sexta-feira, maio 16, 2014

Os Pestanas e o terrorismo do PT - REINALDO AZEVEDO

FOLHA DE SP - 16/05

A peça de João Santana na TV revela o esgotamento da mitologia do PT, que não tem mais futuro a oferecer


Aloizio Mercadante, ministro da Casa Civil, confessou a esta Folha, em entrevista publicada na quarta-feira, que o governo segura as tarifas para controlar a inflação. Chamou tal prática de "política anticíclica", o que certamente deixou de cabelo em pé economistas gregos e troianos, guelfos e gibelinos, liberais e desenvolvimentistas, carnívoros e herbívoros. A originalidade de seu pensamento econômico sempre foi assombrosa. Estou certo de que, ao fazer a revelação, experimentou no cérebro o mesmo frêmito que Pestana, a personagem de Machado de Assis de "Um Homem Célebre", experimentava na ponta dos dedos quando sentia que a grande obra estava a caminho --a definitiva, aquela que o alçaria ao panteão dos gênios... E, no entanto, coitado do Pestana!, lá lhe saía mais uma polca. Seguiu até o fim da vida condenado a fazer... polcas!

O Pestana da Dilma julgou que estava tendo uma grande ideia: "Agora levo as oposições para o ringue, faço-as defender a correção de tarifas de combustíveis e energia, e a gente, em seguida, as acusa de inimigas dos pobres e de defensoras da inflação". Ninguém caiu no truque porque é óbvio demais. E ainda restou a suspeita de que Mercadante estava no conto errado de Machado. Teria ficado melhor no papel de Simão Bacamarte, o médico de loucos, que não batia bem dos pinos. Quem teve de contestá-lo foi Guido Mantega, que, para incredulidade geral, negou que os preços estejam represados. A que extremos nos leva o petismo, não é mesmo? Entre a verdade indecorosa e a mentira decorosa! Nos dois casos, os propósitos não são bons. É um concerto de Pestanas.

No mesmo dia em que Mercadante derramou sua falta de sabedoria sincera, o PT levou ao ar uma peça publicitária infame, opondo um presente que não há a um passado que não houve: na gestão tucana, a fome, a miséria, o abandono e a desesperança resumiram o Brasil; no governo companheiro, o contrário. Uma voz cavernosa alerta: "Não podemos deixar que os fantasmas do passado voltem e levem tudo o que conseguimos com tanto esforço. Nosso emprego de hoje não pode voltar a ser o desemprego de ontem. Não podemos dar ouvidos a falsas promessas. O Brasil não quer voltar atrás".

Eu poderia me estender aqui sobre o caráter essencialmente fascistoide desse entendimento da política, que busca excluir o outro do mundo dos vivos --Lula chegou a dizer que a "reeleição de Dilma será a desgraça da oposição"--, mas acho que esse aspecto perdeu relevância.

Depois de quase 12 anos no poder, o PT não tem futuro a oferecer. Por mais que o filminho de João Santana tenha as suas espertezas técnicas, a verdade é que a peça terrorista revela o esgotamento de uma mitologia, e tenho cá minhas desconfianças se o vídeo não será contraproducente, ainda que peças assim sejam submetidas previamente a pesquisas qualitativas.

A linguagem e a estética de esquerda repudiam, por natureza, o presente. Sem os amanhãs sorridentes, o dia que virá, a Idade do Ouro, como cobrar o sacrifício do povo, a sua mobilização, o seu ímpeto revolucionário, suas paixões sanguinolentas? Nas campanhas petistas de 2002, 2006 e 2010, o passado era demonizado, sim, mas o eixo estava num presente que mirava o futuro. Jamais me esquecerei daquelas grávidas descendo uma colina ao som do "Bolero", de Ravel, cena que chamei, então, de "A Marcha das Rosemarys" --sim, referia-me ao filme de Roman Polanski. Na peça publicitária terrorista que foi ao ar na quarta, o eixo está num presente que contempla o passado, faccioso e fictício como sempre. Restou ao governo Dilma o discurso reacionário. O que aquelas grávidas tinham a dar à luz está aí.

Estou a antever a derrota de Dilma? Ainda não. Apenas evidencio que o PT não tem mais nada a oferecer. Se emplacar mais quatro anos de mandato, o país ficará refém da capacidade de planejamento e de administração de gestores e estrategistas como Aloizio Mercadante e Guido Mantega. Se a presidente for reeleita, são eles os portadores da utopia. E isso parece pavoroso.

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