo dela.

O populismo e a lei da acumulação das burradas - ROLF KUNTZ

O ESTADÃO - 15/03

Burrada gera burrada e tende a crescer em espiral, como os preços inflados, quando a besteira é realimentada pela mentira. No Brasil, essa combinação de erros levou à superinflação, nome inventado para marcar a tênue diferença entre a hiperinflação e o desastre brasileiro dos anos 80 e começo dos 90. Proscrito por algum tempo, o jogo está consagrado, novamente, na rotina brasiliense. O socorro de R$ 12 bilhões às elétricas, para atenuar os efeitos de uma política populista de tarifas, é o mais novo lance desse jogo. O Tesouro gastará R$ 4 bilhões além dos R$ 9 bilhões previstos no Orçamento e a Câmara de Comercialização de Energia, um ente privado, tentará obter no mercado um financiamento de R$ 8 bilhões, pagando juros, naturalmente. Os consumidores serão mais uma vez poupados, neste ano, e só depois de votar receberão a conta aumentada.

Mentira é uma boa palavra para designar a maquiagem das contas fiscais e a tentativa de reprimir - e falsificar, portanto - os índices de preços. No caso das contas públicas, também tem sido usada, com sucesso internacional, uma expressão mais suave: contabilidade criativa. A nomenclatura faz pouca diferença. O importante é reconhecer a realimentação e a multiplicação dos erros quando se tenta disfarçar os problemas, em vez de resolvê-los. O efeito circular é claríssimo na crise argentina. Também é indisfarçável na baderna econômica da Venezuela, marcada nas páginas da História, de forma indelével, pela escassez de papel higiênico. Haja páginas.

O exemplo argentino é um modelo para os governantes populistas, em geral muito interessados nos benefícios políticos e pouco preocupados com os custos efetivos para a economia. Para disfarçar a inflação o governo da Argentina tem falsificado os indicadores e tentado tabelar ou congelar os preços. Como o fracasso é inevitável, amplia a vigilância e tenta levar o controle até a origem dos produtos. Com isso, impõe perdas a agricultores e pecuaristas e cria um conflito entre a administração central e o setor mais eficiente da economia. De passagem, cria algum obstáculo à exportação de alimentos, para derrubar os preços internos, e compromete a receita cambial. Como o Executivo também usa os dólares da reserva para liquidar contas fiscais, a combinação das trapalhadas produz ao mesmo tempo inflação crescente, insegurança na produção e escassez de moeda para os pagamentos internacionais.

Para poupar reservas o governo impõe controles severos às compras de moeda estrangeira e aumenta o protecionismo. Também esse esquema tende ao fracasso, mas produz algum efeito quando um governo amigo se dispõe a aceitar o desaforo comercial. Neste caso, esse governo amigo tem como endereço principal o Palácio do Planalto, em Brasília. A tolerância é praticada em nome de uma solidariedade nunca retribuída e, de forma implícita, de uma liderança regional imaginária e sempre desmentida na prática.

A solidariedade tem um claro componente ideológico. O estilo dos Kirchners tem sido uma evidente inspiração para o governo brasileiro. Mas as condições no Brasil são um tanto diferentes e têm sido menos propícias, pelo menos até agora, a algumas iniciativas mais audaciosas. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ainda funciona sem interferência do Executivo. O PT conseguiu, pelo menos durante algum tempo, impor sua marca ao velho e respeitável Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mas a ação foi desastrada e desmoralizante. Não se conhece, até hoje, nenhuma tentativa semelhante em relação ao IBGE.

Sem manipulação direta dos índices, a maquiagem da inflação ocorre diretamente nos preços, por meio, por exemplo, da redução das contas de eletricidade, da imposição de perdas à Petrobrás e do congelamento das tarifas de transporte urbano. Seria politicamente muito mais complicado tentar mexer nos indicadores produzidos pelo IBGE. Mas a interferência direta na fixação de preços dispensa o governo desse risco. Impõe, em contrapartida, uma porção de outros problemas.

O congelamento de tarifas de transporte público resultou em perdas para governos municipais e estaduais, incluídos os do PT. Recursos para investimentos e até para ações rotineiras tornaram-se mais escassos, mas o reajuste de tarifas é hoje politicamente mais difícil do que no ano passado.

O esperado socorro do governo federal - uma das apostas do prefeito Fernando Haddad - também está atrasado e é pouco provável, porque as contas do Tesouro Nacional estão em más condições. Se algum socorro aparecer, será uma surpresa, porque a meta fiscal anunciada no mês passado pelo ministro da Fazenda parece cada dia mais inacessível. O aumento das despesas para socorrer o setor elétrico é uma sangria a mais para o Orçamento federal.

Se a presidente insistir em poupar os consumidores, será preciso compensar os gastos adicionais do subsídio às contas de eletricidade. O ministro da Fazenda mencionou o possível aumento de impostos e a reabertura do Refis, o refinanciamento de dívidas tributárias. Mais uma vez o balanço fiscal dependerá de receitas especiais, como os pagamentos iniciais do Refis, os dividendos do BNDES e o pedágio pago pelas concessões de infraestrutura. Se as agências classificadoras aceitarem a jogada, talvez se possa evitar a redução da nota de crédito soberano.

Um pouco mais de seriedade na gestão das contas públicas e no combate à inflação pouparia ao governo muitas complicações e livraria o País de perdas injustificáveis. Combate sério à inflação inclui o uso mais eficiente do dinheiro público e a ação realmente autônoma do Banco Central. O Brasil nada ganhou com a redução voluntarista dos juros. A inflação subiu e foi preciso apertar de novo a política monetária. Também nada ganhou com a manipulação de preços e tarifas. Burradas só geram problemas e o esforço para disfarçá-los envolve novas burradas, como a solução improvisada para o problema das elétricas.

Quem manda nos morros? - ZUENIR VENTURA

O GLOBO - 15/03

Setores da sociedade se preocupam com o futuro das UPPs neste ano eleitoral

No momento em que traficantes tentam desestabilizar o projeto de pacificação do Rio, hostilizando as tropas de ocupação, montando barricadas, armando jovens e insuflando protestos de moradores, num ensaio de retomada de território, ou praticando o que o secretário de Segurança classifica de “terrorismo contra o Estado”, setores da sociedade se preocupam com o futuro das UPPs neste ano eleitoral (basta ver a quantidade de cartas que têm sido enviadas à Redação, compensando um pouco a generalizada indiferença que houve em relação à covarde execução de policiais). O que fazer, além de defendê-las, para melhorar seu desempenho? Será que elas vão resolver em definitivo o problema de comunidades aonde não chegam as conquistas elementares da cidadania? “Os candidatos ao governo do Estado têm, sim, de se comprometer com as UPPs, mas muito mais com a regularização fundiária e urbanística, já que elas não são uma finalidade em si, mas o meio de se preparar o terreno para a transformação das favelas em bairros.”

