terça-feira, janeiro 21, 2014

‘Sobras de campanha’ e gerência pública - ODEMIRO FONSECA

O GLOBO - 21/01

Pagamentos são em cargos públicos, não só para os que vencem as eleições, mas também para os que perdem



Não são sobras em dinheiro o “caixa dois” das eleições. Esta deformação do sistema eleitoral brasileiro, tão aceita (todo mundo faz, declarou um ex-presidente), degenerou-se em sofisticado sistema de compra de votos no Congresso. A mais apavorante deformação política da nossa democracia, feita dentro dela. Políticos que simbolizam corrupção, como Quércia e Maluf, são trombadinhas perto dos quadrilheiros do PT.

Referimo-nos a algo mais insidioso, custoso e pernicioso, mas não criminoso — as sobras de recursos humanos das campanhas. São pagamentos em cargos públicos, não só para os que vencem as eleições, mas também para os que perdem. Com três níveis de governo, centenas de estatais com suas diretorias e conselhos, milhares de cargos de confiança, dezenas de partidos e acordos, as possibilidades são infinitas. Mais uma feiura dentro da democracia. Impossível de calcular o custo de tal prática.

Este processo de seleção adversa, associada ao concurso público, que deve proteger o funcionário mas enfraquece a avaliação e a linha de comando gerencial, acabou criando uma máquina pública cara e disfuncional. O governo só opera pelo esforço de uns poucos, que se esfalfam.

Mesmo que o governo recrutasse excelentes executivos, eles não conseguiriam ser eficientes como no setor privado. Há duas principais razões. A primeira: organizações públicas ou privadas não são democracias. Para funcionarem, precisam de uma cadeia de comando, onde reside o poder. Nas organizações públicas, o poder está nos políticos, cujo objetivo é ganhar eleições, e executivos são pacientes na luta política, da qual precisam se proteger.

A segunda razão é intratável. Decisões são tomadas em ambiente de incerteza. O erro é inevitável e pode ser de três naturezas: por incompetência, má-fé e julgamento. O erro de julgamento não existe na decisão pública. O executivo público tem medo de decidir, pois, se erra, só pode ser incompetente ou ladrão.

Existem louváveis esforços privados de ensinar o governo a ser mais eficiente. Mas pelas razões acima, o ambiente político é o pior possível para ser eficiente. O que o governo aprende mesmo é arrecadar mais. A alternativa, que existe pelo mundo, é aumentar a esfera de atuação dos que podem contratar talento, decidir sob incerteza, errar e mínimas preocupações com lutas políticas.

São várias as formas de desestatização: venda de estatais, concessões, regulação mais racional, desburocratização. Retirar o governo de ambientes competitivos em que existam capital, empreendedores e inovadores. Com regras do jogo iguais e estáveis para todos. Nada de protegidos e escolhidos. Sem seguro-desemprego para empresários.

O Brasil está indo nesta única possível direção, mas sem convicção, resmungando e empurrado pela realidade. Por que tanto tempo, sofrimento e papo furado para conceder um aeroporto ou uma rodovia? Ou autorizar grandes investimentos privados em infraestrutura? Por que não um esforço concentrado para desburocratizar, como está sendo feito para a Copa acontecer? Sobre a experiência mundial, pouco pode-se inventar. Alemanha Ocidental privatizou a Alemanha Oriental em menos de dois anos, 20 anos atrás. Mexendo muito nas regras do jogo, conseguimos piorar no ranking de países mais difíceis de começar um negócio.

E o Brasil patinando. Os brasileiros são empreendedores, nossa mão de obra tem cultura de trabalho; temos muitas empresas e empresários fantásticos. Capital nunca foi tão abundante. É só os governos saírem da frente.

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