domingo, março 02, 2014

Rabo de sardinha - RODRIGO CONSTANTINO

REVISTA VEJA 
Quando se trata de política externa, há quem prefira ser cabeça de sardinha e quem prefira ser rabo de baleia. No primeiro caso, o país assume a liderança de um grupo menor; no segundo, aceita ser liderado para fazer parte de uma aliança mais abrangente. O PT preferiu ser rabo de sardinha. Essa é a melhor metáfora para definir a atual postura geopolítica do Brasil. O Merco-sul é uma camisa de força ideológica que afeta negativamente nossa economia. Enquanto países como Peru, Colômbia, Chile e México criaram a Aliança do Pacífico e fecharam diversos acordos bilaterais de livre-comércio, o Brasil insiste na fracassada união aduaneira com os bolivarianos.
Um a um, os países do Mercosul afundam em crises de enorme proporção. E por onde anda Marco Aurélio Garcia? Por que o Itamaraty está tão calado ultimamente? José Miguel Vivanco, diretor da ONG human rights Watch, falando sobre a desgraça venezuelana, denunciou a omissão do governo brasileiro, que, segundo ele, não age como o líder regional que pensa ser.

De fato, chama atenção o ensurdecedor silêncio de nossos diplomatas e governantes. A única leitura que se pode extrair disso é que o Brasil não é líder nem mesmo do minguado bloco do Mercosul. O governo brasileiro conseguiu nos transformar em saco de pancada de seus companheiros de ideologia.

Evo Morales abusa do Brasil e sempre sai impune. Chegou a enviar tropas para invadir instalações da Petrobras em seu país, e ficou por isso mesmo. Violou nossa soberania ao vistoriar um avião da FAB em 2011. Como prêmio, recebe empréstimos do BNDES e a cumplicidade do Itamaraty ao manter aprisionado um senador de oposição por mais de 400 dias em nossa embaixada em La Paz.

A Venezuela é outro país que pode sempre contar com a conivência de Brasília. Com muita pompa, foi anunciada a bilionária refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco, uma parceria entre a Petrobras e a PDVSA, a estatal de petróleo venezuelana. Após vários anos sem esta pingar um só dólar, a refinaria acabou incorporada pela Petrobras, com grandes prejuízos.

Retaliação? Nem pensar. O Brasil tem sido um incansável aliado do chavismo e fez de tudo para que a Venezuela entrasse no Mercosul, apesar de não atender às exigências do bloco, a começar pela cláusula democrática. Lula chegou a gravar mensagem de apoio para a campanha de Nicolás Maduro, intrometendo-se em assuntos internos do país.

O resultado está aí: a Venezuela mergulhou em uma guerra civil, a economia vive em convulsão com hiperinflação, e o caos social é total, com a violência fora de controle. É possível encontrar as impressões digitais do PT nessa confusão toda, e não podemos esquecer que esse é o modelo que o partido defende. A Argentina, que também caminha rapidamente para uma tragédia, já ignorou cláusulas tarifárias do Mercosul sem resposta à altura por parte do Brasil. Sua política industrial restritiva, impondo barreiras ao comércio com o Brasil, chegou a afetar duramente nossa indústria automobilística, e nada foi feito.

A ditadura cubana recebe afagos - e muitos recursos - do governo petista. O BNDES financiou o Porto de Mariel na ilha, coisa de bilhão. A presidente Dilma argumentou que foi uma decisão estritamente econômica, endossada por Marcelo Odebrecht, o maior beneficiado pela transação. Alguém acredita?

Como ficou claro, o governo petista fez uma escolha ideológica. Transformou nossa política externa em uma extensão de seus interesses partidários, mesmo que, para tanto, nossa economia fosse sacrificada. E nem vamos falar de outras questões, como os direitos humanos, ignorados no programa Mais Médicos, que importa cubanos na condição de escravos.

Tudo isso tem custado muito caro. Nossa balança comercial está negativa. O Brasil perde a oportunidade de estreitar laços com países desenvolvidos, por puro preconceito ideológico. Prefere se unir aos fracassados bolivarianos, ou perdoar a dívida de países africanos a pretexto de obter deles apoio para conseguir assento no Conselho de Segurança da ONU.

O governo faz "caridade" com dinheiro do povo, estimula a sobrevida de regimes nefastos e ainda prejudica nossa economia. Poderia, como fizeram o governo do Chile e o do Peru, optar por se integrar ao mundo civilizado, mesmo com lugar apenas na cauda. Poderia pelo menos liderar o bloco regional. Em vez disso, o PT, com sua cabeça de bagre, fez do Brasil um rabo de sardinha.

O governo brasileiro poderia, como fizeram o do Chile e o do Peru, optar por se integrar ao mundo civilizado, mesmo com lugar apenas na cauda. Em vez disso, o PT, com sua cabeça de bagre, fez do Brasil um rabo de sardinha

Samba e pagode - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 02/03

Não gosto de pagode. Acho uma música pobre, repetitiva, enfadonha e sem classe. Reconheço que o mesmo se poderia dizer do rock, só que de rock eu gosto, então não leve esta crônica tão a sério.

Pois, numa noite de sábado, me encontrava no Rio de Janeiro, mais precisamente na Lapa, e de última hora soube que haveria ali mesmo, a poucos metros de onde eu estava, um show do Zeca Pagodinho, e ainda havia ingressos. Se eu imaginei um dia assistir a um show do Zeca Pagodinho, seria apenas numa circunstância como esta: sendo pega de surpresa no habitat dele, em plena boemia carioca. Fui. Afinal, sempre se pode mudar de ideia. Se tanta gente gosta de pagode, talvez fosse o momento de descobrir a razão.

Lugar lotado, tribo eclética, gente de todas as idades, uma alegria contagiante. Cheguei quando iniciava o show de abertura de um grupo que não conhecia: Casuarina. Cinco garotos tocando samba. Excelentes instrumentistas. E o repertório era de lavar a alma. Baden Powell, Vinicius de Moraes, Jackson do Pandeiro, Paulinho da Viola, Dorival Caymmi, Chico Buarque. Eu, que admito ser ruim da cabeça e doente do pé, me senti honrada por estar escutando aqueles sambas históricos, enquanto que, ao mesmo tempo, começava a compreender o porquê da minha resistência ao pagode.

Quando Zeca Pagodinho entrou no palco, eu já estava mais do que satisfeita, poderia ter ido para casa dormir. Mas fiquei. Ele cantou uma, cantou duas, cantou três... Tudo igual. Gostoso para quem gosta, dançante para quem curte, música popular bem popular, nada de errado com isso. Só que era gritante a diferença de qualidade do que havia sido exibido antes por aqueles cinco garotos menos conhecidos. Fiquei matutando: o cara tem carisma, suingue, o que é que falta? Para os fãs, falta nada. Para mim, falta literatura no pagode.

Não estou reivindicando letras herméticas, nada contra a simplicidade, pelo contrário. Mas literatura faz falta em tudo: na música, no teatro, no cinema, na arquitetura, na culinária, no amor. Um mínimo de poesia, sutileza, refinamento: sem isso, a vida fica rasteira. Sem a literatura como base, não se consegue dar nem mesmo uma opinião, quanto mais criar algo que esteja dois degraus acima da mediocridade.

E literatura, aqui, não significa a leitura de uma biblioteca inteira, mas ter uma alma ilustrada. Me acusarão de elitista, mas o assunto não tem nada a ver com elitismo: qualquer um pode ser sofisticado sem perder a autenticidade e a popularidade. Sofisticação, nesse caso, é ter um olhar levemente mais aguçado, uma percepção um pouquinho mais abrangente, uma ousadia mais intelectual do que verbal. Estou sendo elitista? Então estou.

Mesmo sabendo que serei atacada, queria falar sobre isso, sobre como podemos descobrir nossos gostos através daquilo que não gostamos tanto. O que me valeu do show do Zeca Pagodinho foi ter descoberto que eu, roqueira de carteirinha, admiro o samba muito mais do que podia imaginar.

O Brasil bruto, na medida - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 02/03

Somos um dos países mais homicidas do mundo, mas estatísticas não contam a história toda


O BRASIL É UM país mais embrutecido. Mata-se por motivo fútil ou motivo algum de modo mais brutal. A brutalidade não é apenas física; evidencia-se sintomaticamente "na deseducação, no rebaixamento individual e coletivo dos costumes, em muito do que os meios de comunicação tomam como modernidade, na política. Até onde a elevação do trato entre suas excelências parecia inexaurível no Supremo".

Esse é o resumo da tese exposta por Janio de Freitas em sua coluna do domingo passado nesta Folha ("Brasil Embrutecido"). Parece difícil discordar.

No entanto, como se mede o embrutecimento? Ou, pelo menos, como qualificar essa impressão de selvageria suscitada tanto pelo linchamento de rua como pela truculência no Supremo, passando por indignidades corriqueiras de "políticos" e corrupções empresariais?