Essa é a opinião de Ignez Barreto, coordenadora do Projeto de Segurança de Ipanema (PSI), que, junto com a Associação dos Moradores do Cantagalo, o Instituto Atlântico e a Fundação Gerdau, vem cobrando do governo a entrega de títulos de propriedade definitivos aos moradores. Ela admite que existe um evidente grau de diferença entre o domínio do tráfico e o da polícia, embora essa esteja sempre sujeita a se corromper (“veja o caso Amarildo”). Mas a diferença, segundo ela, é insuficiente: “Uma comunidade só luta com garra pelo que é seu, não por um território que ora é do tráfico, ora da polícia.” A coordenadora do PSI acredita que enquanto houver um “dono” que não sejam os próprios moradores não haverá solução. “É impossível pensar uma cidade partida como uma colcha de retalhos, cheia de guetos por todos os lados.” Na visão do grupo que representa, “o erro das UPPs é pensar que vão substituir o tráfico. O papel da polícia é dar suporte à segurança da sociedade e não substituí-la em suas funções”.

Mas em última instância não será essa também a posição do secretário José Mariano Beltrame? É bom lembrar que ele sempre reivindicou, como complemento ao seu projeto, a “UPP social”, ou seja, a presença indispensável de serviços básicos como saneamento, saúde, educação, meio ambiente. Ainda ontem, em entrevista a Fernanda Pontes, ele fez mais um apelo para a implantação do que chama de “segunda onda, que talvez pudesse ter sido a primeira”. “Se ela existisse, talvez não houvesse necessidade de a polícia sangrar da maneira como está sangrando.”

É o caso de perguntar, não a ele, mas ao governador: por que não foram tomadas as providências para a implantação da segunda onda, a social?

Força e prudência na medida - KÁTIA ABREU

FOLHA DE SP - 15/03

Quanto ainda teremos de esperar até que os EUA honrem suas obrigações com o Brasil no caso do algodão? 

Como dizia o poeta e pensador Píndaro, ainda na Grécia antiga, "quem quer vencer um obstáculo deve se armar da força do leão e da prudência da serpente". Na busca de soluções para o contencioso do algodão, que se arrasta há 12 anos, não houve esse equilíbrio. A prudência se sobrepôs à força do poder de retaliação do Brasil. 

Em 2012, o Brasil apresentou queixa à OMC (Organização Mundial do Comércio), contestando subsídios da ordem de US$ 12,5 bilhões, concedidos pelos EUA à produção e à exportação de algodão no período de 1999 a 2002. Após sete anos de litígios, nosso país ganhou direito de impor sanções econômicas para produtos e serviços norte-americanos, que somam US$ 829,3 milhões anuais, até a eliminação dos programas condenados. 

As punições que a OMC autorizou o Brasil a impor não ficariam restritas ao setor agropecuário. As altas sobretaxas de até 100% do Imposto de Importação e, em especial, a possibilidade de quebra de patentes para vários produtos e serviços originados dos Estados Unidos certamente trariam prejuízos à maior economia mundial. 

Mais do que uma vitória econômica, a decisão da OMC teve significado político. Vencemos uma longa guerra em busca de um comércio justo, sem distorções. O adversário é poderoso. Mas a livre iniciativa e a justa concorrência prevaleceram. 

O Brasil ganhou, mas não levou. Em 2010, após um ano de intensas negociações, optamos por um acordo com os Estados Unidos. As sanções foram substituídas por compromissos de ajustes na política agrícola norte-americana e pela criação de um fundo de compensação para apoiar os cotonicultores brasileiros, no valor de US$ 147,3 milhões anuais. 

Há seis meses, porém, os EUA não honram seu compromisso de repassar o montante mensal ao IBA (Instituto Brasileiro do Algodão). Criaram, assim, uma dívida de quase US$ 60 milhões.

 A frustração dos nossos produtores de algodão não parou aí. A solução definitiva para o impasse ocorreria com a aprovação da nova Lei Agrícola, que deveria ser livre de medidas distorcivas ao comércio internacional. Entretanto, a legislação aprovada em fevereiro deste ano ficou aquém de qualquer expectativa de solução. 

Como se vê, são eles os devedores; não os brasileiros. 

Desde a Guerra de Secessão, que acabou prejudicando em especial os produtores de algodão daquele país, o sentimento de reparação do Norte para com o Sul parece ter enraizado nos Estados Unidos um forte protecionismo a seus cotonicultores, que perdura há séculos. Se uma dívida história existe, cobrem do Norte, não do Sul. 

A sanção da OMC foi aos Estados Unidos, mas é o Brasil que continua a ser punido. Pusemos de lado a força do leão e a prudência da serpente. No momento em que o Brasil tinha tudo para avançar, deixamo-nos acuar. 

O acordo foi restrito demais para os cotonicultores brasileiros. Limitou a aplicação dos recursos somente à assistência técnica e à capa- citação do setor. Não pudemos investir os valores repassados por Washington em promoção comercial e pesquisa e desenvolvimento, áreas estratégicas que garantiram a competitividade do algodão norte-americano. 

E não só os brasileiros têm amargado perdas. Os subsídios ao algodão também prejudicam --e muito-- algumas das economias mais pobres do mundo, como as dos países centro-africanos. É a raposa cuidando do galinheiro. E ainda matando a galinha dos ovos de ouro dos outros. 

O acordo, que já era bom demais para os EUA, foi descumprido por eles próprios. Nossa paciência estratégica de esperar pela aprovação da nova Lei Agrícola norte-americana não nos garantiu os ganhos esperados. E mais. Perdemos duas vezes: A primeira, quando não optamos pela retaliação. Desde 2010, sentamos e confiamos que os americanos adequariam suas políticas às regras de comércio internacional. 

Agora, uma segunda decepção. A nova Lei Agrícola não é clara o suficiente para solucionar em definitivo o conflito. Diante disso, o governo brasileiro optou por instituir outro painel de implementação na OMC. Quantos anos mais teremos de esperar que os EUA honrem suas obrigações com o Brasil? 

A prudência da diplomacia acabou. Não podemos mais perdoar. É hora de prevalecer a força do leão.

O mundo de Putin - DEMÉTRIO MAGNOLI

FOLHA DE SP - 15/03

Atrás da insurreição de Kiev, o presidente enxergou os fantasmas superpostos do antigo reino da Lituânia 

Depois de conversar com Putin, Angela Merkel disse a Obama que o presidente russo "está em outro mundo". No mundo de Putin, história é igual a geopolítica. Desde a dissolução da URSS, "a maior catástrofe do século 20", o Ocidente entrega-se noite e dia a conspirar contra a Rússia, imagina o chefe do Kremlin. A Revolução Laranja, na Ucrânia, em 2004, o desafio da Geórgia a Moscou, em 2008, e a insurreição de Kiev seriam componentes de uma persistente estratégia antirrussa. Na sua visão, a operação militar na Crimeia representa um gesto defensivo, pois a ruptura da Ucrânia com Moscou equivaleria a uma nova catástrofe: a destruição da Grande Rússia. De certo modo, Putin tem razão --mas suas ações precipitam o desenlace que ele quer evitar. 

No mundo de Putin, a mão dos governantes faz (e desfaz) a história. Atrás da insurreição de Kiev, o presidente russo enxergou os fantasmas superpostos do antigo reino da Lituânia e das forças invasoras da Alemanha nazista. No mundo real, a história não é uma conspiração. A revolução ucraniana não obedeceu, obviamente, a um comando ocidental. Hoje, diante do punho cerrado de Moscou, borram-se as fronteiras entre os ucranianos de língua ucraniana e os de língua russa. Mesmo no leste russófono da Ucrânia, as manifestações pró-Rússia expressam aspirações minoritárias. "Você descobre que o mundo enlouqueceu quando ouve a Alemanha dizer à Rússia para não invadir a Ucrânia", exclamou um jovem na Universidade de Kharkov, sob aplausos e gargalhadas. Inadvertidamente, Putin empurra a Ucrânia na direção do Ocidente. 

