sexta-feira, fevereiro 14, 2014

Compromisso com meta terá que ser provado mês a mês - CLAUDIA SAFATLE

VALOR ECONÔMICO - 14/02

O anúncio da meta fiscal para este ano, que será feito pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, até quinta feira, dia 20, é visto pelo governo como uma decisão de alto valor estratégico em um momento de grandes incertezas para as economias emergentes e, particularmente, para o Brasil.

O tamanho do contingenciamento do Orçamento para viabilizar a meta que for definida ainda está sob intensa discussão no âmbito da junta orçamentária, com suas conhecidas divergências e as inesperadas despesas que chegam da área de energia.

Espera-se da decisão, no entanto, pelo menos dois sinais claros: 1) que o superávit primário seja suficiente para estabilizar a dívida pública bruta como proporção do Produto Interno Bruto (PIB) e, assim, afastar o risco de rebaixamento do grau de investimento pelas agências de rating; 2) que a política fiscal seja, no mínimo, neutra para o controle da inflação, conforme preconizou o Banco Central pela primeira vez na ata do Comitê de Política Monetária (Copom) de setembro de 2013.

Um fator relevante para montar esses cálculos é o comportamento do PIB esperado para o ano. Nesse aspecto, as notícias não são boas. Está havendo uma rápida deterioração das expectativas de crescimento econômico. As principais casas financeiras estão convergindo para uma modestíssima expansão do PIB, de algo próximo a 1,5%.

Se esse for o cenário, uma meta de superávit primário consolidado do setor público em torno de 1,5% do PIB já entraria no campo da neutralidade, se não ajudando pelo menos não atrapalhando a batalha do combate à inflação travada pela política monetária. Mas não seria suficiente para estabilizar a dívida bruta/PIB, cuja trajetória está no centro das preocupações das agências de rating, sobretudo da Standard & Poor"s.

Recentemente, o Banco Central apresentou dois exercícios para as variáveis fiscais ao fim de 2014, levando em conta o cenário de mercado naqueles dias: IPCA de 6,02%, taxa de câmbio de R$ 2,45, juros de 10,8% e crescimento de 1,91%.

Com um saldo primário de 1,4% do PIB, conforme projetava o Focus, a dívida líquida subiria de 33,8% do PIB em 2013 para 34,5% do PIB este ano. A dívida bruta aumentaria de 57,2% do PIB para 58,1% do PIB e o déficit nominal cresceria de 3,28% do PIB para 3,7% do PIB, em igual período.

Tomando o superávit primário de 2,2%, citado na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), a dívida líquida ficaria estável em 33,8% do PIB, a bruta aumentaria de forma marginal, para 57,4% do PIB e o déficit nominal seria de 3,1% do PIB. Conforme a hipótese de PIB para o ano esses números mudam substancialmente. É provável que para um crescimento inferior a 2% este ano, o superávit próximo a 2% do PIB seja suficiente para estabilizar a dívida bruta.

Tão importante quanto a definição da meta fiscal será a sua comunicação. Se as premissas usadas pela área econômica estiverem distantes das que o mercado considera razoáveis, por exemplo para a taxa de crescimento, a confiança nos propósitos do governo terá vida curta.

Gato escaldado, aliás, a tendência dos agentes econômicos é de ver para crer. Economistas e analistas do setor privado argumentam que a despeito da divulgação oficial da meta, dia 20, vão querer primeiro ver os resultados mês a mês e se eles são consistentes com o objetivo anunciado para o ano. "Agora é São Tomé. A prova provada", disse um economista influente. Perde-se, aí, o ganho antecipado de uma melhora das expectativas, tão importante para a condução da política monetária pelo Banco Central.

Se o governo considera a decisão sobre a política fiscal como de importante valor estratégico, os analistas do setor privado a veem com uma dose considerável de ceticismo. Até gostariam de acreditar, pois uma virada na gestão das contas públicas em ano eleitoral poderia ser um divisor de águas e marcar uma substancial mudança nas convicções da presidente Dilma Rousseff.

Uma pergunta frequente em rodas de empresários, hoje, é se Dilma Rousseff, caso reeleita, vai dobrar a aposta no estilo e conteúdo que marcou sua primeira gestão; ou se a experiência desses quatro anos, com todos os seus percalços e o baixo crescimento do país, abalou as crenças da presidente. A resposta a essa indagação pode começar a ser escrita na semana que vem.

O; relatório do Federal Reserve, entregue ao Congresso americano no mesmo dia da sabatina de Janet Yellen, esta semana, nas duas páginas em que trata dos países emergentes, causou grande contrariedade na área econômica do governo. O texto citou nominalmente o Brasil como um dos países mais vulneráveis às intempéries externas, a partir de um índice de vulnerabilidade construído pelos economistas do Fed, cuja metodologia não foi explicitada.

O assunto foi tema de discussão no Ministério da Fazenda nos últimos dias e um economista graduado do governo alinhou alguns dos motivos pelos quais seriam falhos os argumentos do Fed. Um deles, por exemplo, é de desprezar o fato de que o real era a moeda mais sobrevalorizada do planeta.

O índice foi calculado para uma amostra de 15 economias emergentes com base em seis indicadores e encontrou correlação desse índice e as desvalorizações cambiais dos emergentes. Brasil e Turquia aparecem como os mais vulneráveis.

Dois experientes economistas, com intensa vivência internacional, também reagiram com espanto ao relatório. "Totalmente absurda a comparação do Brasil com a Turquia", comentou Murilo Portugal, que por 13 anos foi do alto escalão do Fundo Monetário Internacional. "Nós temos menor déficit em conta corrente, reservas mais elevadas, instituições sólidas e coesão interna", ponderou ele.

O ex-ministro Delfim Netto também reagiu: "Esse relatório é um absurdo!". Delfim atribui a citação do Brasil a uma contaminação do Fed pelo ambiente geral de "má vontade" dos investidores internacionais com o país.


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