A gente pode começar pelas violências mais mensuráveis. Tiveram repercussão casos recentes de tentativas de linchamento, de meninos de rua laçados, de brigas de torcida e de assassinatos chocantes (o cinegrafista, o torcedor do Santos, a mulher empurrada no metrô).

O Brasil está mais violento? O que dizem estatísticas, que não contam a história, mas podem documentar a tentativa de escrevê-la?

O Brasil está mais homicida? Sim. Mas não faz muito sentido responder a questão levando em conta um universo vasto como "Brasil". Nem reagir à barbárie com histeria legislante autoritária.

A taxa de homicídios no Brasil está mais ou menos estável desde 1997-98, em torno de 27 homicídios por 100 mil habitantes. A taxa subiu sem parar desde os 12 por 100 mil em 1980 até 1998, parece. "Parece", pois até meados dos anos 1990 a subnotificação era mais grave, e os critérios estatísticos, piores.

Essa taxa coloca o Brasil entre as nações mais bárbaras (entre os 90 para os quais há dados), abaixo de oito países centro-americanos, Colômbia, Venezuela e África do Sul. A seguir, nós e o México. Nossa taxa é 25 vezes a da Europa Ocidental; seis vezes a americana.

Mas a violência varia pelo Brasil.

Neste século a violência homicida diminuiu muito em São Paulo, de 42 por 100 mil para 13,5 por 100 mil (até 2011), um caso de progresso, mistura de policiamento melhor com sociedade mais ativa, que merece um artigo.

Houve melhoras relativas em alguns outros Estados, que no entanto continuam com taxas assustadoras (Rio e Pernambuco).

Neste século, na média do Brasil afora São Paulo, a taxa de homicídios aumentou, em especial no Nordeste, embora Nordeste seja também variado. O Piauí é um dos três Estados menos violentos do país; Alagoas, o mais letal, tem taxa de 72 por 100 mil.

Passados quase 30 anos de democracia (o regime da lei e da civilização progressiva), 20 anos de relativa estabilidade econômica, 10 anos de renda em alta e desigualdade em queda, a brutalidade homicida cresceu.

Diminuíram a mortalidade infantil, a morte precoce de idosos, a morte por doenças primitivas. Há mais escola, ruim, mas há (antes havia menos escola, aliás pior).

Mas nosso cotidiano mostra que somos ainda não só brutos, mas ainda opressivos, desiguais, desordenados, ineficientes e deseducados.

Resistência à ditadura - FERREIRA GULLAR

FOLHA DE SP - 02/03

Exposição não retrata os que optaram pela luta pacífica e foram igualmente presos, torturados e mortos


Fui ao CCBB aqui no Rio para ver a exposição "Resistir É Preciso...", organizada pelo Ministério da Cultura e Instituto Vladimir Herzog, uma das diversas manifestações que assinalam os 50 anos do golpe militar que, em 1964, depôs o presidente João Goulart. Tais manifestações parecem demonstrar o repúdio da sociedade brasileira àquele regime e a todo e qualquer regime que pretenda cercear a liberdade dos cidadãos.

A exposição é bem montada com fotos, desenhos, pintura e pensamentos que expressaram a resistência à ditadura militar. Mas se sente falta de referência a personalidades e atividades que desempenharam importante papel na luta de resistência ao regime autoritário.

Lembrei-me, por exemplo do show "Opinião", escrito por Oduvaldo Vianna Filho, Armando Costa e Paulo Pontes, dirigido por Augusto Boal e interpretado por Nara Leão, Zé Kéti e João do Vale.

Esse show foi a primeira manifestação de resistência ao regime militar, pois estreou no dia 11 de dezembro de 1964, isto é, oito meses após o golpe. O público se sentiu expressado naquele espetáculo, sem nenhuma dúvida, tanto assim que o teatro lotava com um mês de antecedência. Por que não há qualquer menção a ele na exposição?

Após esse show, o mesmo grupo teatral montou "Liberdade, Liberdade" escrito por Millôr Fernandes e Flávio Rangel, que também o dirigiu. De novo, casa cheia. Os militares, sentindo-se criticados, tentaram tirar a peça de cartaz, provocando um conflito, com homens armados (como se viu depois) a vaiar o espetáculo e acusá-lo de comunista. Era, sem dúvida, uma denúncia do autoritarismo do regime. No entanto, não há qualquer referência a ele na exposição do CCBB.

Como também não há referência à peça "Se Correr o Bicho Pega, Se Ficar o Bicho Come", outro sucesso de bilheteria que criticava a ditadura. A ideia de escrevê-la foi do Vianninha, temeroso da censura que acabara de proibir o "O Berço do Herói", de Dias Gomes, dirigido por Abujamra. Para burlar os censores, devíamos escrever uma obra-prima, do ponto teatral e literário. Foi o que se tentou fazer.

A peça passou na censura e ganhou todos os prêmios do teatro brasileiro naquele ano de 1966. Há alguma referência a ela na mostra do CCBB? Não, nenhuma. Como também não há referência a "Arena Canta Zumbi", de Gianfrancesco Guarnieri, nem aos demais espetáculos montados por outros grupos de São Paulo, do Rio e de outras capitais brasileiras.

Os organizadores dessa exposição parecem ignorar o papel desempenhado pelo teatro brasileiro na luta contra a ditadura. E a Passeata dos Cem Mil? Há dela apenas uma foto ali. Nenhuma alusão ao fato de que foi realizada graças à atuação da classe teatral, com o apoio logístico do Partido Comunista Brasileiro.

Mas não é só isso. Ênio Silveira, desde 1965, editou uma revista chamada "Civilização Brasileira" (que depois se chamou "Encontros com a Civilização Brasileira"), que publicava ensaios, artigos, poemas, entrevistas, reportagens, denunciando os abusos do governo militar e analisando os fatores que o determinaram. Essa revista foi editada durante 15 anos, resultando na prisão de seu editor. Não há menção a ela na exposição "Resistir É Preciso...".

Sem dúvida alguma, ao se falar do regime autoritário, não se pode esquecer aqueles militantes que escolheram a luta armada como o caminho correto para combatê-lo. Nem todos concordavam com isso, e pode-se dizer que essa era opinião da maioria das pessoas engajadas na luta, e com razão, pois era um equívoco. Não obstante, quem se dispôs a essa aventura demonstrou coragem e desprendimento.

A exposição faz referência a eles e particularmente aos que foram mortos pela repressão. Está certo. O que não está certo é não fazer qualquer referência àqueles que, optando pela luta pacífica, foram igualmente presos, torturados e mortos. Basta dizer que, de 1972 a 1974, um terço do Comitê Central do PCB foi assassinado, mas a exposição, se não me engano, não alude a eles.

Lula, porém, aparece ali como um exemplo de resistente. Está certo, mas por que não aparecem outros líderes como Fernando Henrique, José Serra, Miguel Arraes e tantos outros? Deve ter havido alguma razão para isso, mas não sei qual seria.

Arrecadação criativa - JOÃO UBALDO RIBEIRO

O Estado de S.Paulo - 02/03

Não sei se é verdade e pode não passar de outra invencionice das que circulam na internet, mas já me contaram mais de uma vez que vem sendo aplicado o golpe da multa do lixo zero. A multa do lixo zero é a que o cidadão do Rio de Janeiro paga, se jogar ou juntar lixo em local não destinado a isso, como ruas e calçadas. O golpe da multa do lixo zero é quando um fiscal corrupto lhe comunica que achou, amassado no chão à porta de sua casa, um lixinho que só pode ser seu, já que se trata de um envelope aberto, com seu nome no endereço. Não adianta negar, a ligação é inequívoca. O golpista então propõe um acerto e, se você não topa molhar a mãozinha dele para os festejos de Momo, a multa completa lhe chega depois, ameaçando-o com todas as penas do inferno. Dá para recorrer, mas isto é também tido como pena do inferno.

Até aí nada demais, bem que pode acontecer. Creio consistente com nossa história desde a colônia a noção de que as multas foram sempre criadas com a finalidade de reforçar o orçamento do Estado e, principalmente, para remunerar com mais generosidade a estrutura de fiscalização, ainda que de forma pouco ortodoxa, como no golpe do lixo zero. Um estado cartorial, patrimonialista e inacreditavelmente burocrático tinha que manter, e continua a manter, mecanismos para beneficiar toda essa importante categoria sociopolítica, tão vital quanto os despachantes, agentes que aqui intermedeiam a relação do cidadão com o Estado, que do contrário a burocracia tornaria impossível. E, finalmente, suponho que terá alguma significação estatística a turma do "agrado", que movimenta vastas quantias, recebendo um "por fora" aqui, outro acolá. Conheci gente que ganhava oficialmente muito mal, mas não largava o emprego de jeito nenhum, por causa dos agrados, que constituíam o grosso de sua renda. Deve-se ter muito cuidado com julgamentos precipitados e, antes de condenar, procuremos observar todos os ângulos - eliminar de repente essas coisas e suas interseções poderia render uma grave convulsão social.

