quarta-feira, março 05, 2014

Escabrosas transações - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 05/03
Agora que o carnaval acabou, o ano pode começar. A volta ao funcionamento normal de instituições basilares, como o Legislativo e o Judiciário, vai encontrar uma pilha de assuntos de grande importância para a democracia brasileira. Incapazes de votar uma reforma política digna do nome- e, por isso mesmo, capaz de remover janelas abertas à corrupção e à impunidade -, os políticos certamente vão empurrar para 2015 tudo o que pode significar risco para o que esperam das urnas de outubro.
Em ano eleitoral, é com o Judiciário que a cidadania terá de contar para avançar no aperfeiçoamento institucional. E é dele que se deve cobrar a recolocação em votação de ação que pode se transformar no gatilho de verdadeira revolução do bem. Atualmente, as empresas podem "doar" até 2% do faturamento bruto, o que representa quantias elevadas o suficiente para inflacionar o orçamento das campanhas. Pior: pode jogar no lixo o ideal democrático de que o voto do cidadão comum tem o mesmo peso do que o de um magnata.

Especialistas calculam, com base nas campanhas de 2010, que, na disputa deste ano, um candidato a deputado federal terá de desembolsar, em média, R$ 1 milhão. A senador, R$ 4,5 milhões. A governador, R$ 23 milhões, em média (varia conforme o estado). À Presidência, R$ 300 milhões. Trata-se de corrida maluca que precisa ser estancada sob pena de ampliar a facilidade de acesso a cargos públicos de maus políticos que abusam de esquemas milionários para se eleger, aceitando dos maus empresários o investimento disfarçado de doação.

Nasce nesse momento relação espúria entre quem ordena o gasto público e quem tem interesse empresarial nele. O que não falta é brecha na legislação para esconder o "doador" de grandes quantias, que podem ser repassadas diretamente aos partidos. Dos R$ 6 bilhões arrecadados pelos candidatos em 2010, 95% vieram de empresas. É situação que constrange os políticos que se movem por ideais e boas intenções, dificultando e, não raro, inviabilizando as campanhas.

A manutenção das doações milionárias tem sido garantida pelo interesse de quem está no poder e, portanto, conta com forte apoio parlamentar, além, é claro, de dispor de melhores argumentos para arrecadar mais do que a concorrência. É comum argumentarem que a mudança vai aumentar a prática do caixa 2, como se fosse impossível melhorar a fiscalização e endurecer as penas para quem pisar a lei.

Ancorada na convicção de que o voto é privilégio do cidadão e só ele tem o direito de influir no processo político, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ingressou em 2011 no Supremo tribunal Federal (STF) com ação defendendo a inconstitucionalidade das doações por pessoas jurídicas às campanhas eleitorais. O processo tem como relator o Ministro Luiz Fux, que, em dezembro, votou pela aprovação. Foi acompanhado por três ministros. O processo foi suspenso por pedido de vistas do Ministro Teori Zavascki, que ainda não deu notícia de quando pretende devolvê-lo à votação. Se aprovado, os efeitos benéficos não terão como ser sentidos nas eleições deste ano. Mas é certo que mudança tão importante não pode mais esperar.

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