Dois dias antes de o Tribunal de Contas da União (TCU) julgar o caso Pasadena, o ex-presidente Lula recebeu seu ex-ministro de Relações Institucionais José Múcio Monteiro, por ele nomeado ministro do TCU. No mesmo dia, o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, e o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, percorreram um a um os gabinetes dos nove ministros do TCU. Objetivos: influenciar no julgamento e convencer o plenário do tribunal a isentar a presidente Dilma Rousseff de responsabilidade pelo prejuízo de US$ 792,3 milhões à Petrobrás na compra da refinaria no Texas. A operação blindagem deu certo: o TCU culpou diretores da estatal, mas isentou a candidata do PT, embora na época ela fosse presidente do Conselho da empresa.
Diante de notícias sobre perguntas e respostas combinadas previamente na CPI da Petrobrás, danosas para a campanha de sua candidata, o PT decidiu dar o troco ao adversário Aécio Neves e instalou a CPI do Metrô de São Paulo, que prejudica governos do PSDB. Desta vez não obteve êxito porque enfrentou um terceiro adversário, o PMDB, e a CPI só vai começar a funcionar em setembro - no que ninguém acredita, porque todos estarão dedicados às eleições.
Como tantos que denunciam privilégios, influência política indevida e jogo rasteiro de vingança, os dois episódios mostram que os políticos brasileiros preferem o vale-tudo de seu concentrado poder, em detrimento de valores democráticos inscritos na Constituição: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza". No caso da refinaria, não cabe a Lula, Cardozo e Adams usarem seu poder para, na surdina, às escondidas, influenciar numa decisão da Justiça, que precisa ser isenta e independente para ganhar credibilidade e respeito do cidadão comum - aquele que a Constituição determina ser igual a Lula e que nem sequer ousa pensar em fazer algo parecido.
No segundo caso há curiosa pergunta: se de fato há o que apurar e incriminar, por que a CPI do Metrô paulista não foi instalada antes? Por que só agora, em represália à revelação da ação combinada na CPI da Petrobrás? Importantes instrumentos de investigação do Legislativo, CPIs manipuladas como arma de retaliação ou ataque eleitoral são desmoralizadas e degradam a democracia. No passado, eram levadas mais a sério. Uma delas logrou até destituir um presidente da República.
Nos últimos anos a democracia avançou em alguns aspectos ligados à liberdade (de voto, de expressão, de reunião, de imprensa). Mas naquilo que depende da construção de instituições fortes, voltadas a proteger o cidadão contra políticos que praticam o malfeito, ela até retrocedeu. O mensalão é um exemplo entre milhares. Um bom começo seria a classe política respeitar a distinção entre funções de governo e funções de Estado. Aceitar que não pode interferir na Justiça, nas Forças Armadas, em órgãos técnicos como o Banco Central e agências reguladoras e nos que mais necessitam de autonomia, independência e isenção de influências políticas, para trabalhar com foco no bem-estar e no progresso da população. Essas são funções de Estado, que funcionam com eficácia se isentas de favores políticos.
Entre elas se destacam aquelas voltadas a fiscalizar a qualidade da aplicação do dinheiro público. São os tribunais de contas - da União, Estados e municípios -, responsáveis por fiscalizar, aprovar ou rejeitar a prestação de contas de presidente, governadores, prefeitos, empresas estatais e órgãos sustentados com dinheiro dos impostos. No País há 33 desses tribunais e seus ministros e conselheiros são escolhidos com base em conhecimento jurídico e reputação ilibada. Mera formalidade, pois quase todos são oriundos da classe política e para sua escolha valem mais acordos político-partidários entre presidentes, governadores, deputados e senadores - justamente os que terão suas contas julgadas - do que "notório saber jurídico". Muitos respondem a processos criminais, como o conselheiro Robson Marinho, do TCE-SP, acusado de receber propina.
No próximo domingo, voltarei ao assunto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário