terça-feira, agosto 12, 2014

Fragilidades econômicas - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 12/08


Os números da economia divulgados pelo governo apresentam indicadores que em qualquer lugar do mundo seriam tomados como preocupantes



Governo e oposição travam uma batalha verbal que deve se intensificar com a proximidade do horário eleitoral gratuito. A presidente Dilma, candidata à reeleição, gosta de usar os discursos públicos para dizer que a oposição é pessimista, parte da imprensa é injusta com o governo, há muita gente torcendo contra o Brasil e que sua gestão é eficiente. O embate entre governo e oposição é normal, necessário e saudável. O período eleitoral, por ter a presidente como candidata, vai exacerbar a polêmica e as acusações de parte a parte, e isso é bom, pois a democracia tem como essência a discussão e a liberdade de expressão.

Porém, a despeito de quem possa ter razão, alguns dados mostram que a economia brasileira está com vários furos, alguns bastante perigosos. Dívida pública bruta equivalente a 60% do Produto Interno Bruto (PIB), carga tributária em seu limite máximo (38% do PIB), superávit primário (receitas menos despesas antes do pagamento de juros) de 1,17% do PIB, déficit público nominal (superávit primário menos os juros da dívida) de 3,61% do PIB, crescimento econômico de 1% em 2014 diante de um aumento populacional de 1%, inflação de 6,5% (mesmo com vários preços represados) e déficit em transações correntes em torno de US$ 80 bilhões/ano. Somente esses números são suficientes para revelar um conjunto de fragilidades a serem combatidas.

Tanto a presidente quanto o ministro da Fazenda reclamam dos críticos internos e dos analistas internacionais que, nos últimos tempos, vêm mostrando pessimismo em relação ao Brasil. Se aos números citados for acrescentado que o país está com retração industrial, queda no índice de confiança dos empresários e descrença do investidor internacional, fica evidente que a situação econômica é preocupante. Os números referidos, inclusive os baixos índices de confiança no país e no governo, são retirados de pesquisas de órgãos confiáveis, alguns deles pertencentes ao próprio governo, como o Banco Central (BC).

O ministro Mantega resolveu questionar as análises do Fundo Monetário Internacional (FMI), criticou o órgão e negou que a situação esteja se deteriorando, como se tudo fosse má vontade com o Brasil. Mas não é apenas o FMI que vem alertando para os problemas atuais da economia brasileira. Vários bancos internacionais estão dizendo a mesma coisa em seus relatórios. O caso do banco Santander, que teve um informe feito por um consultor interno de investimentos alertando os clientes sobre os problemas e as consequências de um segundo mandato da presidente Dilma, é sintomático da desconfiança do mercado financeiro. Esse caso tornou-se rumoroso graças a autoridades e ex-autoridades, como o ex-presidente Lula, que tiveram atitude agressiva contra o banco, praticamente obrigando-o a retirar as críticas e a demitir o técnico responsável pelo informe.

A presidente declarou que a economia vive também de expectativas e que as decisões de investimentos dependem da confiança dos empresários e dos investidores, razão por que o governo teria questionado a posição publicada por um banco tão importante. A afirmação da presidente é verdadeira. Entretanto, o que está em jogo não é isso, mas a liberdade de expressão e o direito de qualquer um de externar suas opiniões. Afinal, vários políticos, incluindo a própria presidente, apregoam o tempo todo que lutaram contra a ditadura e a favor da liberdade. É estranho, portanto, que, quando estão no poder, queiram calar quem pensa diferente deles.

Incoerências políticas à parte, o fato é que os números da economia divulgados pelo governo apresentam indicadores que em qualquer lugar do mundo seriam tomados como preocupantes. Não é uma situação falimentar nem desesperadora. Mas a economia vive também de tendências, e é lícito imaginar que uma variável econômica em franca deterioração nos últimos seguirá piorando caso o rumo das políticas públicas não seja modificado. No fundo, é isso que vem sendo dito por analistas conhecedores da realidade brasileira. O mínimo que se espera de autoridades responsáveis é que, diante de informes e análises feitas por agentes de mercado, disponham-se a ouvir e debater as afirmações, em especial aquelas vindas de quem critica o governo. Na vida, aprende-se mais com quem pensa diferente do que com quem existe apenas para aplaudir e concordar.

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