No mundo real, Putin tinha a chance de conservar alguma influência sobre a Ucrânia se colaborasse com a União Europeia (UE) para estabilizar o país. A UE não almejava mais que um tratado frouxo com a Ucrânia e a Alemanha resiste à pressão americana por uma reação mais forte à agressão russa. Mas, ameaçando sufocar a economia ucraniana, Moscou dinamita as pontes. Bruxelas, Washington e o FMI articulam um pacote financeiro de resgate da Ucrânia, enquanto a Otan ensaia uma cooperação com Kiev. Putin está convencendo os ucranianos de que sua almejada soberania só pode ser sustentada pelo alicerce das instituições ocidentais. 

O mundo real e o mundo de Putin coincidem apenas na Crimeia. A península, que sedia a frota russa do mar Negro e é habitada por uma maioria de russos étnicos, não faz parte da Ucrânia histórica. Nikita Kruschev presenteou a Ucrânia com a Crimeia, em 1954, para soldar definitivamente o destino ucraniano ao da Rússia. Pela força ou pela persuasão, Moscou pode separar a Crimeia da Ucrânia, como fez com as regiões georgianas da Ossétia do Sul e da Abkhazia. A ironia é que as ações de Putin aceleram a implosão do mundo de Putin: sem a âncora da Crimeia, a Ucrânia derivaria mais rapidamente rumo à Europa. 

O mundo de Putin é um edifício que desmorona em câmera lenta. O nome do edifício é Grande Rússia: o império dos czares que, graças à Revolução de 1917, escapou da implosão, convertendo-se no império vermelho dos czares soviéticos. Putin tem razão no diagnóstico de que, sem a Ucrânia, a Grande Rússia se reduz a uma imagem espectral. Mas aquilo que aparece como uma catástrofe existencial para o último czar descortina oportunidades históricas para a Rússia. 

O mundo real não cabe no mundo de Putin. O triunfo da revolução ucraniana salvaria a Rússia do fardo imperial. Sem esse peso esmagador, a Rússia se inclinaria na direção da Europa, seguindo a trilha da Ucrânia. Mais que isso, uma Rússia pós-imperial teria que redefinir sua própria identidade, tornando-se um Estado-Nação. Impérios não precisam confrontar o enigma da democracia, mas o Estado-Nação não tem como circundá-lo impunemente. Os czares diziam que a Rússia nasceu em Kiev. Hoje, Kiev oferece à Rússia a chance de um novo começo

Subdesenvolvimento - ANDRÉ GUSTAVO STUMPF

CORREIO BRAZILIENSE - 15/03

O Brasil é um país tão singular que até seu passado é incerto. Muda ao sabor das conveniências e das oportunidades do momento. Isso não é brincadeira. Talvez seja uma característica sul-americana, território de Gabriel García Márquez e de seu realismo fantástico. Aqui uma ex-guerrilheira urbana chegou à Presidência da República e recoloca em prática políticas que, testadas, não resultaram em nada de positivo. Eterno retorno. Neste mês em que se recorda o movimento de 1964, não há novidades. Apenas a volta ao passado e a reinterpretação do que ocorreu naquele período.

Jango morreu no exílio. Era um homem amargurado. Esquecido pelos amigos. Tratava de seus problemas cardíacos em Lyon, na França. Era riquíssimo. Dono de extensas fazendas na Argentina, no Uruguai e no Paraguai. Não quis resistir dentro do país no momento do golpe. Golpe, aliás, apoiado por todos os jornais da grande imprensa nacional e pela classe média. A inflação estava sem controle. Os partidos políticos brigavam por posições e composições e os militares insatisfeitos, desde a revolução de 1930. O sindicalismo de João Goulart não produziu resultados. Ele discursou ao povo no comício da Central, no Rio, sob efeito de remédios pesados. Prometeu a reforma agrária na marra. Contra o desejo manifesto do Congresso, chamado de conservador e reacionário.

O resto da história é conhecido. Os generais assumiram o poder por intermédio de eleição indireta no Congresso Nacional. Vários políticos tradicionais concordaram com o novo regime. Juscelino votou a favor de Castello Branco. Tancredo Neves, não. JK estava de olho nas eleições de 1965, que não foram realizadas. O regime caminhou para a ditadura, após a edição do Ato Institucional n° 5, em 13 de dezembro de 1968. Foi a partir daí que tortura e prisões arbitrárias começaram a ocorrer em grande escala. E os jovens, da época, tentaram o caminho da guerrilha urbana. O Brasil mudou muito. Não há paralelo entre o país de hoje e o daquela época.

Agora, 50 anos depois, "a economia brasileira vive momento de grande frustração e de grave perigo", segundo o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga. Gustavo Loyola, também ex-presidente do BC, classifica a atual política macroeconômica, gerida pelo ministro Guido Mantega, de "esquizofrênica". Isso acontece no mundo dos especialistas. As pessoas menos versadas no assunto apenas percebem que a conta do supermercado ficou mais cara. E os salários não aumentam na mesma proporção. Além disso, existe a possibilidade de escassez de energia, que além de produzir apagões, reduz a produção industrial e ameaça o emprego.
As soluções administradas pelo governo não têm sido bem-sucedidas. Mas existe a vontade de repassar a história e, talvez por intermédio dessa revisão, despertar para o mundo moderno. O Brasil está conflagrado. Os transportes públicos são péssimos, os serviços de saúde são pavorosos e a educação está em estado lamentável. Os problemas essenciais não foram solucionados. A retórica é uma característica latino-americana. Falar muito e dizer pouco. Eficiência perto de zero. É bom olhar para os vizinhos.

A Argentina já foi país rico. Frequentou o clube das cinco maiores economias do mundo. Nas últimas décadas, seus dirigentes, incluindo Cristina Kirchner, fizeram o possível para reconquistar o atraso. Estão conseguindo fazer o país retroceder. A Venezuela dispõe das maiores reservas de petróleo do mundo. Maiores que as da Arábia Saudita. No entanto, está endividada, vive inflação galopante, câmbio controlado, escassez de dólares e desabastecimento. As prateleiras dos supermercados estão vazias no país, que por causa da riqueza fácil do petróleo, não desenvolveu indústria nem agricultura. Mas os dirigentes conseguiram quebrar a Petróleos de Venezuela (PDVSA). É espantoso.

O Chile é país diferente. Austero, seguro, com inflação controlada e crescimento do PIB acima de 5% ao ano. Lá a política também promoveu uma revolução pacífica. Michele Bachelet, filha do general Alberto Bachelet, que morreu nos porões do regime Pinochet, tomou posse na Presidência da República. Isabel Allende, presidente do Senado daquele país, deu posse à nova presidente. Ela é filha de Salvador Allende, presidente deposto, que se suicidou. A história está revirando gerações e recolocando o passado no presente. Não me escapa a sentença profética de Nelson Rodrigues: "Subdesenvolvimento não se improvisa. É obra de séculos". 

