sexta-feira, setembro 19, 2014

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GAZETA DO POVO - PR - 19/09

O “efeito Orloff” dos anos 80 agora parece se aplicar a Venezuela e Argentina


O Legislativo argentino deu um grande impulso ao intervencionismo estatal na economia do país na madrugada desta quinta-feira, quando a Câmara dos Deputados aprovou a reforma da Lei de Abastecimento, que já havia passado pelo Senado e agora só depende da sanção de Cristina Kirchner para entrar em vigor.

A nova legislação dá ao Estado um poder tão grande que praticamente coloca em risco a existência de um mercado livre no país. O governo argentino poderá fixar valores mínimos e máximos para o preço dos produtos, além de “dispor sobre a continuidade de produção, industrialização, comercialização, transporte, distribuição ou prestação de serviços, assim como a fabricação de determinados produtos, dentro de níveis ou cotas mínimas estabelecidas pela autoridade de aplicação, que vai considerar o volume habitual de produção e a capacidade produtiva” – em outras palavras, o governo poderá intervir sobre praticamente todas as etapas da cadeia produtiva, inclusive impondo cotas de produção que obrigariam determinada companhia a seguir fabricando algo mesmo que isso lhe cause prejuízo (a lei prevê a possibilidade de subsídios nesses casos).

A lei não obriga o Estado a colocar em prática todas essas possibilidades, mas a mera permissão para que o faça já é suficientemente preocupante. As punições para as empresas que desrespeitarem os limites impostos pelo Executivo vão de multas leves ao fechamento da companhia por 90 dias ou à suspensão do seu registro por cinco anos. O estabelecimento de cotas ficará a cargo da Secretaria de Comércio do Ministério da Economia – o mesmo órgão que, em 2012, passou a centralizar as decisões sobre o que podia ou não ser importado pelas empresas argentinas, obrigadas a enviar e-mails ao titular da pasta sempre que quisessem trazer algo do exterior.

Representantes do setor produtivo argentino manifestaram sua oposição à lei e tentarão derrubá-la nos tribunais – o que, dada a influência do kirchnerismo no Judiciário argentino, soa improvável. O deputado de oposição Mario Negri resumiu perfeitamente o espírito da nova legislação ao dizer que o governo pensa que se pode gerar disciplina gerando o temor.

Nos anos 80, graças a um anúncio de vodca que continha a frase “eu sou você amanhã”, economistas brasileiros cunharam a expressão “efeito Orloff”, que à época se referia aos erros no combate à hiperinflação cometidos pela Argentina e, depois, repetidos pelo Brasil. Desta vez, o fenômeno é o mesmo, mas é a Argentina que imita a Venezuela do falecido Hugo Chávez e seu sucessor, Nicolás Maduro. O país que exporta autoritarismo pela América do Sul – promovendo “liquidações bolivarianas”, reduzindo arbitrariamente o preço de produtos e estatizando estabelecimentos – vive hoje com inflação descontrolada e escassez de produtos, chegando ao ponto de proibir consumidores de comprar mais de uma vez o mesmo produto na mesma semana.

Na Argentina, a inflação está tomando o mesmo rumo, e o governo mascara os dados para fazer a situação parecer melhor do que realmente é. O contrabando cresce a olhos vistos, Cristina Kirchner briga com credores que não aceitaram a reestruturação da dívida externa após o calote de 2001, e o dólar no câmbio negro vale quase 80% mais que pela cotação oficial – quando alcançou 15 pesos, comediantes o apelidaram de “dólar debutante”, mas ressaltaram que um dia ele ainda chegará à maioridade. A seguir nesse caminho, não surpreenderá se os argentinos forem os próximos a fazer fila diante de supermercados para conseguir abastecer suas casas com papel higiênico.

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