ZERO HORA - 05/03
Sofrer dá mais dignidade à existência do que alegrar-se. Chorar causa uma comoção que o sorrir nem de longe atinge. Tudo o que impede a felicidade possui uma fleuma poética e é mais respeitado, pois provoca introspecção, exige o pensar-se. O.k., mas desde que não se prolongue o coitadismo. O que tenho visto já é exagero. As pessoas têm tido uma propulsão a emperrar, complicar e outras atitudes que interrompem o andamento do curso da vida. E nessas atitudes não reside poesia alguma.
Tão mais simples seria cooperar. Abrir caminho. Facilitar.
Se as coisas estão nebulosas, converse. Se há dúvida no ar, explique. Se há mágoas se acumulando, dissolva-as. É básico. Só que muitos pensam que viver dessa forma é falta de imaginação. Não concebem a rotina sem uma complicaçãozinha. Se limparem a área, o que farão? Como ocuparão seu vazio?
Enquanto essa postura de autoboicote se restringir à vida pessoal de cada um, vá lá. Não há como impedir alguém de ser infeliz, se é esse o projeto para o qual a criatura tem vocação. Mas, em termos sociais, é nosso dever colaborar.
Poderia dar inúmeros exemplos, mas fico com um atual, o da ampliação do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Entendo a preocupação dos ambientalistas em relação às 240 árvores que deverão ser cortadas para erguer os dois novos prédios. Tenho certeza de que eles não são contra a população que será beneficiada com mais leitos e com um ambulatório maior. Apenas estão fazendo a parte deles, sendo coerentes com sua ideologia. Mas nem sempre o certo e o errado estão em discussão. Às vezes é o certo x o certo, como neste caso. Quem não seria a favor da natureza? Árvores geram vida também. Quem deve ceder quando duas posturas positivas entram em choque?
Da mesma forma, os embates amorosos quase sempre são a luta de um certo contra outro certo. Ambos têm suas razões para ser como são, pensar como pensam, acreditar no que acreditam. E, no entanto, um dos dois terá que baixar a guarda para dar continuidade à relação – no caso de haver o desejo mútuo de dar continuidade à relação, óbvio.
Enfrentamentos nunca são fáceis. No caso do hospital, parece claro que a palavra que decide o caso é emergência. Saúde é um dos problemas mais graves do Estado. Há dinheiro em caixa para o início da obra, o que é um luxo neste país em que tudo é desviado para o bolso de alguns poucos. As condições são propícias e a necessidade urge. É um acerto maior versus um acerto menor. Cooperação é tudo o que se espera para que a cidade possa ir adiante.
Aquele que cede pensa que perde. Mas não perde nada. Contribuirá à sua maneira (não atrapalhar é contribuir) e exercitará a flexibilidade, que sempre é sinal de inteligência.
quarta-feira, março 05, 2014
Sem pipoca em "Marienbad" - RUY CASTRO
FOLHA DE SP - 05/03
RIO DE JANEIRO - Alain Resnais, que morreu sábado em Paris, aos 91 anos, dizia-se um "cineasta do imaginário". A definição é importante quando se considera o filme pelo qual, nos anos 60, ele se tornou o centro das discussões sobre cinema: "O Ano Passado em Marienbad" (1961). Nunca um filme dividira tanto as opiniões: ou se o achava uma radical reinvenção da linguagem, ou se ia embora aos 15 minutos de projeção, dando bananas para a tela.
Àqueles para quem "Marienbad" não significava nada, Resnais aconselhava a que cada um o interpretasse a seu próprio modo, e este seria o correto. E acrescentava que, se dependesse dele, o filme seria exibido em sessões contínuas, sem créditos, com o espectador entrando e saindo da sala quando quisesse. E por que não, se nunca se sabe o que é presente ou passado, realidade ou imaginação? O imaginário está cheio de significados, mas não no sentido da lógica do relógio.
No filme, ao som de um hipnótico órgão, a câmera circula pelos labirintos de um castelo barroco transformado em hotel, seguindo um homem (chamado "X") que tenta convencer uma mulher ("A") de que eles viveram um romance em Marienbad no ano anterior. Tudo isto diante de "M", o marido dela, que apenas observa. Nada "acontece". Os homens são quase imóveis, as vozes em off falam um texto em círculos, as árvores em torno deles não projetam sombras.
Suponha agora que o romance tenha acontecido, mas, por causa dele, "M" tenha matado "A". Atormentado de culpa, "X" volta ao castelo um ano depois e conta incessantemente a história para si mesmo, tentando alterá-la. Ou imagina estar fazendo isto. Talvez não haja ninguém ali --nem ele. A realidade é o filme.
Bem, esta é só uma das muitas interpretações. O fato é que ninguém se atrevia a comer pipoca ao assistir a "O Ano Passado em Marienbad".
RIO DE JANEIRO - Alain Resnais, que morreu sábado em Paris, aos 91 anos, dizia-se um "cineasta do imaginário". A definição é importante quando se considera o filme pelo qual, nos anos 60, ele se tornou o centro das discussões sobre cinema: "O Ano Passado em Marienbad" (1961). Nunca um filme dividira tanto as opiniões: ou se o achava uma radical reinvenção da linguagem, ou se ia embora aos 15 minutos de projeção, dando bananas para a tela.
Àqueles para quem "Marienbad" não significava nada, Resnais aconselhava a que cada um o interpretasse a seu próprio modo, e este seria o correto. E acrescentava que, se dependesse dele, o filme seria exibido em sessões contínuas, sem créditos, com o espectador entrando e saindo da sala quando quisesse. E por que não, se nunca se sabe o que é presente ou passado, realidade ou imaginação? O imaginário está cheio de significados, mas não no sentido da lógica do relógio.
No filme, ao som de um hipnótico órgão, a câmera circula pelos labirintos de um castelo barroco transformado em hotel, seguindo um homem (chamado "X") que tenta convencer uma mulher ("A") de que eles viveram um romance em Marienbad no ano anterior. Tudo isto diante de "M", o marido dela, que apenas observa. Nada "acontece". Os homens são quase imóveis, as vozes em off falam um texto em círculos, as árvores em torno deles não projetam sombras.
Suponha agora que o romance tenha acontecido, mas, por causa dele, "M" tenha matado "A". Atormentado de culpa, "X" volta ao castelo um ano depois e conta incessantemente a história para si mesmo, tentando alterá-la. Ou imagina estar fazendo isto. Talvez não haja ninguém ali --nem ele. A realidade é o filme.
Bem, esta é só uma das muitas interpretações. O fato é que ninguém se atrevia a comer pipoca ao assistir a "O Ano Passado em Marienbad".
Duas máscaras - ROBERTO DAMATTA
O ESTADÃO - 05/03
Quando converso com amigos, colegas e alunos sobre o ato de escrever, encontro uma clara distinção. Meus companheiros universitários não dizem apenas que escrevem: eles publicam. E hoje, graças ao regime imposto ao mundo da pesquisa e do ensino superior, esse publicar é requerido e medido. Dependendo do órgão no qual se publica, o texto vale mais ou conta menos pontos para o autor e para o seu departamento independentemente do seu, digamos com a devida vênia, valor intrínseco. Jornalistas registram mais do que todo mundo e pouco dizem: eu “publico”. Eles escrevem.
Professores e pesquisadores, entretanto, falam com justo orgulho que publicam em revistas exclusivamente devotadas à ciência nos países que inventaram esse jeito de olhar o mundo, ainda que os seus ensaios sejam às vezes contra esse mundo. Curioso e pungente ler um documento contra a acumulação capitalista ser preferencialmente publicado numa revista dos países que inventaram a poluição, o luxo e o lixo.
Deixando de lado essas pequenas contradições, dignas de uma Quarta-Feira de Cinzas, vale acentuar as máscaras usadas no escrever e no publicar.
Posso falar disso porque conheço bem o seu feitio. Elas, de saída, chamam à memória o cisma ocidental entre o popular e o erudito; o que seria geral e raso e o que seria exclusivo e denso.
A distinção radical entre o erudito e o popular chegou forte na minha consciência quando, estudante em Harvard e depois professor visitante na Universidade da California-Berkeley e Cambridge (Inglaterra), eu descobri o tratamento marginal dado à música comum e banal dos Gerswhin, Cole Porter e Irving Berlin — e a centralidade das vertentes musicais clássicas, todas europeias.
A televisão ficava escondida e os seus programas populares eram falados somente entre os estudantes. Eram, como uma vez me disse um pomposo colega, professor de antropologia cultural de Berkeley, “coisas do homem comum”. Esse sujeito diferente de nós — ou melhor, “deles”. Porque eu não distingo o popular do erudito. Aliás, eu penso que, em matéria de arte e pensamento, existem coisas boas e ruins, coisas claras e confusas.
Como estamos na pausa que inaugura o período que justifica a licença carnavalesca — essa quaresma dada nas flores roxas que lembram a finitude e a morte — lembrei-me dessas duas máscaras. A que visto quando publico um artigo acadêmico, cujo código demanda descoberta, erudição, contenção, resolução de um problema e o desejo de uma modesta eternidade; e quando escrevo a coluna do jornal. Um texto que demanda um outro tipo de disciplina — a da simplicidade, do transitório, do palpite e, às vezes, da insegurança.
Num caso, a recompensa são o reconhecimento e a referencia obrigatória; no outro, o pagamento é um honorário, ou a menção ligeira de algum amigo num “gostei” ou simplesmente o “não li”, o que nos dá uma medida da banalidade da vida que é, quem sabe, a função mais profunda dos jornais diários.
Quando “publiquei” ensaios acadêmicos pautado pelas teorias e dados de pesquisa, tentei fazer a “minha teoria” — à “contribuição” recebi como resposta a crítica feroz ou simplesmente arrogante. Descobri que a minha esforçada publicação espalhava ignorância. Quando escrevo no jornal e uso a máscara do quase-escritor, eu ganho uma liberdade carnavalesca. A que, como tudo na vida, sabe que tem começo e fim e vai mesmo embrulhar o peixe. Mas não me esqueço das máscaras do “publicar”.
No meu caso, escrever para o jornal se parece com uma revelação. A máscara do publicar faz, por certo, o oposto. Na publicação acadêmica, o texto deve a si mesmo uma seriedade de tal ordem que pode torná-lo risível ou ridículo. No cronista, porém, a mistura de imaginação e realidade produz uma escrita obrigada a rir de si mesmo porque seu autor sabe ser impossível inventar toda santa semana. O ensaio acadêmico, por sua vez, tem um leitor crítico e impaciente. A crônica, pelo contrário, pede pelo amor de Deus um leitor compassivo.
Essas escritas são críticas. Elas não se excluem. Alternam-se e tem muita sorte quem pode praticá-las com o coração aberto.
A máscara risonha do carnaval é usada pelo escritor que deseja fazer rir. O riso se repete e a gente ri daquilo que é repetido mecanicamente como mostrou Bergson. Já a máscara do texto acadêmico, um tanto mais trágico, corresponde ao uniforme dos mandões e dos moralistas ideológicos. Ela é parte da coroa de espinhos chamada de “discurso histórico”, o qual, dizem os crentes, foi usado pelos heróis. O riso solicita compaixão e inclusão; o discurso desperta paixão e, Deus nos livre, paredão. Felizes cinzas.
Quando converso com amigos, colegas e alunos sobre o ato de escrever, encontro uma clara distinção. Meus companheiros universitários não dizem apenas que escrevem: eles publicam. E hoje, graças ao regime imposto ao mundo da pesquisa e do ensino superior, esse publicar é requerido e medido. Dependendo do órgão no qual se publica, o texto vale mais ou conta menos pontos para o autor e para o seu departamento independentemente do seu, digamos com a devida vênia, valor intrínseco. Jornalistas registram mais do que todo mundo e pouco dizem: eu “publico”. Eles escrevem.
Professores e pesquisadores, entretanto, falam com justo orgulho que publicam em revistas exclusivamente devotadas à ciência nos países que inventaram esse jeito de olhar o mundo, ainda que os seus ensaios sejam às vezes contra esse mundo. Curioso e pungente ler um documento contra a acumulação capitalista ser preferencialmente publicado numa revista dos países que inventaram a poluição, o luxo e o lixo.
Deixando de lado essas pequenas contradições, dignas de uma Quarta-Feira de Cinzas, vale acentuar as máscaras usadas no escrever e no publicar.
Posso falar disso porque conheço bem o seu feitio. Elas, de saída, chamam à memória o cisma ocidental entre o popular e o erudito; o que seria geral e raso e o que seria exclusivo e denso.
A distinção radical entre o erudito e o popular chegou forte na minha consciência quando, estudante em Harvard e depois professor visitante na Universidade da California-Berkeley e Cambridge (Inglaterra), eu descobri o tratamento marginal dado à música comum e banal dos Gerswhin, Cole Porter e Irving Berlin — e a centralidade das vertentes musicais clássicas, todas europeias.
A televisão ficava escondida e os seus programas populares eram falados somente entre os estudantes. Eram, como uma vez me disse um pomposo colega, professor de antropologia cultural de Berkeley, “coisas do homem comum”. Esse sujeito diferente de nós — ou melhor, “deles”. Porque eu não distingo o popular do erudito. Aliás, eu penso que, em matéria de arte e pensamento, existem coisas boas e ruins, coisas claras e confusas.
Como estamos na pausa que inaugura o período que justifica a licença carnavalesca — essa quaresma dada nas flores roxas que lembram a finitude e a morte — lembrei-me dessas duas máscaras. A que visto quando publico um artigo acadêmico, cujo código demanda descoberta, erudição, contenção, resolução de um problema e o desejo de uma modesta eternidade; e quando escrevo a coluna do jornal. Um texto que demanda um outro tipo de disciplina — a da simplicidade, do transitório, do palpite e, às vezes, da insegurança.
Num caso, a recompensa são o reconhecimento e a referencia obrigatória; no outro, o pagamento é um honorário, ou a menção ligeira de algum amigo num “gostei” ou simplesmente o “não li”, o que nos dá uma medida da banalidade da vida que é, quem sabe, a função mais profunda dos jornais diários.
Quando “publiquei” ensaios acadêmicos pautado pelas teorias e dados de pesquisa, tentei fazer a “minha teoria” — à “contribuição” recebi como resposta a crítica feroz ou simplesmente arrogante. Descobri que a minha esforçada publicação espalhava ignorância. Quando escrevo no jornal e uso a máscara do quase-escritor, eu ganho uma liberdade carnavalesca. A que, como tudo na vida, sabe que tem começo e fim e vai mesmo embrulhar o peixe. Mas não me esqueço das máscaras do “publicar”.
No meu caso, escrever para o jornal se parece com uma revelação. A máscara do publicar faz, por certo, o oposto. Na publicação acadêmica, o texto deve a si mesmo uma seriedade de tal ordem que pode torná-lo risível ou ridículo. No cronista, porém, a mistura de imaginação e realidade produz uma escrita obrigada a rir de si mesmo porque seu autor sabe ser impossível inventar toda santa semana. O ensaio acadêmico, por sua vez, tem um leitor crítico e impaciente. A crônica, pelo contrário, pede pelo amor de Deus um leitor compassivo.
Essas escritas são críticas. Elas não se excluem. Alternam-se e tem muita sorte quem pode praticá-las com o coração aberto.
A máscara risonha do carnaval é usada pelo escritor que deseja fazer rir. O riso se repete e a gente ri daquilo que é repetido mecanicamente como mostrou Bergson. Já a máscara do texto acadêmico, um tanto mais trágico, corresponde ao uniforme dos mandões e dos moralistas ideológicos. Ela é parte da coroa de espinhos chamada de “discurso histórico”, o qual, dizem os crentes, foi usado pelos heróis. O riso solicita compaixão e inclusão; o discurso desperta paixão e, Deus nos livre, paredão. Felizes cinzas.
O foco da criançada - ZUENIR VENTURA
O GLOBO - 05/03
Uma das principais preocupações dos pais modernos, e dos avôs, é o uso que a geração de Alice, minha neta, está fazendo do iPad
Na coluna anterior, tratei do tema abordado pelo livro “Foco — A atenção e seu papel fundamental para o sucesso”, do psicólogo americano Daniel Goleman. O meu “foco” agora são as crianças e os jovens, ou melhor, o que as ferramentas digitais estão fazendo com sua atenção. Uma das principais preocupações dos pais modernos — e dos avôs — é o uso que a geração de Alice, minha neta, está fazendo do iPad. Ela tem pouco mais de 4 anos e domina os segredos dessa máquina que, para mim, é inexpugnável. Não entende que possa existir gente que não entende o que ela entende tão bem. É capaz de permanecer horas seguidas diante de uma dessas telinhas, sem se levantar do sofá. Quando cansa, muda de posição, deita e até de cabeça pra baixo fica. O remédio foi conscientizá-la de que era preciso restringir o uso. Não deve ser a única de sua tribo.
Mas e Eric? Com um ano e cinco meses, sem ainda falar e mal começando a andar, já sabe qual botão apertar com seu dedinho indicador para ligar e que comando acionar para obter esse ou aquele joguinho. Aí para de chorar, de pedir colo, de incomodar. Se deixar, fica como a irmã — fascinado, hipnotizado, anestesiado. Para os pais em geral, nada mais cômodo. Ou confortável, para usar a palavra que Alice acaba de descobrir e que serve para tudo (“pode entrar na piscina que a água tá confortável”). Não existe o mundo aqui fora. Toda atenção se concentra ali. Aquele é o único foco — exagerado, prejudicial.
“As crianças de hoje”, informa Goleman, “estão mais conectadas a máquinas e menos a pessoas como jamais aconteceu na história da humanidade. Já vi um garoto escrevendo uma mensagem enquanto andava de bicicleta”. De acordo com uma pesquisa, o jovem médio americano recebe e envia mais de cem mensagens de texto por dia, cerca de dez a cada hora acordado. E, no entanto, a interação pessoal é indispensável. “O circuito social e emocional do cérebro de uma criança aprende através do contato e das conversas com os que encontra durante o dia.” Ou seja, horas passadas com gente são mais úteis do que diante de uma tela digitalizada.
