quinta-feira, março 13, 2014

Para reduzir a Selic - MÁRIO MESQUITA

VALOR ECONÔMICO - 13/03

O uso de bancos públicos como mecanismos de compensação da ação do Banco Central solapa a política monetária

A mais recente reunião do Copom levou a taxa básica de juros da economia, a Selic, para 10,75%. Com isso, a mesma retornou ao patamar inicial do governo Dilma. A julgar pela comunicação do Banco Central e o desafiador cenário inflacionário que se desenha para 2015, quando se espera que o governo relaxe os atuais controles sobre alguns preços, é bem possível que a Selic termine o atual mandato presidencial acima do patamar inicial, fato inédito desde que o regime de metas para a inflação foi adotado em 1999.

Evidentemente, tal resultado gera frustração, que deve ser proporcional à importância que a redução da taxa de juros parecia ter dentro da estratégia econômica do governo.

Nem tudo é frustração, contudo. No mínimo, a trajetória da taxa de juros desde 2011 oferece lições importantes, que podem levar a resultados mais alentadores no futuro. Em especial, os eventos dos últimos anos desmontam de vez a versão ingênua da hipótese de duplo equilíbrio para a Selic, segundo a qual com mais vontade política e ousadia seria possível obter a mesma taxa de inflação com uma taxa de juros bem mais baixa, sem grandes alterações nas demais políticas de governo.

Note-se que a mudança de postura da política fiscal, de restritiva em 2011 a expansionista em 2012, quando supostamente se buscava consolidar um novo ambiente de taxas de juros mais baixas, sugere que, ou a tese ingênua tinha apoio em partes da administração, ou em algum momento o governo teria perdido a paciência com os resultados da mudança transformacional no nível da Selic (depois de poucos meses) e resolvido priorizar a reativação da atividade - apostando em mais estímulos à demanda, e minimizando os obstáculos do lado da oferta.

Dessa forma, os termos do debate (estrutural, não conjuntural) sobre como reduzir a Selic, ou melhor, como alinhar a estrutura de taxas de juros nominais doméstica aos patamares observados em outros países emergentes bem administrados, como o Chile e México, deve voltar-se para uma agenda de reformas.

Para reduzir a Selic é preciso, em primeiro lugar, reduzir a meta para a inflação e garantir sua credibilidade - para um dado juro real neutro, a taxa nominal pode rodar em nível mais baixo se as expectativas de inflação caírem, evento possível com uma meta de inflação mais baixa e crível. Como é possível almejar taxas de juros "chilenas" (atualmente a taxa básica por lá está em 4,25%), com uma meta de inflação que é 50% mais alta - e que vem, desde 2010, sendo superada em larga margem pela inflação efetiva? Trazer a meta gradativamente para 3% ao ano, como nos países citados, ao mesmo tempo em que se estreita o intervalo de tolerância, contribuiria para reduzir os juros nominais e também reais, visto que inflação mais baixa tende a ser menos volátil, ensejando prêmios de risco menores.

Seria importante, também, finalmente conceder autonomia operacional ao Banco Central, atualizando o marco legal de atuação dessa instituição, que ficaria mais próximo ao padrão vigente nas bem sucedidas democracias de nosso continente. Um BC autônomo de jure contaria com mais credibilidade e poderia atingir os objetivos de política monetária com custos, e taxas de juros, menores.

É preciso, adicionalmente, aumentar o poder da taxa básica. Há no Brasil um conjunto de taxas de juros, notadamente a TJLP, que não responde a mudanças na Selic. Por essa razão, movimentos da Selic têm que ser estressados, para compensar o (crescente) volume de crédito subsidiado existente na economia. Na transição para a redução desses subsídios, uma forma de aumentar o poder da Selic seria utilizá-la como índice para as demais taxas. Com isso, pelo menos seria assegurado que quando a Selic subisse, a TJLP e outras similares também subiriam. A maior exposição dos agentes à Selic nivelaria o campo de jogo para os tomadores de recursos no país, beneficiando famílias e pequenas empresas, que atualmente acabam pagando pelo subsídio concedido aos maiores devedores.

Em resumo, é preciso que o Banco Central seja de fato o único condutor da política monetária do país. A utilização de bancos públicos como mecanismos de compensação da ação do BC solapa a política monetária e faz com que este último tenha que ser mais agressivo em seus movimentos, o que, convenhamos, é bastante disfuncional.

Além de aspectos diretamente relacionados à política monetária, para reduzir a Selic o ímpeto de expansão fiscal deve ser contido. O recente decreto de contingenciamento é uma boa notícia, mas precisamos mais (e não apenas na esfera dos anúncios, mas também da implementação). Seria necessária uma Lei de Responsabilidade Fiscal II, que estabelecesse limites para o crescimento dos gastos e do endividamento bruto do Estado. Com isso, o prêmio de risco de solvência diminuiria, levando a taxas de juros mais baixas - note-se, também, que a LRF II é uma medida necessária para se preparar para o impacto fiscal de mudanças demográficas importantes a vir nas próximas décadas.

Para reduzir a Selic é preciso abrir mais a economia e permitir que o câmbio flutue de forma mais limpa. O Brasil é uma das economias mais fechadas do hemisfério, mesmo se levarmos em conta seu tamanho. Em economias abertas a transmissão da política monetária aos preços domésticos fica reforçada pelo canal do câmbio, e a flutuação limpa vai se tornar mais fácil com a normalização da política monetária nas economias maduras.

Em duas ocasiões nos últimos seis anos a Selic rompeu o patamar do duplo dígito, mas logo teve que subir. Mais recentemente, a tentativa de se reduzir a taxa agressivamente, ainda que com medidas auxiliares benignas, como a mudança na remuneração da poupança, e contando inicialmente com forte apoio político, mas sem as reformas acima citadas, teve êxito limitado. A agenda de redução da Selic, com redução da inflação, apesar de ambiciosa, é clara - e merecia ser objeto de debate nas eleições desse ano.

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