FOLHA DE SP - 23/08
Na democracia sem adjetivos, partidos são entes privados; na nossa pobre democracia varguista, são entes estatais
Ele tinha 41 em 1998; fará 57, alguns dias antes do primeiro turno. Na telinha, de eleição em eleição, a quarta numa sequência só interrompida em 2006, nós o vemos envelhecer contando a mesma piada. Zé Maria não tem um programa de governo: ele nos propõe a revolução proletária. Seu PSTU distingue-se de incontáveis outros partidos, sopas de letrinhas da maravilhosa abóboda política brasileira, pois rejeita o escambo do tempo de tevê por cargos comissionados em algum escalão da administração pública. Por outro lado, como seus congêneres, o PSTU vive da extração compulsória de dinheiro dos cidadãos que o ignoram. Só no ano passado, o Fundo Partidário repassou-lhe R$ 772.404,41. Desconfio que Zé Maria será um ardoroso revolucionário até o fim de seus dias.
Não há nada de especialmente errado com o PEN, o PTN, o PROS, o SD, o PSDC, o PTC, o PHS et caterva. Seus dirigentes não fingem pretender seduzir-nos com a utopia de um mundo livre de todo o mal. Eles descobriram que nosso sistema partidário propicia um negócio lucrativo --e, de modo mais ou menos explícito, exibem-se como hábeis negociantes. O PSTU, não: em nome da História (assim com maiúscula), Zé Maria convida-nos a uma luta épica: o assalto ao Céu. A sua revolução será a da maioria, quando finalmente entendermos que ele marcha na companhia da Razão (maiúscula obrigatória). O problema é que, de fato, graças ao Fundo Partidário, ele não precisa que alguém concorde com ele. No Brasil, a Revolução (maiúscula!) tornou-se um bom negócio.
Zé Maria tem o direito de retrucar que faz o que todos fazem, sofisma celebrizado pelo PT desde o "mensalão". Preferirá, porém, se separar dos demais, alegando que explora as "contradições da democracia burguesa" para instalar a "democracia proletária". A racionalização do interesse próprio não muda a substância do problema: o uso do Fundo Partidário isenta o PSTU do imperativo político de persuadir as pessoas de que tem alguma razão (no caso, com minúsculas). Zé Maria não precisa de militantes, apoiadores ou simpatizantes: ele já tem o meu dinheiro e o seu. No Brasil, a Revolução converteu-se em álibi e pretexto.
Prevejo uma nota ensandecida do PSTU apontando-me como agente da CIA, da Santa Sé, do Mossad e da Mídia Burguesa. Como não os convencerei a desistir da ideia argumentando com a deselegância de maldizer um contribuinte financeiro, tento algo melhor: o problema não está neles, mas na nossa "democracia burguesa". Ainda que nos poupem das intragáveis letras maiúsculas, os grandes partidos também financiam suas (mais modestas) utopias pelo assalto legalizado ao bolso do público. Por que singularizar no sempiterno Zé Maria uma acusação que se aplica, com igual justiça, a Dilma, Aécio e Marina?
Na democracia sem adjetivos, partidos são entes privados; na nossa pobre democracia varguista, partidos são entes estatais. Por aqui, o meu dinheiro (e o seu) sustenta candidaturas que personificam o oposto do que quero. O PT ameaça, pelo financiamento público de campanha, ampliar ainda mais a transferência compulsória de recursos dos cidadãos para a elite política organizada em partidos. Imagine, pelo contrário, a célere transformação da paisagem partidária que decorreria da desestatização dos partidos, compelidos por esse ato a buscar dinheiro exclusivamente entre os indivíduos (isto é, as pessoas físicas) que os apoiam. Infelizmente, contudo, mesmo na oposição, ninguém --nem a Marina sonhática da "nova política"!-- sugere tal iniciativa. No Brasil, o Partido dos Políticos estende-se de Zé Maria até o Pastor Everaldo.
O Zé Maria que envelhece na telinha, sempre igual a si mesmo, não é indício das "contradições da democracia burguesa", mas o certificado da perversa coerência de um sistema que corrompe a política. Não se amofine, Zé, o problema está em nós.
Veja no: http://www.pstu.org.br/node/20942
ResponderExcluir"Bem, talvez Demétrio preferisse mesmo que, ao respondê-lo, o chamasse de agente da CIA, da Santa Sé ou da Mossad. Não vou fazê-lo, porque não acho que ele seja isso. Demétrio é só mais um cara que mudou de lado, que se cansou de lutar contra a desigualdade e a injustiça, de lutar para melhorar a vida do povo. Resolveu cuidar apenas de si próprio, de melhorar a sua própria vida. Para isso mudou de trincheira e passou a servir àqueles que antes combatia, e o faz defendendo na mídia as ideias de seus patrões. Infelizmente, ele não está só nesta escolha, há vários outros por aí... Precisam provar lealdade aos novos senhores. Por isso precisam bater duro nos que continuam a defender as ideias que antes também defendiam. Fazer o que?
Como Demétrio sabe, eu não tenho espaço para defender minhas ideias no jornal onde ele escreve, por isso respondo pelas redes sociais (compartilhe, ajude a fazer esta resposta chegar até ele). Peço desculpas pela demora em responder, mas estava em uma tarefa militante muito importante todo este final de semana. Pois é, meu caro, eu não mudei. Continuo o mesmo sonhador e revolucionário que você conheceu quarenta anos atrás. Felizmente há cada vez mais gente como eu. E não desconfie, tenha certeza, serei um “ardoroso revolucionário” até o fim dos meus dias. Não vou abandonar o sonho de ver um dia este país livre de toda forma de exploração e de opressão e onde todos possamos viver plenamente como seres humanos e não como escravos dos bancos, das multinacionais e grandes empresas. Pena não poder dizer o mesmo de você."