Por um lado, é admirável a capacidade que os adolescentes têm de receber diversos estímulos e processá-los ao mesmo tempo. Enquanto ouvem música nos fones, mantêm a TV ligada, postam mensagens, enviam torpedos, acionam o Instagram. Por outro lado, a prática tem um custo: a dispersão e a preguiça mental retardam o raciocínio, privilegiando o reflexo em vez da reflexão. A principal vítima é o hábito da leitura. Uma professora contou sua experiência, que talvez não seja única. Um livro que há cinco anos fazia sucesso numa turma é hoje considerado difícil. Os alunos alegam que gastam muito tempo para ler uma página. Segundo ela, a atenção deles agora só suporta textos “curtos e picotados”. Livros, nem pensar.
Uma das principais preocupações dos pais modernos, e dos avôs, é o uso que a geração de Alice, minha neta, está fazendo do iPad
Na coluna anterior, tratei do tema abordado pelo livro “Foco — A atenção e seu papel fundamental para o sucesso”, do psicólogo americano Daniel Goleman. O meu “foco” agora são as crianças e os jovens, ou melhor, o que as ferramentas digitais estão fazendo com sua atenção. Uma das principais preocupações dos pais modernos — e dos avôs — é o uso que a geração de Alice, minha neta, está fazendo do iPad. Ela tem pouco mais de 4 anos e domina os segredos dessa máquina que, para mim, é inexpugnável. Não entende que possa existir gente que não entende o que ela entende tão bem. É capaz de permanecer horas seguidas diante de uma dessas telinhas, sem se levantar do sofá. Quando cansa, muda de posição, deita e até de cabeça pra baixo fica. O remédio foi conscientizá-la de que era preciso restringir o uso. Não deve ser a única de sua tribo.
Mas e Eric? Com um ano e cinco meses, sem ainda falar e mal começando a andar, já sabe qual botão apertar com seu dedinho indicador para ligar e que comando acionar para obter esse ou aquele joguinho. Aí para de chorar, de pedir colo, de incomodar. Se deixar, fica como a irmã — fascinado, hipnotizado, anestesiado. Para os pais em geral, nada mais cômodo. Ou confortável, para usar a palavra que Alice acaba de descobrir e que serve para tudo (“pode entrar na piscina que a água tá confortável”). Não existe o mundo aqui fora. Toda atenção se concentra ali. Aquele é o único foco — exagerado, prejudicial.
“As crianças de hoje”, informa Goleman, “estão mais conectadas a máquinas e menos a pessoas como jamais aconteceu na história da humanidade. Já vi um garoto escrevendo uma mensagem enquanto andava de bicicleta”. De acordo com uma pesquisa, o jovem médio americano recebe e envia mais de cem mensagens de texto por dia, cerca de dez a cada hora acordado. E, no entanto, a interação pessoal é indispensável. “O circuito social e emocional do cérebro de uma criança aprende através do contato e das conversas com os que encontra durante o dia.” Ou seja, horas passadas com gente são mais úteis do que diante de uma tela digitalizada.
Por um lado, é admirável a capacidade que os adolescentes têm de receber diversos estímulos e processá-los ao mesmo tempo. Enquanto ouvem música nos fones, mantêm a TV ligada, postam mensagens, enviam torpedos, acionam o Instagram. Por outro lado, a prática tem um custo: a dispersão e a preguiça mental retardam o raciocínio, privilegiando o reflexo em vez da reflexão. A principal vítima é o hábito da leitura. Uma professora contou sua experiência, que talvez não seja única. Um livro que há cinco anos fazia sucesso numa turma é hoje considerado difícil. Os alunos alegam que gastam muito tempo para ler uma página. Segundo ela, a atenção deles agora só suporta textos “curtos e picotados”. Livros, nem pensar.
Um ano sem Chávez - RODRIGO CRAVEIRO
CORREIO BRAZILIENSE - 05/03
Há exatamente um ano, a Venezuela perdia um líder transformado quase que em símbolo religioso pelos seguidores. A cobertura dos funerais de Hugo Chávez, em Caracas, foi uma das experiências mais impressionantes e estranhas por que passei. No Paseo de Los Próceres, dia, noite ou madrugada adentro, uma multidão enfrentava fila quilométrica para se despedir do presidente, artífice de revolução socialista moldada no populismo e na adoração a Simón Bolívar. O político capaz de sacadas de humor repentinas e de discursos virulentos contra o imperialismo era amado como pai pela população carente, adotada pelas famosas missões bolivarianas, e fustigado como ditador pela oposição.
"Perdi meu papai." A frase foi dita a mim, em meio a lágrimas, por uma senhora sobre a cadeira de rodas. Trazia um cartaz com a foto do comandante ao colo, uma sombrinha com as cores da bandeira da Venezuela presa à cabeça e feridas em carne viva nas pernas. "Ele nos deu tudo e, agora, vive. Chávez somos todos nós", declarou Humberto Chacón, venezuelano que passou 27 horas na fila para ter a oportunidade de ficar menos de 30 segundos diante do corpo do presidente. Ainda que a vida continuasse, Caracas parecia imersa na dor por perda que era impossível de mensurar. Choro, palavras de ordem, pandemônio que parecia envolver o inconsciente coletivo dos venezuelanos.
Um ano se passou e o legado de Chávez parece ter sido um sistema socioeconômico falido, uma Venezuela dividida pelo ódio, um governo apegado à força bruta para salvar sua revolução e uma sociedade refém da insegurança e vítima da intolerância do Estado. O absurdo número de homicídios - 24.700 pessoas assassinadas em 2013 -, a inflação de 54% e a aguda crise de desabastecimento nos supermercados potencializam a insatisfação popular e alimentam a repressão policial, num perigoso e vicioso ciclo de violência.
Se, sob o domínio de Chávez a população não usufruía da democracia na acepção mais pura, o presidente Maduro a vilipendiou quase que por completo. Apesar de ter devorado a cartilha do chavismo, o chefe de Estado jamais exibiu o carisma do antecessor e parece disposto a impor uma ditadura disfarçada para salvar o próprio trono no Palácio de Miraflores. Não fosse a oposição fragmentada, o socialismo da século 21 e o governo de Nicolás Maduro estariam sob grave ameaça. Que Deus e o bom senso protejam os venezuelanos.
"Perdi meu papai." A frase foi dita a mim, em meio a lágrimas, por uma senhora sobre a cadeira de rodas. Trazia um cartaz com a foto do comandante ao colo, uma sombrinha com as cores da bandeira da Venezuela presa à cabeça e feridas em carne viva nas pernas. "Ele nos deu tudo e, agora, vive. Chávez somos todos nós", declarou Humberto Chacón, venezuelano que passou 27 horas na fila para ter a oportunidade de ficar menos de 30 segundos diante do corpo do presidente. Ainda que a vida continuasse, Caracas parecia imersa na dor por perda que era impossível de mensurar. Choro, palavras de ordem, pandemônio que parecia envolver o inconsciente coletivo dos venezuelanos.
Um ano se passou e o legado de Chávez parece ter sido um sistema socioeconômico falido, uma Venezuela dividida pelo ódio, um governo apegado à força bruta para salvar sua revolução e uma sociedade refém da insegurança e vítima da intolerância do Estado. O absurdo número de homicídios - 24.700 pessoas assassinadas em 2013 -, a inflação de 54% e a aguda crise de desabastecimento nos supermercados potencializam a insatisfação popular e alimentam a repressão policial, num perigoso e vicioso ciclo de violência.
Se, sob o domínio de Chávez a população não usufruía da democracia na acepção mais pura, o presidente Maduro a vilipendiou quase que por completo. Apesar de ter devorado a cartilha do chavismo, o chefe de Estado jamais exibiu o carisma do antecessor e parece disposto a impor uma ditadura disfarçada para salvar o próprio trono no Palácio de Miraflores. Não fosse a oposição fragmentada, o socialismo da século 21 e o governo de Nicolás Maduro estariam sob grave ameaça. Que Deus e o bom senso protejam os venezuelanos.
Com o que Dilma deve se preocupar - ROSÂNGELA BITTAR
VALOR ECONÔMICO - 05/03
As pesquisas de todos os institutos, tanto os que trabalham para candidatos e partidos quanto os que atuam para o mercado e órgãos de comunicação, convergiram mais cedo este ano. No fim de fevereiro todos eles fizeram uma rodada que apontou o que geralmente apontam às vésperas da votação. Chegaram a um consenso quanto à situação de Dilma Rousseff (PT), Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB), os principais candidatos ao pleito presidencial já lançados, com pequenas nuances entre um instituto e outro quanto aos índices de intenção de voto de cada um.
Esse dado, contudo, não é o mais importante agora, notadamente para a presidente Dilma, candidata à reeleição. A intenção de voto é relevante para atrair financiamento de campanha, alianças, consolidar a base política, conquistar tempo de propaganda na TV, impressionar uns e outros, dar discurso.
Mas a informação fundamental das pesquisas para os especialistas, agora, do ponto de vista estratégico da campanha, são os índices de avaliação da administração da presidente candidata à reeleição, seu desempenho no cargo. É isso o que vale para que, inclusive, consiga reverter algumas tendências negativas. Tempo há, de sobra.
Até junho, época das convenções e arrancada da campanha, qualquer candidato à reeleição precisa se preocupar com a avaliação que o eleitorado faz de sua gestão. Obsessivamente. Cobrar respostas de seus ministros ou secretários, municiar o marqueteiro, que vai tratar de manipular "as realizações", reais ou fictícias, na propaganda, para que o eleitor seja conquistado para a ideia da continuidade daquela maravilha e não da interrupção, da mudança, ou da descontinuidade, como se define no jargão dos especialistas.
Nenhuma das pesquisas divulgadas em fevereiro mostrou felicidade do eleitor com o governo Dilma. Comprovou-se, nas manifestações de junho do ano passado, quando ainda foi, para alguns, surpreendente a reação da sociedade, saturada da baixa qualidade dos serviços públicos, o que ainda está em evidência hoje: uma insatisfação generalizada com o desempenho em todas as áreas do governo, da Educação à Saúde, da Segurança à Economia.
Nem os programas formulados para servirem ao marketing político de Dilma e Alexandre Padilha, dois supercandidatos inventados por Lula, o rei Midas eleitoral, estão sobrevivendo. O Mais Médicos, por exemplo, sofreu reformulação radical na última sexta-feira, pois mostrava que o tiro, longe de certeiro, estava mesmo saindo pela culatra. Por pura arrogância do governo que, desde o início, alertado para os furos no programa, resistiu a alterar sua configuração, deixando que ficasse parecendo o que acabou sendo de verdade, um projeto de ajuda financeira a Cuba.
Não se sabe se foi mera coincidência a alteração essencial do programa, no sentido de melhorar o salário pago aos médicos, reduzindo um pouco o repasse a Cuba, para evitar deserções que arruinariam a campanha eleitoral, com a visita que a presidente Dilma, primeiro, e o ex-presidente Lula, depois, fizeram à ilha, para encontros amigáveis com Raul Castro. O fato é que ele aceitou perder um pedacinho da benesse que tinha do Brasil em nome do sucesso de seus padrinhos do governo brasileiro.
E assim são todos os outros programas de áreas escolhidos para serem utilizados no portfólio eleitoral. Na Educação, outro exemplo, que era para ser a área por excelência do marketing da campanha de reeleição, os números da performance brasileira no primeiro grau, no ensino médio, no ensino técnico, no Pisa, em qualquer avaliação que se consulte, dão marcha à ré. Na segurança nem se fala, e na Saúde, se tirar o Mais Médicos fora, mesmo mal ajambrado, não sobra absolutamente nada. Alexandre Padilha terá que centrar seu discurso no ataque aos adversários, não tem o que mostrar.
A avaliação do desempenho de Dilma no governo está perto do limite que os analistas dizem ser o mínimo para que um governante consiga se reeleger: 40% para quem está no cargo. Dilma, portanto, precisa se convencer que urge uma alavancada na avaliação positiva.
Além de melhorar a avaliação do governo, a presidente candidata à reeleição precisa urgentemente determinar aos marqueteiros que trabalhem para reduzir o percentual do eleitorado que quer "mais mudança", invertendo a posição com quem quer "mais continuidade".
Uma necessidade está diretamente relacionada à outra. Se conseguir melhorar a avaliação, tenderá a ver melhorados os índices dos que querem mais continuidade. Aí é dar um passo largo para o abraço.
O placar, hoje, arredondando-se os índices, é de 60 (mais mudança), a 40 (mais continuidade). Um grave alerta, parecido com o que o governo Fernando Henrique Cardoso tinha em 2002, exatamente quando foi interrompida a administração do PSDB.
Nos casos de sucesso da reeleição, seja de governador seja de presidente, o índice dos que queriam continuar sempre ultrapassou bastante o quantitativo da mudança.
São duas questões de fundo, necessidades prementes na campanha da reeleição, e as duas têm a ver uma com a outra: Dilma tem que melhorar sua avaliação da gestão porque, melhorando, ela vai conseguir mexer na relação entre o desejo de mais continuidade e o desejo de mais mudança.
Os marqueteiros da campanha, especialmente o experiente João Santana, o chefe da propaganda de Dilma, sabem que a intenção de voto agora é secundária. Até porque conhecem bem as tecnicalidades e sabem que estão comparando alhos com bugalhos, pelo desnível do conhecimento de cada candidato. Temos no quadro eleitoral uma candidata, Dilma, com 90% de conhecimento; um candidato, Aécio, com 42%; e um terceiro, Eduardo, com 23%. É impossível comparar intenção de voto.
Quando, em fevereiro de 2010, Dilma perdia longe nas intenções de voto para José Serra, ela tinha só 50% de conhecimento.
Propaganda, sozinha, não resolve os ralos dos votos
As pesquisas de todos os institutos, tanto os que trabalham para candidatos e partidos quanto os que atuam para o mercado e órgãos de comunicação, convergiram mais cedo este ano. No fim de fevereiro todos eles fizeram uma rodada que apontou o que geralmente apontam às vésperas da votação. Chegaram a um consenso quanto à situação de Dilma Rousseff (PT), Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB), os principais candidatos ao pleito presidencial já lançados, com pequenas nuances entre um instituto e outro quanto aos índices de intenção de voto de cada um.
Esse dado, contudo, não é o mais importante agora, notadamente para a presidente Dilma, candidata à reeleição. A intenção de voto é relevante para atrair financiamento de campanha, alianças, consolidar a base política, conquistar tempo de propaganda na TV, impressionar uns e outros, dar discurso.
Mas a informação fundamental das pesquisas para os especialistas, agora, do ponto de vista estratégico da campanha, são os índices de avaliação da administração da presidente candidata à reeleição, seu desempenho no cargo. É isso o que vale para que, inclusive, consiga reverter algumas tendências negativas. Tempo há, de sobra.
Até junho, época das convenções e arrancada da campanha, qualquer candidato à reeleição precisa se preocupar com a avaliação que o eleitorado faz de sua gestão. Obsessivamente. Cobrar respostas de seus ministros ou secretários, municiar o marqueteiro, que vai tratar de manipular "as realizações", reais ou fictícias, na propaganda, para que o eleitor seja conquistado para a ideia da continuidade daquela maravilha e não da interrupção, da mudança, ou da descontinuidade, como se define no jargão dos especialistas.
Nenhuma das pesquisas divulgadas em fevereiro mostrou felicidade do eleitor com o governo Dilma. Comprovou-se, nas manifestações de junho do ano passado, quando ainda foi, para alguns, surpreendente a reação da sociedade, saturada da baixa qualidade dos serviços públicos, o que ainda está em evidência hoje: uma insatisfação generalizada com o desempenho em todas as áreas do governo, da Educação à Saúde, da Segurança à Economia.
Nem os programas formulados para servirem ao marketing político de Dilma e Alexandre Padilha, dois supercandidatos inventados por Lula, o rei Midas eleitoral, estão sobrevivendo. O Mais Médicos, por exemplo, sofreu reformulação radical na última sexta-feira, pois mostrava que o tiro, longe de certeiro, estava mesmo saindo pela culatra. Por pura arrogância do governo que, desde o início, alertado para os furos no programa, resistiu a alterar sua configuração, deixando que ficasse parecendo o que acabou sendo de verdade, um projeto de ajuda financeira a Cuba.
Não se sabe se foi mera coincidência a alteração essencial do programa, no sentido de melhorar o salário pago aos médicos, reduzindo um pouco o repasse a Cuba, para evitar deserções que arruinariam a campanha eleitoral, com a visita que a presidente Dilma, primeiro, e o ex-presidente Lula, depois, fizeram à ilha, para encontros amigáveis com Raul Castro. O fato é que ele aceitou perder um pedacinho da benesse que tinha do Brasil em nome do sucesso de seus padrinhos do governo brasileiro.
E assim são todos os outros programas de áreas escolhidos para serem utilizados no portfólio eleitoral. Na Educação, outro exemplo, que era para ser a área por excelência do marketing da campanha de reeleição, os números da performance brasileira no primeiro grau, no ensino médio, no ensino técnico, no Pisa, em qualquer avaliação que se consulte, dão marcha à ré. Na segurança nem se fala, e na Saúde, se tirar o Mais Médicos fora, mesmo mal ajambrado, não sobra absolutamente nada. Alexandre Padilha terá que centrar seu discurso no ataque aos adversários, não tem o que mostrar.
A avaliação do desempenho de Dilma no governo está perto do limite que os analistas dizem ser o mínimo para que um governante consiga se reeleger: 40% para quem está no cargo. Dilma, portanto, precisa se convencer que urge uma alavancada na avaliação positiva.
Além de melhorar a avaliação do governo, a presidente candidata à reeleição precisa urgentemente determinar aos marqueteiros que trabalhem para reduzir o percentual do eleitorado que quer "mais mudança", invertendo a posição com quem quer "mais continuidade".
Uma necessidade está diretamente relacionada à outra. Se conseguir melhorar a avaliação, tenderá a ver melhorados os índices dos que querem mais continuidade. Aí é dar um passo largo para o abraço.
O placar, hoje, arredondando-se os índices, é de 60 (mais mudança), a 40 (mais continuidade). Um grave alerta, parecido com o que o governo Fernando Henrique Cardoso tinha em 2002, exatamente quando foi interrompida a administração do PSDB.
Nos casos de sucesso da reeleição, seja de governador seja de presidente, o índice dos que queriam continuar sempre ultrapassou bastante o quantitativo da mudança.
