sábado, julho 05, 2014

A novela da dívida - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S.PAULO - 05/07


A novela da renegociação da dívida de Estados e municípios com a União - que interessa em especial à Prefeitura de São Paulo, pela sua situação particularmente difícil nesse caso - não parece próxima do fim. Nos termos atuais, o seu pagamento cria de fato sérias dificuldades para os devedores e por isso todos concordam que alguma coisa precisa ser feita - mais especificamente a mudança do indexador. Mas as divergências sobre o momento em que isso deve ser feito, e em que termos, têm impedido que se avance na solução do problema.

De todos os envolvidos no caso, é o prefeito Fernando Haddad que se mostra mais inquieto, e isso desde que tomou posse, há um ano e meio. Para se eleger, ele fez promessas que para serem cumpridas dependiam em larga medida da folga financeira propiciada pela renegociação. Sabia, portanto, o que o esperava, mas hoje se vê que confiou demais na ajuda que contava receber da presidente Dilma Rousseff, esquecendo-se de que ela também tem suas dificuldades e limitações para atender seus aflitos e imprudentes correligionários.

A renegociação se arrasta e a dívida, que era de R$ 53,2 bilhões no início do governo Haddad, já atinge R$ 61,3 bilhões. São Paulo vem comprometendo 13% de sua receita líquida real com o pagamento à União. Foram R$ 2,5 bilhões no ano passado, em números absolutos, o que representou mais da metade dos recursos investidos na cidade em 2013, como mostrou reportagem do Estado (30/6). Isso dá uma ideia do peso da dívida e das dificuldades que ela cria para a solução dos graves problemas enfrentados por São Paulo.

E também explica por que a renegociação, com a mudança do indexador, tem sido um objetivo dos últimos prefeitos. Não é exclusividade de Haddad. Mas é preciso lembrar, mais uma vez, o papel desempenhado pela ex-prefeita Marta Suplicy - e indiretamente por Haddad, que integrava sua equipe de governo -, porque ele foi determinante para o agravamento da situação da dívida.

Em 2002, a ex-prefeita deveria ter amortizado R$ 3 bilhões da dívida e, por não ter feito isso, o indexador, que era IGP-DI + 6%, passou para IGP-DI + 9%, um aumento considerável, como se vê, o que fez o saldo da dívida crescer rapidamente. Tudo indica que ela assim agiu por acreditar que o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva a ajudaria a superar suas dificuldades com o pagamento da dívida. Lula não fez isso - e nesse caso com toda razão, pois tal atitude, que não se poderia limitar a São Paulo, teria graves repercussões sobre a situação fiscal do País - e o resultado é que as condições da dívida paulistana se tornaram especialmente difíceis, em comparação com as dos demais devedores.

Haddad, que jamais, é claro, toca nesse caso, sustenta que o IGP-DI + 9% é um indexador que torna a dívida "impagável". Exageros retóricos à parte, a situação é mesmo difícil. Segundo o secretário adjunto de Finanças, Antônio Paulo Vogel de Medeiros, se nada for feito para mudar esse quadro, a partir de 2017 o valor da dívida ultrapassará o limite de endividamento imposto pelo Senado. Com isso, a capacidade de investimento da Prefeitura, que já está comprometida, se reduzirá ainda mais, com sério prejuízo para a cidade.

A solução está em projeto de lei que tramita no Senado. Ele muda o indexador atual - IGP-DI acrescido de 6% a 9% (caso de São Paulo) - pelo IPCA + 4% ao ano, limitado à taxa Selic. Ele está parado, não por obstrução da oposição - governadores e prefeitos oposicionistas têm igualmente interesse na mudança -, mas porque a presidente Dilma Rousseff acredita que no momento não pode abrir mão dos pagamentos à União de acordo com a regra atual. Se Haddad, tal como Marta Suplicy no passado, acreditava que o governo federal, só por estar nas mãos do PT, iria ajudá-lo, enganou-se. Deve aprender agora o quanto saem caro as promessas mirabolantes.

Mas um dia isso terá de ser feito, embora se deva excluir a hipótese, desastrosa para as finanças da União, de a mudança ser retroativa. E a solução em discussão, do indexador de IPCA + 4%, é considerada razoável para ambas as partes.


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