“Cuidado com os idos de março” - ALBERTO DINES

GAZETA DO POVO - PR - 15/03

Não é sempre assim: mas neste momento, por casualidade ou causalidade, por força do destino, caprichos do calendário ou da história, o passado impõe-se ao presente, o presente aviva o passado e, cúmplices, nos remetem a um antigo futuro, um porvir agourento já passado. Mas não esquecido.

Em 15 de março, há 2.058 anos (44 a.C.), em Roma, o recém-consagrado Júlio César foi assassinado com 23 facadas desfechadas por alguns dos 60 conspiradores que desejavam livrar-se dele. Um deles, seu amigo Brutus, reconhecido pela vítima antes de morrer, mereceu um lamento que William Shakespeare imortalizou na sua tragédia: “Até tu, Brutus?”

A caminho do Senado, um adivinho o advertira para cuidar-se com os idos de março. Confiante na sua força, César não deu atenção. No calendário romano da época, os idos eram os dias 15 de março, maio, julho e outubro (nos demais meses caía no dia 13). Dias fatídicos abominados por bruxas, videntes ou simples mortais sensíveis às tenebrosas armações do fado.

Março de 1964 marca o início de uma escalada que culminou em 1.º de abril, com a quartelada que derrubou o presidente eleito, João Goulart, e instalou uma sangrenta ditadura militar. Marca também as primeiras batidas surdas de uma tragédia – a maior da nossa história – que se abateu sobre o país nos 21 anos seguintes.

Meio século depois, a força da efeméride nos remete a um tétrico tique-taque cronometrado a partir da sexta-feira, 13 de março, quando, diante da estação ferroviária da Central do Brasil, no Centro do Rio, realizou-se a primeira das gigantescas manifestações populares para forçar o Congresso a aprovar as Reformas de Base propostas por Jango. Não houve outros comícios.

Não cabe aqui a rememoração completa da insana escalada; ela ocorre nas estantes das livrarias e sebos, nos especiais da tevê, na tela dos cinemas, nas páginas de jornais e revistas, nas redes sociais, blogs e portais. Armazenada na memória e nas nuvens.

O imperioso reencontro com o tempo, porém, não deve condicionar-se ao calendário. O antes e o depois são convenções, na vida e na história não há interrupções – tudo se relaciona, se encaixa e se conjuga. Fixados apenas em datas e esquecidos dos intervalos e contextos, estaremos aceitando passivamente a fragmentação e a pulverização que hoje dominam a produção e a difusão do conhecimento.

A conjuntura nacional e internacional favorece a exacerbação, as fúrias, os ajustes de contas. Ignorância e a compulsão linchadora não ajudam a esclarecer. Só confundem, ludibriam. A sede por justiça impõe, antes de tudo, um empenho em buscar a exatidão e, no seu decorrer, a aplicação das penas e sanções previstas em lei. O reencontro com a verdade, sereno, inflexível, é, em si, castigo ou prêmio.

É preciso não esquecer que vivemos uma tragédia; a fase seguinte, a catarse, só se consumará quando fúrias e demônios forem expurgados. Os vaticínios dos idos de março de 1964 só conseguiram materializar-se por causa do ódio. Na ocasião, nossos radares espirituais estavam embaçados, incapazes de identificar a catástrofe.

Faltou à maioria aquele sentimento trágico da vida de que falava Unamuno – a percepção do abismo, a aproximação veloz do desenlace e da ruína. Faltou, talvez, ler Shakespeare.

Adiar o eSocial, por uma questão de justiça - SÉRGIO APPROBATO MACHADO JÚNIOR

O ESTADÃO - 15/03

O governo federal prepara-se para punir e multar perto de 95% das empresas brasileiras, especialmente as micro e pequenas, ao obrigar a implantação do Sistema de Escrituração Fiscal Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas (eSocial) a partir de abril, primeiro para os produtores rurais. O cronograma prevê o avanço gradual do programa para todos os setores produtivos brasileiros até o fim do ano. O eSocial é o último lançamento do Sistema Público de Escrituração Digital (Sped), que prevê a atuação integrada dos fiscos nas três esferas de governo, uniformização do processo de coleta de dados contábeis e fiscais e mais rápida a identificação de ilícitos tributários.

Nomes e objetivos pomposos, sem dúvida. Um cidadão de Primeiro Mundo que desembarcar agora no Brasil e se deparar com tamanhas obrigações na certa vai imaginar um país inteiro plenamente desenvolvido em todas as camadas sociais, altamente tecnológico de norte a sul e de leste a oeste. Claro, pode imaginar um sertanejo tocando seu pequeno gado, com a ajuda de um ou dois boiadeiros. E depois se sentando à frente do computador para cumprir suas obrigações fiscais, tributárias, previdenciárias, etc. Ora, nem a ficção iria tão longe.

É que a tecnoburocracia acha que pode eliminar todas as diferenças com simples golpes de caneta ou de teclado. Não é assim, a realidade exige pés no chão e sensibilidade para compreender a ameaça que agora paira sobre esse imenso universo das pequenas e microempresas, que representam 95% do setor produtivo brasileiro.

Não basta criar e desenvolver um projeto, ainda que com boas intenções. O importante é saber se pode ser aplicado e se o público-alvo está preparado para assimilar as inovações. Com tecnologia e recursos para bancá-lo. E aí começa o conflito que pode produzir mais injustiças aos menores empresários.

Na verdade, o projeto ainda não está maduro e não vislumbramos que até abril esteja capacitado a receber todas as informações solicitadas. Há pontos técnicos e práticos que necessitam de revisão e discussão com os usuários do sistema. As empresas de tecnologia da informação, por exemplo, ainda não conseguem preparar com a devida segurança softwares que atendam ao amplo mercado que se forma com a nova obrigatoriedade. A coisa é complexa demais para uniformizar todas as informações, principalmente na área trabalhista. Uma balbúrdia pode ser incluída no cenário. Além disso, há sérias dificuldades para que as pequenas e microempresas, organizações não governamentais e instituições filantrópicas se adaptem ao eSocial, pois em geral não têm setores especializados e integrados como as grandes corporações.

O bom senso exige que a implantação do sistema seja adiada. O governo tem o dever de anunciar amplamente esse programa ao País para que todas as empresas se preparem. Afinal, só ele tem meios de fazer uma campanha nacional, como faz com todos os ministérios. É de utilidade pública. Também deve abrir linhas de crédito para que os pequenos empresários possam adaptar-se.

De todo modo, amparadas oficialmente ou não, as empresas que se preparem o quanto antes. Haverá uma grande transformação cultural no setor empresarial, porque o sistema exigirá mudança de processos e de comportamento, além de uma boa gestão.

O que fica bem claro é que o governo cometeu com o eSocial o mesmo deslize ao lançar o Sped: reuniu apenas grandes corporações e simulou seus testes. Ora, sabemos que as grandes empresas estão devidamente preparadas, com departamentos específicos, para prestar as informações necessárias. Mas só as grandes corporações.

Mesmo assim, o eSocial apresenta falhas. Está programado para começar em abril, mas os técnicos ainda estão atualizando o sistema. Se nem os técnicos do governo estão convictos do acerto do sistema, o que dizer, então, de quem terá a obrigação de municiá-lo?

