quarta-feira, julho 16, 2014

Balanço sem palanque - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 16/07


A população recebeu bem. Os prazos das obras não foram cumpridos. O país encantou os turistas. Os serviços estavam muito caros, como hotéis, passagens aéreas e restaurantes. Não houve caos aéreo, mas nem todos os aeroportos ficaram prontos e as viagens de negócios foram praticamente suspensas. Ferrovias novas não há. O trânsito foi ajudado por feriados que prejudicaram a economia.

O balanço que a presidente Dilma fez tinha endereço eleitoral. Uma avaliação mais realista permite aprender com o que não funcionou para que o Brasil se prepare para receber grandes eventos internacionais. Temos as Olimpíadas pela frente e, de novo, as obras estão muito atrasadas e de algumas conquistas já desistimos, como a limpeza da Baía de Guanabara.

A infraestrutura de tecnologia de comunicação continua deficiente. Precisamos melhorar muito nessa área e não pelos eventos, é por nós mesmos. A simpatia natural do povo brasileiro — reconhecido por todos como o ponto alto da Copa — pode ser aperfeiçoada com melhor ensino das línguas inglesa e espanhola para quem vai lidar diretamente com o público.

Não foi a Copa das copas. Isso é refrão de marqueteiro. É melhor avaliar o que deu certo, o que deu errado. Os alertas feitos pela imprensa não eram torcida contra. Toda imprensa livre tem o dever de fazer os alertas. Quem não gosta de imprensa livre pode ver como funciona na China, em Cuba, na Coreia do Norte. É o paraíso do governante, e a morte da notícia. Tudo filtrado, controlado, vigiado. O Brasil não quer isso, por mais que o governo passe o tempo todo culpando a imprensa por qualquer fato que o desagrade.

Houve acidentes no Itaquerão durante a construção. Com mortes. O estádio que abriu o evento ficou pronto no último minuto, mas a imagem externa da abertura era deprimente porque não houve tempo para o trabalho do lado de fora. Um viaduto caiu em Belo Horizonte e também houve morte. Ainda não se sabe o que será feito com certos estádios em locais onde não há tradição de futebol. Há um trabalho para fazer nesse pós-Copa para dar utilidade a essas obras caríssimas.

Houve dias de trânsito muito pesado, mas a mobilidade urbana foi ajudada por excessivos feriados. A suspensão de aulas e atividades produtivas não é apenas um prejuízo econômico, mostra que só se evita o pior se o país parar. Um grande evento tem que caber no país. A conta dos feriados está batendo nos números já fracos da economia brasileira.

Os preços extorsivos cobrados por muitos hotéis e restaurantes, além de passagens aéreas, foram um tiro no pé. Ganha-se num mês, mas o risco é apequenar o principal legado da Copa, que é incentivar o turismo estrangeiro. Se o país fica com fama de caro, isso afasta o turismo potencial que nasce desse contato. Foi um erro dos empresários e falta de visão de negócios de longo prazo. Claro que se sabia que haveria maior demanda por esses serviços durante um mês, mas cobrar preços excessivos reduz atratividade no turismo.

Os jogos foram emocionantes, até aqueles dos quais não se esperava muito, e isso ajudou a consolidar a ideia de uma boa Copa. Fica a certeza de que é preciso renovar o futebol brasileiro, para melhorar o desempenho em campo e eliminar o desconforto de ter certas figuras nefastas no comando do esporte. O Cafu sendo barrado por José Maria Marin no vestiário, no dia da nossa maior tristeza, mostra a inversão de valores. O que cada um deles fez pelo Brasil? Basta comparar.

O melhor balanço é aquele que é feito longe dos palanques, e ele mostrará os pontos fortes e as lições do evento. Em todos os campos.

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