sexta-feira, março 07, 2014

Os gringos estão chegando! - BARBARA GANCIA

FOLHA DE SP - 07/03

E eles vêm animadíssimos para ficar na casa do amigo, da ex-namorada... Ninguém quer perder a Copa no Brasil


Sem querer desanimar meu leitor habitual --se é que ele existe--, mas já desanimando, começo a me dar conta de que sou eu a Velhinha de Taubaté, Eremil­do, o Idiota e sabe lá quantas outras virgens iludidas que vegetam por aí como zumbis. Apenas existindo, consumindo oxigênio, sem conse­guir diferenciar o que é peito do que é a carne escura na hora de des­trinchar o frango assado.

Andava reconfortada pelo fato de que, sendo caro demais o pernoite nos hotéis tapuias durante a Copa, a gringolândia não iria se aventurar a tomar um avião para vir ser assaltada do outro lado do mundo.

Fui perceber o quanto estava en­ganada durante o Carnaval, passado em Nova York, no qual me entreti­ve desfilando no bloco das ofertas da Bloomingdale's, quero dizer, na ala das baianas do MoMA, do Gug­genheim e do Lincoln Center.

Fiquei sabendo pelo motorista do táxi, pelo garçom e até pelos ursos que hibernam no Central Park (menti­ra) que meio mundo pretende vir ao Brasil em junho passar uma temporada na casa do amigo que mora em Belo Horizonte, do ex-co­lega de faculdade que trabalha na Petrobras ou da namorada cearen­se. A fuzarca está armada.

Visse que animação. Mal sabem eles que tem gente por aqui fazen­do até novena na esperança de que nada ocorra de mais grave... Alô, controladores de voo! Já estamos tratando de garantir que, durante a Copa, ninguém irá trabalhar pres­sionado, não é mesmo? Alô, nobres engenheiros responsáveis pelos cálculos das estruturas dos está­dios! Falem agora ou calem-se para sempre! Ainda está em tempo de revelar ao Folhaleaks aquele erri­nho que anda lhe tirando o sono.

Eu sei, eu sei. Oscilo entre a passi­vidade lobotomizada e a paranoia mirabolante. Mas melhor uma neurótica viva do que uma mula morta, é o que eu sempre digo.

Na Quarta de Cinzas fui à opera­dora de celular repor um chip per­dido. Cheguei antes de a loja abrir e dei de cara com uma fila. Puxei papo. Foi só o que tinha tido o celular furtado na Sapucaí contar sua história que ou­tras seguiram. O atendente da loja confirmou. "Depois de fim de ano e Carnaval sempre há filas de com­pra de aparelho para repor o rouba­do". Imagino que na Índia, Costa Rica, Malásia, Vietnã, Croácia e Ucrânia aconteça o mesmo. Não? Será? O que você acha?

Também odeio quem fala mal co­mo se não fizesse parte desta geleia de jabiraca de país, como se vivesse suspenso em uma redoma blinda­da. Mas ainda estou me esforçando para atingir os níveis de otimismo do Ronaldo e do Nizan.

E a tarefa ficou mais tenebrosa ainda depois de passar pelo aero­porto André Franco Montoro, com suas esteiras de malas da época do avião à lenha e o indefectível táxi para voltar para casa a preço de co­caína pura.

Por falar em droga, o Conselho In­ternacional de Controle de Narcó­ticos divulgou estudo dizendo que o consumo de cocaína dobrou nos últimos dez anos no Brasil e que es­tamos entre os que mais conso­mem no cosmos.

Imagino que gostemos tão mais da droga do que os outros países pela facilidade em obtê-la, por sermos rota de tráfico e pelas disparidades que tornam tanto o consumo quan­to o tráfico atraentes a uma camada menos favorecida e escolarizada. Mas, além destes fatores, há entre nós e ela uma atração fatal.

Veja: a cocaína é a droga do eu, nós somos um dos países em que mais se realizam cirurgias plásticas e mais se gasta, em termos propor­cionais, com aparência. Por exce­lência, o demônio ralado é a droga da superficialidade. Bem, um de nossos mais famosos produtos de exportação é a depilação da virilha. O outro são as telenovelas e o ter­ceiro é o Michel Teló.

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