quinta-feira, novembro 13, 2014

Ofendendo com a verdade - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S.PAULO - 13/11

Ao bater com força a porta de saída do Ministério da Cultura, enquanto a chefe Dilma Rousseff desfrutava de uma escala reparadora no Catar, a caminho da reunião do G-20 na Austrália, a senadora Marta Teresa Smith de Vasconcelos Suplicy foi coerente com o senso de oportunidade, voluntarismo e vontade de poder pelos quais se tornou conhecida ao longo de sua carreira política. A psicóloga - ou melhor, sexóloga -, que entrou para o PT para acompanhar o seu então marido Eduardo, sempre teve preferência por modelos de camiseta vermelha confortáveis para os seus desenvoltos lances pessoais. E quando deixassem de estar disponíveis, por decisão dos companheiros, eles que se arranjassem para recompensá-la por vestir, a contragosto, peças que se amoldavam aos interesses do partido.

Dona de uma herdade de votos nos redutos petistas da periferia de São Paulo, só aceitou entrar em campo para transferi-los a Fernando Haddad, o candidato escolhido por Lula, em seu lugar, para a disputa da Prefeitura em 2012, em troca da nomeação para a pasta que acaba de deixar. E o fez, com estudada estridência, como primeiro lance de uma operação para, em 2016, reconquistar o cargo que exerceu, em meio a polêmicas que polarizaram a cidade, de 2001 a 2005. Se não coroada pelo PT - Lula defende abertamente a candidatura Haddad à reeleição -, por outra sigla. O novo porto de abrigo para as suas ambições poderá ser o PMDB do vice-presidente Michel Temer, do qual o marido de Marta, o ex-presidente do Jockey Club de São Paulo Marcio Toledo, é amigo próximo.

É bem verdade que na sua carta de demissão Marta afirma que volta ao Senado para representar São Paulo "por mais quatro anos" (o seu mandato expira em fevereiro de 2019). Mas ela decerto não será a primeira nem a última autoridade política a prometer que não deixará um cargo em busca de outro antes da hora. De todo modo, o que deu ao texto o impacto pretendido pela autora foram as passagens em que faz com a presidente o que um antigo dito popular desaconselha por seu caráter particularmente cruel - ofender com a verdade. Depois de reclamar das "carências orçamentárias" com as quais teve a se haver em seus dois anos e dois meses de ministra - numa agulhada no ainda ministro da Fazenda, Guido Mantega, por quem nutre notória antipatia -, aspergiu vitríolo na política econômica de que o pré-demitido foi apenas submisso executor.

Ela resumiu o que os setores informados da população acham da gestão da economia sob Dilma, valendo-se da esperteza retórica de desejar a sua antítese no segundo mandato. Disse fazer votos, como todos os brasileiros, para que ela "seja iluminada" para escolher "uma equipe econômica independente, experiente e comprovada que resgate a confiança e credibilidade ao seu governo" - cada palavra um adereço pontiagudo - "e que, acima de tudo, esteja comprometida com uma nova agenda de estabilidade e crescimento para o nosso país". E para deixar claro que essas não podem ser mudanças cosméticas, arrematou: "Isto é o que hoje o Brasil, ansiosamente, aguarda e espera". Isto é também o que Lula já disse entre quatro paredes à afilhada. Marta, cujas relações com o ex-presidente, de quem foi ministra do Turismo, oscilam entre o afeto e o atrito, foi defensora declarada e ativa do "Volta Lula".

Na recente campanha, mal se abalou em acudir Dilma em São Paulo. Agora, esmerou-se em arranhar a sua considerável autoestima. Não só protocolou a carta no Planalto sabendo que a presidente já tinha viajado, como a publicou no Facebook. Jornalistas registraram o desconforto da comitiva de Dilma, quando a má notícia a apanhou em Doha, no Catar. A demissão era esperada. Marta apresentou o pedido na semana passada, mas parecia ter sido persuadida a esperar a entrega conjunta dos cargos ministeriais, numa demonstração de harmonia, antecedendo a divulgação dos novos titulares. Resta saber o que ofendeu mais a presidente - a substância da carta ou o acinte com que foi divulgada. Para salvar a face, disse que Marta já lhe havia dado ciência do texto e que não havia mal-estar entre elas. A ex-ministra "apenas externou uma opinião". Há eufemismos para tudo.

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