sexta-feira, agosto 22, 2014

Mais do mesmo - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 22/08


Para fazer a economia crescer, não se vê, por parte do governo, nada diferente do – já exaurido – estímulo ao consumo


Em junho, durante um seminário do jornal espanhol El País no Rio Grande do Sul, o ex-presidente Lula aproveitou a presença do secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, e pediu ampliação do crédito. “Não temos de ter medo. Acho que temos de ficar um pouco mais afoitos agora. Apenas seguir a rotina técnica não dá mais certo”, disse, logo depois de perguntar a Augustin: “Arno, um dia você vai ter de me explicar: se a gente não tem inflação de demanda, por que a gente está barrando o crédito?” O Banco Central já havia atendido o pedido de Lula em julho; agora, volta a oferecer a mesma dose de um remédio que já não está fazendo o efeito desejado no paciente.

Depósitos compulsórios são um valor que os bancos são obrigados a deixar no BC, calculado de acordo com as quantias que as instituições possuem em depósitos feitos. O compulsório serve como uma espécie de proteção do sistema financeiro contra quebras, mas outra de suas funções é o controle da inflação: com uma menor quantidade de moeda circulando no mercado, os preços não podem subir demais, já que os consumidores não teriam tanto dinheiro disponível para seguir gastando. Em 25 de julho, o BC mudou uma regra referente aos compulsórios, permitindo que os bancos usassem até 50% do valor que tinham depositado no BC. Na ocasião, estimou-se que a medida colocaria até R$ 30 bilhões em circulação imediatamente, facilitando o crédito. Mas a medida parece não ter sido suficiente, e na quarta-feira, menos de um mês depois da primeira mudança, o BC passou a permitir que os bancos usassem até 60% do valor do compulsório, deixando mais R$ 10 bilhões disponíveis. Outras medidas tomadas no mesmo pacote podem aumentar ainda mais o volume de dinheiro para operações de crédito.

Nem Banco Central, nem o Ministério da Fazenda dizem com todas as letras, mas o objetivo é o mesmo de sempre: facilitar o crédito para que os brasileiros adquiram especialmente bens duráveis, automóveis e imóveis. É a mesmíssima estratégia que foi colocada em prática durante a crise internacional e, aliada à grande demanda por commodities em outros países emergentes, ajudou o país a aguentar o tranco enquanto as economias desenvolvidas se afundavam na recessão. Mas o que parecia ser uma solução pontual para uma situação específica se converteu na única maneira que o governo conhece de tentar fazer o Brasil crescer.

No entanto, o fôlego do consumidor brasileiro já não é aquele de anos atrás. Em abril e maio deste ano, as montadoras estavam com pátios lotados e acabaram dando férias coletivas aos funcionários. O colunista da Gazeta do Povo Franco Iacomini informou, na semana passada, que construtoras importantes estavam registrando, em seus balanços do segundo trimestre, aumentos no número de distratos – cancelamentos de contratos imobiliários. Em um cenário desses, fica difícil imaginar como esse novo estímulo ao consumo pode virar o jogo do crescimento, que, a julgar pelas previsões do mercado, deve ficar abaixo de 1% em 2014.

A insistência nesse modelo de crescimento permite questionar se o governo realmente tem algo que se possa chamar de política econômica, pois não se vê nada diferente do – já exaurido, como se pode perceber – estímulo ao consumo. Enquanto isso, o governo resiste a cortar gastos e enxugar a máquina pública, e não incentiva a poupança para garantir o investimento privado. É uma pena que a criatividade só brinde a equipe econômica na hora de brincar com os dados das contas públicas para fingir que as metas estabelecidas estão sendo cumpridas.

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