quarta-feira, julho 23, 2014

Mudanças na demografia e os juros - JOAQUIM LEVY

VALOR ECONÔMICO - 23/07


O grande fato de 2014 não será a Copa da Fifa, que já está resolvida, mas o encaminhamento da normalização da política monetária americana.

Após o ensaio em 2013, para a saída do então presidente Ben Bernanke, o Federal Reserve (Fed, o BC americano) tem sido bastante cuidadoso, para diminuir o risco de se repetirem as turbulências do ano passado, e dos juros subirem antes do tempo. O Fed tem chamado a atenção de que o desemprego ainda está alto, apesar da recuperação da economia americana, e tem procurado reforçar a ideia de que a taxa de juros longa não precisa apresentar um salto assim que a taxa curta ameaçar subir, como ocorreu em 2013.

O desemprego de longo prazo continua alto, o que pode ser cíclico ou estrutural. No segundo caso, o número de postos de trabalho abertos deveria ser mais alto do que o observado agora. Mas talvez haja algo de estrutural, já que o crescimento do emprego entre os jovens tem sido maior do que entre os mais idosos, o que poderia sugerir que a mudança tecnológica ou que a maior oferta de empregos de tempo parcial esteja tornando mais difícil para idosos se inserirem no mercado de trabalho.

É cada vez mais difícil encontrar postos com salários de "classe média" que não requerem alto nível educacional, situação reconhecida até por baluartes republicanos, como o senador Rubio, da Florida. Ele tem proposto medidas de apoio ao emprego por reconhecer que hoje é impossível sustentar uma família com o tipo de emprego que seus pais tinham - em bar e em empresas tipo Walmart -, mesmo que os cônjuges trabalhem em tempo integral. A dúvida é se a política monetária é a forma mais eficiente de lidar com esse tipo de problema, ou se apenas criaria outros.

O temor do Fed de se movimentar rápido demais em um ambiente com a demanda agregada ainda frágil é alimentado por situações como a da Suécia, que apertou a sua política monetária durante a crise do euro, quando sua economia (que tem moeda própria) ia bem. De lá para cá, com a Europa patinando, apesar de a moeda única sobreviver, a economia sueca esfriou de tal maneira que a inflação está perto de zero e o Banco Central acabou voltando à taxa de juros de 0,25%.

Finalmente, apesar de pressões inflacionárias já serem vislumbradas nos EUA, o Fed insiste em que uma inflação temporariamente acima de 2% não é problema e, se ajudar a diminuir o desemprego, é compatível com seu mandato. A comunicação do Fed também tem insistido que a taxa de juros no (ou do) longo prazo não deveria necessariamente voltar aos patamares do passado recente, acima de 4%.

Para aqueles que não viveram antes da era Kennedy, taxas de juros americanas nos 4% parecem ficção. Mas, até o avanço do "keynesianismo" e a expansão fiscal na segunda metade dos anos 60, com os gastos da guerra do Vietnã e da expansão dos programas sociais ("great society"), esse era praticamente o teto das taxas, com uma inflação também modesta. Depois, o progresso da ideia de que um pouco de inflação ajudaria o crescimento levou à deterioração da economia americana após os choques do petróleo, que teve como reação a teoria das "expectativas racionais" e da curva de Phillips vertical, e o super choque monetário da era Volcker, com taxas de juros próximas a 20% ao ano.

Nos anos 90, a taxa de juros curta beirou 7% e a longa, além. A forte redução após a recuperação fiscal do período Clinton levou aos anos dourados em que títulos de renda fixa de longo prazo apresentaram apreciação sistemática. A crise de 2008 e a redução da taxa curta a zero encerraram o período. Daqui para frente, os juros só poderão subir. Mas, talvez, não muito.

A aposta de alguns diretores do Fed é que, com o envelhecimento da população e o menor dinamismo da oferta de mão de obra, o crescimento do PIB potencial decresceria e, como os juros reais de equilíbrio são correlacionados com esse crescimento, eles ficariam baixos.

A aposta depende bastante de haver um grande volume de capital e menos trabalhadores, tornando o trabalho o fator escasso, o que mudaria o retorno do capital, levando a maiores salários e talvez inflação, mas a juro s de equilíbrio menores. Evidentemente, isso contraria a previsão do recente livro Capital, que prevê um aumento do retorno do capital pelo progresso tecnológico e menor demanda por trabalho, que mais que compensaria a queda da sua oferta, especialmente nas economias avançadas.

O setor imobiliário pode ilustrar como os retornos do capital podem ser persistentemente deprimidos pela demografia. Se houver relativamente poucos jovens para comprar as casas dos numerosos "baby boomers", quando estes forem velhos, o preço deve cair. Mesmo que haja mais jovens vivendo sozinhos, a economia positiva sugere que é porque as casas estão efetivamente mais baratas, senão a tendência seria as pessoas casarem para viver juntas.

Talvez o mais importante para saber se o futuro será inflacionário ou deflacionário, e onde estarão as taxas de juros, seja verificar como as aposentadorias serão financiadas. Para tanto, parte-se da hipótese de que mudanças de preços permitirão à economia encontrar endogenamente um limite para a quantidade da produção global que será absorvida pelos mais idosos. No caso em que a maior parte da renda dos idosos vier de aposentadorias públicas, o peso fiscal de garantir essa renda, refletido na pressão sobre a dívida pública, acabará acomodado por meio da inflação.

No caso em que a renda venha principalmente de ativos poupados explicitamente, a acomodação tenderia a vir de preços e retornos menores dos ativos, e uma taxa de juros baixa, refletindo, como no caso imobiliário, o quanto os mais jovens estarão dispostos a pagar pelo uso do capital acumulado pela geração mais velha.

Esses mecanismos poderão ser influenciados ou postergados por leis que protejam determinados grupos, mas seus efeitos, ainda que incipientes, já devem estar sendo sentidos em todos os mercados financeiros.

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