São duas questões de fundo, necessidades prementes na campanha da reeleição, e as duas têm a ver uma com a outra: Dilma tem que melhorar sua avaliação da gestão porque, melhorando, ela vai conseguir mexer na relação entre o desejo de mais continuidade e o desejo de mais mudança.
Os marqueteiros da campanha, especialmente o experiente João Santana, o chefe da propaganda de Dilma, sabem que a intenção de voto agora é secundária. Até porque conhecem bem as tecnicalidades e sabem que estão comparando alhos com bugalhos, pelo desnível do conhecimento de cada candidato. Temos no quadro eleitoral uma candidata, Dilma, com 90% de conhecimento; um candidato, Aécio, com 42%; e um terceiro, Eduardo, com 23%. É impossível comparar intenção de voto.
Quando, em fevereiro de 2010, Dilma perdia longe nas intenções de voto para José Serra, ela tinha só 50% de conhecimento.
Questão de isonomia - HÉLIO SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP - 05/03
SÃO PAULO - Minha última coluna sobre o Mais Médicos levou alguns leitores a perguntar-me o que acho da isonomia salarial. Como sempre, a resposta depende de como definimos os termos da pergunta.
Se entendemos por isonomia apenas o tratamento jurídico dispensado ao trabalhador, sou totalmente a favor. Mas, se tentarmos, numa interpretação mais forte e mais ao gosto dos sindicatos, aplicar o conceito no nível dos resultados, isto é, ao salário final de cada empregado, sou contra.
Colocando de outra forma, devemos nos opor a toda e qualquer discriminação salarial que não tenha por base o desempenho individual do trabalhador e defendê-la quando tem essa origem. É injusto pagar menos uma mulher ou um negro apenas pelo fato de serem mulher e negro, mas, se a diferença no vencimento se deve ao fato de um profissional ter produzido mais que o outro, ela bem-vinda, por mais difícil que seja, em muitas atividades, definir e mensurar o que é "produzir mais".
Um bom exemplo é o dos jogadores de futebol. Em princípio, todos eles exercem a mesma função, que é jogar futebol e, pela regra da isonomia forte, deveriam receber o mesmo, mas, se você quiser acabar com os campeonatos e dificultar o surgimento de craques, é só baixar uma lei que iguale o salário dos Neymares aos de qualquer cabeça de bagre.
No setor privado, a coisa até funciona, pois se permite ao empresário avaliar seus funcionários como quiser e fixar seus vencimentos dentro de parâmetros elásticos. A complicação surge no serviço público, onde a isonomia forte é levada a ferro e fogo. Reconheça-se que é muito difícil criar um sistema de avaliação impessoal, como se exige do poder público. Mas fazê-lo é imperativo. A razão principal do fracasso dos países socialistas é que, numa caricatura da isonomia, desenvolveram um regime em que valia mais a pena esconder-se na ineficiência do que buscar a inovação e a excelência.
SÃO PAULO - Minha última coluna sobre o Mais Médicos levou alguns leitores a perguntar-me o que acho da isonomia salarial. Como sempre, a resposta depende de como definimos os termos da pergunta.
Se entendemos por isonomia apenas o tratamento jurídico dispensado ao trabalhador, sou totalmente a favor. Mas, se tentarmos, numa interpretação mais forte e mais ao gosto dos sindicatos, aplicar o conceito no nível dos resultados, isto é, ao salário final de cada empregado, sou contra.
Colocando de outra forma, devemos nos opor a toda e qualquer discriminação salarial que não tenha por base o desempenho individual do trabalhador e defendê-la quando tem essa origem. É injusto pagar menos uma mulher ou um negro apenas pelo fato de serem mulher e negro, mas, se a diferença no vencimento se deve ao fato de um profissional ter produzido mais que o outro, ela bem-vinda, por mais difícil que seja, em muitas atividades, definir e mensurar o que é "produzir mais".
Um bom exemplo é o dos jogadores de futebol. Em princípio, todos eles exercem a mesma função, que é jogar futebol e, pela regra da isonomia forte, deveriam receber o mesmo, mas, se você quiser acabar com os campeonatos e dificultar o surgimento de craques, é só baixar uma lei que iguale o salário dos Neymares aos de qualquer cabeça de bagre.
No setor privado, a coisa até funciona, pois se permite ao empresário avaliar seus funcionários como quiser e fixar seus vencimentos dentro de parâmetros elásticos. A complicação surge no serviço público, onde a isonomia forte é levada a ferro e fogo. Reconheça-se que é muito difícil criar um sistema de avaliação impessoal, como se exige do poder público. Mas fazê-lo é imperativo. A razão principal do fracasso dos países socialistas é que, numa caricatura da isonomia, desenvolveram um regime em que valia mais a pena esconder-se na ineficiência do que buscar a inovação e a excelência.
Spartacus e os black blocs - PAULO NASSAR
CORREIO BRAZILIENSE - 05/03
Se, por volta do ano 70 a.C., em plena vigência do Império Romano, o jornal Corriere Della Sera já existisse, provavelmente traria manchetes bombásticas sobre os gladiadores que iniciaram uma revolta liderados por Spartacus, guerreiro da Trácia. Verdadeira guerra civil consubstanciada numa série de ataques aos nobres de Roma e seus símbolos. Seriam chamados de vândalos e sua violência seria condenada pelo noticiário em latim.
A bem da verdade, Spartacus era um escravo, muito longe de qualquer vestígio de cidadania. A bem da verdade, Spartacus e os companheiros gladiadores não tinham canais institucionais de diálogo para fazer valer as suas reivindicações. A bem da verdade, não havia redes sociais na internet e muito menos imprensa livre. Todas essas faltas, porém, justificariam as sangrentas mortes e atrocidades cometidas pelos lutadores contra os opressores? Aos olhos do nobre romano, muito pelo contrário. Foi por isso que o trácio e seus correligionários foram brutalmente crucificados e assassinados.
Não se quer praticar aqui nenhum tipo de anacronismo ou comparar o incomparável por mais de 2 mil anos de história. Usa-se o exemplo apenas para contextualizar uma dúvida. O surgimento do novo tipo de ativismo violento no Brasil seria um recado ou oportunismo? Existem canais institucionais de diálogo e representação dos excluídos? E aqui se usa o termo excluído num conceito mais amplo do que o usual, abrangendo os membros da nova classe média que não conseguem ter acesso a qualquer tipo de autoridade.
Ou os black blocs, como as primeiras investigações sobre a covarde morte do cinegrafista Santiago Andrade demonstram, seriam apenas uma massa de manobra por parte de interesses político-partidários? Alguém poderia citar Buda e recomendar o caminho do meio, ou seja, os black blocs seriam parte protagonistas, parte coadjuvantes no novo cenário de reivindicação política no Brasil.
Rejeitamos a hipótese do caminho do meio, pois ela nos parece reunir dois argumentos incompatíveis entre si. Ou bem aceitamos a presença dos black blocs como agentes políticos ativos, ou a revogamos por ser apenas reflexo de movimentos tradicionais subjacentes, tais quais as imagens da caverna no mito de Platão. Aceitar, é bom que se diga, não significa legitimar, muito pelo contrário. Afinal, aceitamos a existência da Al Qaeda, das Brigadas Vermelhas, do ETA, mas nem de longe isso significa qualquer anuência por seus métodos.
A violência é poderosa narrativa no meio político. Usamos o exemplo de Spartacus, da Al Qaeda, das Brigadas Vermelhas, do ETA e poderíamos citar muitos outros grupos que se utilizaram ou utilizam de táticas terroristas. A tentação das autoridades é sacar narrativa igualmente bélica para combater esse fenômeno numa tentativa de dar satisfação à sociedade. Porém, se há uma coisa que a história nos ensina - sem riscos de anacronismo - é de que essa estratégia narrativa é, na prática, combater chamas com gasolina.
A questão que nos importa neste momento não é psicológica, sociológica ou política. Importa-nos o uso da narrativa da violência por parte dos black blocs como clara tática de exposição midiática, à semelhança de grupos terroristas. A comparação com Spartacus não é gratuita. Tal qual o guerreiro trácio (e diferentemente de agrupamentos como Al Qaeda, Brigadas Vermelhas e ETA), não há uma pauta clara de reivindicação. Assim como os gladiadores revoltosos do Império Romano, os black blocs parecem dizer "somos contra tudo isso que está aí".
Edward Gibbon, autor do clássico Declínio e queda do Império Romano, talvez possa contribuir com uma lição narrativa que black blocs e autoridades deveriam considerar nesse cenário de ativismo belicista no Brasil. Ao estudar as entranhas de mais de mil anos de voltas e reviravoltas nas fronteiras romanas, conclui: "No tumulto da discórdia civil, as leis da sociedade perdem a força, e o lugar delas raramente é preenchido pelas leis da humanidade. O ardor da disputa, a arrogância da vitória, o desespero do êxito, a lembrança de injúrias passadas e o temor de perigos vindouros, tudo contribui para inflamar o espírito e calar a voz da piedade. Por tais motivos, quase todas as páginas da História estão manchadas de sangue civil". Que a frase do historiador britânico possa iluminar outras narrativas para o protagonismo cidadão brasileiro.
Código de conduta - ILIMAR FRANCO
O GLOBO - 05/03
Bê-á-bá
Casa Civil, Controladoria Geral da União, Advocacia Geral da União e Secretaria de Comunicação da Presidência são as responsáveis pela confecção da cartilha. A ideia é que seja um material didático para evitar qualquer margem de dúvida dos servidores. As perguntas serão diretas, como, por exemplo, "Posso tuitar no celular funcional?", e as respostas, objetivas: "Não pode". Os quatro órgãos responsáveis pelo manual farão uma reunião com todos os assessores de imprensa do governo dia 25. Haverá uma rodada, em abril, com os secretários executivos dos ministérios. O esforço é para tentar impedir ações na Justiça motivadas pelo uso da máquina.
“A cada dia que passa me convenço mais de que temos de repensar esta aliança, porque não somos respeitados pelo PT.”
Eduardo Cunha
Deputado federal (RJ), líder do PMDB na Câmara
Mar de intranquilidade
O Planalto apostava no feriado de carnaval para o blocão de insatisfeitos da Câmara fazer água. Mas o PMDB não vai dar trégua. O líder do partido, Eduardo Cunha, articula a derrota do marco civil da internet. "Queremos internet livre de governo."
Contando os dias
De olho na progressão de regime, José Dirceu já leu ao menos 15 livros desde que foi preso. Segundo portaria do Departamento Penitenciário, a cada 12 obras lidas em um ano, o preso ganha 48 dias de abatimento. Com isso, Dirceu passará o Natal deste ano em casa, pois, sem benefícios, passaria para o regime aberto no dia 12 de janeiro de 2015.
Na espera
Grupo de parlamentares se reuniu com o ministro Teori Zavascki (STF) para pedir que vote contra a doação de empresas para as campanhas eleitorais. Zavascki pediu vista do processo, mas garantiu que dará seu parecer ainda este mês.
#chateados
O governador Tarso Genro (PT-RS) e o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), estão insatisfeitos com a presidente Dilma. Contavam com a mudança de indexador das dívidas com a União, projeto de autoria do governo que não será votado este ano por determinação de Dilma. Ambos estão em situação financeira difícil.
E não se fala mais nisso
Por pressão do PT nacional e da presidente Dilma, o PT de Pernambuco vai lançar o deputado João Paulo Lima ao Senado, em aliança com o senador Armando Monteiro (PTB), candidato ao governo. Decisão sai dia 23.
Sem acordo
A ex-prefeita de Fortaleza Luizianne Lins se reuniu com o presidente do PT, Rui Falcão, para dizer que não apoiará candidato do governador Cid Gomes (PROS-CE). Na contramão do deputado José Guimarães, ela quer candidatura própria.
O PRESIDENTE DO STF, Joaquim Barbosa, intensificou conversas "informais" com dirigentes do PV. Avisou que pensará, na África, sobre a filiação.
Quarta sem cinzas - VERA MAGALHÃES - PAINEL
FOLHA DE SP - 05/03
Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se reúnem hoje, em Brasília, para discutir os próximos passos da montagem da estrutura da campanha da presidente à reeleição. Os dois devem bater o martelo sobre a data da saída do atual chefe de gabinete de Dilma, Giles Azevedo, do governo para se integrar ao grupo da pré-campanha, como representante direto da presidente. Também devem definir a abertura do primeiro comitê eleitoral, que ficará em Brasília.
O cara No Planalto, cresce a cotação de Beto Vasconcelos, ex-número dois da Casa Civil até maio do ano passado, para substituir Giles Azevedo como chefe de gabinete da Presidência.
Cubo mágico O Planalto gostaria de efetivar ainda nesta semana algumas trocas de ministros, mas a nomeação de Vital do Rêgo para o Turismo tem de ser casada com a sucessão na Agricultura, ainda indefinida.
Troca de... PSDB e DEM inverteram as datas dos seus programas de dez minutos no horário dos partidos na TV. Agora, os tucanos levarão ao ar sua propaganda em abril, e os democratas, em maio.
... lugares A intenção do PSDB para pedir a troca foi tentar antecipar uma esperada subida de Aécio Neves nas pesquisas. Além disso, os tucanos têm inserções em maio, que devem seguir a linha do programa de abril.
Assento O vice-presidente de Fundos de Governo e Loterias da Caixa Econômica Federal, Fabio Cleto, deve assumir a presidência do conselho do FI-FGTS, braço de investimentos do banco.
Osmose Cleto é ligado ao PMDB, mas a cúpula do partido diz que sua indicação para comandar o fundo, com forte atuação junto a empresas da área de infraestrutura, atende a um critério interno de rodízio de vagas no conselho.
Antenado 1 O ministro Paulo Bernardo (Comunicações) participará de evento em Curitiba (PR) com o prefeito Gustavo Fruet pela aprovação da lei das antenas. Antes, a legislação municipal impunha barreiras para as torres, o que comprometia o sinal.
Antenado 2 Já no Congresso, o ministro enfrenta resistência. Mesmo sendo pedido de Dilma, a Câmara segura a votação da lei das antenas há mais de um ano.
Mais tempo O TSE decidiu na última sexta-feira devolver ao PMDB nacional dez minutos de inserções de TV em todo o país que tinham sido cassados pelo TRE do Rio no julgamento de uma ação movida por Anthony Garotinho (PR) por propaganda antecipada de Luiz Pezão.
No holofote Com a retomada do tempo, Paulo Skaf, pré-candidato em São Paulo, será o grande beneficiado. Além do tempo de que já dispunha, terá direito a mais 20 inserções de 30 segundos. A recomendação do vice-presidente Michel Temer é "bombar" o presidente da Fiesp.
Tampão Nos demais Estados sem candidatos peemedebistas ao governo, o tempo extra será preenchido por comerciais de Temer, Renan Calheiros (AL), Henrique Eduardo Alves (RN) e Valdir Raupp (RO), presidente nacional da legenda.
Esquadrão... O pré-candidato do PT ao governo de São Paulo, Alexandre Padilha, teve a primeira reunião com a "personal stylist" Betinha, da equipe de João Santana, na semana passada.
... da moda A estilista avaliou o guarda-roupa do ex-ministro da Saúde para definir o figurino que ele vai adotar na campanha. O petista também deve entrar numa dieta pós-Carnaval.
Mosqueteiros Três prefeitos assumiram o papel de coordenadores de fato das caravanas de Padilha pelo interior paulista: Carlos Almeida, de Guarulhos, Hamilton Mota, de Jacareí, e Sérgio Ribeiro, de Carapicuíba.
com BRUNO BOGHOSSIAN, PAULO GAMA E JULIO WIZIACK
tiroteio
"Rui Falcão conseguiu mais uma crise. Aliás, aonde ele vai, arruma uma crise. Acha que somos iguais a eles, do PT, mas não somos."
DE EDUARDO CUNHA (PMDB-RJ), sobre o presidente do PT ter atribuído o apoio de uma ala do PMDB do Rio a Aécio à briga por cargos no governo Dilma.
contraponto
Propaganda é a alma do negócio
O petista Emídio de Souza era candidato à reeleição para a Prefeitura de Osasco, em 2008, quando um candidato a vereador resolveu estampar sua foto ao lado de símbolos de clubes de futebol, imagens de santos católicos e mulheres seminuas em santinhos eleitorais.
Cobrado pelo núcleo feminino do PT, que não gostou da propaganda considerada machista, Emídio foi pedir explicações ao correligionário, que se justificou:
--Olha, prefeito, se o senhor quiser eu mando recolher esse modelo de santinho.
Antes que Emídio retrucasse, ele mesmo advertiu:
--Mas posso garantir que foi o que mais agradou...
De olho no valor da consultoria - DENISE ROTHENBURG
CORREIO BRAZILIENSE - 05/03
O Senado contratará uma consultoria externa para fazer uma análise atuarial do serviço de saúde da Casa. Cálculos extraoficiais apontaram um deficit, em 2013, de R$ 108 milhões. Com o aumento da idade média dos servidores, somado aos gastos com os aposentados, estima-se que esse rombo só aumente nos próximos anos.
O atual serviço de saúde do Senado é vinculado à Caixa Econômica Federal. Ainda não está decidido quem prestará a consultoria, tampouco se a contratação será feita por licitação ou por carta-convite a alguma empresa do setor.
Na mesma reunião do Conselho de Supervisão da Secretaria Integrada de Saúde (SIS), realizada no fim de janeiro, também ficou acertada a análise da proposta de incluir, no plano dos servidores, os próprios senadores. Atualmente, as despesas médicas de suas excelências são custeadas pela Mesa Diretora da Casa.
Deu errado
Terra natal do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB), e escolhida para abrigar o projeto-piloto do Programa Brasil Mais Seguro, Alagoas tem hoje a capital mais violenta do país. Nos últimos oito anos, foram 15 mil assassinatos em Maceió, que elevaram a capital alagoana ao status de quinta cidade mais perigosa do mundo.
Vazou antes
Tucanos paulistas admitem que foi um erro o vazamento antecipado da troca do secretário da Casa Civil de São Paulo, Edson Aparecido, pelo atual secretário de Transportes, Saulo de Castro. Apesar de ser um dos citados no escândalo da Alston, Edson é um dos responsáveis pelas articulações com aliados para a campanha de reeleição de Alckmin, o que pode atrapalhar nas negociações.
