domingo, outubro 19, 2014

O novo governo e o desafio de consolidar as UPPs - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 19/10

A pacificação de áreas conflagradas exerce um papel crucial na segurança de uma região em que se espalham quase 800 favelas



A criação das Unidades de Polícia Pacificadora tornou-se um marco na política de segurança do Rio de Janeiro. De dezembro de 2008, quando o governo estadual instalou a primeira UPP numa favela carioca, no Morro Dona Marta, em Botafogo, a maio deste ano, com a implantação da 38ª unidade, em Vila Kennedy, a importância desse programa se mede por indicadores que mostram expressivas quedas nas estatísticas de violência em todas as regiões fluminenses, notadamente na capital e áreas cobertas pelas UPPs.

A pacificação de áreas conflagradas — focos de violência que têm como fonte a subjugação de comunidades por quadrilhas do crime organizado — exerce um papel crucial na segurança de uma região em que, segundo o Censo de 2010, se espalham quase 800 favelas. É um mundo no qual moram cerca de 1,7 milhão de pessoas, historicamente à margem dos benefícios da cidadania, terreno fértil para as armadilhas da criminalidade.

O Relatório Global sobre Homicídios, divulgado pela ONU com dados relativos a 2013, mostra que o programa das UPPs foi responsável pela redução, em quase 80%, do número de homicídios dolosos no Estado do Rio. Dados do Instituto de Segurança Pública indicam que, no segundo semestre do ano passado, a taxa estadual de letalidade violenta correspondeu a menos da metade do índice registrado em 2006 (quando ainda não havia a UPP). Um avanço na segurança do Rio.

Nas áreas pacificadas, a média de homicídios é de 8,7/100 mil habitantes, um terço da taxa nacional (24,3) e abaixo do patamar aceitável pela ONU (10/100 mil). A queda no número absoluto de crimes violentos nessas áreas é exponencial: até o fim de 2008, quando começou o programa, registraram-se 107 mortes dolosas em áreas que hoje são cobertas pelas UPPs; hoje, o total caiu para 36. Na capital, incluindo áreas sem unidades de pacificação, a queda se deu no mesmo ritmo: dos registros que ultrapassaram a barreira de 2 mil até 2008, despencou-se para pouco mais de mil casos em 2013.

Apesar do saldo positivo, não se pode fechar os olhos para o fato de que, em algumas áreas, as UPPs vivem momento delicado. Era previsível. Após um primeiro momento em que a retomada de áreas pelo Estado, com a asfixia das quadrilhas que as dominavam, deixou os bandidos atordoados, era quase natural que eles tentassem recuperar seus bunkers. Mas os ataques a UPPs revelam desespero do crime organizado ante a perda do antigo poder de vida e morte sobre os moradores dessas regiões.

Isso não implica relaxar com a consolidação das UPPs, pelo lado policial, com a obrigação do poder público de reagir firmemente contra os bandidos, ou pelo aspecto social — até aqui, um ponto que destoa na política de reinclusão na cidadania das áreas resgatadas. As UPPs têm muito mais acertos que equívocos (e tais demandas, por certo, precisam ser equacionadas). O governo que sair das urnas precisa ter o compromisso de levar adiante o programa, mas sem desestabilizá-lo numa progressão sem bases firmes.

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