quarta-feira, maio 14, 2014

O inaceitável apagão na distribuição de vacinas e soros - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 14/05

É uma situação impensável num país que conseguiu erradicar doenças como a varíola e a poliomielite, graças a eficazes programas de vacinação



Sempre que alguma demanda no sistema de saúde assombra o país, costuma-se buscar as razões do mal em supostas anemias orçamentárias. Nesses momentos, o proverbial diagnóstico de “falta de verbas” para o setor é repetido com a persistência de um clichê. Ou, pela falta de substância, de um bordão. Mas, mitigada pela receita fácil, a busca pela real origem dos sintomas — os crônicos problemas de má administração de recursos e de gestão deficiente — se perde em discussões bizantinas. Não têm sido poucos, na administração pública, mormente no que tange a ações dirigidas de Brasília, os exemplos dessa distorção.

Veja-se o caso da produção e distribuição de soros e vacinas. Por quatro décadas, uma ilha de eficiência em meio ao caos do sistema brasileiro de saúde pública, o Programa Nacional de Imunização está com seus índices de eficácia sob iminente ameaça. Trata-se de um organismo responsável, entre outros feitos, por uma exitosa taxa de 98% de prevenção da população exposta a doenças como sarampo, difteria, tétano e coqueluche. A ameaça se deve menos à escassez de dinheiro para manter a agenda de produção e distribuição de imunizantes e mais à desorganização prevalecente na rede de serviços públicos do país.

Reportagem recente do GLOBO mapeou o preocupante perfil do setor. Os números mostram que está em curso um virtual e inédito — embora dissimulado, por não assumido pelo Ministério da Saúde — racionamento na distribuição de soros e vacinas às secretarias estaduais, responsáveis pelo abastecimento dos órgãos municipais que cuidam da ponta na qual a população é atendida.

São números inaceitáveis num país que conseguiu erradicar doenças como a varíola e a poliomielite graças a eficazes programas de vacinação. Em Pernambuco, Paraná e Maranhão estavam zerados, alguns dias atrás, os estoques de soro antielapídico (contra o veneno da cobra coral); o soro antirrábico humano (contra a raiva) tinha os estoques reduzidos no Distrito Federal, novamente em Pernambuco e Paraná; entre as vacinas afetadas, escasseavam, em diversos estados, a BCG (tuberculose), a tríplice acelular (DTPa, contra tétano, difteria e coqueluche) e a dupla adulto (tétano e difteria).

O governo federal trata o desabastecimento como problema pontual, assim como, no caso específico dos soros, a obrigatoriedade, imposta pela Anvisa aos laboratórios, de a produção passar a ter novos níveis de certificação. Mas, em se tratando de área essencial, quaisquer que sejam as razões desse apagão, o que perpassa a baixa de estoques (quando não a falta total de medicamentos) é o planejamento inconsistente para contornar, que sejam, tais “problemas pontuais” — assunto, portanto, ligado ao gerenciamento. O quadro é preocupante, ainda mais quando se coloca na mesa a carta da Copa como um complicador, em razão das óbvias movimentações de turistas provenientes de diversas partes do mundo.

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