segunda-feira, março 10, 2014

Outra política econômica é possível - PAULO RUBEM SANTIAGO

CORREIO BRAZILIENSE - 10/03

O Banco Central realiza semanalmente a pesquisa Focus, ouvindo as 90 principais instituições do mercado financeiro sobre indicadores macroeconômicos, como inflação, Produto Interno Bruto (PIB), taxa de desemprego e taxa de câmbio. Ficam de fora as opiniões dos que produzem, plantam, oferecem a força de trabalho ou prestam serviços à produção e à circulação de bens - fatores reais que impactam os preços na economia.

Frente a isso, na heroica maratona pela mudança das políticas monetária e de administração da dívida pública, a auditora da Receita Federal Maria Lucia Fatorelli, da Auditoria Cidadã da Dívida Pública (www.auditoriacidada.org.br), revela que a Focus é uma espécie de linha de frente do mercado. Ora, se a inflação é o aumento dos preços de bens e serviços e isso ocorre por desequilíbrios entre a oferta e a procura, por que os produtores desses insumos e os prestadores de serviços não são ouvidos?

Por que a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a Confederação Nacional do Comércio (CNC), a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), a Confederação Nacional do Transporte (CNT) e a Confederação Nacional de Serviços (CNS) não são ouvidas? Por que as centrais sindicais dos trabalhadores, as entidades da agricultura familiar, os atacadistas e o cooperativismo não são ouvidos? Por que são esquecidos os departamentos e institutos de economia das universidades e o Conselho Federal de Economia? Por que se ouvem apenas as opiniões do mundo financeiro?

Porque a Focus é uma engrenagem que foi montada pelos que ganham com a criação de "cenários" e a elevação da taxa de juros. O Banco Central acomodou-se a isso. Dirão os leões do mercado que seria impossível ouvir tantas entidades e setores. "Fazê-lo seria um assembleísmo ineficaz". Não se trata disso. A questão posta é saber se vamos continuar perguntando às raposas se querem tomar conta do galinheiro.

Temos 15 anos de vigência do regime de metas de inflação, adotando-se um índice oficial, o IPCA - Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, composto por nove itens, dos quais 60% ou mais não sofrem influência direta do aumento de demanda. Sendo assim, por que prevalece o piloto automático dos juros altos quando a inflação não é, sabidamente, apenas de demanda? Pelas razões que tantos economistas já apontaram. Há uma convenção a favor desse mecanismo e dos que ganham com a elevação dos juros aplicando seu patrimônio em papéis públicos assim remunerados. Essa engrenagem se perpetua alimentada, alardeando crises, desequilíbrios, fuga de capitais e queda de expectativas de investidores. Um autêntico terrorismo contra a economia nacional e o desenvolvimento da nação com democracia e soberania.

Hoje constatamos baixo crescimento, crise no balanço de pagamentos, inserção externa primária com baixa expressão nas trocas internacionais e elevada relação dívida bruta/PIB, entre outros. Travestida de "responsabilidade fiscal", a proposta dos mercados para a superação desses entraves é a pior de todas: mais cortes de gastos públicos (desde que não financeiros), endurecimento dos ajustes fiscais, paralisação do Estado, entrega ao setor privado da infraestrutura, desonerações.

Para a superação da dependência, é preciso combater o conservadorismo que domina a política econômica vigente, bem como enfrentar os ataques dos agentes do mercado nas investidas de aprofundamento das opções neoliberais a favor dos interesses da elite financeira nacional e internacional. Temos de reunir e colocar em marcha a intelectualidade econômica independente ao lado das forças sociais emancipadoras para construirmos novas engrenagens para a política monetária, a defesa da estabilidade e o desenvolvimento do país. O atual modelo de estabilidade, dogmático, convencional, pró-rentismo, está com os dias contados. Há 15 anos subtrai à nação a poupança fiscal e a soberania, enfraquecendo o Estado na construção dos caminhos do desenvolvimento.

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