Mas esse universo é ainda mais complexo. Neste país de quase 6 mil municípios, grande parte nem dispõe de banda larga, usa a conexão discada. Não é preciso buscar muito longe na memória para compreender o suplício. Mesmo numa cidade como São Paulo, o contribuinte às vezes tenta acessar o site da Prefeitura e o encontra travado. Nem santo ajuda para emitir uma simples nota fiscal eletrônica.

A dificuldade maior está na complexidade do sistema fiscal e tributário, esse dramático novelo da legislação brasileira. Hoje a maioria dos empresários (e os "criadores" oficiais devem saber que empresas funcionam também nos rincões do País) nem foi informada de que este ano terá de se submeter ao eSocial.

Fato é que, como sempre, o sistema prevê multas para as empresas que mandarem informações erradas ou atrasadas. Pobres empresas essas, que mal conseguem manter-se de pé e terão de agora em diante mais um obstáculo a ultrapassar. Sabemos que, de cada cem empresas abertas no Brasil, 48 encerraram suas atividades em até três anos, segundo pesquisa do IBGE.

A esperança dos profissionais contábeis é de que o governo tenha sensibilidade para adiar o projeto. O ministro Guilherme Afif Domingos, das Micro e Pequenas Empresas, é sensível às necessidades e aos reclamos desses empreendedores. E poderá convencer as áreas envolvidas a aprimorar todos os processos que compõem o eSocial. Com mais tempo, sem essa aflição que mais parece fome arrecadatória.

Afinal, se o governo nos repassou a tarefa de fiscalizarmos a nós mesmos, nada mais justo do que termos alguns benefícios, entre eles o de entender melhor esses labirintos maquiavélicos. Pois é disto que se trata: com o advento do eSocial, vamos todos trabalhar para a máquina governamental.

É a economia - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 15/03


1 A economia não só influencia o resultado das eleições como também a situação política interfere na economia, em especial em anos eleitorais 

2 Daqui até outubro as coisas não vão melhorar para Dilma, essa é a primeira premissa do analista 

3 Uma solução Lula, ao contrário de 2002, seria a preferida do mercado financeiro, na suposição de que o Lula que voltará é o Paz e Amor do 1 º governo, e não o que deu uma guinada à esquerda no 2º que permitiu a ascensão de Dilma ao Gabinete Civil e à Presidência


Como é sabido, a situação da economia não apenas influencia o resultado das eleições como também a situação política interfere na economia, especialmente em anos eleitorais como o que vivemos. Já tivemos no mercado internacional o lulômetro, que o banco de investimentos americano Goldman Sachs criou na eleição de 2002 para medir a influência na cotação do dólar do risco de Lula vir a ser eleito presidente.

O modelo matemático previa que o dólar chegaria a 3 reais em outubro, e ele chegou a R$ 4 diante da realidade de Lula subindo a rampa do Planalto. Depois de duas eleições em que reeleger Lula ou eleger Dilma não parecia perigoso para a economia do país, chegamos este ano a uma eleição diferente.

O ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, um dos mais contundentes críticos da política econômica do governo, já previu que a chance de Dilma se reeleger no 1º turno, como apontam pesquisas até o momento, pode ter o mesmo efeito que a vitória de Lula em 2002, uma disparada do dólar, diante do que o mercado já sabe que ela é capaz de desfazer na economia.

Na contramão, a possibilidade de haver segundo turno, com boa chance de derrota do PT, pode fazer a Bolsa de Valores retomar o crescimento, depois de ter caído quase 40% dos anos Dilma.

Circula no mercado financeiro uma análise do Gerente da Área de Macroeconomia da LCA Consultores, Francisco Carlos Pessoa Faria Junior, que coloca na mesa não apenas a chance de Dilma ser derrotada em outubro, como joga suas fichas em que a disputa no 2º turno será com Eduardo Campos.

Eu não compartilho da ideia de que a presidente Dilma já está com a reeleição garantida. Pelo contrário: em minha opinião, a atual incumbente não é nem a favorita à eleição presidencial , começa o economista sua análise, baseado em três premissas: a situação socioeconômica não irá melhorar até o final do ano; haverá segundo turno; e ele será disputado entre Dilma e Campos, o que para ele parece ser uma vantagem para o dissidente.

Lembrando que Dilma teve uma queda abrupta de popularidade após as manifestações de junho, só recuperando em parte seus índices positivos, Francisco Carlos diz que esse fato sugere que, curiosamente, as pesquisas de popularidade talvez carreguem um componente inercial ou de retroalimentação, maior que costumamos supor. E também indica que as manifestações que sugiram não devem ser o único motivo por trás da queda de popularidade da presidente .

Daqui até outubro as coisas não vão ficar melhores para Dilma, essa é a 1ª premissa do analista. Mesmo que não haja racionamento de energia, e ele acredita que não haverá, uma série de problemas deverá piorar não só a situação real da economia, mas também a sensação térmica .

Como há muito tempo não acontecia, a política econômica vai estar na berlinda, diz ele, e não faltarão alvos: inflação persistentemente alta, PIB persistentemente baixo, possibilidade de rebaixamento de nossa classificação de risco e deterioração das contas públicas e externas. Aos problemas econômicos Francisco Carlos Pessoa junta a Copa do Mundo, que, segundo ele, transformou-se de trunfo em fardo para o governo. Prevendo novas manifestações, ele diz que tudo leva a crer que haverá 2º turno, para ele entre Dilma e Eduardo Campos, o candidato mais possível de ser caracterizado como o novo que Francisco Carlos Pessoa acha que está sendo procurado pelo eleitor.

Essa disputa no segundo turno, que ele considera sem favoritos, trará incertezas geradas pelas dúvidas. É possível até que haja uma nova rodada de considerável desvalorização da taxa de câmbio , prevalecendo o viés heterodoxo que ele vê na construção da plataforma de Campos, com a adaptação necessária às exigências da Rede de sua provável vice Marina Silva.

Provavelmente, analisa Francisco Carlos Pessoa, será possível, para os que tiverem bastante coragem , ganhar algum dinheiro apostando em um dólar mais caro e em juros futuros mais altos. A não ser que, diante do quadro pintado acima, o ex-presidente Lula resolva adiantar sua volta ao embate eleitoral , adverte.

Nesse caso, o analista não afirma, mas é possível perceber que uma solução Lula, ao contrário de 2002, seria a preferida do mercado financeiro, na suposição de que o Lula que voltará é o Paz e Amor do 1º governo, e não o que deu uma guinada à esquerda no 2º mandato que permitiu a ascensão de Dilma ao Gabinete Civil e depois à Presidência da República.

Hegemonia do PT - FERNANDO RODRIGUES

FOLHA DE SP - 15/03

BRASÍLIA - Depois da ditadura militar, o PMDB dominou a política no Brasil. Embalado no Plano Cruzado, emergiu da eleição de 1986 com a maioria dos governadores e grande vantagem na Câmara e no Senado. Passado esse momento artificial, nunca mais um partido teve, ao mesmo tempo, o Palácio do Planalto e as presidências das duas Casas do Congresso.

O PSDB quase chegou lá com o Plano Real. Os tucanos elegeram 99 deputados em 1998. Mas, de lá para cá, foram ladeira abaixo. Hoje, na Câmara, ocupam meras 43 cadeiras.

