sexta-feira, março 21, 2014

Margem de segurança é estreita para inflação em alta - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 21/03

Por leniência, governo deixou inflação escapar da meta de 4,5%, e agora há pouco espaço para absorver choques como o dos preços de alimentos



Na sua última passagem pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, esta semana, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, repetiu duas vezes que nada condena o Brasil a continuar com uma inflação acima da meta de 4,5%.

Talvez, mas dependerá do governo. Não mais deste, é certo, que se notabiliza por jamais ter mantido a variação dos preços neste nível, até alto se comparado com a inflação de vizinhos — com a exceção dramática da Venezuela e Argentina — e do bloco de economias emergentes em geral. Serão quatro anos em que o melhor resultado foram 4,92%, em junho de 2012, com o agravante de o teto da meta, de perigosos 6,5%, ter sido furado algumas vezes. Como, prevê-se, acontecerá novamente em 2014.

Não sem motivo, a última pesquisa Focus, feita entre analistas do mercado, apontou para uma inflação anual de 6,1% em dezembro. Reconhece-se que, neste início de ano em especial, a pressão dos preços dos alimentos está forte, devido à seca. Mas, se o fenômeno climático explica, não justifica.

As margens na meta de inflação, de dois pontos percentuais para cima e para baixo, serve para a economia absorver choques, sem a necessidade de ações mais firmes da autoridade monetária (o BC). O governo Dilma, entretanto, contaminado pela visão “desenvolvimentista”, nunca assumiu formalmente mas caiu na armadilha de permitir um pouco mais de inflação, para obter um pouco mais de crescimento. Só conseguiu mais inflação.

O BC teve sensibilidade técnica para aproveitar os ventos deflacionistas soprados da crise europeia e jogar os juros internos para impensáveis 7, 25%. Mas, como quase sempre na Era do lulopetismo, o Ministério da Fazenda, sob estrito controle da presidente, não contribuiu com uma política fiscal responsável. E colocou o país em outra arapuca, ao acelerar o consumo sem a contrapartida dos investimentos internos no aumento da capacidade produtiva e na infraestrutura. Os resultados estão aí: déficits externos crescentes e inflação enrijecida nas vizinhanças de 6%, algo muito grave devido à existência, ainda, de mecanismos de indexação automática, o do salário mínimo apenas um deles. E mesmo assim porque o governo joga inflação para debaixo do tapete, ao conter artificialmente tarifas públicas (energia, etc) e combustíveis. É por isso que os preços chamados “livres” têm subido na faixa dos 7,5%/8%.

O BC, até agora, tem feito seu trabalho: voltou a apertar a política monetária,e os juros retornaram aos 10,75% de quando Dilma assumiu. Mas, como não é da índole deste o governo enfrentar para valer a inflação, ainda mais em ano de eleições presidenciais, a letal mistura de preços em alta — mesmo sem descontrole — e baixo crescimento, também reflexo da compreensível desconfiança dos empresários, ficará à espera de quem assumir o Planalto em 1º de janeiro de 2015. Que pode ser a própria Dilma Rousseff, a favorita nas pesquisas. Receberia, assim, a própria “herança maldita”.

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