A perder de vista
O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), ensaia uma reação na própria administração ao iniciar algumas ações específicas nas áreas de saúde e transporte público. Mas os próprios petistas acreditam que os frutos só serão colhidos no ano que vem. Esqueçam efeitos positivos para serem usados na campanha de Alexandre Padilha ao governo estadual.
Perigo…
Depois de o Correio mostrar, em 10 de fevereiro, que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) mantém três tanques subterrâneos de combustível abandonados no subsolo de um dos blocos da sede, em Brasília, o órgão expediu uma ordem de serviço em que determina a retirada do material. Em 30 dias, o setor responsável deverá dar um retorno sobre a ordem.
…No próprio quintal
Na prática, o Ibama, responsável pela gestão ambiental do governo, mantém uma ameaça à natureza em sua própria sede desde 2010. Em ofício, a Coordenação de Serviços Gerais do órgão pedia, naquele ano, a retirada dos três tanques, já que podia causar “acidentes ambientais”. Além disso, a brigada de incêndio que trabalhava no local apontou risco de explosão. Os tanques eram usados para abastecer carros oficiais, mas foram abandonados depois de o serviço ser terceirizado.
CURTIDAS
Caim…/ A pré-candidata do PT ao Paraná, Gleisi Hoffmann, insiste no convite para que o diretor de Agronegócio do Banco do Brasil, Osmar Dias (foto), seja candidato ao Senado na chapa montada por ela ao governo estadual.
…E Abel/ Mas não vai ser fácil convencê-lo. Ele tem um acordo fraternal com o irmão mais velho, Álvaro Dias (PSDB), de que ambos não concorrem jamais ao mesmo cargo na mesma eleição. E o tucano precisa renovar o mandato de senador neste ano.
Brigadeiro ao mar/ O ministro da Pesca, Marcelo Crivella, pretende ficar até a data limite para desincompatibilização do cargo (5 de abril). E trabalha pela indicação, como substituto, do atual secretário executivo da pasta, brigadeiro Átila Maia da Rocha.
O Senado contratará uma consultoria externa para fazer uma análise atuarial do serviço de saúde da Casa. Cálculos extraoficiais apontaram um deficit, em 2013, de R$ 108 milhões. Com o aumento da idade média dos servidores, somado aos gastos com os aposentados, estima-se que esse rombo só aumente nos próximos anos.
O atual serviço de saúde do Senado é vinculado à Caixa Econômica Federal. Ainda não está decidido quem prestará a consultoria, tampouco se a contratação será feita por licitação ou por carta-convite a alguma empresa do setor.
Na mesma reunião do Conselho de Supervisão da Secretaria Integrada de Saúde (SIS), realizada no fim de janeiro, também ficou acertada a análise da proposta de incluir, no plano dos servidores, os próprios senadores. Atualmente, as despesas médicas de suas excelências são custeadas pela Mesa Diretora da Casa.
Deu errado
Terra natal do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB), e escolhida para abrigar o projeto-piloto do Programa Brasil Mais Seguro, Alagoas tem hoje a capital mais violenta do país. Nos últimos oito anos, foram 15 mil assassinatos em Maceió, que elevaram a capital alagoana ao status de quinta cidade mais perigosa do mundo.
Vazou antes
Tucanos paulistas admitem que foi um erro o vazamento antecipado da troca do secretário da Casa Civil de São Paulo, Edson Aparecido, pelo atual secretário de Transportes, Saulo de Castro. Apesar de ser um dos citados no escândalo da Alston, Edson é um dos responsáveis pelas articulações com aliados para a campanha de reeleição de Alckmin, o que pode atrapalhar nas negociações.
A perder de vista
O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), ensaia uma reação na própria administração ao iniciar algumas ações específicas nas áreas de saúde e transporte público. Mas os próprios petistas acreditam que os frutos só serão colhidos no ano que vem. Esqueçam efeitos positivos para serem usados na campanha de Alexandre Padilha ao governo estadual.
Perigo…
Depois de o Correio mostrar, em 10 de fevereiro, que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) mantém três tanques subterrâneos de combustível abandonados no subsolo de um dos blocos da sede, em Brasília, o órgão expediu uma ordem de serviço em que determina a retirada do material. Em 30 dias, o setor responsável deverá dar um retorno sobre a ordem.
…No próprio quintal
Na prática, o Ibama, responsável pela gestão ambiental do governo, mantém uma ameaça à natureza em sua própria sede desde 2010. Em ofício, a Coordenação de Serviços Gerais do órgão pedia, naquele ano, a retirada dos três tanques, já que podia causar “acidentes ambientais”. Além disso, a brigada de incêndio que trabalhava no local apontou risco de explosão. Os tanques eram usados para abastecer carros oficiais, mas foram abandonados depois de o serviço ser terceirizado.
CURTIDAS
Caim…/ A pré-candidata do PT ao Paraná, Gleisi Hoffmann, insiste no convite para que o diretor de Agronegócio do Banco do Brasil, Osmar Dias (foto), seja candidato ao Senado na chapa montada por ela ao governo estadual.
…E Abel/ Mas não vai ser fácil convencê-lo. Ele tem um acordo fraternal com o irmão mais velho, Álvaro Dias (PSDB), de que ambos não concorrem jamais ao mesmo cargo na mesma eleição. E o tucano precisa renovar o mandato de senador neste ano.
Brigadeiro ao mar/ O ministro da Pesca, Marcelo Crivella, pretende ficar até a data limite para desincompatibilização do cargo (5 de abril). E trabalha pela indicação, como substituto, do atual secretário executivo da pasta, brigadeiro Átila Maia da Rocha.
As intervenções do governo, 2 anos depois - SÉRGIO LAZZARINI
O Estado de S.Paulo - 05/03
Já se passaram praticamente dois anos desde que o governo Dilma começou, com mais intensidade, seus experimentos de intervenção direta em diversos setores. E já se forma um consenso de que essas intervenções não somente falharam no seu objetivo inicial, como também contribuíram para uma piora no ambiente de negócios do Brasil.
Vejamos os casos mais marcantes. Em março de 2012, a contragosto dos técnicos da Petrobrás, incluindo a sua recém-apontada presidente Graça Foster, o governo ordenou a manutenção dos preços da gasolina, que estavam desde 2009 defasados. Havia o temor de uma pressão inflacionária num momento em que o Banco Central forçava uma redução de juros. Em abril do mesmo ano, a Caixa e o Banco do Brasil também receberam ordens de reduzir juros aos seus clientes. Cinco meses depois, a própria presidente Dilma anunciaria em cadeia nacional uma redução forçada do preço da energia elétrica, atrelada à renovação antecipada de contratos de concessão.
O resultado? No caso da Petrobrás, impacto negativo direto no seu caixa e redução da sua capacidade de investir. Do começo de 2012 até o dia 18 de fevereiro deste ano, as ações da Petrobrás tiveram perda de 43%. No mesmo período, as ações da Statoil, petrolífera estatal norueguesa, com gestão muito mais blindada, evoluíram 2,5%. Apesar do controle de preços, a inflação continuou firme e exigiu do Banco Central um novo ciclo de elevação de juros. Como se não bastasse, a incerteza no preço da gasolina praticamente congelou novos investimentos num setor adjacente, o de etanol.
No setor elétrico, a renovação de muitas concessões recaiu na conta das próprias estatais. As elétricas federais hoje valem, na Bolsa, pouco mais de 1/4 do que valiam no início de 2012. Com o recente déficit de energia, as usinas térmicas, de alto custo, tiveram de ser acionadas. Os preços da energia no mercado livre dispararam. E o governo já admite repassar ao consumidor os custos extras para manter o sistema.
A intervenção nos bancos, por sua vez, foi inicialmente tida como um caso de sucesso: os bancos públicos expandiram suas receitas e passaram a abarcar a metade do mercado de crédito. Mas, enquanto isso, muitos bancos privados passaram a ser mais seletivos, direcionando empréstimos para clientes com menor risco. Do começo de 2012 para cá, as ações do Banco do Brasil caíram 18%, enquanto as do Itaú-Unibanco e do Bradesco aumentaram 13% e 22%, respectivamente. Os juros novamente subiram. A Caixa e o Banco do Brasil reportaram, no final do ano passado, aumento de inadimplência e muitos analistas já aguardam piores notícias para os próximos meses.
O que poderia, então, ter sido feito? Já sabemos que o uso de estatais para controlar preços não funciona. Na década de 1980, a prática foi adotada copiosamente e o resultado foi desastroso: quase metade das estatais passou a ter prejuízo e a inflação só foi ceder com o Plano Real, em 1994. A chave, ao contrário do que fez o governo, é desenhar regras do jogo claras (no jargão econômico, "instituições") que deem aos agentes econômicos os incentivos corretos.
Por exemplo, em 2003, ainda no primeiro mandato do governo Lula, foi promulgada a lei do crédito consignado. Bancos poderiam emprestar com pagamentos debitados da folha de pagamentos do tomador. Com maior garantia de pagamento, de imediato os bancos perceberam menor risco do crédito. Christiano Coelho, Bruno Funchal e João Manoel Pinho de Mello (*) estimaram que, com a medida, o volume de crédito aumentou 1,5 vez e os juros dos empréstimos caíram 7,7 pontos porcentuais.
É uma pena que muitos governos se recusem a aprender com essas inovações e continuem insistindo no velho erro de querer direcionar a economia por meio de mandos e desmandos.
(*) The Brazilian payroll lending experiment, The Review of Economics and Statistics, 2012.
Já se passaram praticamente dois anos desde que o governo Dilma começou, com mais intensidade, seus experimentos de intervenção direta em diversos setores. E já se forma um consenso de que essas intervenções não somente falharam no seu objetivo inicial, como também contribuíram para uma piora no ambiente de negócios do Brasil.
Vejamos os casos mais marcantes. Em março de 2012, a contragosto dos técnicos da Petrobrás, incluindo a sua recém-apontada presidente Graça Foster, o governo ordenou a manutenção dos preços da gasolina, que estavam desde 2009 defasados. Havia o temor de uma pressão inflacionária num momento em que o Banco Central forçava uma redução de juros. Em abril do mesmo ano, a Caixa e o Banco do Brasil também receberam ordens de reduzir juros aos seus clientes. Cinco meses depois, a própria presidente Dilma anunciaria em cadeia nacional uma redução forçada do preço da energia elétrica, atrelada à renovação antecipada de contratos de concessão.
O resultado? No caso da Petrobrás, impacto negativo direto no seu caixa e redução da sua capacidade de investir. Do começo de 2012 até o dia 18 de fevereiro deste ano, as ações da Petrobrás tiveram perda de 43%. No mesmo período, as ações da Statoil, petrolífera estatal norueguesa, com gestão muito mais blindada, evoluíram 2,5%. Apesar do controle de preços, a inflação continuou firme e exigiu do Banco Central um novo ciclo de elevação de juros. Como se não bastasse, a incerteza no preço da gasolina praticamente congelou novos investimentos num setor adjacente, o de etanol.
No setor elétrico, a renovação de muitas concessões recaiu na conta das próprias estatais. As elétricas federais hoje valem, na Bolsa, pouco mais de 1/4 do que valiam no início de 2012. Com o recente déficit de energia, as usinas térmicas, de alto custo, tiveram de ser acionadas. Os preços da energia no mercado livre dispararam. E o governo já admite repassar ao consumidor os custos extras para manter o sistema.
A intervenção nos bancos, por sua vez, foi inicialmente tida como um caso de sucesso: os bancos públicos expandiram suas receitas e passaram a abarcar a metade do mercado de crédito. Mas, enquanto isso, muitos bancos privados passaram a ser mais seletivos, direcionando empréstimos para clientes com menor risco. Do começo de 2012 para cá, as ações do Banco do Brasil caíram 18%, enquanto as do Itaú-Unibanco e do Bradesco aumentaram 13% e 22%, respectivamente. Os juros novamente subiram. A Caixa e o Banco do Brasil reportaram, no final do ano passado, aumento de inadimplência e muitos analistas já aguardam piores notícias para os próximos meses.
O que poderia, então, ter sido feito? Já sabemos que o uso de estatais para controlar preços não funciona. Na década de 1980, a prática foi adotada copiosamente e o resultado foi desastroso: quase metade das estatais passou a ter prejuízo e a inflação só foi ceder com o Plano Real, em 1994. A chave, ao contrário do que fez o governo, é desenhar regras do jogo claras (no jargão econômico, "instituições") que deem aos agentes econômicos os incentivos corretos.
Por exemplo, em 2003, ainda no primeiro mandato do governo Lula, foi promulgada a lei do crédito consignado. Bancos poderiam emprestar com pagamentos debitados da folha de pagamentos do tomador. Com maior garantia de pagamento, de imediato os bancos perceberam menor risco do crédito. Christiano Coelho, Bruno Funchal e João Manoel Pinho de Mello (*) estimaram que, com a medida, o volume de crédito aumentou 1,5 vez e os juros dos empréstimos caíram 7,7 pontos porcentuais.
É uma pena que muitos governos se recusem a aprender com essas inovações e continuem insistindo no velho erro de querer direcionar a economia por meio de mandos e desmandos.
(*) The Brazilian payroll lending experiment, The Review of Economics and Statistics, 2012.
O principal gargalo - ALEXANDRE SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP - 05/03
Está no governo o maior obstáculo para nos afastarmos de uma sequência de 'pibinhos'
"Foi um ano de PIB mais fraco, abaixo das nossas expectativas. Mas com trajetória positiva de aceleração e que vai continuar", disse o ministro da Fazenda. Segundo Guido Mantega, a expectativa do governo para o crescimento do PIB em 2013 é de 3% a 4%.
2013?! Não, não é um erro de digitação, mas, sim, a entrevista de Mantega há um ano, comentando os resultados do "pibinho" de 2012 e, para não perder a viagem, prevendo --errado como sempre-- um desempenho muito melhor no ano que passou.
Agora sabemos que o crescimento em 2013 atingiu modestos 2,3%, sem dúvida melhor do que o 1% registrado em 2012, mas igualmente distante dos 3,5% (a média entre 3% e 4%) prometidos à época.
Aparentemente imune a qualquer experiência de aprendizado, contudo, o ministro repete a mesma ladainha, apelando inclusive para o mesmo argumento: o comportamento do último trimestre do ano, tanto agora como então algo superior ao esperado pelo mercado.
A verdade, porém, é que o desempenho medíocre de 2013 revela mais das fraquezas do nosso modelo de crescimento do que o ministro e sua trupe têm condições de entender. Não há como manter um ritmo decente de desenvolvimento baseado no consumo crescente, seja das famílias, seja do governo.
Apesar da expansão mais vigorosa do investimento, o principal motor da demanda no ano passado foi o consumo, cuja contribuição explica praticamente dois terços do aumento do PIB de 2013.
Em consequência, a poupança do país encolheu ainda mais, de 14,6% para 13,9% do PIB, insuficiente para financiar até o modesto nível de investimento (18,4% do PIB) registrado no período.
A contrapartida do baixo investimento é o aumento não menos medíocre da produtividade. Tomada a valor de face, ela teria crescido 1,5% no ano passado, já que o produto aumentou 2,3%, e o emprego, 0,7%. Ocorre que, se crermos nisso, também seríamos obrigados a acreditar que em 2012 (quando o produto aumentou 1%, e o emprego, 2,2%) a produtividade teria caído 1,1%, o que me parece um absurdo.
"Limpando", porém, essas flutuações, estimo que o produto por trabalhador tenha crescido a uma velocidade média de 0,7% a 0,8% ao ano no período mais recente, desempenho para lá de insatisfatório.
Assim, se tomarmos a média do crescimento dos últimos três anos (2,1% ao ano), a contribuição do aumento da produtividade é minúscula, apenas 0,4% ao ano, vindo o restante (1,7% ao ano) da expansão do emprego. Trata-se, pois, de crescimento baseado na "força bruta", cujos limites se tornam visíveis à medida que se esgota o estoque de trabalhadores desempregados.
As perspectivas, portanto, não são particularmente animadoras. O consenso de mercado aponta para uma expansão da ordem de 1,7% em 2014. Mesmo notando que nos últimos dois anos o crescimento foi menor que o esperado pelos analistas, parece ser uma projeção bastante razoável.
Já a previsão (sempre mais otimista) do ministro --a saber, uma taxa de crescimento maior em 2014 que em 2013-- requer uma aceleração que parece além da capacidade do país, fundamentalmente por causa dos gargalos de mão de obra, infraestrutura e produtividade.
Já passou o momento de mudarmos nosso modelo de crescimento. Este funcionou bem enquanto a economia dispunha de folga considerável de recursos, isto é, desemprego e capacidade ociosa elevados, que podiam ser mobilizados rapidamente pelo estímulo à demanda.
Sem essas condições, porém, o crescimento requer mais do que isto. São necessários reformas que destravem o crescimento da produtividade, um clima de negócios que incentive o investimento (e não a busca de favores governamentais) e o aumento da poupança, pela redução do gasto público.
O principal gargalo nesse contexto é a falta de capacidade intelectual e gerencial no governo que permita essa imprescindível correção de curso; é isto, mais que qualquer outro fator, que nos condena a uma triste sequência de "pibinhos".
Está no governo o maior obstáculo para nos afastarmos de uma sequência de 'pibinhos'
"Foi um ano de PIB mais fraco, abaixo das nossas expectativas. Mas com trajetória positiva de aceleração e que vai continuar", disse o ministro da Fazenda. Segundo Guido Mantega, a expectativa do governo para o crescimento do PIB em 2013 é de 3% a 4%.
2013?! Não, não é um erro de digitação, mas, sim, a entrevista de Mantega há um ano, comentando os resultados do "pibinho" de 2012 e, para não perder a viagem, prevendo --errado como sempre-- um desempenho muito melhor no ano que passou.
Agora sabemos que o crescimento em 2013 atingiu modestos 2,3%, sem dúvida melhor do que o 1% registrado em 2012, mas igualmente distante dos 3,5% (a média entre 3% e 4%) prometidos à época.
Aparentemente imune a qualquer experiência de aprendizado, contudo, o ministro repete a mesma ladainha, apelando inclusive para o mesmo argumento: o comportamento do último trimestre do ano, tanto agora como então algo superior ao esperado pelo mercado.
A verdade, porém, é que o desempenho medíocre de 2013 revela mais das fraquezas do nosso modelo de crescimento do que o ministro e sua trupe têm condições de entender. Não há como manter um ritmo decente de desenvolvimento baseado no consumo crescente, seja das famílias, seja do governo.