O PT cresceu sem parar até 2002. O escândalo do mensalão representou um solavanco em 2006. A retomada se deu em 2010. A maior bancada da Câmara agora é a dos petistas, com 87 cadeiras --bem à frente do segundo colocado, o PMDB, que tem 75 representantes.

Ninguém dentro da Câmara, governista ou de oposição, duvida que o PT se preparou para voltar no ano que vem com uma bancada próxima a 100 deputados. Ou maior. Essa dianteira conduzirá um petista a presidir a Casa.

No Senado, o PMDB tem 20 cadeiras. O PT vem em seguida, com 13. Ocorre que sete peemedebistas precisam renovar seus mandatos em outubro, contra apenas três petistas. Não é um despautério imaginar o PT em 2015 com uma bancada de senadores quase igual ou até maior que a do PMDB --sobretudo se Dilma Rousseff for reeleita e alavancar as candidaturas de colegas pelo país.

Tudo considerado, o PT tem condições objetivas de ficar no ano que vem com a Presidência da República além das maiores bancadas individuais e os comandos da Câmara e do Senado. É essa eventual hegemonia que apavora a parte rebelada da base dilmista no Congresso. No momento, quando ainda não é majoritário, o PT trata aliados a pontapés. Os políticos ficam imaginando (e tremendo) ao pensar como será num cenário de poder institucional absoluto.

Remendo eleitoreiro no setor elétrico - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 15/03

As térmicas encareceram a energia, formando uma bomba financeira. O governo poupou, por enquanto, o consumidor, mas a bomba continua armada



Uma bomba financeira estava em gestação no setor elétrico. Devido à falta de chuvas na região Sudeste e à queda do nível dos reservatórios, as usinas térmicas precisaram ser acionadas a pleno vapor. Várias dessas usinas foram planejadas para uso emergencial, mas, no quadro atual de escassez, se tornaram permanentes. Tais térmicas queimam óleo diesel ou óleo combustível e, por isso, têm um custo de geração bem mais elevado que o de usinas hidráulicas, eólicas, ou mesmo térmicas movidas a biomassa, gás natural e carvão.

Pelas regras em vigor, o custo adicional deve ser repassado às tarifas cobradas dos consumidores na data de revisão anual. No entanto, o impacto financeiro do encarecimento de energia é imediato no segmento de distribuição. As companhias distribuidoras contratam com cinco anos de antecedência, em leilões promovidos pela agência reguladora do setor elétrico (Aneel), a energia que entregarão aos chamados clientes cativos (residenciais e pequenos estabelecimentos). Nesse prazo, é difícil se prever com exatidão as quantidades que poderão ser ofertadas ou consumidas. Dessa forma, a energia excedente das companhias geradoras ou a que ultrapassa a previamente contratada pelas distribuidoras tem de ser comercializada por preços definidos em um modelo matemático que leva em conta o nível dos reservatórios (nos quais se acumula energia) e o acionamento de usinas térmicas emergenciais. Nos últimos meses, os preços dispararam em função do esvaziamento dos reservatórios e da intensa participação das térmicas no fornecimento de eletricidade.

O governo já havia decidido que este ano, por motivos eleitoreiros, o consumidor não iria arcar com qualquer custo adicional no fornecimento de energia. E fez uma provisão, em um dos fundos do setor elétrico, para cobrir diferenças.

Na verdade, virou pó o modelo engendrado por Dilma, sem maiores discussões, de intervir no setor, forçando as estatais a renovar as concessões e a cortar as tarifas em 20%, número que subirá nos palanques. Mas agora em março foi possível dimensionar um enorme rombo nessa conta. As distribuidoras iriam à falência se tivesse que arcar com a defasagem entre o preço do combustível e o da energia: algo próximo dos R$ 20 bilhões. Na quinta-feira, o governo anunciou um remendo. O Tesouro entrará com mais recursos para cobrir a diferença (e para tal deverá elevar imposto, ainda que não tenha sido definido exatamente qual). Um empréstimo às distribuidoras — via empresa que centraliza a comercialização de eletricidade no mercado livre — cobrirá outra parte. Os juros serão pagos, claro, pelos consumidores — a partir do ano que vem, é certo. O quanto de subsídio que estará embutido nesse empréstimo não foi revelado. Talvez nem se saiba.

Tudo feito a fim de empurrar o choque tarifário para o ano que vem. O remendo não eliminou a bomba financeira. Apenas deu mais previsibilidade a ela.

Dependência da Argentina - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S. PAULO - 15/03
A indústria automotiva nacional respondeu por nada menos que 69,1% do crescimento da produção industrial em 2013, ante uma participação de apenas 18,4% em 2008, informa o jornal Valor. A primeira vista, tal desempenho poderia ser visto como um sinal de vigor. Mas, quando se olha mais de perto, observa-se que o resultado se deve muito mais às distorções causadas pelos benefícios fiscais ao setor do que à competitividade das montadoras nacionais - que só conseguem exportar basicamente para a Argentina.
Embora tenha sido premiado com uma renúncia fiscal da ordem de R$ 12,3 bilhões nos últimos cinco anos, o setor automotivo vive basicamente à custa do oxigênio do mercado interno - que agora começa a ficar rarefeito, em razão do endividamento das famílias e do en-carecimento do crédito.

As vendas de veículos em janeiro passado cresceram apenas 0,4% ante o mesmo mês de 2013 e foram 11,7% inferiores às de dezembro. Os carros vendidos em janeiro saíram basicamente dos estoques de veículos produzidos com desconto do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), cuja alíquota voltou a subir em 2014. Sem o estímulo ao consumo, as montadoras já preveem um ano complicado.

Esse cenário mostra que a política errática e imediatista do governo para a indústria, com a concessão de benesses a apenas alguns setores privilegiados, não estimula o desenvolvimento sustentado. O governo justifica os incentivos dizendo que o setor automotivo envolve uma enorme cadeia produtiva, com reconhecido potencial de geração de empregos. Isso é inegável - ainda que o ritmo da abertura de vagas tenha caído de 7,2% ao ano, em média, entre 2004 e 2008, para 0,2% em 2013.0 fato, porém, é que as indústrias beneficiadas passam a planejar sua produção tendo em perspectiva as condições vantajosas oferecidas pelo governo, desenvolvendo uma evidente dependência.

As montadoras registram crescimento desde 2004 e muito provavelmente poderiam sobreviver aos solavancos econômicos sem os incentivos, pois o mercado brasileiro ainda está longe da saturação. O efeito dos benefícios fiscais, nesse cenário, é o da acomodação: com faturamento garantido, mercado dominado e boa rentabilidade, a indústria automotiva não se viu estimulada a ampliar investimentos em produtividade e competitividade. O porcentual do faturamento que o setor destina à inovação é, em média, de 1,4%, ante 4,3% nos países desenvolvidos.

Desse modo, quando vão disputar o mercado externo, os carros brasileiros - caros e de qualidade modesta - têm encontrado compradores apenas na Argentina. Reportagem do Estado mostrou que o país vizinho recebeu quase 80% dos carros exportados pelo Brasil no ano passado, contra apenas 18,5% em 2003. Já o mercado americano, que absorvera 8,4% dos veículos brasileiros vendidos ao exterior em 2003, não comprou nenhuma unidade em 2013.

