terça-feira, agosto 05, 2014

Separando os bons ativos - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 05/08


Portugal começou a solucionar o problema do seu maior banco com uma tecnologia parecida com a do Proer, dos anos 1990, no Brasil. Os ativos com liquidez foram separados dos ativos tóxicos, dois bancos foram criados, e os acionistas e controladores ficaram com o banco ruim. Na instituição boa, estão todos os clientes e seus depósitos, garantidos por um empréstimo do governo.

Nem sempre é usada essa engenharia financeira, que tem a vantagem de salvar os depositantes e punir os controladores e administradores. Nos Estados Unidos, depois da quebra do Lehman Brothers, o Tesouro e o Fed despejaram bilhões sobre os bancos em dificuldade para que nenhum outro quebrasse. Logo depois, os administradores, que haviam tomado as decisões temerárias, estavam recebendo bônus de performance e ninguém foi punido.

Em Lisboa, ontem, a ministra das Finanças de Portugal, Maria Luís Albuquerque, disse que tem que haver punições severas diante das irregularidades encontradas no banco. Ainda não se sabe detalhes e, para terminar bem, será necessária muita perícia nesta transição.

O Banco Espírito Santo, com sua longa história e sua importância para a economia portuguesa, sofreu intervenção e neste fim de semana se anunciou a solução: ele será capitalizado com € 4,9 bilhões, através de um empréstimo tomado pelo Fundo de Resolução, com as mesmas funções do Fundo Garantidor de Crédito (FGC).

Aqui, o FGC foi usado em várias operações. Na mais notória delas, salvou-se o Banco PanAmericano, em 2010, no governo Lula, mas com uma diferença fundamental: foram protegidas as finanças dos controladores com o dinheiro do Fundo. Em Portugal, a operação foi mais parecida com a do Proer dos anos 90, porque os controladores e acionistas perderam os ativos saudáveis. Eles ficarão apenas com os bens com dificuldade de recuperação.

A solução ainda não está completamente desenhada, mas a nova instituição, com os ativos bons, será chamada de Novo Banco. É considerado uma espécie de banco-ponte, porque será vendido para outro grupo, quando, então, terá um novo nome. Já os acionistas do velho Banco Espírito Santo terão prejuízos pela má gestão da instituição. Até os minoritários, como o Bradesco, terão prejuízo, já que eram acionistas. Nada que assuste, porque o banco brasileiro é sólido e a participação era pequena.

No caso do Banco Espírito Santo, a orientação das autoridades europeias a Portugal foi que evitasse a estatização do banco e, por isso, ele será vendido no futuro e o empréstimo veio através do Fundo de Resolução e da Linha de Recapitalização. Nesse aspecto, fica diferente de várias operações recentes de instituições financeiras no mundo que foram resgatadas com dinheiro público, e algumas praticamente estatizadas, como a seguradora AIG, dos Estados Unidos.

Crise bancária acontece com certa frequência no mundo e, em geral, as instituições se sentem protegidas da falência por acreditar na máxima do "grande demais para quebrar". Seus administradores e controladores acham que serão resgatados pelo governo, pelo efeito demolidor que a quebra de uma instituição financeira tem sobre a economia. De fato, há o risco da crise sistêmica, mas a economia não precisa ficar debaixo dessa chantagem do tamanho da instituição.

A fórmula é separar o banco bom do banco ruim, entregar o segundo para os acionistas e controladores da instituição que quebrou, investigar a administração do banco para identificar responsabilidades, vender os ativos saudáveis para um novo grupo e, através de um empréstimo, garantir a integralidade dos ativos dos aplicadores e correntistas.

Aqui, os bancos foram resgatados de duas formas. Nos anos 1990, através do Proer, em que banqueiros como Ângelo Calmon, a família Magalhães Pinto, ou a família Andrade Vieira perderam seus ativos, os bancos Econômico, Nacional e Bamerindus. Na segunda onda de quebra de bancos, no governo Lula, as instituições receberam empréstimos do Fundo Garantidor de Crédito, criado pela Lei do Proer. O caso mais controverso foi o do PanAmericano, porque nele o grupo Silvio Santos teve todos os seus ativos liberados. O que complicou mais ainda a situação foi que a Caixa Econômica Federal havia comprado 49% do capital do banco pouco tempo antes.

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