Apesar da expansão mais vigorosa do investimento, o principal motor da demanda no ano passado foi o consumo, cuja contribuição explica praticamente dois terços do aumento do PIB de 2013.
Em consequência, a poupança do país encolheu ainda mais, de 14,6% para 13,9% do PIB, insuficiente para financiar até o modesto nível de investimento (18,4% do PIB) registrado no período.
A contrapartida do baixo investimento é o aumento não menos medíocre da produtividade. Tomada a valor de face, ela teria crescido 1,5% no ano passado, já que o produto aumentou 2,3%, e o emprego, 0,7%. Ocorre que, se crermos nisso, também seríamos obrigados a acreditar que em 2012 (quando o produto aumentou 1%, e o emprego, 2,2%) a produtividade teria caído 1,1%, o que me parece um absurdo.
"Limpando", porém, essas flutuações, estimo que o produto por trabalhador tenha crescido a uma velocidade média de 0,7% a 0,8% ao ano no período mais recente, desempenho para lá de insatisfatório.
Assim, se tomarmos a média do crescimento dos últimos três anos (2,1% ao ano), a contribuição do aumento da produtividade é minúscula, apenas 0,4% ao ano, vindo o restante (1,7% ao ano) da expansão do emprego. Trata-se, pois, de crescimento baseado na "força bruta", cujos limites se tornam visíveis à medida que se esgota o estoque de trabalhadores desempregados.
As perspectivas, portanto, não são particularmente animadoras. O consenso de mercado aponta para uma expansão da ordem de 1,7% em 2014. Mesmo notando que nos últimos dois anos o crescimento foi menor que o esperado pelos analistas, parece ser uma projeção bastante razoável.
Já a previsão (sempre mais otimista) do ministro --a saber, uma taxa de crescimento maior em 2014 que em 2013-- requer uma aceleração que parece além da capacidade do país, fundamentalmente por causa dos gargalos de mão de obra, infraestrutura e produtividade.
Já passou o momento de mudarmos nosso modelo de crescimento. Este funcionou bem enquanto a economia dispunha de folga considerável de recursos, isto é, desemprego e capacidade ociosa elevados, que podiam ser mobilizados rapidamente pelo estímulo à demanda.
Sem essas condições, porém, o crescimento requer mais do que isto. São necessários reformas que destravem o crescimento da produtividade, um clima de negócios que incentive o investimento (e não a busca de favores governamentais) e o aumento da poupança, pela redução do gasto público.
O principal gargalo nesse contexto é a falta de capacidade intelectual e gerencial no governo que permita essa imprescindível correção de curso; é isto, mais que qualquer outro fator, que nos condena a uma triste sequência de "pibinhos".
Relação mal resolvida - CELSO MING
O Estado de S.Paulo - 05/03
A relação entre o governo Dilma e os empresários nunca pareceu tão tensa. A mútua desconfiança não se resume apenas, na avaliação do governo, de que o empresário só pensa naquilo, só pensa em faturar; e, na avaliação do empresário, de que o governo pretende transformá-lo em líder de instituição de caridade. As raízes dessa relação impregnada de antagonismos parecem mais profundas. Misturam-se coisas complicadas.
A chamada República Sindicalista, que corresponde ao trabalhador e, principalmente, às lideranças sindicais na linha de frente do governo, carrega a herança dos conflitos entre patrão e empregado e da luta pelas chamadas conquistas do trabalhador. Nesse clima, o empresário sempre foi entendido como quem está sempre disposto a tirar o sangue e a mais valia do trabalhador, contra o qual se fazem greves, promovem-se ações na Justiça do Trabalho e acordos pragmáticos que podem ser desrespeitados de parte a parte.
Também permeiam tudo antigos preconceitos (ou seriam conceitos?) ideológicos. O empresário é visto como aquele que está no lado do capital, faz alianças internacionais com interesses estrangeiros, defende o neoliberalismo, o imperialismo das grandes potências e o Consenso de Washington.
Farinha do mesmo saco são também os latifundiários, os ruralistas, os banqueiros e todas as forças identificadas com os interesses financeiros, sejam eles os rentistas de sempre ou os administradores de grandes fundos de investimento.
Na história das esquerdas brasileiras, antes mesmo do início da guerra fria, houve um momento em que foi preciso fazer alianças táticas com "a burguesia nacional para enfrentar o imperialismo internacional". A partir daí o empresário passou a ser tratado com níveis variáveis de tolerância.
E muito cedo o PT entendeu que precisava cortejar o empresário, quando não por outras razões, pelo menos porque campanhas eleitorais não podem ser financiadas apenas com rifas. Mal ou bem é dele que saem as mais alentadas contribuições.
O presidente Lula entendeu que devesse ter um empresário na chapa que disputou as eleições. E, assim, incorporou o Zé Alencar. E o resto das relações com eles passou a ser administrado pelo Conselhão (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social). Como foi preciso garantir o investimento e o emprego, o BNDES se encarregou de eleger meia dúzia de futuros campeões e de fornecer-lhes crédito subsidiado, sempre com boas doses de franciscanismo, o princípio segundo o qual é dando que se recebe.
Mas a rigor, ao longo das administrações do PT, o empresário tem mais é que colocar-se no seu devido lugar. Por isso, quando o então ministro do Desenvolvimento Fernando Pimentel tratou de desqualificar cobranças de políticas coerentes de desenvolvimento econômico feitas pelo presidente do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Pedro Passos; quando o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, preferiu dizer que o empresário não tem de "fazer beicinho" para o governo, toda essa carga centenária de uma relação mal resolvida acaba aflorando.
A relação entre o governo Dilma e os empresários nunca pareceu tão tensa. A mútua desconfiança não se resume apenas, na avaliação do governo, de que o empresário só pensa naquilo, só pensa em faturar; e, na avaliação do empresário, de que o governo pretende transformá-lo em líder de instituição de caridade. As raízes dessa relação impregnada de antagonismos parecem mais profundas. Misturam-se coisas complicadas.
A chamada República Sindicalista, que corresponde ao trabalhador e, principalmente, às lideranças sindicais na linha de frente do governo, carrega a herança dos conflitos entre patrão e empregado e da luta pelas chamadas conquistas do trabalhador. Nesse clima, o empresário sempre foi entendido como quem está sempre disposto a tirar o sangue e a mais valia do trabalhador, contra o qual se fazem greves, promovem-se ações na Justiça do Trabalho e acordos pragmáticos que podem ser desrespeitados de parte a parte.
Também permeiam tudo antigos preconceitos (ou seriam conceitos?) ideológicos. O empresário é visto como aquele que está no lado do capital, faz alianças internacionais com interesses estrangeiros, defende o neoliberalismo, o imperialismo das grandes potências e o Consenso de Washington.
Farinha do mesmo saco são também os latifundiários, os ruralistas, os banqueiros e todas as forças identificadas com os interesses financeiros, sejam eles os rentistas de sempre ou os administradores de grandes fundos de investimento.
Na história das esquerdas brasileiras, antes mesmo do início da guerra fria, houve um momento em que foi preciso fazer alianças táticas com "a burguesia nacional para enfrentar o imperialismo internacional". A partir daí o empresário passou a ser tratado com níveis variáveis de tolerância.
E muito cedo o PT entendeu que precisava cortejar o empresário, quando não por outras razões, pelo menos porque campanhas eleitorais não podem ser financiadas apenas com rifas. Mal ou bem é dele que saem as mais alentadas contribuições.
O presidente Lula entendeu que devesse ter um empresário na chapa que disputou as eleições. E, assim, incorporou o Zé Alencar. E o resto das relações com eles passou a ser administrado pelo Conselhão (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social). Como foi preciso garantir o investimento e o emprego, o BNDES se encarregou de eleger meia dúzia de futuros campeões e de fornecer-lhes crédito subsidiado, sempre com boas doses de franciscanismo, o princípio segundo o qual é dando que se recebe.
Mas a rigor, ao longo das administrações do PT, o empresário tem mais é que colocar-se no seu devido lugar. Por isso, quando o então ministro do Desenvolvimento Fernando Pimentel tratou de desqualificar cobranças de políticas coerentes de desenvolvimento econômico feitas pelo presidente do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Pedro Passos; quando o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, preferiu dizer que o empresário não tem de "fazer beicinho" para o governo, toda essa carga centenária de uma relação mal resolvida acaba aflorando.
A vida como ela é - MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 05/03
O barulho não era normal. Quando o motorista pisava no freio, estalava um som ensurdecedor avisando que algo estava errado com o ônibus que, na terça-feira da semana passada, fazia a linha 173 da Real Auto Ônibus, que liga a rodoviária do Rio ao Leblon. Eram oito da noite e aquilo estava assim desde as 15 horas, quando a equipe de motorista e cobradora assumiu. Acabaria às 23 horas.
A campainha estava com defeito. O passageiro puxava e o motorista nada ouvia. O passageiro se irritava e o motorista, enraivecido com aquele barulho, respondia com maus modos. Um passageiro que cochilava acordava a cada freada. "Que absurdo" era o que mais se ouvia. Depois, passageiros, cobradora, motorista se conformavam até o próximo estouro. O calor piorava tudo.
Aquele veículo não era diferente dos dois ônibus e um trem que Marina Souza, 40 anos, pega todo dia para ir trabalhar na Zona Sul do Rio. São três conduções para ir e três para voltar. Seis ao todo. Entra no primeiro às cinco horas em Duque de Caxias e chega quatro horas depois.
- O trem é lotado, horrível. E muito calor. Só dá para sentar se pegar no ponto final e a estação estiver vazia. Este ano, estava em um que perdeu o freio e foi batendo até parar. Os passageiros tiveram que descer e ir andando na linha do trem até Bonsucesso. Em outra vez, as portas ficaram fechadas e a luz apagou. Nos ônibus é péssimo também.
O calor tórrido desse verão e as muitas obras no Rio tornaram tudo pior. Está assim no Brasil inteiro. Basta entrar em um transporte público para colher depoimentos de motoristas estressados, cobradores cansados e passageiros irados.
A mobilidade urbana chegou a um nível de emergência que a imprensa fala obsessivamente do tema, nas redações inventam-se novas ferramentas para acudir os desavisados a se proteger do pior, o espaço para transporte só faz crescer nos telejornais e rádios.
Na semana passada, a prefeitura do Rio comemorou o decreto do prefeito estabelecendo que, de agora em diante, todo novo ônibus que se somar à frota terá que ter ar refrigerado. Hoje, só 18% dos ônibus são equipados com ar. Numa cidade calorenta como o Rio não é luxo, é questão de saúde. Se os donos de táxi, até os que têm um único veículo, fizeram o investimento de ter ar condicionado, por que não as concessionárias de transporte público?
A prefeitura pede que se espere porque logo, logo o problema estará resolvido. Sabe quando? Depois de tudo: em dezembro de 2016, 100% dos ônibus terão que ter ar condicionado. Curiosa data. Após a Copa, as Olimpíadas e ao fim do mandato do atual prefeito.
Por algumas das obras no Rio se espera há muito tempo, como a revitalização do Porto ou de áreas do Centro velho. Várias cidades fizeram isso: recuperaram áreas portuárias, fecharam ruas para pedestres ou transporte público. A tendência é essa em Nova York, Londres, São Francisco.
A nenhuma delas ocorreu fazer a transição sem começar do básico: primeiro, melhorar o transporte público e ter uma estratégia de informação sobre mudança de itinerários. Sem opção, o passageiro do carro particular vai disputar espaço nos metrôs e ônibus lotados.
Virou calamidade pública, caso que afeta a saúde das pessoas, reduz a produtividade e piora a qualidade de vida. Ao fim daquele dia na linha 173, em que o barulho explodia a cada pisada no freio do ônibus, como deveria estar a cabeça da cobradora e do motorista?
São inúmeras as histórias do absurdo diariamente contadas pelos jornais. Uma coisa já se sabe. Acabou o carnaval e hoje será tudo igual. E amanhã também. O transporte não melhora tão cedo no Brasil.
O barulho não era normal. Quando o motorista pisava no freio, estalava um som ensurdecedor avisando que algo estava errado com o ônibus que, na terça-feira da semana passada, fazia a linha 173 da Real Auto Ônibus, que liga a rodoviária do Rio ao Leblon. Eram oito da noite e aquilo estava assim desde as 15 horas, quando a equipe de motorista e cobradora assumiu. Acabaria às 23 horas.
A campainha estava com defeito. O passageiro puxava e o motorista nada ouvia. O passageiro se irritava e o motorista, enraivecido com aquele barulho, respondia com maus modos. Um passageiro que cochilava acordava a cada freada. "Que absurdo" era o que mais se ouvia. Depois, passageiros, cobradora, motorista se conformavam até o próximo estouro. O calor piorava tudo.
Aquele veículo não era diferente dos dois ônibus e um trem que Marina Souza, 40 anos, pega todo dia para ir trabalhar na Zona Sul do Rio. São três conduções para ir e três para voltar. Seis ao todo. Entra no primeiro às cinco horas em Duque de Caxias e chega quatro horas depois.
- O trem é lotado, horrível. E muito calor. Só dá para sentar se pegar no ponto final e a estação estiver vazia. Este ano, estava em um que perdeu o freio e foi batendo até parar. Os passageiros tiveram que descer e ir andando na linha do trem até Bonsucesso. Em outra vez, as portas ficaram fechadas e a luz apagou. Nos ônibus é péssimo também.
O calor tórrido desse verão e as muitas obras no Rio tornaram tudo pior. Está assim no Brasil inteiro. Basta entrar em um transporte público para colher depoimentos de motoristas estressados, cobradores cansados e passageiros irados.
A mobilidade urbana chegou a um nível de emergência que a imprensa fala obsessivamente do tema, nas redações inventam-se novas ferramentas para acudir os desavisados a se proteger do pior, o espaço para transporte só faz crescer nos telejornais e rádios.
Na semana passada, a prefeitura do Rio comemorou o decreto do prefeito estabelecendo que, de agora em diante, todo novo ônibus que se somar à frota terá que ter ar refrigerado. Hoje, só 18% dos ônibus são equipados com ar. Numa cidade calorenta como o Rio não é luxo, é questão de saúde. Se os donos de táxi, até os que têm um único veículo, fizeram o investimento de ter ar condicionado, por que não as concessionárias de transporte público?
A prefeitura pede que se espere porque logo, logo o problema estará resolvido. Sabe quando? Depois de tudo: em dezembro de 2016, 100% dos ônibus terão que ter ar condicionado. Curiosa data. Após a Copa, as Olimpíadas e ao fim do mandato do atual prefeito.
Por algumas das obras no Rio se espera há muito tempo, como a revitalização do Porto ou de áreas do Centro velho. Várias cidades fizeram isso: recuperaram áreas portuárias, fecharam ruas para pedestres ou transporte público. A tendência é essa em Nova York, Londres, São Francisco.
A nenhuma delas ocorreu fazer a transição sem começar do básico: primeiro, melhorar o transporte público e ter uma estratégia de informação sobre mudança de itinerários. Sem opção, o passageiro do carro particular vai disputar espaço nos metrôs e ônibus lotados.
Virou calamidade pública, caso que afeta a saúde das pessoas, reduz a produtividade e piora a qualidade de vida. Ao fim daquele dia na linha 173, em que o barulho explodia a cada pisada no freio do ônibus, como deveria estar a cabeça da cobradora e do motorista?
São inúmeras as histórias do absurdo diariamente contadas pelos jornais. Uma coisa já se sabe. Acabou o carnaval e hoje será tudo igual. E amanhã também. O transporte não melhora tão cedo no Brasil.
Fantasia de presidente - VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 05/03
A esta altura, quem quer ser presidente tem de responder a sério certas perguntas, sem mentir
DAQUI A QUATRO meses, começa a campanha para a eleição de presidente e outras. Daqui a sete meses, a gente vota no primeiro turno. Ainda não sabemos praticamente nada do que pensam os candidatos a presidente, seja porque eles não falem a sério sobre o assunto, seja talvez porque eles não pensem mesmo.
Pode ser que ainda estejam "elaborando o programa". Pode ser. Mas, a esta altura, se a cidadã ou o cidadão quer ser presidente deve ser porque tem ao menos algumas ideias diferentes do que fazer do governo.
Não vale conversinha, generalidades entre burras, malandras e ignorantes, como dizer que "defende o tripé macroeconômico", que "o Brasil parou", que vai "acabar com a velha política de raposas", qualquer frase com expressões tais como "herança", maldita ou bendita, "pessimismo", "preservar as conquistas sociais e avançar" ou, vomitivo, "choque de gestão".
Isto posto, o óbvio, note-se que há perguntas a berrar nos desertos do debate político-econômico, questões para as quais quaisquer "ministério paralelo" ou partido organizados deveriam ter respostas prontas ou quase isso. Trata-se de problemas específicos grandes, mas que podem também dar uma ideia geral do modo de pensar do candidato.
Por exemplo.
O candidato vai reajustar os combustíveis em 2015? O tabelamento informal da gasolina leva à breca a maior empresa do país, a Petrobras, e cria tsunamis de problemas na economia toda.
Vai repassar a conta da eletricidade cara para os consumidores? Ou o governo vai fazer mais dívida cara para bancar o subsídio?
Por falar em eletricidade, qual a primeira mudança importante a ser feita, e logo, dado que tais mudanças demoram a fazer efeito e, caso o Brasil cresça rápido, tal como o candidato promete, pode faltar energia?
O candidato vai parar de passar dinheiro para o BNDES?
O candidato vai continuar a reajustar os benefícios sociais e da Previdência acima da inflação? Se reajustar, de onde vai tirar dinheiro para investir mais, como promete, e abater a dívida pública? Dizer que vai fazer "choque de gestão" é mentira ou ignorância grossa do governo do Brasil.
Os candidatos têm dito que vão "refundar a Federação" (basicamente, dar mais dinheiro federal para Estados e municípios). Como fazer tal coisa sem aumentar impostos, o que quebraria o governo federal, elevaria as taxas de juros e deixaria o país em desordem econômica?
Educação básica é assunto regional, mas: como o presidente pode liderar Estados e cidades de modo a melhorar a qualidade da escola? Não vale vir com generalidades (mais dinheiro, "qualificação dos professores" etc.).
