sábado, janeiro 11, 2014

O marketing do patriotismo - WILSON TEIXEIRA SOARES

CORREIO BRAZILIENSE - 11/01

Ele foi o melhor jogador de futebol do mundo. O que, por si só, deveria bastar. Após pendurar as chuteiras, no entanto, optou por fazer o que não deveria. Transformou-se em um palpiteiro de má qualidade. A ponto de terem-lhe pespegado o rótulo de pé-frio. Na verdade, ele não é pé-frio.

Fala, apenas, sem antes raciocinar. Como atesta a recente missa que rezou em nome da Fifa, no site da entidade, sugerindo que protestos não deveriam ser permitidos durante a Copa do Mundo. Para o grande jogador, o Estado deveria baixar um édito proibindo manifestações de protesto. Deveriam, portanto, ser admitidas apenas demonstrações de ufanismo, de nacionalismo. De patriotismo, enfim.

Disse o grande jogador esperar que o Brasil abrace a oportunidade que lhe foi dada com a Copa do Mundo. Oportunidade de quê? De encaminhar soluções para o sistema educacional capenga? Para a mobilidade urbana inexistente? Para o sistema de saúde precário? Ou para que a seleção fature o hexacampeonato e o populacho acredite que o esporte vive, aqui, um momento de apogeu?

A seleção que jogará a Copa não é o espelho do futebol brasileiro. Será um time competente, formado por atletas aqui nascidos, mas que não refletem o que é jogado pelos clubes do país. Porque o futebol brasileiro perdeu qualidade, refinamento. Perdeu filosofia.

É antiga a frase de Samuel Johnson: "O patriotismo é o último refúgio do canalha". E menos conhecida a de Erich Fromm: "O nacionalismo é a nossa forma de incesto, a nossa demência. O patriotismo é o seu culto". De maneira sintética, Albert Einstein pontificou: "O nacionalismo é uma doença infantil; é o sarampo da humanidade".

Há, hoje, canalhas em excesso. Basta que a seleção atropele uma Botswana da vida para que vaticínios sobre a supremacia do futebol tupiniquim renovem-se. O ano que há pouco começou será marcado por um maremoto de delírios patrióticos. E é até possível que a seleção ganhe o título, porque dispõe de jogadores de alta qualidade, mas que fazem as delícias dos telespectadores que consomem o futebol dos grandes times da Espanha, da Itália, da Alemanha.

Quanto ao futebol jogado pelos times brasileiros, a foto espelha um momento ruim, resultante da incapacidade gerencial dos cartolas brasileiros, que vendem jovens jogadores de talento motor a peso de banana para serem transformados em produtos de qualidade. Estratégia montada para transformar o futebol dos clubes europeus no produto mais atrativo do mercado de entretenimento esportivo.

A qualidade do futebol jogado no Brasil evaporou-se na medida em que os clubes europeus, conscientes de que careciam de matrizes reprodutoras de futebol criativo de qualidade excepcional, passaram a comprar, na mais tenra idade possível, o que de melhor havia por aqui. E também na Argentina, no Uruguai, no Chile, na Colômbia.

Quando o Santos foi goleado na final do Mundial de clubes pelo Barcelona, o treinador Pep Guardiola declarou que o padrão de jogo do time catalão inspirava-se nas características do futebol brasileiro do passado. Então, a bola, por ser de couro, que provem da vaca, corria rente à grama, rolando de pé em pé. Esse futebol, dionisíaco, não existe mais. Porque para o futebol estado da arte existir, jogadores infernais são imprescindíveis. E esses estão além-mar.

A necessidade de comercializar os jogos de futebol exige, contudo, a disseminação de propaganda enganosa, que alardeia o Brasileirão como o maior campeonato nacional de futebol do mundo. Arrasta-se por meses a fio. Mas quem se entrega à tarefa de apurar o que de excepcional foi apresentado, pouco tem a contabilizar.

Se a seleção faturar o caneco, os patriotas de plantão trombetearão a glória do futebol brasileiro per omnia secula seculorum. O enigma da esfinge, no entanto, não terá sido decifrado: o futebol brasileiro é o jogado pela seleção formada por craques que atuam no exterior ou é o apresentado nos campeonatos estaduais, na Copa do Brasil e no Brasileirão?

Há, evitando a praga do nacionalismo e do patriotismo, que têm suas raízes plantadas na xenofobia e no racismo, que se meditar sobre a resposta. Porque, na verdade, o futebol praticado pelos clubes brasileiros não tem a qualidade por muitos trombeteada. É propaganda enganosa, falsa como pirita, que a eventual conquista do hexacampeonato não conseguirá esconder.

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