Olho aqui as fotos de um bloco imenso, apinhado numa grande avenida, e penso em como deverá andar o negócio das multas, neste carnaval. Talvez não tão bem quanto poderia. O besourinho paranoico que de vez em quando zumbe no meu ouvido me expõe rapidamente um possível progresso para a nossa estrutura de multas, em carnavais vindouros. Claro que, na confusão de um grande bloco, a multa do lixo zero vai ser muito difícil de aplicar, até porque numa aglomeração de gente que bebeu umas e outras, a saúde do multador não estará garantida. Isso deve doer no peito dos que furtam e se locupletam - quanto dinheiro escorrendo pelo ralo, que desperdício de recursos! Razão por que, me garante o besourinho, já haverão de estar coletando estatísticas para usar no próximo ano. É bastante simples. Definem-se algumas categorias estatísticas (lixinho, lixo e lixão, por exemplo) e faz-se um levantamento orientado por elas, em cada local de desfile de cada bloco registrado. Aí, no carnaval de 2015, não vai haver esse problema. O bloco poderá pagar, antecipadamente e em parcelas, até com um possível desconto, sua estimativa de multas de lixo. E, se o pessoal quiser bancar o engraçadinho e ultrapassar sua cota, paga outra multa, dura lex, sed lex.

Imagino que haverá um carnê. O proverbial bom humor carioca achará um nome para ele, talvez Carnê Hiena, considerando suas origens. E a ideia de multar antecipadamente os blocos se revelará boa demais para não ser estendida a outras frentes e não duvido que, aterrorizado pelas garras da lei e sem poder dormir pensando em suas transgressões, o cidadão tope fazer um carnê hiena individual, que lhe trará inúmeras vantagens. Em primeiro lugar, comodidade, porque as multas serão automaticamente abatidas da conta do carnê, sem necessidade de mexer-se um dedo. Em segundo lugar, economia, porque o pagamento integral, logo no começo do ano, renderá um substancial desconto e, mais ainda, as multas abatidas diretamente do carnê também terão desconto. Além disso, o planejamento financeiro público será grandemente facilitado, com o simples uso da habitual equação R=A-(P+B), em que R é a receita, A é a arrecadação, P é a propina e B é o custo burocrático, sem risco de grandes erros. Como é bem possível que, seduzido pelo dinheiro das multas, um alegre aí qualquer proponha que se possa dedurar casos de lixo pelo Disque-Denúncia, talvez seja mesmo prudente pensar num carnê hiena pessoal.

E, finalmente, podemos cravar mais um ponto para o Brasil, nessa questão de multas. A condenação dos réus do mensalão ao pagamento de multas fez criar-se todo um novo horizonte penal, com o surgimento das vaquinhas para pagar o que os condenados devem. Não se pode negar que é uma inovação e também prevejo que terá ramificações. A primeira destas deverá ser o surgimento de corretores de vaquinhas. Nada mais adequado, para exemplificar nosso engenho jurídico, bem como o empreendedorismo nacional. Para ter sua multa paga através de uma vaquinha, o sujeito não precisará, necessariamente, dispor de prestígio político ou social, não é democrático. Um bom corretor de vaquinhas quebraria esse galho, mediante uma comissão razoável.

Mesmo quando não houver multa envolvida, o Estado poderá arrecadar, se pegar a moda de transferir as penas. Muita justiça social com redistribuição de renda poderá ser feita por essa via. Por exemplo, Fulano é rico, foi condenado a dez anos de cadeia e quer pagar a Sicrano, que é pobre, para cumprir a pena no lugar dele. O Estado então estabelece um mínimo para o rico pagar, uma parte substancial da renda dele. E o dinheiro vai para o pobre, mas não sem antes o imposto de renda descontar 37% do bruto e ser cobrada a elevadíssima taxa de terceirização de pena. Nós ainda chegamos à perfeição.

Olhe com quem anda - J.R. GUZZO

REVISTA EXAME


Para o plano de nossa política externa de entender-se melhor com os países que lideram a economia mundial, seria útil afastar-se de ditaduras calamitosas transformadas em nossos melhores amigos



O BRASIL, TANTO QUANTO DÁ PARA ENTENDER QUANDO ainda se presta atenção no que dizem as autoridades do setor econômico, está verbalmente empenhado em desentender-se um pouco menos com os países que lideram a economia mundial. O astuto objetivo dessa nova estratégia, também ao que parece, c atrair mais investimentos para o país. Nosso governo, aparentemente, acaba de descobrir que o dinheiro disponível para ser investido na economia brasileira está nos países onde existe realmente dinheiro - e eles são. infelizmente, justo aqueles de que a diplomacia nacional menos gosta. Que azar, não é mesmo? Bem no momento em que o Brasil esta tão necessitado de receber dinheiro internacional para tentar uma retomada do crescimento, descobrimos que há 11 anos seguidos, desde que o PT foi para o governo, decidiu-se eliminar até o limite do possível qualquer simpatia em relação às "economias hegemônicas", ou coisa parecida - e que isso, finalmente, pode nos causar problemas. Basicamente. será preciso convencê-las agora de que o Brasil, no fundo, é muito gente fina - e, por falar nisso, não daria para separar algum e financiar uma hidrelétrica, por exemplo. ou fazer um trem andar numa dessas ferrovias que estão sendo construídas há 20 anos. já foram inauguradas sabe-se lã quantas vezes, mas nunca ficam prontas?

É preferível fazer isso, certamente, a atravessar a rua para criar caso com algum pais rico que está passeando na outra calçada, como o Itamaraty faz desde janeiro de 2003. Da mesma forma, seria útil para o plano mestre de nossa política externa afastar-se um pouco dessas ditaduras calamitosas que foram transformadas em seus melhores amigos - ou, pelo menos, não mostrar tanta excitação em bajular tiranetes de meia-tigela e aprovar automaticamente qualquer desatino que cometem, incluindo homicídio. Ninguém pode andar em tal companhia e, ao mesmo tempo, imaginar que será respeitado por países democráticos e de cofres cheios. Não se trata apenas de encantar-se com engenheiros do caos empenhados em sepultar suas desgraçadas economias - o que. aliás, já é péssima recomendação para quem quer ser ouvido no mercado internacional. Agora, como acontece no caso da Venezuela, o Brasil está aprovando, por escrito, o múltiplo assassinato de opositores por bandos armados a serviço do governo, a prisão de um líder de oposição que não cometeu a mínima ilegalidade e outras barbaridades. Ai, já é crime de quadrilha.

O possível esforço para interromper o afastamento em relação ao mundo desenvolvido até que não vai mal, embora também não chegue a ir bem - é tarefa muito difícil, neste governo, encontrar alguma coisa que realmente vá bem. A presidente Dilma Rousseff ainda está esperando um "pedido de desculpas" do companheiro Barack Obama, por causa do projeto de espionagem mundial executado pelos Estados Unidos - algo que não vai receber nunca. Continua achando que sabe mais do que a chanceler da Alemanha. Angela Merkel, e que os problemas do Brasil são provocados diretamente pelas economias ricas - embora não fique claro o que elas poderiam ter a ver com nossos 50 000 homicídios por ano, corrupção em níveis jamais vistos. índices miseráveis na capacidade de competir, semianalfabetismo, e por ai afora. Mas não há muito problema com isso tudo, pois ninguém leva a sério o que o Brasil acha ou não acha politicamente - o que se olha mesmo são os fundamentos econômicos. Já a cumplicidade com regimes celerados pode sair bem mais cara. É arriscado o Itamaraty assinar uma nota tão servil, falsa nos fatos e paraplégica na inteligência, como a que fez para apoiar o ditador da Venezuela homem com todos os vícios de seu antecessor e nenhuma de suas virtudes. Nenhum dos países de onde o Brasil espera investimentos se sente confortável com a instabilidade, a falta de princípios e o ambiente mental desconexo do governo Dilma - sinais emitidos em volume máximo por erros grosseiros como o apoio à Venezuela de hoje.

Enxugando gelo - SUELY CALDAS

O Estado de S.Paulo - 02/03

O aumento da taxa de juros Selic para o mesmo nível (10,75%) que vigorava em janeiro de 2011, quando a presidente Dilma Rousseff tomou posse, causa a incômoda sensação de que o governo passou três anos enxugando gelo e a economia brasileira acabou recuando ao estágio em que Lula a deixou. Não é que a presidente tenha cruzado os braços, se acomodado. Pelo contrário, ela trabalhou muito, até demais, sua gestão foi marcada por intenso ativismo, cobranças aos ministros que respondem com pacotes e pacotes de medidas, muitas esquecidas hoje. Longe de ser uma tarefa enfadonha e modorrenta, o enxugar gelo de Dilma tem sido trabalhoso e seu significado está ligado justamente aos resultados desse ativismo - alguns nulos, não fizeram diferença; outros desastrosos, que só no último ano de governo ela tenta corrigir; e poucos positivos. A sensação é de perda de tempo.