O candidato pensa em reforma das polícias? Como transformá-las em polícias profissionais para um país democrático?
O candidato privatizaria os portos (isto é, acabaria com as estatais da boquinha e da burocracia)?
Como fazer, desde o primeiro dia de governo, para acabar com as burocracias tributárias, alfandegárias e outras que infernizam a vida das empresas?
Pergunte ao candidato. A esta altura, ele deveria saber o que responder. Se não sabe, é despreparado; se não diz, quer nos enrolar. Mentir.
A esta altura, quem quer ser presidente tem de responder a sério certas perguntas, sem mentir
DAQUI A QUATRO meses, começa a campanha para a eleição de presidente e outras. Daqui a sete meses, a gente vota no primeiro turno. Ainda não sabemos praticamente nada do que pensam os candidatos a presidente, seja porque eles não falem a sério sobre o assunto, seja talvez porque eles não pensem mesmo.
Pode ser que ainda estejam "elaborando o programa". Pode ser. Mas, a esta altura, se a cidadã ou o cidadão quer ser presidente deve ser porque tem ao menos algumas ideias diferentes do que fazer do governo.
Não vale conversinha, generalidades entre burras, malandras e ignorantes, como dizer que "defende o tripé macroeconômico", que "o Brasil parou", que vai "acabar com a velha política de raposas", qualquer frase com expressões tais como "herança", maldita ou bendita, "pessimismo", "preservar as conquistas sociais e avançar" ou, vomitivo, "choque de gestão".
Isto posto, o óbvio, note-se que há perguntas a berrar nos desertos do debate político-econômico, questões para as quais quaisquer "ministério paralelo" ou partido organizados deveriam ter respostas prontas ou quase isso. Trata-se de problemas específicos grandes, mas que podem também dar uma ideia geral do modo de pensar do candidato.
Por exemplo.
O candidato vai reajustar os combustíveis em 2015? O tabelamento informal da gasolina leva à breca a maior empresa do país, a Petrobras, e cria tsunamis de problemas na economia toda.
Vai repassar a conta da eletricidade cara para os consumidores? Ou o governo vai fazer mais dívida cara para bancar o subsídio?
Por falar em eletricidade, qual a primeira mudança importante a ser feita, e logo, dado que tais mudanças demoram a fazer efeito e, caso o Brasil cresça rápido, tal como o candidato promete, pode faltar energia?
O candidato vai parar de passar dinheiro para o BNDES?
O candidato vai continuar a reajustar os benefícios sociais e da Previdência acima da inflação? Se reajustar, de onde vai tirar dinheiro para investir mais, como promete, e abater a dívida pública? Dizer que vai fazer "choque de gestão" é mentira ou ignorância grossa do governo do Brasil.
Os candidatos têm dito que vão "refundar a Federação" (basicamente, dar mais dinheiro federal para Estados e municípios). Como fazer tal coisa sem aumentar impostos, o que quebraria o governo federal, elevaria as taxas de juros e deixaria o país em desordem econômica?
Educação básica é assunto regional, mas: como o presidente pode liderar Estados e cidades de modo a melhorar a qualidade da escola? Não vale vir com generalidades (mais dinheiro, "qualificação dos professores" etc.).
O candidato pensa em reforma das polícias? Como transformá-las em polícias profissionais para um país democrático?
O candidato privatizaria os portos (isto é, acabaria com as estatais da boquinha e da burocracia)?
Como fazer, desde o primeiro dia de governo, para acabar com as burocracias tributárias, alfandegárias e outras que infernizam a vida das empresas?
Pergunte ao candidato. A esta altura, ele deveria saber o que responder. Se não sabe, é despreparado; se não diz, quer nos enrolar. Mentir.
O futuro da democracia - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 05/03
1 Com o surgimento do "capitalismo de Estado", capitaneado pela China, a relação direta entre democracia e capitalismo já não é mais uma variável tão absoluta quanto parecia nos anos 80 e 90 do século passado
2 Segundo a Freedom House, um centro de estudos nos Estados Unidos dedicado à análise da liberdade no mundo, 2013 foi o oitavo ano seguido em que a liberdade global declinou
3 O crescimento chinês colocou em xeque uma antiga tese de que a democracia é o melhor sistema para garantir o desenvolvimento econômico
As diversas crises políticas no mundo, especialmente nos últimos dias com a da Ucrânia, na Europa, e a da Venezuela, aqui na América do Sul, onde os apelos por democracia levaram o povo às ruas e, no caso da Ucrânia, colocaram o mundo em alerta para uma possível retomada da disputa entre Estados Unidos e Rússia no cenário internacional, estão pondo em xeque os rumos da democracia no mundo atual.
A relação estreita entre democracia e capitalismo está sendo deixada de lado pela emergência de países capitalistas não democráticos. Com o surgimento do "capitalismo de Estado", capitaneado pela China, a relação direta entre democracia e capitalismo já não é mais uma variável tão absoluta quanto parecia nos anos 80 e 90 do século passado.
A mais recente edição da revista inglesa "The Economist" traz uma extensa análise sobre os problemas da democracia no mundo atual. Mesmo que cerca de 40% da população global vivam em países em que haverá eleições livres este ano, um número que nunca foi tão grande, a revista reconhece que o avanço da democracia sofreu um retrocesso neste início do século XXI.
Segundo a Freedom House, um centro de estudos nos Estados Unidos dedicado à análise da liberdade no mundo, 2013 foi o oitavo ano seguido em que a liberdade global declinou. A "Economist" atribui o declínio da democracia no mundo a dois fatos: a crise econômica internacional e a ascensão da China.
No primeiro caso, por ter alimentado a descrença nos mecanismos políticos que deixaram não apenas a crise eclodir como, ao lidar com ela, permaneceram protegendo banqueiros e grupos financeiros responsáveis por ela. Em teoria, o mercado é essencialmente um instrumento da democracia, como transmissor de informações e expressão da opinião pública, e criar desconfiança sobre esse mecanismo do capitalismo prejudica também a crença no funcionamento da democracia.
Desde a crise de 2008, está em discussão nos principais fóruns mundiais a necessidade de rever atitudes e procedimentos para que o capitalismo continue sendo o melhor sistema econômico disponível. Para isso, é preciso que preste melhores serviços à sociedade. Mais do que realizar apenas eleições periódicas, a democracia precisaria ajudar uma maior inclusão social e a redução das desigualdades.
Já o crescimento chinês colocou em xeque uma antiga tese de que a democracia é o melhor sistema para garantir o desenvolvimento econômico.
A revista cita o economista Larry Summers, ex-secretário do Tesouro dos EUA, hoje professor em Harvard, segundo quem, quando os Estados Unidos cresciam velozmente, a cada 30 anos dobrava o padrão de vida de seus cidadãos.
Já a China vem dobrando o padrão de vida dos seus a cada década nos últimos 30 anos.
Estudiosos costumam afirmar que governos representativos, com variados partidos políticos, geralmente produzem maneiras de governar superiores às de ditaduras de partido único, que não são escrutinadas pela oposição nem pela opinião pública. A corrupção, diz o historiador Neil Ferguson, apesar de existir em todos os tipos de governo, é sempre pior e mais nociva do ponto de vista econômico nos países não democráticos.
A "The Economist" coloca a Rússia de Putin entre os grandes reveses da democracia no mundo depois que a queda do Muro de Berlim pareceu ter tornado a democratização da antiga União Soviética inevitável.
Chamando-o de "czar pós-moderno", a revista inglesa diz que ele destruiu as raízes da democracia prendendo seus oponentes e perseguindo a imprensa, mas mantendo as aparências democráticas.
Nesse rol de simulacros de democracia, a revista cita a Venezuela, a Ucrânia e a Argentina. Diversos estudos acadêmicos mostram que um país tende a se transformar em uma democracia quando atinge a renda per capita anual de US$ 10 mil. Seria o caso da Rússia, que já tem US$ 15 mil de renda per capita, e será em breve o da China, que tem US$ 7.500, pela paridade de poder de compra.
Mas, se levarmos em conta o que o primeiro-ministro da Rússia, Vladimir Putin, pensa, e o que os líderes chineses preparam para o futuro do país, dificilmente veremos uma democracia nesses países, pelo menos como a conhecemos.
A relação estreita entre democracia e capitalismo está sendo deixada de lado pela emergência de países capitalistas não democráticos. Com o surgimento do "capitalismo de Estado", capitaneado pela China, a relação direta entre democracia e capitalismo já não é mais uma variável tão absoluta quanto parecia nos anos 80 e 90 do século passado.
A mais recente edição da revista inglesa "The Economist" traz uma extensa análise sobre os problemas da democracia no mundo atual. Mesmo que cerca de 40% da população global vivam em países em que haverá eleições livres este ano, um número que nunca foi tão grande, a revista reconhece que o avanço da democracia sofreu um retrocesso neste início do século XXI.
Segundo a Freedom House, um centro de estudos nos Estados Unidos dedicado à análise da liberdade no mundo, 2013 foi o oitavo ano seguido em que a liberdade global declinou. A "Economist" atribui o declínio da democracia no mundo a dois fatos: a crise econômica internacional e a ascensão da China.
No primeiro caso, por ter alimentado a descrença nos mecanismos políticos que deixaram não apenas a crise eclodir como, ao lidar com ela, permaneceram protegendo banqueiros e grupos financeiros responsáveis por ela. Em teoria, o mercado é essencialmente um instrumento da democracia, como transmissor de informações e expressão da opinião pública, e criar desconfiança sobre esse mecanismo do capitalismo prejudica também a crença no funcionamento da democracia.
Desde a crise de 2008, está em discussão nos principais fóruns mundiais a necessidade de rever atitudes e procedimentos para que o capitalismo continue sendo o melhor sistema econômico disponível. Para isso, é preciso que preste melhores serviços à sociedade. Mais do que realizar apenas eleições periódicas, a democracia precisaria ajudar uma maior inclusão social e a redução das desigualdades.
Já o crescimento chinês colocou em xeque uma antiga tese de que a democracia é o melhor sistema para garantir o desenvolvimento econômico.
A revista cita o economista Larry Summers, ex-secretário do Tesouro dos EUA, hoje professor em Harvard, segundo quem, quando os Estados Unidos cresciam velozmente, a cada 30 anos dobrava o padrão de vida de seus cidadãos.
Já a China vem dobrando o padrão de vida dos seus a cada década nos últimos 30 anos.
Estudiosos costumam afirmar que governos representativos, com variados partidos políticos, geralmente produzem maneiras de governar superiores às de ditaduras de partido único, que não são escrutinadas pela oposição nem pela opinião pública. A corrupção, diz o historiador Neil Ferguson, apesar de existir em todos os tipos de governo, é sempre pior e mais nociva do ponto de vista econômico nos países não democráticos.
A "The Economist" coloca a Rússia de Putin entre os grandes reveses da democracia no mundo depois que a queda do Muro de Berlim pareceu ter tornado a democratização da antiga União Soviética inevitável.
Chamando-o de "czar pós-moderno", a revista inglesa diz que ele destruiu as raízes da democracia prendendo seus oponentes e perseguindo a imprensa, mas mantendo as aparências democráticas.
Nesse rol de simulacros de democracia, a revista cita a Venezuela, a Ucrânia e a Argentina. Diversos estudos acadêmicos mostram que um país tende a se transformar em uma democracia quando atinge a renda per capita anual de US$ 10 mil. Seria o caso da Rússia, que já tem US$ 15 mil de renda per capita, e será em breve o da China, que tem US$ 7.500, pela paridade de poder de compra.
Mas, se levarmos em conta o que o primeiro-ministro da Rússia, Vladimir Putin, pensa, e o que os líderes chineses preparam para o futuro do país, dificilmente veremos uma democracia nesses países, pelo menos como a conhecemos.
Um guia para 1964: doutor Alceu - ELIO GASPARI
FOLHA DE SP - 05/03
As cartas do pensador católico são um roteiro para a volta à noite da ditadura que começou há 50 anos
Começam nesta semana as reminiscências em torno da deposição do presidente João Goulart, quando o país entrou numa ditadura em nome da democracia. Ela começou no Dia da Mentira e só acabou 21 anos depois. Estranha efeméride, passaram-se 50 anos e ainda divide opiniões. Em 1949 ninguém discutia o golpe militar que destronou o imperador. Em 1980 ninguém discutia a deposição do presidente Washington Luís. Essa peculiaridade de 1964 fala mais do presente do que do passado.
Há um tesouro à disposição de quem queira conhecer o Brasil daqueles dias. É o livro "Cartas do pai --De Alceu Amoroso Lima para sua filha madre Maria Teresa". Durante 18 anos o pensador católico escreveu milhares de cartas à filha, monja enclausurada num mosteiro beneditino. Em 2003, o Instituto Moreira Salles publicou um magnífico volume de 672 páginas com uma seleta das cartas de 1958 a 1968. É difícil de achar e clama aos céus por uma versão eletrônica.
As cartas do "doutor Alceu" são um painel do amor e fé. Entre 1963 e abril de 1964 ele mandou 118 cartas à filha, expondo a alma de um liberal perplexo diante da radicalização política. Alguns exemplos:
11 de julho de 1963: "Este, o ambiente sombrio em que estamos, com o [Carlos] Lacerda [governador do Estado da Guanabara] provocando agitação e insuflando o golpismo legal (deposição do Jango pelo Congresso) e com isso estimulando o golpismo extralegal (militares e esquerda negativa).
18 de setembro: "Se tudo não acabar em ditadura militar, só mesmo porque Deus não quis."
26 de setembro: "A amarga' máxima é que a tensão política chega hoje ao auge, no choque entre militares e líderes sindicais, entre os quais o Jango parece que optou (definiu-se, como vivem querendo que o faça, tanto os esquerdistas como os direitistas) e o resultado é que podemos, amanhã ou hoje mesmo, ter um golpe à vista e no duro: ou dos generais ou dos sargentos."
27 de março: "De repente, bumba! Marinheiros (uns 3.000, dizem) reunidos em um sindicato de metalúrgicos, demissão do ministro da Marinha e do comandante dos Fuzileiros Navais (que dizem ser os homens do Brizola)."
31 de março: Estou sentindo o cheiro de... pólvora e a semelhança com 1937, quando o Getúlio, mestre do Jango, deu o golpe do Estado Novo.(...) O mais grave é que, no momento, introduziu uma cunha entre oficialidade e tropa (soldados ou marinheiros) e isso pode realmente redundar numa revolução de tipo comunista. (...) O momento é de perfeita perplexidade e de vigília de golpe. Mas de onde virá o golpe é que são elas.
1º de abril: "Desgraçadamente rompeu-se de novo a continuidade civil do nosso governo e a solução foi transferida para a área militar. (...) O San Tiago [San Tiago Dantas, ex-ministro das Relações Exteriores] que está muito bem informado, e esteve no Palácio das Laranjeiras com o Jango até de madrugada, me diz que as forças que estão com o governo legal parece que são fortes. (...) Mas o próprio San Tiago confessa que há muitas probabilidades de triunfo do golpe. E será então um triunfo direitista que atrasará por vinte anos o progresso do Brasil'."
Alceu Amoroso Lima morreu em 1983, sem ter visto o fim de uma ditadura que combateu desde seus primeiros dias.
As cartas do pensador católico são um roteiro para a volta à noite da ditadura que começou há 50 anos
Começam nesta semana as reminiscências em torno da deposição do presidente João Goulart, quando o país entrou numa ditadura em nome da democracia. Ela começou no Dia da Mentira e só acabou 21 anos depois. Estranha efeméride, passaram-se 50 anos e ainda divide opiniões. Em 1949 ninguém discutia o golpe militar que destronou o imperador. Em 1980 ninguém discutia a deposição do presidente Washington Luís. Essa peculiaridade de 1964 fala mais do presente do que do passado.
Há um tesouro à disposição de quem queira conhecer o Brasil daqueles dias. É o livro "Cartas do pai --De Alceu Amoroso Lima para sua filha madre Maria Teresa". Durante 18 anos o pensador católico escreveu milhares de cartas à filha, monja enclausurada num mosteiro beneditino. Em 2003, o Instituto Moreira Salles publicou um magnífico volume de 672 páginas com uma seleta das cartas de 1958 a 1968. É difícil de achar e clama aos céus por uma versão eletrônica.
As cartas do "doutor Alceu" são um painel do amor e fé. Entre 1963 e abril de 1964 ele mandou 118 cartas à filha, expondo a alma de um liberal perplexo diante da radicalização política. Alguns exemplos:
11 de julho de 1963: "Este, o ambiente sombrio em que estamos, com o [Carlos] Lacerda [governador do Estado da Guanabara] provocando agitação e insuflando o golpismo legal (deposição do Jango pelo Congresso) e com isso estimulando o golpismo extralegal (militares e esquerda negativa).
18 de setembro: "Se tudo não acabar em ditadura militar, só mesmo porque Deus não quis."
26 de setembro: "A amarga' máxima é que a tensão política chega hoje ao auge, no choque entre militares e líderes sindicais, entre os quais o Jango parece que optou (definiu-se, como vivem querendo que o faça, tanto os esquerdistas como os direitistas) e o resultado é que podemos, amanhã ou hoje mesmo, ter um golpe à vista e no duro: ou dos generais ou dos sargentos."
27 de março: "De repente, bumba! Marinheiros (uns 3.000, dizem) reunidos em um sindicato de metalúrgicos, demissão do ministro da Marinha e do comandante dos Fuzileiros Navais (que dizem ser os homens do Brizola)."
31 de março: Estou sentindo o cheiro de... pólvora e a semelhança com 1937, quando o Getúlio, mestre do Jango, deu o golpe do Estado Novo.(...) O mais grave é que, no momento, introduziu uma cunha entre oficialidade e tropa (soldados ou marinheiros) e isso pode realmente redundar numa revolução de tipo comunista. (...) O momento é de perfeita perplexidade e de vigília de golpe. Mas de onde virá o golpe é que são elas.
1º de abril: "Desgraçadamente rompeu-se de novo a continuidade civil do nosso governo e a solução foi transferida para a área militar. (...) O San Tiago [San Tiago Dantas, ex-ministro das Relações Exteriores] que está muito bem informado, e esteve no Palácio das Laranjeiras com o Jango até de madrugada, me diz que as forças que estão com o governo legal parece que são fortes. (...) Mas o próprio San Tiago confessa que há muitas probabilidades de triunfo do golpe. E será então um triunfo direitista que atrasará por vinte anos o progresso do Brasil'."
