sexta-feira, maio 02, 2014

China, uma nova corrida do ouro - LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

FOLHA DE S. PAULO - 02/05

A empresa que não obtiver participação importante no mercado chinês terá dificuldade para sobreviver


A China está entrando em nova fase em sua já longa marcha em direção a se tornar a maior economia do planeta Terra. Do ponto de vista meramente estatístico, isso deve ocorrer neste ano, se usarmos a metodologia do PPP para o cálculo do PIB, como estima projeto coordenado pelo Banco Mundial.

Mas ter o PIB maior do que o dos Estados Unidos não esconde o fato de que a China ainda é um país subdesenvolvido, para usar uma expressão que praticamente caiu em desuso.

O que mais surpreende nessa caminhada de um país paupérrimo --submetido ao regime político desumano e irracional sob o comando de Mao Tse-tung, apenas superado nesses quesitos pelos anos Stálin na Rússia-- em direção a um estágio superior de desenvolvimento econômico e social é a eficiência de seu planejamento estatal.

Nesses 30 anos de experiência de uma sociedade dirigida com mãos de ferro pelo Estado, mas com uma economia com tintas cada vez mais fortes de capitalismo, a vida do chinês comum mudou e mudou muito.

Sou testemunha ocular dessas mudanças, pois estive na China por duas vezes no início das reformas de Deng Xiaoping e voltei várias vezes nos últimos três anos.

Um exemplo incrível foi o desaparecimento das bicicletas das ruas de Pequim e sua substituição por modernos automóveis que circulam nos oito anéis, com mais de 800 quilômetros de extensão, que envol- vem a cidade.

Outra mostra visível --e que choca quem conheceu a velha China dos trajes azuis e iguais de algodão vagabundo de 30 anos atrás-- são os hábitos de consumo da juventude chinesa na parte do país que está integrada à economia de mercado. São 500 milhões de cidadãos que vivem hoje no que os economistas chamam de economia formal, com emprego e salários em expansão.

Em 2012, os salários cresceram em média 8% em termos reais e foram criados mais de 13 milhões de empregos formais, acelerando o caminho para criar o maior mercado consumidor do mundo por volta do fim desta década.

E é justamente esse fato que chamei, na abertura desta coluna, de a nova corrida do ouro para o capitalismo mundial. Nos próximos anos, a China será de longe o maior centro de consumo do mundo. Por volta de 2021, os números chineses vão moldar uma nova rodada da globalização da economia mundial.

Para ser verdadeiramente global, com todas as suas vantagens do ponto de vista da produtividade e rentabilidade, a empresa transnacional de hoje terá que ter uma participação importante na China. Aquelas que não conseguirem chegar a essa situação vão ter muitas dificuldades para sobreviver.

Dou um exemplo dessa afirmação: as montadoras de automóveis. Em 2021 o mercado chinês de veículos será no mínimo 70% maior do que o americano e quase o dobro do europeu. Nessa situação, sem uma parcela desse mercado, as empresas globais de automóveis terão que amortizar seus investimentos, em inovações e novos produtos, em um volume bem menor de produção.

Por uma simples conta de dividir, o leitor pode concluir que seus custos serão maiores do que seus competidores com acesso ao mercado chinês e, portanto, ficarão em situação mais frágil do ponto de vista econômico e financeiro.

Outro exemplo é o da indústria de telecomunicações e internet. Os gigantes Huawei e a Alibaba já dominam os mercados mundiais em termos de venda a valor adicionado.

Essa nova arma nas mãos dos planejadores chineses certamente vai ajudar nos próximos anos a transformar a China em um país extremamente poderoso. Certamente vamos assistir a mudanças importantes na forma como as multinacionais têm acesso ao mercado consumidor na China, em associação com capitais estatais ou privados chineses.

As restrições ao investimentos estrangeiro vão ser mais rígidas, e as empresas chinesas do setor automotivo vão passar por um violento processo de consolidação. Como resultado, vamos ter o aparecimento de ao menos dois ou três gigantes, com a produção anual de pelo menos 5 milhões de veículos.

Pelo menos para os analistas que, como eu, não acreditam no colapso do chamado modelo chinês na próxima década.

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