Os resultados positivos vêm da área social: a baixa taxa de desemprego (5,4%), o crescimento da renda salarial e o reforço ao programa Bolsa Família se destacam. Mas o descuido com a saúde, com a qualidade da educação e com o saneamento foi um ponto negativo. Além disso, o governo não investiu em meios para fazer avançar o Bolsa Família e as falhas de gestão do Minha Casa, Minha Vida têm desperdiçado dinheiro público e ofuscado seu sucesso.

Lançado com a meta de ocupar o vazio de uma política industrial inexistente, o Plano Brasil Maior caiu no esquecimento. Os problemas da indústria não desapareceram e novos surgiram, a produtividade é sofrível, o comércio exterior se deteriora e o setor industrial perde força, espaço e influência na economia - nos últimos três anos caiu sua participação no Produto Interno Bruto (PIB). Excetuando a desoneração da folha salarial, o resultado da política industrial de Dilma é nulo.

Mas o pior vem da gestão da equipe econômica de Dilma, da ação para ativar a economia. Deu tudo errado. Dilma insistiu três anos nos erros e agora recua, tenta corrigi-los, mas lhe falta tempo para reconquistar a confiança. É no que a sensação de enxugar gelo, de perder tempo por nada, se faz mais presente. A lista é grande, vamos a alguns desses erros:

O preconceito ideológico contra a privatização levou Dilma a acordar tarde para o investimento em infraestrutura. Recuou no ano passado, mas fez licitações erradas, com interferências descabidas do governo, e afastou investidores. Corrigiu, mas o tempo que resta é curto para recuperar o atraso.

Escolheu empresas amigas para se tornarem campeãs com dinheiro do BNDES, o objetivo foi frustrado e levou junto alguns bilhões de reais do banco.

Recuou também nas isenções tarifárias para setores industriais eleitos, subtraindo receitas que fizeram falta ao resultado fiscal. Brincou três anos prometendo superávits primários que não entregou e recorreu a operações contábeis primárias para maquiar e fingir que cumpria a meta, piorando o descrédito de investidores. Agora tenta corrigir.

O malabarismo contábil chegou ao comércio exterior e a Petrobrás foi usada para "melhorar" o resultado da balança comercial, com adiamentos de importação de petróleo e registro de exportações de plataformas que nunca saíram do Brasil. Resultado: mais descrédito em sua gestão. Não está claro, neste caso, se haverá recuo.

Enviou ao Congresso projeto para mudar o indexador da dívida dos Estados e municípios para socorrer o prefeito petista de São Paulo, Fernando Haddad. Em seguida recuou ao perceber que seria desastroso para a ameaça de rebaixamento da classificação de risco do Brasil.

Castiga empresas estatais, sobretudo Petrobrás e Eletrobrás, usadas a torto e a direito para controlar a inflação. As duas têm acumulado graves prejuízos vendendo combustíveis e energia elétrica por tarifas abaixo do custo, o que tem reduzido faturamento, subtraído dinheiro para investimentos imprescindíveis ao País, derrete o preço de suas ações nas Bolsas e destrói seu valor patrimonial. O governo sabe que insistir nesse erro é desastroso para as duas estatais, mas não pretende recuar porque ganhar eleição é mais importante. E segue enxugando gelo.

Batuque com pizza - ELIANE CANTANHÊDE

FOLHA DE SP - 02/03

BRASÍLIA - O país em plena folia e o Supremo Tribunal Federal de ressaca pelo recuo no julgamento do mensalão, que tinha quadrilha, mas agora não tem mais. Durma- se com um barulho desses.

O pior é que o Carnaval passa, a Quarta-Feira de Cinzas passa, o congestionamento da volta para casa passa, mas a ressaca e os megafones no Supremo ficam. A divisão, que já era estridente, tende a ficar ensurdecedora. Imagine o clima no elevador, no cafezinho, nos encontros compulsórios no corredor...

Quem acha que o julgamento do mensalão está na reta final, e que vamos todos virar a página e mudar de assunto, está redondamente enganado. Ainda falta muita coisa a decidir.

A primeira do cronograma é o veredito sobre os embargos infringentes no caso de lavagem de dinheiro, nos quais um outro petista de destaque, o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha, é diretamente interessado.

Na outra ponta, a definição do destino do mensalão tucano, que pega de jeito o ex-presidente nacional do PSDB e ex-governador de Minas Eduardo Azeredo. O plenário vai decidir que o Supremo tem de julgar o mérito? Ou vai despachar para a primeira instância?

E há, por fim, duas expectativas irritantes como zumbido no ouvido: uma eventual candidatura do presidente Joaquim Barbosa a qualquer coisa e a "revisão criminal" para inocentar de vez os mensaleiros ilustres, sobretudo José Dirceu. Os outros que se danem --ou se "donadoneiem".

O risco, para usar um termo da área política que ameaça se deslocar para a área jurídica, é de uma grande pizza. Os ministros vão insistir que são insensíveis à "voz do povo", mas a sociedade brasileira apoiou maciçamente o julgamento e as condenações e, apesar do estômago de avestruz, não vai engolir fácil a margherita.

Quem abre alas nesse Carnaval é o ministro Ricardo Lewandowski. E não vai faltar quem veja nele pitadas de queijo, tomate e orégano.

O coronel Avólio e seu serviço ao Exército - ELIO GASPARI

FOLHA DE SP - 02/03

Militar contou à Comissão da Verdade o que viu no dia em que mataram o deputado Rubens Paiva


Armando Avólio Filho era um jovem tenente no dia 20 de janeiro de 1971, quando Rubens Paiva chegou preso ao DOI do Rio de Janeiro. Durante 43 anos seu nome foi tangencialmente associado a esse crime. Em 1996, pediu um conselho de justificação para livrar-se da suspeita. Seu pedido foi negado pelo ministro Zenildo de Lucena. Em diversas ocasiões mostrou seu interesse em esclarecer os fatos, mas os chefes da ocasião sempre ordenaram-lhe que ficasse calado, para proteger a instituição. Felizmente, protegendo a instituição, Avólio decidiu contar à Comissão Nacional da Verdade o que viu. Só o que viu.

Desse depoimento, revelado pelo repórter Chico Otávio, resulta que ele viu um tenente (Fernando Hughes de Carvalho) numa sala, com um homem destruído. Mais tarde associou-o a Rubens Paiva. Até aí o caldo é ralo, pois no DOI se apanhava e lá morreu de pancada o ex-deputado. No máximo, a responsabilidade deslizaria para um tenentinho que, além do mais, está morto. A principal revelação de Avólio, hoje um coronel reformado, está no fato de que, naquele dia, contou o estado do preso ao major José Antonio Nogueira Belham, comandante do DOI. Belham sabe o que acontecia no destacamento, mas nunca se meteu com os bicheiros e contrabandistas que bicavam no DOI do Rio. Seguiu sua carreira e chegou a general de divisão. No governo de Lula, já na reserva, ocupava a vice-presidência da Fundação Habitacional do Exército. Encrencou-se com as viúvas dos militares mortos no terremoto do Haiti e foi demitido.

Belham informa que no dia 20 de janeiro de 1971 estava de férias. (Nesse caso, a responsabilidade deslizaria para o vice-comandante, que está morto.) Estava de férias, mas estava lá. Esse fato, mencionado por Avólio, foi formalmente corroborado por um coronel (capitão à época), que morreu em janeiro.

Quem tirou o cadáver de Rubens Paiva de lá? Quem coordenou o teatrinho? (Num caso anterior, fracassado, foi o Centro de Informações do Exército, subordinado diretamente ao gabinete do ministro Orlando Geisel e comandado por seu chefe de gabinete.) Depois da revelação da presença de Belham na cena do DOI, a comissão viu a ponta de dois fios que levam a meada para cima. Afinal, tanto trabalho para responsabilizar um tenente morto seria um novo teatrinho, institucional. Nele, cultiva-se uma narrativa segundo a qual a tortura e os assassinatos eram coisa de agentes desautorizados (de preferência, mortos). Patranha. Eram uma política de Estado, dos presidentes, ministros e generais comandantes das grandes unidades. Para ilustrar: o tenente Hughes ganhou a Medalha do Pacificador no ano da morte de Rubens Paiva. Cada torturador foi um torturador, mas o conjunto dos torturadores foi um plantel formado, disciplinado e premiado por seus superiores, transformando jovens oficiais em assassinos.

Chegaram ao conhecimento de membros da comissão dois fatos. No primeiro, quando começou a operação de retirada do cadáver, durante a madrugada, as luzes foram apagadas. No segundo, contado por um militar, dois oficiais do CIE barraram-no na porta do DOI. Um deles está vivo.