Alceu Amoroso Lima morreu em 1983, sem ter visto o fim de uma ditadura que combateu desde seus primeiros dias.
Doações eleitorais e as pequenas empresas - PAULO ROBERTO FELDMANN
O Estado de S.Paulo - 05/03
Está em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF) um dos temas mais relevantes dos últimos tempos para o futuro da economia brasileira. Trata-se da discussão sobre se deve ou não ser permitido que pessoas jurídicas contribuam para as campanhas eleitorais.
Dos 11 juízes da Suprema Corte, 4 já explicitaram o seu voto e todos foram contrários a essas doações. O quinto juiz a votar, que seria o ministro Teori Zavascki, pediu vista do processo e com isso a votação foi suspensa temporariamente.
Neste artigo pretendo demonstrar que poucas vezes a conjuntura econômica brasileira poderá ser tão afetada por uma decisão do STF quanto desta vez. E esse impacto se dará, sobretudo, nas pequenas e microempresas.
O universo dos 6 milhões de empresas formais que existem no Brasil é palco de uma das maiores concentrações de renda e poder de que se tem notícia. Cerca de 60 mil empresas, que representam, portanto, 1% do número total das empresas localizadas em nosso país, são responsáveis por 80% do produto interno bruto (PIB) brasileiro, enquanto as restantes, apesar de representarem 99% do total do número de empresas, participam com apenas 20% do nosso PIB.
Fala-se que a renda das famílias ainda é muito concentrada no Brasil. É verdade. Mas a maior distorção na disparidade de renda está no mundo das empresas. Não conseguimos encontrar país onde a situação das pequenas empresas seja tão ruim. Na Itália e na Alemanha, por exemplo, elas representam 60% dos respectivos PIBs e na Argentina são mais da metade da economia. A causa dessa situação é a inexistência no Brasil de políticas públicas que apoiem as pequenas empresas, bem ao contrário do que se verifica nesses outros países mencionados.
No Brasil simplesmente não existe financiamento de longo prazo para pequenas empresas, imaginem, então, microcrédito. Com isso o pequeno empresário está proibido de crescer. Se quiser que isso ocorra, ele terá de bancar o crescimento com o seu próprio capital - capital de que, em geral, não dispõe.
Em nosso país também não há nenhum apoio ou incentivo para que as pequenas empresas se unam com a finalidade de exportar em conjunto. Por isso elas respondem por apenas 1% das exportações brasileiras. Na Itália elas são responsáveis por 43% das exportações, isso porque lá existe uma política governamental com esse fim. Na França, para proteger o pequeno comerciante das cidades, as grandes redes de supermercados só podem abrir as suas megalojas nas margens das rodovias e afastadas dos grandes centros urbanos.
No Brasil ainda é raro que compras públicas sejam direcionadas às pequenas empresas, dando-lhes prioridade nas licitações, como foi feito na Inglaterra em relação às contratações para os Jogos Olímpicos de Londres de 2012, onde até as reformas nos estádios foram feitas por pequenas construtoras.
Por que será que nunca nenhum legislador brasileiro pensou em fazer algo parecido por aqui? Certamente, porque suas campanhas eleitorais não receberam recursos de pequenos empresários.
A relação dos maiores apoiadores de campanhas eleitorais deveria ser amplamente conhecida pela sociedade brasileira. Ela está disponível de diversas formas, mas o site da Transparência Brasil é muito completo. Basta entrar em www.transparencia.org.br e clicar em "às claras". Um rápido olhar nesse site nos ajuda a entender o que acontece hoje no Brasil, principalmente do ponto de vista da economia.
Por essa relação dos doadores vamos verificar que é muito pequena a participação das pessoas físicas como apoiadoras das campanhas eleitorais e menor ainda a participação das pequenas empresas. Pequenos empresários não têm a mínima possibilidade de apoiar campanhas eleitorais, pois estão permanentemente correndo o risco de ter de fechar as suas portas. O pequeno empresário brasileiro só consegue pensar na sobrevivência da sua empresa. Dela depende o sustento da sua família.
Constatamos, pois, que quem efetivamente põe dinheiro nas campanhas são sempre empresas muito grandes. Essas doações são nefastas para o País, porque nenhuma empresa faz uma contribuição financeira para alguém sem ter o objetivo de receber dela uma contrapartida e, dessa forma, parlamentares e governantes, quando eleitos, ficam "obrigados" a atender aos pedidos muitas vezes mal-intencionados. Todos sabem como é alto o nível de corrupção no Brasil e certamente a legislação eleitoral, com a permissão de doações por empresas, é uma das principais responsáveis por este estado de coisas.
Essa é a perversidade do nosso sistema eleitoral. E com sua permanência se entende por que nada que retire os privilégios da grande empresa será feito. Não podemos chamar de democracia plena um país onde o poder econômico é que decide as eleições. Em alguns países verdadeiramente democráticos, como Alemanha, Suécia ou Holanda, empresas não podem apoiar campanhas eleitorais, somente as pessoas físicas. Nesses países as campanhas passaram a ser discretas e modestas. E a corrupção reduziu-se drasticamente.
Quando as empresas são livres para contribuir para campanhas eleitorais, é evidente que vai predominar o poderio das maiores. Não existirão também políticas públicas que beneficiem as pequenas porque estas raramente contarão com recursos financeiros para gastar com candidatos.
No Supremo Tribunal ainda faltam votar 7 dos 11 juízes. Se eles mantiverem a mesma posição dos seus 4 colegas que já votaram, estarão dando um enorme passo para que o Brasil possa ter uma economia mais saudável, baseada no fortalecimento da pequena empresa.
Está em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF) um dos temas mais relevantes dos últimos tempos para o futuro da economia brasileira. Trata-se da discussão sobre se deve ou não ser permitido que pessoas jurídicas contribuam para as campanhas eleitorais.
Dos 11 juízes da Suprema Corte, 4 já explicitaram o seu voto e todos foram contrários a essas doações. O quinto juiz a votar, que seria o ministro Teori Zavascki, pediu vista do processo e com isso a votação foi suspensa temporariamente.
Neste artigo pretendo demonstrar que poucas vezes a conjuntura econômica brasileira poderá ser tão afetada por uma decisão do STF quanto desta vez. E esse impacto se dará, sobretudo, nas pequenas e microempresas.
O universo dos 6 milhões de empresas formais que existem no Brasil é palco de uma das maiores concentrações de renda e poder de que se tem notícia. Cerca de 60 mil empresas, que representam, portanto, 1% do número total das empresas localizadas em nosso país, são responsáveis por 80% do produto interno bruto (PIB) brasileiro, enquanto as restantes, apesar de representarem 99% do total do número de empresas, participam com apenas 20% do nosso PIB.
Fala-se que a renda das famílias ainda é muito concentrada no Brasil. É verdade. Mas a maior distorção na disparidade de renda está no mundo das empresas. Não conseguimos encontrar país onde a situação das pequenas empresas seja tão ruim. Na Itália e na Alemanha, por exemplo, elas representam 60% dos respectivos PIBs e na Argentina são mais da metade da economia. A causa dessa situação é a inexistência no Brasil de políticas públicas que apoiem as pequenas empresas, bem ao contrário do que se verifica nesses outros países mencionados.
No Brasil simplesmente não existe financiamento de longo prazo para pequenas empresas, imaginem, então, microcrédito. Com isso o pequeno empresário está proibido de crescer. Se quiser que isso ocorra, ele terá de bancar o crescimento com o seu próprio capital - capital de que, em geral, não dispõe.
Em nosso país também não há nenhum apoio ou incentivo para que as pequenas empresas se unam com a finalidade de exportar em conjunto. Por isso elas respondem por apenas 1% das exportações brasileiras. Na Itália elas são responsáveis por 43% das exportações, isso porque lá existe uma política governamental com esse fim. Na França, para proteger o pequeno comerciante das cidades, as grandes redes de supermercados só podem abrir as suas megalojas nas margens das rodovias e afastadas dos grandes centros urbanos.
No Brasil ainda é raro que compras públicas sejam direcionadas às pequenas empresas, dando-lhes prioridade nas licitações, como foi feito na Inglaterra em relação às contratações para os Jogos Olímpicos de Londres de 2012, onde até as reformas nos estádios foram feitas por pequenas construtoras.
Por que será que nunca nenhum legislador brasileiro pensou em fazer algo parecido por aqui? Certamente, porque suas campanhas eleitorais não receberam recursos de pequenos empresários.
A relação dos maiores apoiadores de campanhas eleitorais deveria ser amplamente conhecida pela sociedade brasileira. Ela está disponível de diversas formas, mas o site da Transparência Brasil é muito completo. Basta entrar em www.transparencia.org.br e clicar em "às claras". Um rápido olhar nesse site nos ajuda a entender o que acontece hoje no Brasil, principalmente do ponto de vista da economia.
Por essa relação dos doadores vamos verificar que é muito pequena a participação das pessoas físicas como apoiadoras das campanhas eleitorais e menor ainda a participação das pequenas empresas. Pequenos empresários não têm a mínima possibilidade de apoiar campanhas eleitorais, pois estão permanentemente correndo o risco de ter de fechar as suas portas. O pequeno empresário brasileiro só consegue pensar na sobrevivência da sua empresa. Dela depende o sustento da sua família.
Constatamos, pois, que quem efetivamente põe dinheiro nas campanhas são sempre empresas muito grandes. Essas doações são nefastas para o País, porque nenhuma empresa faz uma contribuição financeira para alguém sem ter o objetivo de receber dela uma contrapartida e, dessa forma, parlamentares e governantes, quando eleitos, ficam "obrigados" a atender aos pedidos muitas vezes mal-intencionados. Todos sabem como é alto o nível de corrupção no Brasil e certamente a legislação eleitoral, com a permissão de doações por empresas, é uma das principais responsáveis por este estado de coisas.
Essa é a perversidade do nosso sistema eleitoral. E com sua permanência se entende por que nada que retire os privilégios da grande empresa será feito. Não podemos chamar de democracia plena um país onde o poder econômico é que decide as eleições. Em alguns países verdadeiramente democráticos, como Alemanha, Suécia ou Holanda, empresas não podem apoiar campanhas eleitorais, somente as pessoas físicas. Nesses países as campanhas passaram a ser discretas e modestas. E a corrupção reduziu-se drasticamente.
Quando as empresas são livres para contribuir para campanhas eleitorais, é evidente que vai predominar o poderio das maiores. Não existirão também políticas públicas que beneficiem as pequenas porque estas raramente contarão com recursos financeiros para gastar com candidatos.
No Supremo Tribunal ainda faltam votar 7 dos 11 juízes. Se eles mantiverem a mesma posição dos seus 4 colegas que já votaram, estarão dando um enorme passo para que o Brasil possa ter uma economia mais saudável, baseada no fortalecimento da pequena empresa.
Inflação, um risco presente - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo - 05/03
A inflação continua resistente e muito acima dos padrões internacionais, embora tenha recuado um pouco nos últimos dois meses, mas os dirigentes do Banco Central (BC) decidiram tornar mais suave o aperto monetário. Podem ter apostado numa redução das pressões inflacionárias nos próximos meses. Podem ter levado em conta o baixo ritmo da atividade econômica e preferido, prudentemente, deixar mais espaço para a expansão do crédito. Podem ter apostado, mais uma vez, num surto de austeridade na gestão das contas públicas. Afinal, o governo prometeu entregar no fim do ano um superávit primário equivalente a 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB). A última aposta desse tipo, anunciada em agosto de 2011, foi errada, mas quem se lembra? De toda forma, a evolução dos preços continua indicando uma situação ainda perigosa e justificando o máximo de atenção às pressões inflacionárias.
Em janeiro, o Índice de Preços ao Produtor (IPP) subiu 1,5%, embora os alimentos tenham ficado 1,25% mais baratos e subtraíram 0,25 ponto do cálculo geral, segundo informou na sexta-feira passada o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 19 das 23 atividades cobertas pela pesquisa houve elevação de preços. As pressões, portanto, são muito difusas, como têm sido, também, na ponta oposta, a do consumo, em que a parcela de itens com aumento de preços tem estado há muito tempo entre 65% e 70%.
A elevação de 1,5% foi a segunda maior da história do IPP, superada s0mente pela variação de 1,69% em maio de 2012. Mas houve alguns recordes. A alta de preços dos automóveis, de 1,33%, foi a maior da série, assim como a elevação de 4,51% dos produtos do refino de petróleo e o aumento de 4,26% dos produtos metalúrgicos.
No atacado, pelo menos, as pressões inflacionárias têm sido muito mais perceptíveis nos produtos industriais, há vários meses, do que nos agropecuários. Durante uns dois anos autoridades brasileiras tentaram explicar a alta geral de preços como consequência da valorização das commodities agrícolas.
Essa tese foi sempre contestável, por causa do inegável e crescente desajuste interno entre a demanda e a oferta. O desequilíbrio tem sido evidente principalmente nos mercados de bens industriais e de serviços. Apesar disso, a tese oficial da inflação importada via preços agrícolas foi sustentada com insistência. Não há mais como bater nesse ponto.
Essa tese tem sido também desmentida pelas pesquisas da Fundação Getúlio Vargas (FGV). O Índice de Preços por Atacado (IPA) da FGV e o IPP são produzidos com procedimentos diferentes e, por isso, é difícil de compará-los. Mas as duas pesquisas têm coincidido em alguns pontos importantes. Em fevereiro, o IPA-M, componente principal do IGP-M, subiu 0,27%. Só houve aumento porque os produtos industriais encareceram 0,59% no atacado, enquanto os agropecuários ficaram 1,49% mais baratos. Em 12 meses, os preços dos bens industriais subiram 7,95% no atacado, enquanto caíram 1,07% os dos produtos agropecuários.
A alta de preços ao produtor é apenas parcialmente atribuível à desvalorização cambial. Os principais fatores têm sido mesmo os aumentos de custos internos e a permanência de uma forte demanda, especialmente de consumo, no mercado nacional. Comentários do gerente de Coordenação da Indústria do IBGE, Alexandre Brandão, reforçam esse ponto. Em janeiro, assinalou, o dólar subiu 1,58%, enquanto os preços da metalurgia, um setor menos influenciado pelo câmbio, subiram 4,26%. A explicação das empresas, segundo ele, foi "o ambiente do mercado". Os empresários devem ter achado o momento propício, acrescentou, para se reposicionar.
As condições de mercado, influenciadas pelo crédito e pelo aumento da massa de rendimentos, são perceptíveis também nos preços ao consumidor. Em fevereiro, segundo a FGV, esses preços aumentaram 0,70%. Foi uma alta menor que a de janeiro, 0,87%, mas ainda muito forte. As pressões continuam. O dólar pode subir mais, a seca pode afetar os preços agrícolas e será difícil conter a gastança durante a campanha eleitoral. Não é hora de afrouxar a vigilância do BC.
A inflação continua resistente e muito acima dos padrões internacionais, embora tenha recuado um pouco nos últimos dois meses, mas os dirigentes do Banco Central (BC) decidiram tornar mais suave o aperto monetário. Podem ter apostado numa redução das pressões inflacionárias nos próximos meses. Podem ter levado em conta o baixo ritmo da atividade econômica e preferido, prudentemente, deixar mais espaço para a expansão do crédito. Podem ter apostado, mais uma vez, num surto de austeridade na gestão das contas públicas. Afinal, o governo prometeu entregar no fim do ano um superávit primário equivalente a 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB). A última aposta desse tipo, anunciada em agosto de 2011, foi errada, mas quem se lembra? De toda forma, a evolução dos preços continua indicando uma situação ainda perigosa e justificando o máximo de atenção às pressões inflacionárias.
Em janeiro, o Índice de Preços ao Produtor (IPP) subiu 1,5%, embora os alimentos tenham ficado 1,25% mais baratos e subtraíram 0,25 ponto do cálculo geral, segundo informou na sexta-feira passada o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 19 das 23 atividades cobertas pela pesquisa houve elevação de preços. As pressões, portanto, são muito difusas, como têm sido, também, na ponta oposta, a do consumo, em que a parcela de itens com aumento de preços tem estado há muito tempo entre 65% e 70%.
A elevação de 1,5% foi a segunda maior da história do IPP, superada s0mente pela variação de 1,69% em maio de 2012. Mas houve alguns recordes. A alta de preços dos automóveis, de 1,33%, foi a maior da série, assim como a elevação de 4,51% dos produtos do refino de petróleo e o aumento de 4,26% dos produtos metalúrgicos.
No atacado, pelo menos, as pressões inflacionárias têm sido muito mais perceptíveis nos produtos industriais, há vários meses, do que nos agropecuários. Durante uns dois anos autoridades brasileiras tentaram explicar a alta geral de preços como consequência da valorização das commodities agrícolas.
Essa tese foi sempre contestável, por causa do inegável e crescente desajuste interno entre a demanda e a oferta. O desequilíbrio tem sido evidente principalmente nos mercados de bens industriais e de serviços. Apesar disso, a tese oficial da inflação importada via preços agrícolas foi sustentada com insistência. Não há mais como bater nesse ponto.
Essa tese tem sido também desmentida pelas pesquisas da Fundação Getúlio Vargas (FGV). O Índice de Preços por Atacado (IPA) da FGV e o IPP são produzidos com procedimentos diferentes e, por isso, é difícil de compará-los. Mas as duas pesquisas têm coincidido em alguns pontos importantes. Em fevereiro, o IPA-M, componente principal do IGP-M, subiu 0,27%. Só houve aumento porque os produtos industriais encareceram 0,59% no atacado, enquanto os agropecuários ficaram 1,49% mais baratos. Em 12 meses, os preços dos bens industriais subiram 7,95% no atacado, enquanto caíram 1,07% os dos produtos agropecuários.
A alta de preços ao produtor é apenas parcialmente atribuível à desvalorização cambial. Os principais fatores têm sido mesmo os aumentos de custos internos e a permanência de uma forte demanda, especialmente de consumo, no mercado nacional. Comentários do gerente de Coordenação da Indústria do IBGE, Alexandre Brandão, reforçam esse ponto. Em janeiro, assinalou, o dólar subiu 1,58%, enquanto os preços da metalurgia, um setor menos influenciado pelo câmbio, subiram 4,26%. A explicação das empresas, segundo ele, foi "o ambiente do mercado". Os empresários devem ter achado o momento propício, acrescentou, para se reposicionar.
