segunda-feira, junho 02, 2014

O animal político - PAULO DELGADO

O GLOBO - 02/06

Vantagem de encontrar líder só, como cidadão, sem imposição ou impostura, é poder, neste caso, por mais contraditório que pareça, ver melhor na sombra do que na luz



A política brasileira está na infância. Ainda valoriza o animal político. Este líder-rainha que pode tudo, construtor de labirintos destinados a desconstruir a noção de autoridade. Conheci, em Turim, Norberto Bobbio, que sintetizava esse sentimento cansativo que tanto domina a vida pública italiana da seguinte maneira: tudo é política, mas a política não é tudo. Na atual sucessão brasileira, três bons candidatos despontam sem nenhum risco de marcha a ré em nossa democracia.

Encontrei Mandela em uma rua de Maputo sozinho. Cumprimentei-o e disse que o havia recebido na Câmara dos Deputados do Brasil nos anos 90. “Se der, passa lá em casa”, ouvi do maior líder moral do nosso tempo. Estava em Díli, no dia da Independência do Timor, e tinha na minha frente um grandalhão vermelho e louro na fila do café. Era Clinton aguardando sua vez para atacar o bufê, mas curioso também sobre a vida brasileira. Vaclav Havel liderou a Revolução de Veludo e encontrava tempo para passear distraído por Praga. Na sala de espera de um consultório médico da Rua Timbiras, em Belo Horizonte, o governador Itamar Franco aguarda sozinho sua hora de ser atendido. José Mujica mora em um sítio nos arredores de Montevidéu e não aceita o título de presidente mais pobre do mundo. “Eu não sou pobre. Pobre é quem precisa de muito para viver.” A política dá trabalho, mas “não me venham com essa história de que a vida é só isso”.

Dominar os códigos da política é o maior desafio posto para os eleitores nos anos de sucessão. O povo, desconfiado, os chama de “ano da política”. É cada vez mais o “ano dos políticos” diante do “curto-prazismo” que tomou conta de tudo e dessa mania de abelha que fez dos governos colmeias de fornecedores de mel.

A vantagem de encontrar um líder sozinho, como um cidadão, sem imposição ou impostura, é poder, neste caso, por mais contraditório que pareça, ver melhor na sombra do que na luz. Muitas vezes os processos sociais são tão intensos — e uma eleição é um deles, carregada de paixão e muitas vezes irracionalismo — que os processos psíquicos e as verdadeiras motivações dos líderes desaparecem em labirintos e esconderijos. A tendência de querer suplantar a autonomia da sociedade e subjugar a vida privada pelos interesses do Estado costuma não poupar nenhum vitorioso, liberal ou socialista. Como hoje os governos são agências de publicidade, parece não haver o mal como projeto ou qualquer política pública condenável. Tornou-se muito fácil dar o nome que se quiser a essa democracia que se acomoda perfeitamente a slogans e simplificações. Conectar os candidatos a suas vidas e seus feitos é uma exigência da boa escolha. Já é hora de uma sucessão sem desalinhamentos personalistas e essa conversa de “botar para quebrar”.

No salão do Julinho no Liberty Mall, em Brasília, Dilma arruma seu cabelo como tantas outras mulheres do país. No Polis Sucos, no Rio, Aécio pede um de melancia e leva pela rua sem incomodar ninguém. Na Pizzaria Libório, em Recife, Eduardo Campos faz um lanche com seus filhos. Que os aparatos de poder não mudem ou moldem nossos líderes.

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