quarta-feira, abril 02, 2014

Derruba, sim... - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 02/04
Taxas de juros mais altas estão associadas a inflação futura mais baixa e vice-versa

Desde abril de 2013 o BC elevou a taxa Selic de 7,25% para 10,75% anuais, mas a inflação permanece alta e há receio de que possa até mesmo ultrapassar o máximo permitido (6,5%) ao fim deste ano. Diante disso há quem se pergunte se teria havido algum enfraquecimento recente dos mecanismos de transmissão de política monetária, pois no passado uma variação semelhante da Selic foi efetiva para reduzir a inflação.

Nesse sentido, o artigo de Yoshiaki Nakano ("Juro alto não derruba a inflação", "Valor Econômico", 18/03/2014) se revela uma contribuição inestimável. Não, é bom deixar claro, por resolver o problema, mas porque é difícil conceber uma coluna que cometa tantos equívocos em tão pouco espaço. São essas atrocidades que, por seu caráter didático, permitem-nos iluminar algumas das dificuldades hoje enfrentadas pelo BC.

A principal atrocidade é sua afirmação sobre a ineficácia da política monetária. Segundo Nakano, a causa da desinflação observada entre 2004 e 2006 teria sido apenas a apreciação cambial.

Por outro lado, defende que o único critério de verdade é a correspondência da teoria com a realidade, o que nos oferece uma oportunidade reveladora de ver como a teoria que ele critica se comporta na prática.

Assim sendo, convido-o a examinar o gráfico aqui exposto, que mostra forte relação negativa entre a taxa real de juros e a inflação, com defasagem de 18 meses. Em linguagem de gente, taxas de juros mais altas estão associadas a inflação futura mais baixa e vice-versa.

Vale notar que usamos o "núcleo" de inflação, ou seja, uma medida não afetada por preços de alimentos ou pelos preços administrados (muito embora a relação permaneça válida caso usemos a inflação "cheia"). A vantagem dessa medida é retirar, a priori, possíveis fontes dos "choques de oferta" que tanto o preocupam (exceto, é claro, quando o governo reduz tarifas de energia ou ônibus e controla os preços dos combustíveis, mascarando a verdadeira inflação).

Essa evidência sobrevive também a testes mais sofisticados, sugerindo que as "versões enviesadas" da teoria que Nakano menciona parecem se corresponder com a realidade muito melhor do que ele imagina. Tão bem, aliás, que oferecem uma pista valiosa para a solução da aparente ineficácia recente.

Com efeito, diz a teoria (e a evidência) que o nível da inflação depende do nível da taxa real de juros. Não há, pois, razão para esperar que um aumento da taxa de juros de 2% para 5% ao ano tenha o mesmo efeito sobre a inflação que a elevação de, digamos, 5% para 8% ao ano, ainda que a variação (três pontos percentuais) seja a mesma, fenômeno devidamente esquecido pelo articulista. Simplesmente a inflação que decorre de juro real de 5% anuais é mais alta do que a resultante de juro real de 8% ao ano.

Deve também ter sido por esquecimento (ou desconhecimento de como operava nosso regime de metas) que Nakano apresenta como "novidade" a ideia de basear as decisões de taxa de juros nas projeções de inflação, e não na inflação passada. Como se o BC não fizesse menção às suas previsões de inflação a cada ata nem publicasse trimestralmente seus valores numéricos (e intervalos de confiança!), projeções que, em outros tempos, eram o principal norte da política monetária.

Já a proposta de ter como meta apenas a inflação de preços livres, descartando os administrados, parece ignorar que os primeiros têm superado os últimos desde 2010. Caso seguisse a sugestão de Nakano, a política monetária teria que ser mais apertada do que foi, certamente não o que ele tinha em mente ao formular a proposta.

Chega a ser surpreendente que, num debate importante como o que hoje se trava, haja intervenções que se revelam primárias no entendimento tanto da teoria como dos fatos que circundam a operação do regime de metas no país. Nada contra palpiteiros, mas um tanto de estudo antes me parece absolutamente essencial.

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