Um bom exemplo desse fiasco é o da Toyota, que pretendia transformar sua fábrica em Indaiatuba (SP) em um polo exportador para a América do Sul. A montadora vendia seu modelo Corolla para 19 países, num volume que representava 26% de sua produção. Hoje, a exportação se limita a 16% dos carros produzidos, e o destino é apenas a Argentina. O presidente da Toyota para a América Latina, Steve St. Angelo, disse que lhe "corta o coração" ver carros da montadora vendidos na América do Sul vindos "da fábrica do Mississippi (Estados Unidos), e não do Brasil".

Assim, as exportações do setor automotivo estão à mercê dos humores da Argentina, um país em persistente crise, que não se cansa de impor barreiras a produtos brasileiros. Agora mesmo, os argentinos pretendem cortar US$ 1 bilhão em encomendas de veículos leves brasileiros. Em resposta a isso, o governo planeja criar uma linha de financiamento para a exportação de carros ao vizinho.

De novo, isso é apenas uma forma de atenuar a crise - que só será atacada de fato quando o Brasil adotar uma política industrial de longo prazo, sem improvisos, que dê a seu setor produtivo condições reais de disputar os melhores mercados.

O ônus energético - EDITORIAL ZERO HORA

ZERO HORA - 15/03

O setor elétrico não pode ser usado para ações demagógicas, como redução de tarifas, nem para o adiamento de reajustes por razões eleitorais.


Como era previsível, caberá também ao consumidor arcar com o ônus da má gestão no setor elétrico e de dificuldades que, aos poucos, o governo federal vai sendo forçado a reconhecer. Diante da necessidade de acionar as usinas térmicas, de custo até seis vezes superior ao das hidrelétricas, cujos reservatórios foram prejudicados pela estiagem, o governo federal decidiu compartilhar a conta, assumindo uma parte dela, transferindo outra para o sistema elétrico e o restante, para os usuários. Ainda que, até certo ponto, o problema se deva à falta de chuvas, é evidente que o impacto poderia ser menor se, nos últimos anos, o poder público tivesse investido mais nessa área, ampliando a capacidade de geração, com programas de médio e longo prazos, e diversificando mais a matriz energética.
A decisão tomada agora, de transferir para os brasileiros uma parcela da conta sob a forma de aumento de impostos, ainda não detalhado, e reajuste na tarifa no próximo ano, depois das eleições, tem consequências preocupantes. Uma delas é a de demonstrar que a inédita redução na tarifa, anunciada há pouco mais de um ano, não assegurou os resultados esperados, como o de estimular a produção. Além disso, acabou favorecendo um aumento no consumo de energia, quando o que deveria estar ocorrendo é o inverso, se não fosse ano eleitoral. Em consequência do aporte financeiro ao setor elétrico, o governo deve enfrentar ainda mais dificuldades para cumprir a meta de superávit primário _ os recursos destinados ao pagamento de juros da dívida pública _, o que acaba gerando mais instabilidade na economia. E os consumidores, além de terem que arcar com mais impostos, ainda enfrentarão um reajuste considerável na tarifa mais à frente.
O retrospecto demonstra que, quando os repasses são represados, como está ocorrendo agora, o impacto sobre o consumidor acaba muitas vezes se revelando superior ao previsto. Por isso, o que o governo federal precisa fazer é reafirmar os compromissos de acelerar os projetos na área energética, evitando que o país volte a ser atropelado por instabilidades desse tipo, que geram prejuízos aos usuários e insegurança entre investidores.
Os equívocos do governo deixam evidente que o setor elétrico não pode ser usado para ações demagógicas, como redução de tarifas, nem para o adiamento de reajustes por razões eleitorais, como foi decidido agora. Sempre que o país passou por políticas irrealistas de preços, o consumidor acabou arcando com um reajuste ainda mais expressivo no final.

Crimeia em consulta - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 15/03
Dois pleitos, dois eixos de influência geopolítica.
Nas eleições parlamentares marcadas para amanhã na Sérvia, espera-se nova vitória do bloco governista, responsável por iniciar um processo de adesão à União Europeia. Na Crimeia, região autônoma da Ucrânia, um referendo deve corroborar a decisão do Parlamento local de se anexar à Rússia.

O paralelo não se esgota na coincidência de data das votações. No final dos anos 1990, começou no território sérvio um conturbado processo de secessão que ainda hoje desperta divergências globais.

Por quase dez anos, a partir de 1999, a região separatista do Kosovo permaneceu sob controle da ONU e da Otan. Tal medida interrompeu sangrenta campanha militar do governo contra os albaneses, etnia de 90% dos kosovares.

Em 2008, o Parlamento do Kosovo decidiu, à revelia do poder central, proclamar-se independente. União Europeia (UE) e EUA logo reconheceram a nova nação, ao passo que a Rússia até hoje não o fez.

Agora em outro palco, inverteram-se os papéis das potências. Enquanto Moscou reconhece o direito da Crimeia de se integrar a seu domínio e estimula essa ambição, Washington e UE criticam a violação de leis e princípios, como o da soberania da Ucrânia.

Questões separatistas tornam evidente a inconsistência da aplicação de certas noções do direito internacional. São os interesses políticos particulares, no fundo, que regem o modo como cada Estado lida com situações concretas.

Tome-se a Sérvia uma vez mais. Para avançar nas negociações com a União Europeia, o governo do país precisou, no ano passado, assinar acordo de normalização de relações com o Kosovo --um passo impensável poucos anos atrás.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, usa a seu favor essa flexibilidade conceitual ao apoiar a movimentação na Crimeia.

Pesquisas mostram que a maioria da população local não se sente parte da Ucrânia --60% dos habitantes têm origem russa-- nem apoia a iniciativa do novo governo de se aproximar do Ocidente. Compreende-se, além disso, o impacto de medidas, mesmo que depois vetadas, no sentido de proibir o uso oficial do idioma russo.

É difícil justificar, ainda assim, o açodamento na convocação da consulta popular --foram dez dias de preparo-- e sua realização apenas na Crimeia, e não em todo o território ucraniano, como determina a Constituição do país.

Lamenta-se, ademais, que o pleito ocorra numa região sob crescente e ostensiva ocupação militar russa, o que pode fragilizar ainda mais a legitimidade de seus resultados.

Respeito ao consumidor - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 15/03
Começam a vigorar em julho as novas regras de proteção do consumidor para clientes de empresas de telefonia, internet e tevê a cabo, líderes no ranking de reclamações em todo o país, sem distinção de região. É impressionante o número de queixas que desaguam diariamente nos Procons municipais e estaduais e até mesmo nas redações dos veículos de comunicação.
O regulamento, elaborado pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) a partir dos relatos de consumidores, vai ajudar os cidadãos a controlar gastos e a evitar empresas que não honram contratos, livrando-os da via-crúcis burocrática ou de buscar guarida na Justiça. Somente no ano passado, foram cerca de 3 milhões de reclamações contra operadoras de serviços de telecomunicações.

Muitos consumidores, por vários motivos, não registram queixas. Desistem já na tentativa de ligar para as centrais de atendimento ao cliente, desmotivados pelo processo difícil e demorado - disque 1 para isso, 2 para aquilo, e assim por diante -, quase sempre encerrado numa audição interminável e torturante de música, sem um interlocutor de carne e osso que atenda à chamada.

