O GLOBO - 19/01
Bons tempos em que a gente viajava não para alargar nossos horizontes culturais, mas para, na volta, dar inveja nos que não podiam
Recebo outra carta da ravissante Dora Avante. Dorinha, como se sabe, não revela sua idade para ninguém, só diz que não é verdade que já viu o Cometa Halley passar duas vezes. À frente do seu grupo de pressão política e carteado, as Socialaites Socialistas, que lutam pela implantação no Brasil do comunismo soviético na sua ultima etapa, a da volta ao tzarismo, Dorinha se mantém ocupada o ano inteiro, o que não a impede de fazer a coisa que mais gosta, pelo menos entre as publicáveis: viajar. Ela ainda se lembra do tempo em que mandava fazer vestido especialmente para andar de avião, e todos os seus maridos só viajavam de paletó e gravata, e em viagem você só encontrava contribuintes da mesma categoria tributária que você, ou pelo menos do mesmo grau de sonegação, enquanto hoje... Mas deixemos que a própria Dorinha faça a sua queixa. Sua carta veio, como sempre, escrita com tinta turquesa em papel lilás, cheirando a “Mange moi”, um perfume recentemente denunciado pelo Papa Francisco para agradar à ala conservadora da Igreja.
“Caríssimo! Roto-beijos! Bons tempos em que a gente viajava não para alargar nossos horizontes culturais, mas para, na volta, dar inveja nos que não podiam. Me lembro do tempo em que não se encontrava brasileiros nem em Miami. Encontrava-se muitos cubanos, é verdade. Se por alguma razão você exclamasse ‘Jesus!’ na rua, sempre tinha um por perto que respondia ‘Sí?’ Mas os cubanos eram simpáticos, e todos anticastristas, o que me enternecia a ponto de levar vários para a cama. Hoje Miami é um subúrbio do Brasil, e Orlando sua colônia de férias. Já tive a experiência de viajar para a Flórida num avião cheio de ruidosas crianças brasileiras a caminho da Disneyworld, o que só reforçou minha convicção de que Herodes foi um incompreendido. Na Europa também era raro se encontrar alguém falando português, inclusive em Portugal. Lembro que um dos meus maridos brasileiros, cujo nome me escapa no momento, insistiu em visitar sua conta na Suíça (era um sentimental) e descobriu que o banco o identificava como ‘El mexicano’. Na época, nem corrupto nacional era reconhecido. Hoje você não pode andar na rua em Paris ou Londres sem ouvir português por todos os lados. Você não pode, principalmente, falar mal do grupo na mesa ao seu lado porque é quase certo que sejam de Presidente Prudente e estejam entendendo tudo. Você sabe que eu sou uma democrata e até já dei jantar pro Lula — não com a louça boa, claro — mas é preciso haver um limite! Que graça tem chegar de viagem e contar o que eu vi para minha diarista e ela dizer que a catedral de Chartres é bonita, mas não se compara ao Taj Mahal? Assim, decididamente, não dá. Da tua lamurienta Dorinha.”
Alguma semelhança com a Dilma?
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