O Estado de S.Paulo - 07/03
Custei, mas quando reconheci fiquei estarrecido. Deprimido, quase chorei. Quando Ellen DeGeneres, apresentadora insossa (mas adorada pelos americanos) anunciou Kim Novak chegando, me aprumei na poltrona. Kim foi o mito de minha geração. Uma beleza fria, ainda que estonteante (palavra antiga). "Construída" pelo produtor Harry Cohn, da Columbia (um dos grandes canalhas de Hollywood), para substituir outra deusa, Rita Hayworth. Babamos diante de Kim em filmes como Um Corpo que Cai, Meus Dois Carinhos, O Homem do Braço de Ouro.
Porém, para minha geração, o máximo foi Férias de Amor (nos referíamos ao filme pelo título original, Picnic), de Joshua Logan, baseado em William Inge, um drama em que o quarentão William Holden, para fazer o papel de garotão sarado, teve que se depilar inteirinho para aparecer sem camisa (da mesma maneira que Humberto Martins atua nas novelas da Globo). Quem esquece a cena de dança entre Holden e Kim ao som de Moonglow?
Maldito seja, para sempre, o Oscar 2014. Maldito por ter feito o que fizeram com Kim Novak, destruindo o sonho e os desejos de milhões. Aquela mulher deformada, monstrengo que nem conseguia falar uma frase, botox puro, cabelos desarrumados, boca paralisada, ar vago e bestificado não era (não é) Kim Novak. Cancelem tudo. Tragam de volta a verdadeira Kim. Por que a pessoa ao deixar a sala de um cirurgião plástico não processa o profissional, assassino de sua imagem? Por que a associação dos plásticos não cancela o registro do homem? Depõe contra eles. Aquela walking dead que apareceu trôpega, fantasmagórica, não é a minha, a sua, a nossa Kim, a diva. Pegaram alguém nas imediações do Dolby Theatre e colocaram no palco, a balbuciar.
Bastou para que eu, após 50 anos de fidelidade, abandonasse o Oscar. Não mais ligarei a tevê nessas noites em que a festinha familiar hollywoodiana junta seus trapinhos. Pois não é que tiraram até fotografias com celulares, iPad, seja lá o que for? E as pizzas, meu Deus? Falar nisso, cadê o Jack Nicholson, de óculos escuros e sorriso cínico? Ele ficava na primeira fila, gozando tudo e todos, espécie de grilo falante daquela cerimônia que, à medida que a tecnologia se desenvolveu, piorou.
No momento em que deram o Oscar ao Matthew McConaughey, desliguei a televisão. Esquecer Bruce Dern, veterano e ótimo ator, por este mocinho perfeito em filmes como Velozes e Furiosos (sei ele não fez este filme, mas é talhado para o gênero) foi demais. Faço uma aposta. Quantos conseguem pronunciar o nome McConaughey corretamente?
As premiações. Oscars demais para Gravidade que não é lá essas coisas. Nenhum Oscar a O Lobo de Wall Street. Oscar justíssimo para A Grande Beleza. Oscars de menos para 12 Anos de Escravidão. Correto o Oscar para Cate Bianchett, melhor atriz. Sandra Bullock deveria ter ganho um Oscar pela cara de decepção que fez quando ouviu o nome da Cate. Pior do que a dela, somente a amargura expressa por Robert Downey, décadas atrás, quando não levou o Oscar por Chaplin. Jared Leto (onde arranjaram este nome?) foi ótimo, ganhou o público, elogiando a mãe, confessando que é filho sem pai. Ele está melhor do que o Mathew não sei o quê em Clube de Compras Dallas. Aplaudi quando in memoriam citou Eduardo Coutinho. O Oscar quase se redimiu ali.
Mudando o registro. Não assisto mais, como antigamente, o desfile das escolas de samba. Uma das razões é que, como jornalista, me penaliza os profissionais designados para os bastidores. Os que, microfone em mão, tentam buscar notícias antes e depois da passagem da escola pela avenida (assim se dizia, avenida). Na concentração e na dispersão. Os coitados (ou coitadas) se esgoelam para fazer uma pergunta junto ao ouvido do puxador de samba, da rainha da bateria (e tome Sabrina Sato em tudo que é jornal, tevê, camarote, frisa, pista) ou dos mestres disto e daquilo, em meio ao rimbombar de surdos e caixas de repiques e cuícas. Um não ouve a pergunta, outro não ouve a resposta (nós, telespectadores, também nada ouvimos, pouco importa, mudamos de canal à espera da nova escola) e fica por isso. Como não vi tudo, não sei. Mas onde esteve a Lecy Brandão, que desvenda as árvores genealógicas inteiras do who's who do samba? Quase uma semana depois, neste tempo de rapidez, internet, rede social, Twitter e What's Up, esta crônica pode parecer anacrônica. É que eu não tinha dado opinião para a turma de minha idade. E nunca ninguém me viu escrever com tantos parênteses, o que faria o horror de meu "amado mestre" (obrigado, Rogério Cardoso) de português Jurandyr Gonçalves Ferreira.
De fato, o carnaval de hoje parece um Circo du Soleil mambembe, com aqueles bonecos movidos a ventilador abanado em postos de gasolina.
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