domingo, julho 20, 2014

O teatrinho de Xi Jinping no Congresso - ELIO GASPARI

O GLOBO - 20/07


A diplomacia chinesa tem obsessão pelo ritual, e a do comissariado gosta de brincar com eventos. Durante a ida do presidente Xi Jinping ao Congresso, juntaram-se os dois num episódio constrangedor. Xi falaria na quinta-feira, mas temeu-se que não houvesse plateia e antecipou-se o evento para a quarta. Metade das poltronas ficaram vazias. Esse foi o problema de forma, mas haveria também o de conteúdo.

Esperar um discurso claro ou informativo de um dirigente chinês é ilusão democrática. Xi repetiu palavras simpáticas, até o momento em que, cripticamente, entrou na questão do controle da internet:

"Não há espaço para duplo critério na área de informática, onde todos os países têm o direito de defender a sua própria segurança informática. Não é aceitável que um ou alguns países fiquem seguros e outros não, para já não dizer obter a chamada segurança absoluta de um país à custa da segurança dos outros."

"Hoje em dia, o desenvolvimento da internet traz novos desafios para a defesa da soberania e interesses do desenvolvimento. Todos os países têm o direito de se defender. A comunidade internacional deve atuar com base nos princípios de respeito e confiança mútua, e estabelecer um sistema multilateral, democrático e transparente de administração sobre a internet."

À primeira vista, o presidente chinês condenou a espionagem do companheiro Obama. Lendo-se de novo, vê-se que defendeu a sua. Serão necessários mais 20 séculos para saber o que a China entende como "sistema multilateral, democrático e transparente de administração" da internet.

Por enquanto, a China é um modelo futurista de censura e espionagem na rede. Estima-se que sua polícia cibernética tenha um exército de dois milhões de pessoas. Bloqueiam palavras e sites, multam e prendem quem sai da linha. Um texto repassado mais de 500 vezes e lido por mais de 5.000 pessoas pode custar até três anos de prisão. A astúcia com que a China expandiu sua rede, tornando-a a maior do mundo ao mesmo tempo em que conseguiu controlá-la, é um exemplo da competência tecnológica. O companheiro Xi acha que esse modelo é bom para o seu país. Tudo bem, mas não devia tentar exportá-lo com raciocínios empulhadores.

Exposta, a espionagem eletrônica americana é discutida em todo o mundo, inclusive nos Estados Unidos. Já a chinesa está protegida pela ditadura de vitrine que governa o país. Cinco comandantes militares chineses foram denunciados pelo governo dos Estados Unidos por atividades de espionagem eletrônica. Não vai dar em nada, mas foram identificados.

Os discursos de chefes de Estado em visitas oficiais ao Brasil são negociados durante a preparação das cerimônias. O Itamaraty poderia ter sugerido ao companheiro Xi que tirasse as referências à internet de seu discurso no Congresso. Não se trataria de censura, mas apenas de boas maneiras.

Viagens presidenciais envolvem cuidados, e os chineses cuidam de sua parte, mas a diplomacia brasileira não cuida da sua. Em 2004, quando o presidente Hu Jintao veio ao Brasil, disse que em seis anos esperava aumentar o comércio do seu país com a América Latina para US$ 100 bilhões anuais. O tradutor terceirizado trocou comércio por investimento. Todos os embaixadores e cônsules chineses no Brasil falam português. Nenhum dos brasileiros fala mandarim. Em 2011, a doutora Dilma foi ao Império do Meio, e sua comitiva anunciou um investimento de US$ 12 bilhões da empresa Foxconn. Era lorota. Na volta, ela trouxe apenas uma gripe.

DILMÊS

No que se refere à ligeireza e à confusão das falas da doutora Dilma, ela deu uma boa amostra quando tratou da derrubada do jato da Malaysia Airlines:

"Acho prudente a gente tomar cuidado porque, ao mesmo tempo, tem um segmento da imprensa que diz que este avião que foi derrubado estava na rota da volta do presidente Putin, que coincidiu a hora."

Ganha uma viagem a Kiev quem souber o que é "um segmento da imprensa".

De qualquer forma, logo se soube que, mais ou menos à mesma hora do comentário de Dilma, Vladimir Putin tratou do assunto e não mencionou a suspeita. A doutora poderia verificar qual foi o segmento de sua assessoria que sugeriu a fala imprudente.

EREMILDO, O IDIOTA

Eremildo é um idiota e soube que 89% das escolas públicas têm computadores, mas só em 6% as máquinas são usadas pelos alunos nas salas de aula.

O cretino sabe que, se os computadores ficarem nas salas, poderão ser roubados. Ainda assim, ficou com a impressão de que, para um gestor do dinheiro da Viúva, é fácil comprar equipamentos, ganhando a simpatia dos fornecedores e engordando estatísticas. Duro mesmo é trabalhar na segurança e na manutenção das escolas.

TÁXI DO POVO

Para quem quer saber mais sobre o delicado quebra-cabeça da política interna chinesa e não tem paciência para ler sobre Confúcio, Mao Tse-tung ou até mesmo Deng Xiaoping, há um bom livro na rede. É "The New Emperors", de Kerry Brown, professor da Universidade de Sydney. Sai por US$ 15,12.

Nele aprende-se que Xi Jinping tenta popularizar-se deixando circular a história de que um dia tomou um táxi.

O MENSALÃO COMEÇOU ASSIM

Na tarde de quarta-feira, o deputado José Augusto Maia foi à tribuna da Câmara e denunciou que foi destituído da presidência do Pros de Pernambuco e excluído da lista de candidatos "por não aceitar uma proposta indecorosa e vergonhosa do presidente nacional do partido, Euripedes Junior (...), para me coligar ao PSB".

O Pros efetivamente coligou-se com o PSB. Há alguns meses, numa reunião do Pros ocorrida em Brasília, Euripedes Junior defendeu a necessidade de lutar pela nomeação de um ministro porque isso permitiria a obtenção de financiamentos de fornecedores e sua canalização para as campanhas. Nessa ocasião, houve um pequeno mal-estar. Se as doações fossem formais, não haveria por que falar em "proposta indecorosa e vergonhosa". Numa segunda reunião, numa narrativa de Maia, o assunto voltou a ser tratado, com mais detalhes.

Maia foi prefeito de Santa Cruz do Capibaribe, esteve no PMDB e no PTB. Teve suas contas rejeitadas quatro vezes e, no último dia 6, anunciou que desistia de se candidatar à reeleição. Se ele era um barra brava, o Pros correu risco ao aceitá-lo, entregando-lhe a presidência da seção pernambucana. De qualquer forma, fica a esperança de que especifique a proposta "indecorosa e vergonhosa" que recebeu. Afinal, o deputado Roberto Jefferson, que detonou o mensalão, também passara pelo MDB e pelo PTB, além de ter sido um dos coronéis da tropa de choque do presidente Fernando Collor no Congresso.

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