Atitudes como a de Avólio nesse caso servem às Forças Armadas, tirando-lhe das costas a cruz das mentiras desmoralizantes que carregam desde o século passado. Ele tirou de sua biografia uma acusação que carregou em silêncio ao longo de décadas. Negaram-lhe a oportunidade funcional, mas o coronel falou na jurisdição competente. Pode parecer que seja pedir muito, mas se os atuais comandantes militares fizessem um elogio público a todos os oficiais que estão colaborando com as investigações, todo mundo ganharia. Podem até fazer um elogio genérico, abrangendo aqueles que mentem, não faz mal. Basta sinalizar que condutas como a de Avólio servem ao Exército.


SELFIE

Aconteceu em Belo Horizonte há quinze dias.

A senhora caminhava nas proximidades da Assembleia Legislativa e aproximou-se um homem magro, de camiseta, com uma faca:

--Vai passando a bolsa. Estou com fome.

--Passo, mas primeiro deixe eu tirar os documentos.

--Pode tirar, esse negócio de burocracia é uma bosta... Pera aí... A senhora não é a ministra?

--Sou.

--Foi mal. Pode ficar. Gosto muito da senhora, desde o tempo do governador Itamar.

--Você quer dinheiro para comer?

--Não, vá em paz. Agora, o que eu queria era tirar uma fotografia com a senhora.

--Isso não. Meu cabelo está muito desarrumado.

O cidadão guardou o celular e a ministra Cármen Lúcia seguiu em frente.

ALZHEIMER

O Ministério Público Federal colheu dezenas de depoimentos de civis e militares que estavam na incubadora e na cena do atentado do Riocentro, em 1981.

Quase todos os militares lembraram de pouca coisa. Um dos que mostraram ter melhor memória foi o coronel Edson Lovato, que começou seu depoimento esclarecendo que sofre do mal de Alzheimer e toma 13 comprimidos por dia.

VENDO O FUTURO

Pelo andar da carruagem, alguns deputados que formaram o "blocão" e querem azucrinar o governo instalando mais uma CPI da Petrobras daqui a dez anos estarão se defendendo no Supremo Tribunal Federal. Sustentarão que é improcedente a acusação segundo a qual formaram uma quadrilha. Pelo visto, terão bons argumentos, vindos de sábios da jurisprudência.


UM GOLPE DO ATRASO NOS PONTOS DE ÔNIBUS

Está em curso um novo golpe de marquetagem de prefeitos e cartéis de companhias de transportes públicos. É a colocação de painéis eletrônicos em pontos de ônibus, informando as previsões de horários de passagem dos coletivos por ali. Trata-se de uma bugiganga redundante, visto que hoje no Brasil há 271 milhões de telefones celulares e, com eles, pode-se obter essa informação, antes mesmo de se chegar ao ponto.

Houve época, quando não existiam os necessários aplicativos, em que esses painéis eram úteis (quando funcionavam). Se alguém quiser colocá-los nos pontos, pode fazê-lo, desde que os prefeitos não joguem dinheiro da Viúva nisso, nem os cartéis dos ônibus apresentem seus custos (e sua manutenção) nas planilhas com que vão buscar aumentos de tarifas. O que o passageiro quer deles é regularidade no serviço e conforto na viagem, e isso não dão.

Quando esses painéis são apresentados como um exemplo de políticas públicas modernas de prefeitos ou dos serviços dos cartéis, estão apenas confirmando o velho versinho do poeta Cacaso:

Ficou moderno o Brasil,

ficou moderno o milagre

Água já não vira vinho,

vira direto vinagre.

Diplomacia inerte - FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

O Estado de S.Paulo - 02/03

Domingo de carnaval, convenhamos, não é o melhor dia para ler artigo sobre política internacional. Mas que fazer? Coincidiu que o dia de minha coluna fosse hoje e não tenho jeito nem vontade de escrever sobre as alegrias de Momo. Por mais que nos anestesiemos no carnaval, o meio circundante não alenta alegrias duráveis.

Comecemos do princípio. Acho que houve um erro estratégico desde o governo Lula na avaliação das forças que predominariam no mundo e da posição do Brasil na ordem internacional que se transformava. Não me refiro ao que eu gostaria que ocorresse, mas às tendências que objetivamente se foram configurando. Nossa diplomacia se guiou pela convicção de que um novo mundo estava nascendo e levou o presidente, em sua natural busca de protagonismo, a ser o arauto dos novos tempos. A convicção implícita era a de que pós-Muro de Berlim, depois de breve período de quase hegemonia dos Estados Unidos, pregada por seus teóricos do neoconservadorismo, e da coorte de equívocos da política externa desse país (invasão do Iraque, do Afeganistão, isolamento da Rússia, apoio acrítico a Israel em sua política de assentamentos de colonos, etc.) e dos desastres provocados por essas atitudes, assistiríamos a uma correção de rumos.

De fato, houve essa correção de rumos, mas a direção esperada pela cúpula da diplomacia brasileira e por setores políticos sob influência de alas antiamericanas do PT era a do "declínio do Ocidente", com a perda relativa do protagonismo americano e a emergência das forças novas: a China (o que ocorreu), o mundo árabe, em especial os países petroleiros, a África e, naturalmente, a América Latina como parte deste "Terceiro Mundo" renascido. Essa visão encontra raízes em nossa cultura diplomática desde os tempos da "política externa independente", de Jânio Quadros, e encontra eco nos sentimentos de boa parte dos brasileiros, inclusive de quem escreve este artigo. Sempre sonhamos com um mundo multipolar no qual "os grandes" tivessem de compartilhar poder e nós, brasileiros, pouco a pouco nos tornássemos parceiros legítimos do grande jogo de poder global.

Contudo uma coisa é desejar um objetivo, outra é analisar as condições de sua possibilidade e atuar para que, dentro do possível, buscando ampliar seus limites, nos aproximemos do que consideramos o ideal. Nisso é que o governo Lula calculou mal. Se a Europa, sobretudo depois da crise financeira de 2008, perdeu tempo em tomar decisões e está até hoje embrulhada na indefinição sobre até que ponto precisará integrar-se mais (compatibilizando as políticas monetárias com as fiscais), ou voltar, na linguagem de De Gaulle, a ser a "Europa das Pátrias", nem a China se perdeu nos devaneios maoistas nem os Estados Unidos no neoconservadorismo que acreditava que a América poderia agir como se fosse uma hiperpotência. Ao contrário, a China lançou-se às reformas para inverter o polo investimento/consumo, diminuindo aquele e aumentando este, e os americanos deixaram de lado a ortodoxia monetarista, recalibraram a sua política externa e se jogaram à inovação das fontes de energia. Hoje propõem uma coexistência competitiva, mas pacífica, com a China, baseada no comércio, e lançam cordas para que a Europa saia do marasmo e se incorpore aos Estados Unidos, que funcionariam como dobradiça entre a China e a Europa, formando um formidável tripé.

Enquanto isso, o Brasil faz reuniões com os árabes, que não deixam de ter sua importância, propõe negociações sobre o Irã em coordenação com a Turquia (imagine-se se os turcos fariam o mesmo, propondo-se a ajudar o Brasil para resolver o litígio das papeleiras entre Uruguai e Argentina...), abre embaixadas nas mais remotas ilhas para, com o voto de países sem peso na mesa das negociações, chegar ao Conselho de Segurança (da ONU). Por outro lado, comporta-se timidamente quando a Petrobrás é expropriada pela Bolívia, interfere contra o sentimento popular em Honduras, abstém-se de entrar em bolas divididas, como no conflito argentino-uruguaio, além de calar diante de manifestações antidemocráticas quando elas ocorrem nos países de influência "bolivariana".

Noutros termos: escolhemos parceiros errados, embora, em si mesma, a relação Sul-Sul seja desejável, e menosprezamos os atores que estão saindo da crise como principais condutores da agenda global, exceção parcial feita à China (neste caso, não há menosprezo, mas falta de estratégia). Perdemos liderança na América Latina, hoje atravessada pela cunha bolivariana que parte da Venezuela com apoio de Cuba, estende-se acima até a Nicarágua, passa pelo Equador e, abaixo, desce direto à Bolívia e chega à Argentina. No outro polo se consolida o Arco do Pacífico, englobando Chile, Peru, Colômbia e México, e nós ficamos encurralados no Mercosul, sem acordos comerciais bilaterais e, pior, calados diante de tendências antidemocráticas que surgem aqui e ali.

Ainda agora, na crise da Venezuela, é incrível a timidez de nosso governo em fazer o que deve: não digo apoiar este ou aquele lado em que o país rachou, mas pelo menos agir como pacificador, restabelecendo o diálogo entre as partes, salvaguardando os direitos humanos e a cidadania. O Mercosul desabridamente se põe do lado do governo de Maduro. O Brasil timidamente se encolhe, enquanto o partido da presidente apoia o governo venezuelano, sem nenhuma ressalva às mortes, ao aprisionamento de oposicionistas e às cortinas de fumaça que querem fazer crer que o perigo vem de fora, e não das péssimas condições em que vive o povo venezuelano.

Agindo assim, como esperar que, chegada a hora, a comunidade internacional reconheça os direitos que cremos ter (e de fato poderíamos ter) de tomar assento nas grandes decisões mundiais? Fomos incapazes de agir, ficamos paralisados em nossa área de influência direta. A continuar assim, que contribuição daremos a uma nova ordem global? Chegou a hora de corrigir o rumo. Que a crise venezuelana nos desperte da letargia.

O fracasso da Petrobrás - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S. PAULO - 02/03
O balanço de 2013 da Petrobrás é a perfeita demonstração contábil de seu fracasso operacional. Ele deixa claro que, não fossem as vendas de ativos e alguns acertos contábeis, não existiria o lucro anunciado pela empresa, de RS 23,5 bilhões - e ressalte-se que, embora o valor impressione, é o terceiro pior dos últimos sete anos. Fosse a Petrobrás uma empresa de capital aberto sujeita à fiscalização de seus acionistas como são as demais com ações negociadas no mercado, e não uma estatal estritamente controlada por um governo que a transformou em instrumento de suas políticas econômica e partidário-eleitoral, seu Conselho de Administração teria destituído a diretoria executiva. Mas a maioria decisiva do Conselho e toda a diretoria fazem apenas o que o governo Dilma lhes determina. E o que lhes é imposto vem produzindo resultados financeiros desastrosos -e o plano de negócios da empresa para os próximos cinco anos não deixa dúvidas quanto à disposição do governo de manter o atual modelo -, com prejuízos para os investidores, que ainda acreditam no potencial da empresa, e para o País.
O lucro de 2013 é maior do que o de 2012, o que pode sugerir melhora na contenção de custos e no desempenho da empresa. Sua diretoria atribuiu a aparente melhora a diversos fatores, como o aumento da produção de derivados, os reajustes nos preços do diesel (20%) e da gasolina (11%), a redução de custos, a venda de ativos e a redução do impacto da desvalorização do real (que elevou os custos dos derivados que a empresa importa em quantidades crescentes) devido à mudança de práticas contábeis.

São fatores que influenciaram os resultados contábeis do ano passado. Pode-se imaginar, por exemplo, como seria o desempenho financeiro caso o governo não tivesse autorizado o aumento dos combustíveis -com grande atraso e insuficiente para evitar novas perdas.

Mas dois dos fatores apontados pela empresa merecem exame separado. A venda de ativos, que obviamente resulta na redução do patrimônio, engordou o caixa da empresa em RS 8,5 bilhões. Isoladamente, essa operação respondeu por nada menos do que 36% do lucro. Sem ela, o lucro teria sido de RS 15,1 bilhões.

Outro fator decisivo para assegurar o lucro contabilizado pela Petrobrás em 2013 foi aquilo que a empresa designou como contabilidade de hedge, referência à operação utilizada para proteção contra variações cambiais. Em julho do ano passado, a Petrobrás anunciou que passaria a diluir ao longo de sete anos parte do prejuízo causado pela variação cambial na sua dívida externa. Com isso, seus resultados serão maiores no presente e, consequentemente, maiores serão também os dividendos que ela repassará para o Tesouro. É um procedimento legal e, no caso da estatal, de grande impacto sobre seus resultados. Em seu balanço, a Petrobrás reconhece que a nova prática lhe permitiu reduzir em R$ 12,9 bilhões os impactos da valorização de 15,7% do dólar ao longo do ano passado.

Sem o efeito desses dois itens, o resultado seria um lucro bem menor, de RS 2,2 bilhões. Já a dívida da empresa não foi afetada por isso, razão pela qual cresceu 49,9% no ano passado, tendo chegado a R$ 221,6 bilhões, 3,5 vezes a capacidade de geração de caixa.

Tendo sido obrigada pelo governo do PT, desde a gestão Lula, a concentrar os investimentos no pré-sal, a Petrobrás perdeu eficiência na atividade de produção das áreas já exploradas (o que fez cair a produção média para 1,931 milhão de barris por dia, 2,5% menos do que produzia em 2012) e não ampliou sua capacidade de refino, o que a força a importar derivados para atender à demanda interna crescente. Como importa a preços de mercado e vende internamente de acordo com os preços controlados pelo governo, ela vem acumulando prejuízos na área de abastecimento (no ano passado, essa área teve prejuízo de RS 17,8 bilhões).

O novo plano de investimentos para os próximos cinco anos é mais realista do que o anunciado no ano passado, pois diminuiu de US$ 236,7 bilhões para US$ 220,6 bilhões. Mas o corte principal será feito justamente na área de abastecimento (fonte de elevado prejuízo operacional por falta de capacidade de refino), preservando-se os investimentos no pré-sal.

Baderna patrocinada - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

 GAZETA DO POVO - PR - 02/03

Ao promover o encontro de Dilma com o MST e prometer novas ajudas ao movimento mesmo depois do confronto com policiais em Brasília, Gilberto Carvalho avisa ao país que a baderna compensa



No dia 12 de fevereiro, o Movimento dos Sem-Terra invadiu não uma fazenda, mas a própria capital federal; 15 mil pessoas participaram da marcha do MST, que se dirigiu à Praça dos Três Poderes, passando antes pela Embaixada dos Estados Unidos. Já na praça, os sem-terra foram primeiro ao Supremo Tribunal Federal, onde derrubaram cercas e furaram bloqueios de segurança. O tumulto foi tal que o ministro Ricardo Lewandowski, que presidia a sessão naquele dia, suspendeu temporariamente os trabalhos. Depois, eles se dirigiram ao Palácio do Planalto, embora Dilma Rousseff não estivesse no local. Num confronto desigual contra algumas centenas de policiais, os manifestantes usaram paus, pedras portuguesas arrancadas do piso da praça e até martelos, ferindo 30 policiais, oito deles gravemente.

O conflito entre sem-terra e policiais foi o ponto culminante do 6.º Congresso Nacional do MST, evento realizado entre os dias 10 e 14 de fevereiro e que contou com uma generosíssima ajuda de órgãos estatais (ou seja, contribuição do bolso do contribuinte brasileiro): R$ 200 mil da Caixa Econômica Federal, R$ 350 mil do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e R$ 650 mil da Petrobras, em todos os casos sem licitação. Apenas a profunda afinidade ideológica entre o MST e o Partido dos Trabalhadores pode explicar, por exemplo, que uma empresa estatal com sérias dificuldades financeiras, como a Petrobras, encontre no seu caixa mais de meio milhão de reais para patrocinar um evento dos sem-terra.

Mais surpreendente que o patrocínio estatal a um evento que inclui, em seu programa, tentativas de invasão de prédios do governo e confronto com policiais, com direito a depredação e ferramentas arremessadas contra as forças de segurança, foi a reação governamental à baderna. O paranaense Gilberto Carvalho, ministro da Secretaria Geral da Presidência da República, fiel a seu estilo condescendente com qualquer forma de vandalismo, desde que promovido por seus parceiros ideológicos (ou contra seus adversários, tanto faz), foi ao encontro dos sem-terra e prometeu-lhes um encontro com Dilma Rousseff, que ocorreu no dia seguinte ao confronto. Em resumo, a mensagem que Carvalho enviou naquele momento – não apenas aos sem-terra, mas a todo o país – é a de que a baderna compensa. Lembremo-nos de que o mesmo ministro, em 2013, manifestou a intenção de “abrir diálogo” com os black blocs, aqueles que agora já carregam na ficha corrida o cadáver do cinegrafista Santiago Andrade.

Aliás, para Carvalho a baderna compensa tanto que o ministro, dias atrás, não apenas elogiou o MST como também defendeu o patrocínio estatal aos sem-terra e afirmou que continuará destinando recursos públicos ao movimento. Carvalho comparou a ajuda ao financiamento dado a feiras agropecuárias Brasil afora. Só se esqueceu de citar algum caso em que os agricultores e expositores dessas feiras tenham promovido um espetáculo remotamente semelhante ao que os sem-terra protagonizaram em Brasília. Para não ter de enfrentar a contradição, limitou-se a classificar de “ideológica e política” a divulgação das informações sobre o dinheiro repassado pela Caixa, pelo BNDES e pela Petrobras ao MST, na esperança de que o rótulo pegue.

O MST, que evita adquirir personalidade jurídica para não ter de responder pelas ações que comete, tem um longo histórico de desrespeito à propriedade privada e ao poder constituído. Um grupo com essas credenciais jamais poderia ser considerado um interlocutor legítimo em uma sociedade que preza pelos valores democráticos; no entanto, o governo faz do movimento mais que isso, transformando-o em interlocutor privilegiado, quase inimputável, merecedor de patrocínios milionários e que tem desculpadas as suas atitudes mais violentas. Não surpreende que o MST, que chegava à maioridade no momento em que Lula assumia a Presidência, continue se comportando, mesmo aos 30 anos, como uma criança mimada e imatura.

