quinta-feira, abril 03, 2014

2015 já começou - CARLOS LOPES, GUILHERME MAIA E ROBERTO PADOVANI

O GLOBO - 03/04

Após anos de forte crescimento do consumo, a renda das famílias está comprometida com dívidas, há escassez de mão de obra e infraestrutura opera perto do limite


Após um período de forte crescimento, o governo vem promovendo ajustes na política econômica. O ciclo de alta de taxa de juros, a maior preocupação em comunicar as estratégias fiscais e os ajustes no programa de concessão são exemplos da reorientação de política.

Mas mal começou o ano e a maior instabilidade nos mercados internacionais limitou ainda mais as alternativas de política, fazendo com que parte das correções que esperávamos apenas para 2015 fosse antecipada já para este ano.

O ajuste não é má notícia. Mesmo que o preço a pagar seja um menor crescimento no curto prazo, como um PIB mais próximo a 1,5% em 2014, ajustes bem conduzidos podem construir um ambiente melhor a partir do próximo ano. Com um ambiente global mais saudável, a recuperação gradual da confiança e menores custos de produção podem permitir investimentos mais elevados e recuperação da competitividade da economia.

Apesar de um ambiente global de maior crescimento, o ano teve inicio com novas turbulências. De acordo com o FMI, a economia global irá se expandir 3,6% este ano e 4% em 2015, após crescer 2,9% em 2013. Este cenário favorável, no entanto, tem sido acompanhado por um rebalanceamento do crescimento, com as economias desenvolvidas apresentando um melhor desempenho que os mercados emergentes. A recuperação das economias desenvolvidas reforça a expectativa de normalização dos juros internacionais, menor liquidez e, portanto, menor demanda por ativos de risco. Neste caso, os investidores se tornam mais seletivos, fazendo com que menores fluxos de capitais pressionem câmbio e juros, desacelerando as economias emergentes.

Mesmo sendo relativamente fechada, a economia brasileira não tem sido poupada. Os esforços recentes feitos pelo governo para melhorar a qualidade e a comunicação de suas políticas não têm sido suficientes para fazer frente à maior seletividade dos investidores. O risco percebido em relação ao país aumentou e permanece acima dos níveis de seus pares da América Latina. Esta menor atratividade pode ser explicada, fundamentalmente, por um ambiente de baixo crescimento, aumento do risco fiscal e inflação elevada.

Do ponto de vista do crescimento, há amplo consenso de que o desempenho recente reflete esgotamentos cíclicos e estruturais. Após anos de forte crescimento do consumo, a renda das famílias está comprometida com o pagamento de dívidas, há escassez de mão de obra e a infraestrutura opera próxima ao limite. Com uma taxa de poupança doméstica em níveis historicamente baixos, o déficit em conta corrente voltou a ser uma preocupação. Estes fatores limitaram, e continuam limitando, o crescimento econômico.

A desaceleração econômica corrente, por sua vez, elevou o risco fiscal: a política de desonerações tributárias e a expansão das despesas acima do ritmo da economia não tiveram o mérito de simplificar o sistema de impostos e estimular o crescimento, que se manteve baixo e dificulta a recuperação das receitas do governo. Conjunturalmente, há os gastos gerados pelas dificuldades atuais no setor elétrico. As indicações das agências de classificação de risco refletem a percepção dos investidores de que os riscos têm se ampliado.

A inflação não mostrou alívio, apesar do desaquecimento. A piora das contas fiscais e externas elevou a vulnerabilidade da economia e contribuiu para reduzir os ingressos de capitais, depreciando a moeda. Além disso, a tendência de alta nos preços de energia e o fato de o mercado de trabalho seguir apertado, sustentando uma tendência de alta dos preços, reforçam os desafios para conduzir as expectativas de inflação em direção ao centro da meta. Como resultado, a inflação ao consumidor permanece próxima ao limite superior da meta e acima da média observada em países latino-americanos considerados seguros para investimento.

Com amplos desafios fiscais e inflacionários, a margem de manobra para a gestão econômica se reduziu. O Banco Central tem sido levado a continuar aumentando a taxa de juros e, da mesma forma, a possibilidade de piora no risco soberano é um incentivo para a reorientação da política fiscal, inclusive com cortes em investimentos públicos.

O ambiente econômico global e doméstico, portanto, reduziu as alternativas de política e implicou uma mudança mais rápida no viés das políticas fiscal e monetária, justificando o pessimismo quanto ao crescimento no curto prazo. O lado bom é que inflação mais baixa, estabilidade de dívida e câmbio flutuante, em conjunto com menores pressões no mercado de trabalho e condições mais favoráveis de infraestrutura, podem conduzir a maior crescimento econômico no médio prazo.

Era uma história que imaginávamos contar apenas a partir de 2015.

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