quarta-feira, novembro 05, 2014

Deixem em paz a Constituição - ALMIR PAZZIANOTTO PINTO

CORREIO BRAZILIENSE - 05/11

Encerrada a apuração, a presidente Dilma dirigiu-se aos brasileiros para agradecer, como determina a boa educação, àqueles que a reelegeram. Atitude idêntica, de maturidade política, tomou Aécio Neves, vencido mas não desonrado no campo de luta, embora se batesse em desigualdade de condições.

Assistimos, no primeiro e no segundo turnos, a demonstrações de vigor democrático. PT, PSDB, PMDB, PSB e demais legendas devem enaltecer a exemplar conduta do povo, que se dirigiu às urnas e exerceu, com serenidade, a prerrogativa de escolha dos representantes políticos. Incidentes raros e isolados, solucionados sem necessidade de emprego da força, não chegaram a poluir o ambiente em que decorreu o pleito. A Justiça Eleitoral, por sua vez, deu provas de eficiência e imparcialidade.

É necessário e urgente restringir o número de partidos, aperfeiçoar o sistema eleitoral, proibir o financiamento de campanhas por empresas, erradicar a corrupção. Nada, porém, que não possa ser levado a efeito mediante emenda constitucional, reforma das legislações eleitoral e partidária, e forte dose de boa vontade por parte daqueles que integrarão o Congresso nos próximos quatro anos.

Estamos na 8ª Constituição - a 7ª do período republicano. O número elevado de emendas revela que a redação original deixou a desejar. Somam 83 as alterações introduzidas desde 1993. Os membros da Assembleia Nacional Constituinte se decidiram por texto analítico, minucioso, prolixo, recheado de dispositivos dependentes de regulamentação. Recusaram o sucinto modelo americano, cuja lei fundamental data da declaração de independência, em 1787.

Duramente submetida à prova em mais de uma ocasião, a Constituição Coragem - como a denominou Ulysses Guimarães - encontrou forças para resistir e se consolidar, o que não conseguiram as antecessoras de 1891, 1934, 1946 e 1967, abatidas após acidentada existência.

A cassação do presidente Fernando Collor, o primeiro presidente eleito diretamente após a queda do regime militar, foi conduzida estritamente dentro das normas constitucionais. A ninguém ocorreu a ideia de derrubá-lo ou defendê-lo pelas armas. O processo do mensalão ratificou a independência do Judiciário. Submetido a poderosas pressões, o Supremo Tribunal Federal aplicou o Código Penal para condenar à prisão membros da Câmara dos Deputados e dirigentes do partido petista, acusados de desvio de dinheiro.

A imprensa é livre, os Três Poderes operam em harmonia e com independência, não há preso político, inexistem restrições ao direito de ir e vir, ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer senão em virtude de lei, respeita-se o exercício da greve, os sindicatos estão a salvo de intervenção governamental. Em resumo, o Brasil se encontra sob o Estado Democrático de Direito.

A Constituição de 1988 venceu desafios que, em passado não tão distante, poderiam atrair intervenção militar. Fernando Henrique obteve dois mandados consecutivos, o mesmo ocorreu com Lula e Dilma Rousseff. Não há melhor prova de que o país amadureceu, nem razão para perturbação do cenário de tranquilidade, com proposta de plebiscito ou referendo destinado a validar ou invalidar medidas de competência do Legislativo.    

Norberto Bobbio escreveu, durante uma das habituais crises que sacodem a Itália, artigo com o título "A Constituição não tem culpa". A frase cairia bem neste pequeno texto. Como tudo que há no mundo, diz o ilustre mestre, a Lei Maior não é perfeita. O mesmo se deve dizer em relação à nossa. Nem por isso devemos responsabilizá-la por problemas que enfrentamos. Também é ela produto "de um compromisso, necessário e a longo prazo benéfico, entre forças políticas apoiadas em ideais morais e sociais diferentes e, às vezes, até opostos".

O Brasil retomou em 1985 a marcha para a democracia. País em vias de desenvolvimento, com áreas de miséria, depende de tranquilidade e segurança jurídica para progredir. Há 12 anos no poder, o PT não pode se queixar. Investir contra a Constituição que lhe garantiu as condições para chegar ao poder, após se converter no maior partido do país é, além de temerário, gesto de terrível ingratidão.

Sugiro aos petistas de todos os escalões que não subestimem a força do povo; que não planejem golpe branco contra as instituições; o resultado lhes será nefasto. Deixem em paz a Constituição e comecem a trabalhar!

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