Ambição real - EDITORIAL FOLHA DE SP

 FOLHA DE SP - 02/03

Aniversário da medida que estabilizou moeda serve para lembrar políticos, do governo e da oposição, de que falta ao debate atual visão de futuro


O aniversário de 20 anos da medida provisória 434/1994, que instituiu a URV (Unidade Real de Valor) e preparou o caminho para o lançamento do real, decerto merece celebração.

Não pela nostalgia de um momento de grandes mudanças, quando os artífices do Plano Real demonstraram singular visão de Estado --destaque-se, além do então presidente Itamar Franco e seu ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, os economistas André Lara Resende, Edmar Bacha, Gustavo Franco e Pérsio Arida.

A lembrança é válida pela constatação de que, mesmo em meio às dificuldades daqueles dias, o governo construiu consensos e obteve legitimidade para um salto de qualidade nas instituições. Há, portanto, lições para o Brasil de hoje.

Sem a estabilização da moeda não teriam sido possíveis os avanços posteriores, como o alargamento dos direitos sociais e a redução da desigualdade. O fim da inflação galopante, em si, foi o primeiro passo para isso, pois eram os mais pobres os mais prejudicados.

Houve erros graves, como os desequilíbrios que fizeram o Brasil recorrer ao FMI em 1998. Mas mudanças de monta na condução da economia deram ao país uma estabilidade havia tempo esquecida.

Depois, o presidente Lula construiu sobre esses alicerces, criando um grande mercado interno de massas. Manteve, especialmente no primeiro mandato, a aderência aos pilares macroeconômicos e acelerou a inclusão social.

O bom momento mundial catalisou as ações internas, e o Brasil registrou crescimento acelerado. Foram criados mais de 15 milhões de empregos entre 2003 e 2010.

Nos últimos anos, porém, cessaram as propostas ambiciosas. A administração Dilma Rousseff, em especial, abusou do modelo de consumo, sem enxergar a necessidade de novas estratégias à luz das transformações globais e da baixa produtividade interna.

Reformas em áreas como Previdência e tributação, fundamentais para o equilíbrio das contas públicas e recuperação da capacidade de investimento do Estado, permanecem paralisadas enquanto as autoridades de turno vendem a ilusão de que tudo vai muito bem.

O ex-presidente Fernando Henrique tem razão quando fala da natural fadiga que acomete grupos políticos instalados por muito tempo no poder --regra que vale para todos os partidos, em todos os níveis da Federação.

Fundamental, nesse sentido, oxigenar o debate --não necessariamente com novos mandatários, mas sem dúvida com novas ideias.

Forças governistas e seus opositores poderiam se inspirar nos exemplos do passado. Pouco importam, no fundo, discussões sobre o mérito do que já desbota no tempo; o país demanda uma visão de futuro. O ano é propício.

O bloco da barganha - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 02/03
Em ano de trabalho parlamentar espremido entre o carnaval e a Copa do Mundo, com apenas 52 dias úteis de atividades no primeiro semestre para apreciação e aprovação de projetos, o governo entra no terceiro mês com um problema para resolver no Congresso. Depois de duas semanas de crise na base aliada, deputados de sete partidos governistas criaram um "blocão" que promete dar dor de cabeça à articulação política do Palácio do Planalto.
Parlamentares de PMDB, PDT, PTB, PP, PSC, Pros e PR uniram-se ao novato Solidariedade, do Paulinho da Força, e criaram o tal grupo independente. São cerca de 250 congressistas insatisfeitos com o governo que reclamam da falta de atenção dos ministros que despacham mais próximos da presidente Dilma Rousseff. A queixa maior é com a ausência de diálogo e, como consequência, da retenção das emendas parlamentares apresentadas ao Orçamento Geral da União.

O primeiro constrangimento o grupo "independente" já criou. Depois das denúncias de pagamento de propina pela empresa holandesa SBM Offshore a funcionários da Petrobras, os rebeldes governistas se aliaram à oposição e colocaram em votação requerimento com a finalidade de criar uma comissão externa para apurar as suspeitas de corrupção. A investigação só não foi aprovada graças à manobra do PT, que, apoiado no baixo quórum às vésperas do início da folia de momo, pressionou o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), pelo encerramento da sessão.

A próxima complicação a ser enfrentada pelo Planalto no parlamento já está em gestação: a votação do Marco Civil da Internet. O único partido contra era o PMDB. Com o alinhamento entre as legendas, as negociações com relação ao texto podem voltar à estaca zero. Ou seja, a partir de 11 de março, quando a promessa é de que o ano comece para valer no Congresso, muita chantagem nos bastidores vai tomar conta dos embates.

Responsável por debater e votar temas importantes que influenciam diretamente a vida dos brasileiros, o Congresso deveria primar por sair do ritmo banho-maria previsto para 2014. Se o interesse do governo é manter a pauta trancada para evitar a apreciação de temas polêmicos que possam respingar no projeto de Dilma pela reeleição, os parlamentes deveriam criar agenda própria até junho.

Temas importantes estão parados. Bom exemplo é o Plano Nacional de Educação, projeto que se arrasta há anos pelas salas do Legislativo. Outro é o que autoriza os créditos de complementos de atualização monetária em contas vinculadas do FGTS. E, por fim, a proposta que reserva aos negros 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal.

São todos assuntos que influenciam diretamente a vida da população. Essa agenda própria com data limite em junho é de suma importância. A partir daí, com o início da Copa e das convenções partidárias, tem início o recesso branco, que antecede as eleições de outubro. É a gazeta institucionalizada.

O caminho da ponderação - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S. PAULO - 02/03
Durante as comemorações dos 20 anos do Plano Real no Senado Federal, seu criador, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, não se deixou ficar sentado sobre os louros do sucesso da política monetária que comandou e revolucionou a economia nacional. Também se recusou a adotar uma retórica da crítica pela crítica aos adversários do Partido dos Trabalhadores (PT) que lhe sucederam na Presidência. Em vez disso, o tucano - eleito duas vezes em primeiro turno, tamanha foi a repercussão na vida do cidadão comum de seu plano de estabilização - tratou do futuro do País.
Em Brasília, Fernando Henrique Cardoso atuou como principal cabo eleitoral de um presidenciável do partido, o senador Aécio Neves, principal obstáculo à reeleição da presidente Dilma Rousseff. Para ele, o Brasil clama por mudanças, por gente nova, e há uma "fadiga de material". Não se trata, propriamente, de uma novidade espetacular, pois, desde as manifestações nas ruas contra a péssima gestão do Estado brasileiro, esse desejo de mudança é público e notório.

Assim que as multidões deixaram as ruas no meio do ano passado, os institutos de pesquisa saíram a campo para pesquisar e constataram que nada menos do que 66% dos brasileiros entrevistados exigiam mudanças na gestão pública. Na semana passada, esse clamor se fez ouvir de novo: o instituto MDA, em levantamento patrocinado pela Confederação Nacional do Transporte (CNT), revelou que o anseio continua o mesmo. Apenas 12,1% dos entrevistados aceitam a manutenção do estilo da atual administração federal. Enquanto isso, 23,1% preferem manter algumas das ações do governo Dilma e 25%, a maioria de tais iniciativas. A maior parte dos consultados, 43,7%, porém, reivindica uma mudança total do que está sendo feito pela aliança liderada pelo PT. Ao constatar isso, Fernando Henrique Cardoso chamou a atenção para os 12 anos de gestão petista, embora não os tenha citado de forma explícita.

O que explicitou, isso sim, foi o reconhecimento de que o Brasil carece muito de líderes jovens e capacitados a procurar o sucesso fora das fórmulas e soluções do passado, no qual modestamente se incluiu. "Minha geração já passou. Nós já morremos. Não dá mais. Tem de passar (as responsabilidades) para outra geração", disse ele.

Como qualquer brasileiro responsável, o ex-presidente está preocupado com o acirramento do debate político neste ano de eleições para a Presidência da República e os governos estaduais. Mesmo reconhecendo que a guerra nos palanques faz parte do jogo da democracia, nem sempre limpo (pois "sem emoção ninguém consegue transmitir nada"), ele fez votos para que esta campanha, pelo menos, "não seja de insultos nem de dossiês falsos, toda essa coisa".

Ele próprio contribuiu para esse apaziguamento ao discordar do presidenciável tucano Aécio Neves, ao seu lado, que prenunciou "anos difíceis" para o sucessor de Dilma, qualquer que seja ele, porque o País estaria "mergulhado num ambiente de desesperança e descrença no futuro". FHC contemporizou: "Eu me preocupo, mas não posso ser injusto e dizer que o governo não controla a inflação. A inflação, comparada com a do início do Plano Real, que era de 20%, 30% ao mês, agora é de 6% ao ano. (...) Agora o Brasil está com um compasso diferente do compasso do mundo. Tem que ajustar. Vamos ser otimistas. Eu sou otimista. Não temos que ficar apenas jogando pedra. Temos que construir".

