quinta-feira, julho 17, 2014

Fortalecer o futebol nacional - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 17/07


Não é com canetadas autoritárias que manteremos nossos craques por aqui; é preciso buscar outros caminhos



Com o fracasso do Brasil na Copa do Mundo, com direito a duas dolorosas derrotas na semifinal e na disputa pelo terceiro lugar, o país mergulhou em uma busca por uma identidade perdida: o “país do futebol” não é mais aquele? Como recuperar o respeito pela “amarelinha”? Comentaristas, jornalistas e curiosos começaram a vasculhar modelos de recuperação do futebol em outros países, especialmente a agora tetracampeã Alemanha, que em 2000 e 2004 passou pelo vexame de cair na primeira fase da Eurocopa. Um dos elementos citados na receita para um ressurgimento da seleção brasileira vem justamente de lá: o fortalecimento do campeonato nacional.

Um dado reforça a tese de que um futebol campeão se constrói com ligas nacionais fortalecidas: apenas uma seleção, a França de 1998, venceu a Copa do Mundo com um elenco no qual a maioria dos jogadores (13 de 22) atuava fora do país. O Brasil foi campeão em 1958, 1962 e 1970 com seleções formadas apenas por atletas que jogavam por aqui; tanto em 1994 quanto em 2002, eram 11 os “estrangeiros” nas campanhas do tetra e do penta, num grupo de 22 e 23 integrantes respectivamente. Mesmo a partir da década de 80, quando o trânsito de jogadores entre diversos países se tornou mais comum, a Itália venceu as Copas de 1982 e 2006 apenas com membros dos times locais. A Espanha de 2010 tinha apenas três integrantes que não jogavam no país, e só sete dos 23 tetracampeões alemães atuam fora da Bundesliga. É verdade que, na Copa recém-terminada, Holanda, Argentina e Brasil chegaram às semifinais com maioria de “estrangeiros”, e Espanha, Itália e Inglaterra, times considerados fortes e formados majoritariamente por jogadores que atuam no próprio país, caíram na primeira fase. Mesmo assim, a necessidade de aprimorar o campeonato nacional parece ser um consenso.

As maneiras de conseguir esse aprimoramento, no entanto, são diversas. Deixemos de lado a ridícula sugestão da presidente Dilma Rousseff, que em entrevista à rede de televisão CNN sugeriu que a ida de jogadores brasileiros para o exterior sofresse restrições, para que nossos craques ficassem por aqui em vez de abrilhantar ligas europeias. Ora, isso significa simplesmente violar o direito de ir e vir dos atletas; há diversas outras soluções, bem mais trabalhosas que uma simples canetada autoritária, mas cujos resultados têm potencial para serem duradouros.

Um passo importante para um campeonato forte é ter times em boas condições financeiras. Na Alemanha, as equipes precisam apresentar relatórios periódicos mostrando que são capazes de honrar suas obrigações, especialmente o pagamento de salários – que não podem superar 50% da receita do clube. Outros países viram times tradicionais sofrer o rebaixamento por questões financeiras, como o Rangers, na Escócia, e a Fiorentina, na Itália (falidos, ambos caíram para a quarta divisão de suas ligas). No Brasil, tramita no Congresso a chamada Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte, que condiciona a renegociação das bilionárias dívidas dos clubes brasileiros a exigências de transparência e disciplina financeiras, barrando extravagâncias como a contratação de jogadores com salários astronômicos que o time não tem condições de bancar.

Os caminhos para a recuperação dos campeonatos nacionais podem estar inclusive no próprio Brasil. A Superliga de vôlei, tanto no masculino quanto no feminino, tem em seus clubes diversos atletas que compõem as seleções brasileiras da modalidade, repatriando jogadores que até há pouco atuavam em outros países. Analisar esses e outros exemplos, com seus pontos positivos e negativos, é obrigação de quem comanda o futebol nos estados e no Brasil. Talvez nem todas as soluções sejam aplicáveis à realidade do nosso futebol, mas simplesmente ignorar as experiências bem-sucedidas é condenar o esporte que tantos brasileiros amam a permanecer na mediocridade.

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