As condições de mercado, influenciadas pelo crédito e pelo aumento da massa de rendimentos, são perceptíveis também nos preços ao consumidor. Em fevereiro, segundo a FGV, esses preços aumentaram 0,70%. Foi uma alta menor que a de janeiro, 0,87%, mas ainda muito forte. As pressões continuam. O dólar pode subir mais, a seca pode afetar os preços agrícolas e será difícil conter a gastança durante a campanha eleitoral. Não é hora de afrouxar a vigilância do BC.
Preservar a penhora - EDITORIAL FOLHA DE SP
FOLHA DE SP -05/03
Com o patrimônio ameaçado por ações judiciais, dois deputados federais têm se articulado para pôr fim a um mecanismo que torna mais efetiva a cobrança de dívidas na Justiça: a penhora eletrônica de créditos, ou penhora on-line.
Prevista em lei desde 2006, mas utilizada com sucesso mesmo antes disso, a ferramenta representa notável avanço em relação aos meios tradicionais de apreensão de bens. A maior diferença está na agilidade com que o juiz consegue bloquear o patrimônio do réu.
Sem o sistema eletrônico, no intervalo entre a sentença e o confisco, muitos devedores se desfaziam de recursos em seu nome, frustrando o credor e, na prática, tornando o processo inútil.
O novo instrumento procura impedir justamente essa manobra caloteira. Assim que toma sua decisão, o próprio magistrado, por meio de um canal on-line do Banco Central, pode determinar de imediato o bloqueio de ativos que o réu tenha em instituições financeiras.
Nem é preciso que o devedor tenha ciência prévia da constrição de seu patrimônio, o que constitui outra iniciativa para evitar o descumprimento da sentença judicial.
Como seria de esperar, dadas as vantagens desse instituto, o texto do novo Código de Processo Civil, aprovado em novembro pela Câmara, manteve a penhora eletrônica entre as espécies de execução.
O mecanismo, ainda assim, está ameaçado. Em fevereiro, o deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP) conseguiu que seus colegas aprovassem em plenário uma proposta cujo objetivo é proibir o confisco on-line em decisões liminares --mesmo em casos flagrantes seria preciso esperar sentença de mérito na primeira instância.
Ainda pior, está para ser votada emenda do deputado Alfredo Kaefer (PSDB-PR), que propõe o uso da ferramenta eletrônica somente quando não houver mais recursos à disposição do réu.
Trata-se de evidente retrocesso em relação à situação atual. Sairiam prejudicados todos os que têm crédito a receber e buscam na Justiça o devido ressarcimento.
Se excessos podem ser cometidos pelos juízes, como argumentam esses parlamentares, basta criar regras a fim de impedir arbitrariedades. Enfraquecer ou eliminar a penhora on-line somente beneficia quem --como os autores das propostas-- têm dívidas cobradas na esfera judicial.
Com o patrimônio ameaçado por ações judiciais, dois deputados federais têm se articulado para pôr fim a um mecanismo que torna mais efetiva a cobrança de dívidas na Justiça: a penhora eletrônica de créditos, ou penhora on-line.
Prevista em lei desde 2006, mas utilizada com sucesso mesmo antes disso, a ferramenta representa notável avanço em relação aos meios tradicionais de apreensão de bens. A maior diferença está na agilidade com que o juiz consegue bloquear o patrimônio do réu.
Sem o sistema eletrônico, no intervalo entre a sentença e o confisco, muitos devedores se desfaziam de recursos em seu nome, frustrando o credor e, na prática, tornando o processo inútil.
O novo instrumento procura impedir justamente essa manobra caloteira. Assim que toma sua decisão, o próprio magistrado, por meio de um canal on-line do Banco Central, pode determinar de imediato o bloqueio de ativos que o réu tenha em instituições financeiras.
Nem é preciso que o devedor tenha ciência prévia da constrição de seu patrimônio, o que constitui outra iniciativa para evitar o descumprimento da sentença judicial.
Como seria de esperar, dadas as vantagens desse instituto, o texto do novo Código de Processo Civil, aprovado em novembro pela Câmara, manteve a penhora eletrônica entre as espécies de execução.
O mecanismo, ainda assim, está ameaçado. Em fevereiro, o deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP) conseguiu que seus colegas aprovassem em plenário uma proposta cujo objetivo é proibir o confisco on-line em decisões liminares --mesmo em casos flagrantes seria preciso esperar sentença de mérito na primeira instância.
Ainda pior, está para ser votada emenda do deputado Alfredo Kaefer (PSDB-PR), que propõe o uso da ferramenta eletrônica somente quando não houver mais recursos à disposição do réu.
Trata-se de evidente retrocesso em relação à situação atual. Sairiam prejudicados todos os que têm crédito a receber e buscam na Justiça o devido ressarcimento.
Se excessos podem ser cometidos pelos juízes, como argumentam esses parlamentares, basta criar regras a fim de impedir arbitrariedades. Enfraquecer ou eliminar a penhora on-line somente beneficia quem --como os autores das propostas-- têm dívidas cobradas na esfera judicial.
Escabrosas transações - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE
CORREIO BRAZILIENSE - 05/03
Agora que o carnaval acabou, o ano pode começar. A volta ao funcionamento normal de instituições basilares, como o Legislativo e o Judiciário, vai encontrar uma pilha de assuntos de grande importância para a democracia brasileira. Incapazes de votar uma reforma política digna do nome- e, por isso mesmo, capaz de remover janelas abertas à corrupção e à impunidade -, os políticos certamente vão empurrar para 2015 tudo o que pode significar risco para o que esperam das urnas de outubro.
Em ano eleitoral, é com o Judiciário que a cidadania terá de contar para avançar no aperfeiçoamento institucional. E é dele que se deve cobrar a recolocação em votação de ação que pode se transformar no gatilho de verdadeira revolução do bem. Atualmente, as empresas podem "doar" até 2% do faturamento bruto, o que representa quantias elevadas o suficiente para inflacionar o orçamento das campanhas. Pior: pode jogar no lixo o ideal democrático de que o voto do cidadão comum tem o mesmo peso do que o de um magnata.
Especialistas calculam, com base nas campanhas de 2010, que, na disputa deste ano, um candidato a deputado federal terá de desembolsar, em média, R$ 1 milhão. A senador, R$ 4,5 milhões. A governador, R$ 23 milhões, em média (varia conforme o estado). À Presidência, R$ 300 milhões. Trata-se de corrida maluca que precisa ser estancada sob pena de ampliar a facilidade de acesso a cargos públicos de maus políticos que abusam de esquemas milionários para se eleger, aceitando dos maus empresários o investimento disfarçado de doação.
Nasce nesse momento relação espúria entre quem ordena o gasto público e quem tem interesse empresarial nele. O que não falta é brecha na legislação para esconder o "doador" de grandes quantias, que podem ser repassadas diretamente aos partidos. Dos R$ 6 bilhões arrecadados pelos candidatos em 2010, 95% vieram de empresas. É situação que constrange os políticos que se movem por ideais e boas intenções, dificultando e, não raro, inviabilizando as campanhas.
A manutenção das doações milionárias tem sido garantida pelo interesse de quem está no poder e, portanto, conta com forte apoio parlamentar, além, é claro, de dispor de melhores argumentos para arrecadar mais do que a concorrência. É comum argumentarem que a mudança vai aumentar a prática do caixa 2, como se fosse impossível melhorar a fiscalização e endurecer as penas para quem pisar a lei.
Ancorada na convicção de que o voto é privilégio do cidadão e só ele tem o direito de influir no processo político, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ingressou em 2011 no Supremo tribunal Federal (STF) com ação defendendo a inconstitucionalidade das doações por pessoas jurídicas às campanhas eleitorais. O processo tem como relator o Ministro Luiz Fux, que, em dezembro, votou pela aprovação. Foi acompanhado por três ministros. O processo foi suspenso por pedido de vistas do Ministro Teori Zavascki, que ainda não deu notícia de quando pretende devolvê-lo à votação. Se aprovado, os efeitos benéficos não terão como ser sentidos nas eleições deste ano. Mas é certo que mudança tão importante não pode mais esperar.
Em ano eleitoral, é com o Judiciário que a cidadania terá de contar para avançar no aperfeiçoamento institucional. E é dele que se deve cobrar a recolocação em votação de ação que pode se transformar no gatilho de verdadeira revolução do bem. Atualmente, as empresas podem "doar" até 2% do faturamento bruto, o que representa quantias elevadas o suficiente para inflacionar o orçamento das campanhas. Pior: pode jogar no lixo o ideal democrático de que o voto do cidadão comum tem o mesmo peso do que o de um magnata.
Especialistas calculam, com base nas campanhas de 2010, que, na disputa deste ano, um candidato a deputado federal terá de desembolsar, em média, R$ 1 milhão. A senador, R$ 4,5 milhões. A governador, R$ 23 milhões, em média (varia conforme o estado). À Presidência, R$ 300 milhões. Trata-se de corrida maluca que precisa ser estancada sob pena de ampliar a facilidade de acesso a cargos públicos de maus políticos que abusam de esquemas milionários para se eleger, aceitando dos maus empresários o investimento disfarçado de doação.
Nasce nesse momento relação espúria entre quem ordena o gasto público e quem tem interesse empresarial nele. O que não falta é brecha na legislação para esconder o "doador" de grandes quantias, que podem ser repassadas diretamente aos partidos. Dos R$ 6 bilhões arrecadados pelos candidatos em 2010, 95% vieram de empresas. É situação que constrange os políticos que se movem por ideais e boas intenções, dificultando e, não raro, inviabilizando as campanhas.
A manutenção das doações milionárias tem sido garantida pelo interesse de quem está no poder e, portanto, conta com forte apoio parlamentar, além, é claro, de dispor de melhores argumentos para arrecadar mais do que a concorrência. É comum argumentarem que a mudança vai aumentar a prática do caixa 2, como se fosse impossível melhorar a fiscalização e endurecer as penas para quem pisar a lei.
Ancorada na convicção de que o voto é privilégio do cidadão e só ele tem o direito de influir no processo político, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ingressou em 2011 no Supremo tribunal Federal (STF) com ação defendendo a inconstitucionalidade das doações por pessoas jurídicas às campanhas eleitorais. O processo tem como relator o Ministro Luiz Fux, que, em dezembro, votou pela aprovação. Foi acompanhado por três ministros. O processo foi suspenso por pedido de vistas do Ministro Teori Zavascki, que ainda não deu notícia de quando pretende devolvê-lo à votação. Se aprovado, os efeitos benéficos não terão como ser sentidos nas eleições deste ano. Mas é certo que mudança tão importante não pode mais esperar.
Fracasso dos assentamentos - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo - 05/03
Símbolo da luta pela reforma agrária no início da década de 1980, a Fazenda Primavera, em Andradina, 630 quilômetros a noroeste de São Paulo, está se transformando em símbolo do fracasso do programa de assentamentos conduzido pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Há cerca de 30 anos, a mobilização de trabalhadores rurais, sindicatos e membros da Igreja Católica levou o governo federal, então chefiado pelo general João Batista Figueiredo, a desapropriar a fazenda de 3.676 hectares e dividir a terra entre as 346 famílias que ali viviam. Hoje, muito poucas dessas famílias ali continuam. A grande maioria preferiu vender suas terras ou arrendá-las às três usinas de cana que operam na região, como mostrou reportagem do Estado (23/2).
Esse fato retrata uma das maiores dificuldades que o programa de assentamentos de trabalhadores rurais vem enfrentando: a fixação dessas pessoas nas terras que receberam. Sem apoio técnico adequado para seu trabalho, sem acesso a financiamentos, sem infraestrutura, sem dispor de mecanismos eficientes de comercialização da produção, quando há excedente comercializável, essas famílias não têm conseguido obter renda suficiente para lhes assegurar o bem-estar que as estimule a continuar seu trabalho. Havendo alternativa, elas a escolhem.
A disputa entre as usinas por áreas para a expansão do plantio da cana-de-açúcar resultou na rápida valorização das terras. Estima-se que, em dez anos, o preço do alqueire (24,2 mil m²) passou de R$ 8 mil para R$ 50 mil. Poucos assentados resistiram às propostas de venda ou arrendamento. Segundo algumas estimativas, 70% dos lotes não estão mais com os assentados originais.
O Incra tem enfrentado muitos problemas com a venda irregular de terras em assentamento para reforma agrária. O trabalhador rural assentado recebe uma concessão para usar e explorar a terra a ele destinada, isto é, não pode vendê-la. Somente depois de dez anos, e se tiver cumprido diversas exigências legais, alcançará o direito de vendê-la ou de realizar outras operações, como arrendamento, repasse ou aluguel.
O Incra tem retomado na Justiça muitas terras comercializadas irregularmente pelos antigos assentados. Em seguida, repassa-as para outras famílias. Mas nada pode fazer em casos como os dos antigos assentados da Fazenda Primavera.
Esses assentados passaram muitos anos enfrentando dificuldades para assegurar sua sobrevivência com o fruto de seu trabalho na terra, antes de se firmarem como produtores rurais e alcançarem a condição de emancipados, isto é, com o direito de negociar as áreas que receberam do Incra.
Muitos dos que venderam ou arrendaram suas terras reclamam da falta de assistência do Incra, da falta de apoio para o financiamento da produção, da insuficiência da cobertura de seguro, das dificuldades para o pagamento dos empréstimos bancários, entre outros problemas.
São problemas comuns a outros assentamentos, onde as dificuldades podem ser ainda mais agudas do que as relatadas pelos antigos assentados da Fazenda Primavera e podem, quando chegar a época da emancipação dos assentados, resultar na venda das terras em prazo menor do que o observado no caso paulista.
Cada vez mais carente de base de apoio para suas ações de natureza nitidamente política, o Movimento dos Sem-Terra (MST) vê nessa nova realidade um risco para sua sobrevivência. Quanto mais antigos assentados deixarem a terra em troca de melhor alternativa de obtenção de renda, menor será sua massa de manobra. Para tentar evitar seu enfraquecimento, que a melhora das condições de vida dos trabalhadores rurais tornará inevitável, o MST quer obrigar os assentados a continuar na situação em que estão, como meros concessionários de terras públicas, impedindo-os de alcançar a condição de emancipados, como propôs à presidente Dilma Rousseff. A proposta violenta o direito de, decorrido determinado período e cumpridas determinas condições, o assentado escolher outra forma de vida.
Símbolo da luta pela reforma agrária no início da década de 1980, a Fazenda Primavera, em Andradina, 630 quilômetros a noroeste de São Paulo, está se transformando em símbolo do fracasso do programa de assentamentos conduzido pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Há cerca de 30 anos, a mobilização de trabalhadores rurais, sindicatos e membros da Igreja Católica levou o governo federal, então chefiado pelo general João Batista Figueiredo, a desapropriar a fazenda de 3.676 hectares e dividir a terra entre as 346 famílias que ali viviam. Hoje, muito poucas dessas famílias ali continuam. A grande maioria preferiu vender suas terras ou arrendá-las às três usinas de cana que operam na região, como mostrou reportagem do Estado (23/2).
Esse fato retrata uma das maiores dificuldades que o programa de assentamentos de trabalhadores rurais vem enfrentando: a fixação dessas pessoas nas terras que receberam. Sem apoio técnico adequado para seu trabalho, sem acesso a financiamentos, sem infraestrutura, sem dispor de mecanismos eficientes de comercialização da produção, quando há excedente comercializável, essas famílias não têm conseguido obter renda suficiente para lhes assegurar o bem-estar que as estimule a continuar seu trabalho. Havendo alternativa, elas a escolhem.
A disputa entre as usinas por áreas para a expansão do plantio da cana-de-açúcar resultou na rápida valorização das terras. Estima-se que, em dez anos, o preço do alqueire (24,2 mil m²) passou de R$ 8 mil para R$ 50 mil. Poucos assentados resistiram às propostas de venda ou arrendamento. Segundo algumas estimativas, 70% dos lotes não estão mais com os assentados originais.
O Incra tem enfrentado muitos problemas com a venda irregular de terras em assentamento para reforma agrária. O trabalhador rural assentado recebe uma concessão para usar e explorar a terra a ele destinada, isto é, não pode vendê-la. Somente depois de dez anos, e se tiver cumprido diversas exigências legais, alcançará o direito de vendê-la ou de realizar outras operações, como arrendamento, repasse ou aluguel.
O Incra tem retomado na Justiça muitas terras comercializadas irregularmente pelos antigos assentados. Em seguida, repassa-as para outras famílias. Mas nada pode fazer em casos como os dos antigos assentados da Fazenda Primavera.
Esses assentados passaram muitos anos enfrentando dificuldades para assegurar sua sobrevivência com o fruto de seu trabalho na terra, antes de se firmarem como produtores rurais e alcançarem a condição de emancipados, isto é, com o direito de negociar as áreas que receberam do Incra.
Muitos dos que venderam ou arrendaram suas terras reclamam da falta de assistência do Incra, da falta de apoio para o financiamento da produção, da insuficiência da cobertura de seguro, das dificuldades para o pagamento dos empréstimos bancários, entre outros problemas.
São problemas comuns a outros assentamentos, onde as dificuldades podem ser ainda mais agudas do que as relatadas pelos antigos assentados da Fazenda Primavera e podem, quando chegar a época da emancipação dos assentados, resultar na venda das terras em prazo menor do que o observado no caso paulista.
Cada vez mais carente de base de apoio para suas ações de natureza nitidamente política, o Movimento dos Sem-Terra (MST) vê nessa nova realidade um risco para sua sobrevivência. Quanto mais antigos assentados deixarem a terra em troca de melhor alternativa de obtenção de renda, menor será sua massa de manobra. Para tentar evitar seu enfraquecimento, que a melhora das condições de vida dos trabalhadores rurais tornará inevitável, o MST quer obrigar os assentados a continuar na situação em que estão, como meros concessionários de terras públicas, impedindo-os de alcançar a condição de emancipados, como propôs à presidente Dilma Rousseff. A proposta violenta o direito de, decorrido determinado período e cumpridas determinas condições, o assentado escolher outra forma de vida.