quarta-feira, janeiro 08, 2014

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GAZETA DO POVO - PR - 08/01

Pesquisas sobre ação dos jornais na sociedade brasileira estão no crescente, mas são miúdas. O preço é alto


Causou impressão a presença do livro A cozinha venenosa – da jornalista brasileira Silvia Bittencourt – em algumas retrospectivas sobre os melhores lançamentos de 2013. O livro trata do jornal Münchener Post, da Baviera, em sua oposição ao nazismo e à Hitler nos anos 1920, o que redundou em irremediável perseguição. Os editores do Münchener, afinal, ousaram perguntar às autoridades até quando tolerariam um político que incitava o ódio. Não obtiveram respostas. Deu no que deu.

Deve-se lembrar de que os jornais são pouco amados pela historiografia, ainda que muito citados como fonte. No Brasil, em particular, há um mal-estar entre a imprensa e a academia, reforçando esse contrassenso. É de praxe que os veículos de comunicação sejam desancados pelo viés ideológico, sendo raro reconhecer suas lutas. Enquanto os franceses têm a seu dispor três biografias do Le Monde, os leitores brasileiros parecem encontrar nos intelectuais um incentivo para não ler jornais.

Vale repetir a frase de Ruy Castro, ao escrever sobre o bravo Correio da Manhã: “Os jornais, quando morrem, não vão para o céu. Sobrevivem por algum tempo nos corações e mentes de seus leitores, mas, com os anos, esse amor e memória coletivos vão se dissolvendo. A única sobrevida é a de suas coleções na Biblioteca Nacional, onde, dependendo de sua atuação em vida, servirão de pasto para pesquisadores. Mas mesmo isso é relativo: em seu lugar, novos jornais se impõem e, às vezes injustamente, os obscurecem como testemunhas ou agentes da história”.

Nesse cenário, o reconhecimento do trabalho de Silvia Bittencourt traça um horizonte. O Münchener Post não se impõe como um apêndice da pesquisa sobre o nazismo, mas como parapeito, de onde se olha a tragédia. A autora vê a ascensão de Hitler do prisma de uma redação pela qual circulavam homens às voltas com a urgêcia dos fatos. É um ponto de vista privilegiado, por mais que os desavisados insistam em ignorar a queda de braço e os conflitos que redundam, a cada dia, em uma nova edição, de qualquer jornal, em qualquer tempo.

Talvez o êxito de A cozinha venenosa sirva de inspiração para mais pesquisas sobre imprensa. São demoradas. Caras. Exigem meses de leitura de página a página. Mais que isso – estudar os jornais exige como condição prévia o conhecimento de uma cultura erguida em dois séculos de vida moderna. E, repetindo o que diz o crítico britânico Terry Eagleton, não há tolice maior que subestimar uma cultura.

Os 50 anos do início do regime militar tendem a fazer da imprensa uma vidraça. O jornal O Globo, ano passado, publicou seu mea culpa pela aceitação do golpe de 64. Abriu a discussão. Incitou outros veículos a saírem da toca. Com exceção do jornal Última Hora, naturalmente favorável a Jango, todos os outros apoiaram o que se julgava uma intervenção militar. Em vez de uma leitura ligeira desse fato, a posição dos jornais do país mereceria passar por um bom bisturi, mas há falta de matéria-prima na praça, capaz de nos reportar àqueles dias.

Há, sim, iniciativas aqui e acolá, pondo papinhas à boca da esquelética história da imprensa no Brasil, apesar de Nelson Werneck Sodré, Juarez Bahia, Isabel Lustosa, Marialva Barbosa e do crescente nas publicações. Há dois anos, dois livros mostraram que o tom tem de ser um pouco mais acima, evitando as habituais conversas rasteiras: História da imprensa paulista, de Oscar Pilagallo; e Folha, de Ana Estela de Sousa Pinto, trataram com inequívoca sinceridade as relações do grupo Folha com a ditadura, mas sem deixar de combater algumas lendas plantadas pelo senso comum. Uma e outra obra são uma isca para que pesquisadores sérios prossigam a investigação, ajudando a entender a imprensa como organismo e interação social.

Assim como Pilagallo e Ana Estela, outros autores estão se debruçando sobre veículos que não os tradicionalmente mais contemplados pelos estudiosos – a exemplo da revista Realidade, do nanico Pasquim, do clássico Última Hora ou do cultuado Notícias Populares. Em 2011, por exemplo, Cecília Costa lançou Diário Carioca – o jornal que mudou a imprensa brasileira, fazendo justiça ao periódico que trouxe as técnicas modernas de apuração e edição para o país. Nesse momento de crise da imprensa – à qual não falta quem queira reinventá-la, ao sabor da hora, sem olhar para trás –, as revelações de Costa ajudam a perceber o tamanho de nossa ignorância.

Em miúdos – fazer “coleta de fungos”, como brincam os pesquisadores, em jornais, não é tarefa de cunho institucional. Merece incentivo, pede urgência. Os metros e metros de impressos à espera de experts nos arquivos públicos estão longe de ser documentos de segunda categoria. Podem surpreender, para além dos equívocos do ramerrame tomado como verdade. Esses documentos nascem de uma cozinha sofisticada. São uma colagem, feita à base de tensão e resistência, diálogo e empenho intelectual, mergulho na realidade e respeito a ideais. Não são ingredientes que se despreze.

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