Tal ponderação condiz com o conselho de mais velho dado a Aécio. "Temos um bom candidato. (...) Ele tem que dizer ao País: é isso, tem um caminho, o caminho é esse", pontificou o ex-presidente. Com sua bagagem de cientista social respeitado no mundo inteiro, ele tocou no ponto nevrálgico da fragilidade da oposição à atual aliança governista: a falta de propostas concretas que animem o eleitor a evitar o "mais do mesmo", que é, no fundo, o mote da campanha pela reeleição de Dilma. O eleitor quer mudar, sim, mas também exige garantias de que a mudança venha para melhorar sua vida.

A inadiável agenda de despoluição da Baía - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 02/03

Programa em curso, elaborado nos anos 90, ainda tem resultados débeis. Meta de recuperação para 2016 precisa conter a dinâmica que alimenta a degradação



A despoluição da Baía de Guanabara não é tema recente na agenda do poder público fluminense. Sua degradação, que remonta a décadas, tem razões bem conhecidas. É fruto de uma conjunção de fatores naturais (por exemplo, rios que carreiam para a água do mar toda sorte de detritos recolhidos em seus leitos), degradação ambiental (esgoto despejado in natura a partir de municípios por ele banhados, imensas quantidades de lixo que ali se acumulam), leniência dos órgãos responsáveis e falta de educação da população. Mas, se a demanda é antiga, projetos efetivos para recuperar seu espelho d’água são ações mais recentes — e, ao menos até onde a vista alcança, sem resultados estimulantes.

Elaborado no início dos anos 90, ainda não logrou alcançar suas metas o programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG), a mais abrangente — e ainda em curso — tentativa de enfrentar essa demanda, através de um pool de órgãos públicos de distintas instâncias da administração. Os avanços obtidos em ações de controle dos altos índices de poluição são tímidos se confrontados com, primeiro, as renitentes imagens de bolsões de lixo e, segundo, com o que nelas já foi injetado em recursos públicos, algo em torno de R$ 1,7 bilhão até maio do ano passado, segundo balanço da Cedae. Muito dinheiro para resultados débeis diante da dimensão do problema.

À parte as seguidas iniciativas de despoluição que, ao longo dos últimos vinte anos, naufragaram ou se revelaram inconsistentes, um problema que se reflete no dia a dia dos municípios margeantes, a sujeira da Baía tornou-se também um engasgo para os Jogos Olímpicos de 2016. O cartão postal, onde serão realizadas as competições de vela, precisa alcançar um índice de pelo menos 80% de despoluição nos próximos dois anos. Porém, a julgar pelas imagens mais comuns do espelho d’água, é meta difícil de alcançar. Em áreas da orla de municípios da Baixada Fluminense, e mesmo da Zona Norte do Rio, o nível de poluição e assoreamento é crítico. Mesmo na orla da Zona Sul, onde os cuidados supostamente são maiores, as evidências de contaminação estão à mostra, como mostrou reportagem do GLOBO de domingo retrasado: na amurada da Urca, por exemplo, saídas de esgotos desembocam diretamente no mar. Juntam-se, portanto, um programa que em vinte anos andou vagarosamente — senão para acabar com o problema da poluição, ao menos reduzi-la a níveis palatáveis — e uma meta pontual, com vistas a um compromisso do Rio com um evento internacional. Deveria ser uma estimulante confluência de intenções, mas, diante do quadro ainda crítico, a prudência recomenda que, tanto os órgãos envolvidos no programa de despoluição, quanto a sociedade, em seu papel de fiscalizar e cobrar, não abaixem a guarda. Primeiro, porque a Baía precisa ser salva. Segundo, para evitar que o Rio passe pela humilhação de promover, com os Jogos, a exibição de cenas humilhantes de descaso com seu cartão postal.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

“A legislação brasileira não permite fracionamento de salário”
Deputado Mendonça Filho (DEM-PE) e a exploração dos cubanos no Mais Médicos


TEMER ADMITE QUE ALIANÇA COM PT ESTÁ EM RISCO

Em meio ao fogo cruzado entre o PMDB e o governo federal, o vice-presidente Michel Temer já admite que terá dificuldades para garantir o apoio à reeleição da presidente Dilma na convenção nacional do partido. Em conversa com deputados de Minas, Temer confidenciou que o “descontentamento na bancada federal e nos diretórios estaduais já foge do controle” e que a rebelião coloca em risco a aliança nacional.

TUDO OU NADA

A bancada do PMDB coordena o “blocão” na Câmara, de partidos da base aliada, para atacar e chantagear o governo nas votações.

OU DÁ OU DESCE

O presidente do PMDB, senador Valdir Raupp (RO) até já desabafou: “Ou a relação com governo melhora ou é melhor romper de vez”.

VAI OU RACHA

Deputados pressionam o presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB), a sair do jogo duplo e ajudar a criar comissão para investigar a Petrobras.

ASSÉDIO

O presidenciável Aécio Neves (PSDB) aumentou as investidas para obter apoio do PV, que insiste em lançar Eduardo Jorge ao Planalto.

VACILO JURÍDICO DA PETROBRAS CUSTA R$ 40 MILHÕES

Um “vacilo” jurídico pode levar a Petrobras a pagar R$ 40 milhões em honorários a um escritório de advogados cujo CNPJ teve baixa cadastral em dezembro de 2008, no Ministério da Fazenda. Ao invés de questionar a inexistência do Fichtner & Fichtner, fechado em 2008, a estatal faz defesa de “mentirinha” ao interpelar o valor dos honorários, fato que não permite recurso ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).

TÔ FORA

A coluna procurou o novo escritório, rebatizado de Andrade & Fichtner, em Brasília e no Rio de Janeiro, mas não obteve retorno.

UM JÁ DISSE

Em decisão monocrática, a Petrobras já teve o primeiro recurso negado e aguarda nova decisão. O relator é o ministro Antônio Carlos Ferreira.

BOLA DE NEVE

O valor original era US$ 4 milhões, mas correções em dólar, mais honorários, elevam a dívida da Petrobras para cerca de R$ 40 milhões.

NOVES FORA, ELE

Lula negociou pessoalmente com os irmãos ditadores Castro a redução do vergonhoso butim do Mais Médicos, concedendo mais R$ 600 aos cubanos do programa para Dilma ficar bem na foto.

PORRE DE FEIJOADA

Primeiro foi o mensaleiro João Paulo Cunha, agora é Delúbio Soares que se compara no Twitter a Nelson Mandela: “Podem nos tirar tudo, menos nossa mente e nosso coração”. A barba dele já tiraram.

O ‘XERIFE’ DA PAPUDA

Em 6 de janeiro, o mensaleiro Dirceu recebeu na Papuda Gisclan Silva, chefe da Defensoria Pública da União. Não havia previsão de visita, mas a regalia ocorreu sob a benção da administração carcerária.

ONDE HÁ FUMAÇA...

Um problema no lastro quase adernou a plataforma na Bacia de Campos (RJ). É o segundo acidente em menos de três meses com empresas dos EUA. Em dezembro, ameaça de bomba esvaziou Frade.

NEGOCIAÇÃO

Provável aliado do presidenciável Eduardo Campos (PSB), o PPS tenta costurar apoio dos socialistas aos seus candidatos a governador Eliziane Gama (MA), Eliana Pedrosa (DF) e Hissa Abrahão (AM).

BEM NA FOTO

Favorito nas pesquisas ao governo de Goiás, Íris Rezende (PMDB) iniciou o ano de 2014 se dedicando a receber uma romaria de políticos em escritório que montou dentro da própria casa, em Goiânia.

ESTRATÉGICO

De olho em obter votos de evangélicos, que hoje representam 30% da população de Pernambuco, o PP decidiu apostar em voo solo e lançou a missionária Michelle Collins ao governo. O objetivo é dobrar bancada.

MISSÕES IMPOSSÍVEIS

Após fracassar na tentativa de convencer Eunicio Oliveira (PMDB) a abrir mão de disputar o governo do Ceará, o ex-presidente Lula tenta dobrar o governador Cid Gomes (PROS) em favor do peemedebista.

PENSANDO BEM...

...em breve, formar quadrilha exigirá CPF, identidade, título de eleitor e foto tamanho 171 X 171.


PODER SEM PUDOR

DUTRA, O CATEDRÁTICO

Comandante do Exército que derrubou o ditador Getúlio Vargas, o general Eurico Gaspar Dutra tinha um defeito de dicção, trocava o c pelo x, como lembra o jornalista Pedro Rogério Moreira em seu livro “Jornal Amoroso” (ed. Thesaurus, Brasília, 356 pp.): em vez de “você sabia”, falava “voxê xabia”. Evitava falar em público, para evitar gozações. Os jornalistas não perdoaram, sapecando-lhe o apelido de “O Catedrático do Silêncio”.