sexta-feira, fevereiro 21, 2014

Me engana que eu gosto - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 21/02

'Mercado' aceita oferta de 'trégua' do governo, mas não acredita na meta de gastos


QUEM TEM MUITO dinheiro deu um "voto de confiança" ao governo. Investidores, donos do dinheiro grosso, credores do governo, enfim, o que se chama de "mercado" revelam seu voto por meio da variação de preços, como taxas de juros e taxa de câmbio. Ontem, estava tudo calminho na praça.

O governo anunciou ontem o quanto pretende poupar dos dinheiros que, imagina, vai arrecadar neste 2014. Como a meta anunciada ficou muito perto do que o "mercado" previa e considerava "aceitável", não houve faniquitos.

No entanto, parte relevante do "mercado", endinheirados, seus porta-vozes e economistas, está dizendo "me engana que eu gosto".

O governo anunciou que pretende poupar o equivalente a 1,55% do PIB, o que, somado à provável poupança de 0,35% do PIB na conta de Estados e municípios, daria 1,9% do PIB.

Economistas de instituições financeiras que costumam fazer contas sensatas e ponderadas acreditam, porém, que o superavit deve ficar entre 1,3% do PIB e 1,7% do PIB.

Depois de bater no governo por quase quatro meses, o "mercado" teria então considerado que, pelo menos por ora, colocou o governo na linha, mesmo que a meta de superávit seja apenas uma promessa bem-intencionada, embora inexequível?

A meta para 2014 é igual ao resultado de 2013, 1,9% do PIB. Neste ano, porém, o governo não deve contar com receitas extraordinárias (que não advêm da coleta regular de impostos) tão gordas quanto as do ano passado, responsáveis pelo menos por metade do superávit.

Logo, repetir o superavit de 2013 em tese representa um esforço maior, talvez improvável, de poupança.

A fim de atingir a meta de 2014, o governo prevê que a receita de impostos vai crescer no dobro do ritmo do ano passado (sem contar receitas extraordinárias). Vai dar pé?

Na melhor das hipóteses, a economia neste ano crescerá tanto quanto em 2013. Isso é otimismo, pois as previsões na praça são que o PIB cresça menos de 1,8% neste ano, ante uns 2,2% de 2013. O governo prevê crescimento de 2,5% (e a tendência do "mercado" é rebaixar sua previsão para 1,5%). Por que a receita de impostos cresceria mais rápido?

No ano passado, despesas sociais, como as previdenciárias e o seguro-desemprego, cresceram muito além do previsto pelo governo. Em 2014, não haverá esse descontrole abismal?

De passagem, note-se que, apesar de o governo anunciar "cortes", o que se divulgou ontem foi apenas a redução da despesa louca prevista no Orçamento fictício aprovado pelo Congresso. A despesa do governo federal vai aumentar, tanto em termos absolutos como em proporção do PIB.

Dados os compromissos acordados de gastos, dados os cortes de impostos para empresas e descontroles (intencionais ou não), será muito difícil cumprir a meta de poupar 1,9% do PIB. O desarranjo do último triênio não vai ser consertado num ano só.

Anunciar tal pretensão foi uma promessa de fazer o possível e um pedido de "trégua" do governo, por ora aceito pelo mercado, acordo de relativa paz que vai ser revisto mês a mês. Seu futuro vai depender das contas mensais do governo, do tumulto mundial e de outras medidas de racionalização da política econômica.

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