Pelo novo conjunto de regras, se o consumidor estiver falando com a operadora e a ligação cair, caberá ao funcionário da empresa retornar a ligação, ou pelo menos enviar ao cliente uma mensagem de texto com o número do protocolo da reclamação. Importantíssimo: o cancelamento do serviço poderá ser feito por internet ou telefone, sem que o consumidor precise se dirigir a uma loja da operadora. Também houve alteração nas regras do crédito pré-pago para celulares, com a validade mínima passando para 30 dias. Nos planos pós-pagos haverá detalhamento de tributos cobrados na fatura.

Hoje é o Dia Mundial dos Direitos do Consumidor, que está completando 30 anos. A data celebra o ato do ex-presidente norte-americano John Kennedy, que enviou ao Congresso dos Estados Unidos uma mensagem em defesa dos direitos de quem compra, abrindo caminho para as atuais leis de proteção à clientela mundo afora, inclusive no Brasil, cujo Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078) faz 24 anos em 11 de setembro. É muito oportuno, pois, o novo ordenamento da Anatel. Mas exigirá rigor do órgão federal para que seja cumprido à risca pelas concessionárias de serviços de telecomunicações, principalmente as operadoras de celulares (o país tem perto de 300 milhões de aparelhos em uso).

Daqui a três meses e meio, as novas normas entram em vigor. Às empresas foi dado um prazo elástico para que qualificassem os serviços ofertados aos brasileiros por meio de concessões públicas, isto é, dadas pelo Estado em nome da população, que tem todo o direito de tê-los sob a chancela da boa qualidade, até agora ruim. Cabe à Anatel divulgar à exaustão o novo marco regulatório para as telecomunicações, para que a sociedade saiba como negociar e fazer valer seus plenos direitos.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

“É uma injustiça com o povo”
Siqueira Campos (PSDB), governador do Tocantins, sobre o custo da energia


NOVO INIMIGO DE MORALES ABRE CRISE COM BRASIL

Menos de dois anos após a crise diplomática envolvendo o refúgio do ex-senador Roger Pinto Molina, outro inimigo do presidente cocaleiro Evo Morales ameaça criar problemas para o Itamaraty: promotor do Ministério Público, Marcelo Soza pediu refúgio, terça (11), à embaixada do Brasil em La Paz, após denunciar que o governo maluquete da Bolívia manipulou um processo de “terrorismo” para prejudicá-lo.

PROCURADO

O governo brasileiro não confirma o refúgio de Marcelo Soza, que agora, a pedido do regime de Evo Morales, é caçado pela Interpol.

TERRORISMO DE ARAQUE

Soza virou acusado de suposto atentado para matar Evo Morales, após revelar o enriquecimento ilícito de ministros e aliados.

MORDAÇA

A oposição acusa Evo Morales de violar os direitos humanos, amordaçar o Judiciário e praticar “terrorismo de Estado”.

VIDA PROVISÓRIA

O senador boliviano Roger Molina, 53, ganhou refúgio provisório em fevereiro, após 445 dias confinado na embaixada do Brasil em La Paz.

MPF MIRA NO PODER DAS TERMELÉTRICAS

Procuradores do Ministério Público Federal, intrigados com as relações supostamente especiais dos donos de termelétricas com autoridades da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e do Ministério de Minas e Energia, resolveram monitorar esse setor. Empresários ligados à família Sarney e ao decadente Eike Batista estão entre os beneficiados pela política, que garante R$ 1 bilhão por mês para termelétricas.

MUITO SUSPEITO

A Aneel negligenciou a geração de energia limpa para encher as burras das termelétricas, que usam combustível caro e poluente.

FOCO

No pacote de R$ 12 bilhões para o setor elétrico, o governo procurou atender às distribuidoras, não à geração de energia.

RECUO NO SENADO

Dos 14 senadores que se comprometeram em assinar pedido pela antecipação da convenção nacional do PMDB, três já retiraram apoio.

AINDA DÁ TEMPO

O presidente do STF, Joaquim Barbosa, desistiu de qualquer aventura eleitoral. Mas mantém a intenção de aposentar-se no final do ano. Se mudar de ideia outra vez, a convenção do PV será no próximo dia 22.

BOTA-FORA

O criminalista Antonio Carlos de Ameida Castro, o “Kakay”, arrancou gargalhadas, em uma roda, ao garantir que muitos advogados fariam vaquinha para bancar uma candidatura de Joaquim Barbosa. Para sempre procurador, o presidente do STF tem aversão a advogados.

NADA MUDOU

A despeito das constantes notícias de que deixará o “blocão”, o líder do PR, Bernardo Santana (MG), garante que ele “não representa o partido, mas sim a bancada da Câmara, que continua bem insatisfeita”.

DEZ ANOS DEPOIS

A Justiça suspendeu os direitos políticos do senador Zezé Perrella (PDT-MG). Nada a ver com desvio milionário ou o caso do “helicoca”, mas sim com a farra de apartamentos funcionais da Câmara, em 2004.

BURROCRACIA

Brasileira que mora nos Estados Unidos viajou 2 mil km para fazer procuração no consulado em Washington. Disseram-lhe que precisava ter preenchido um formulário pela internet. Surpresa, sacou seu iPad, conectou-se e pediu que o funcionário mostrasse o tal formulário no site. Não havia.

RECORDAR É VIVER

O tucano José Serra (SP), o ex-ministro Waldir Pires, o jornalista José Maria Rabêlo e a Eugênia Zerbini confirmaram presença em sessão solene no Senado, dia 31 de março, contra os 50 anos do golpe militar.

TROPEÇOU, MAS NÃO CAIU

Ary Graça Filho renunciou à presidência da Confederação Brasileira de Vôlei, ontem, em meio a suspeitas de fraude em contratos de patrocínio, mas segue como presidente da Federação Internacional de Voleibol, que assumiu em 2012 ao suceder o chinês Jizhonmg Wei.

TORRE DE BABEL

A cúpula do PMDB estranhou atitude do presidente do PT, Rui Falcão, de estimular o prefeito Antônio Gomide a manter-se na disputa em Goiás, justo onde a presidente Dilma disse que o PT apoiaria o PMDB.

PENSANDO BEM...

...mais espantoso que o sumiço do avião da Malásia é o silêncio dos vizinhos, após a guarda de Nicolás Maduro matar 30 manifestantes, na Venezuela.


PODER SEM PUDOR

O JOVEM CANDIDATO

Em 1974, plena ditadura, quando o MDB mineiro decidiu lançar como candidato ao Senado Itamar Franco, desconhecido prefeito de Juiz de Fora, a maior raposa do partido, Tancredo Neves, foi à cidade conhecê-lo melhor, em uma viagem de campanha.

A certa altura, quando passavam junto a um quartel do Exército, Itamar disparou:

- Deputado, o senhor tem visitado muito os quartéis?

Tancredo sentiu a estocada, mas em segundos se recuperou com uma resposta que lembraria durante anos:

- Tenho, sim, meu filho. Tenho ido aos quartéis para visitar os presos políticos, jamais para cortejar os generais.

Itamar passou o resto da viagem em silêncio.