quinta-feira, janeiro 16, 2014

Francisco conquista espaços no Vaticano - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 16/01

Bergoglio demonstra ter aprendido muito da arte da política ao conviver com os militares argentinos na ditadura e com os peronistas



O ainda curto pontificado de Francisco já tem uma divisão clara. Eleito em março e empossado em abril, Jorge Mario Bergoglio nunca deixou de sinalizar sobre o perfil que deseja para a Igreja: mais aberta ao povo, presente nas ruas, humilde, compreensiva. Assim que afirmou não desejar viver nos suntuosos aposentos papais, Francisco mandou uma mensagem. E não parou mais.

Logo depois, fez a primeira viagem ao exterior, ao Rio, onde, nas pregações na Jornal Mundial da Juventude, manteve o tom, reafirmado na entrevista à TV Globo e nas seguintes. Compreensão diante da homossexualidade e acolhimento a casais divorciados, por exemplo, ganharam espaço no noticiário.

Francisco viveu momentos de catarse no contato com as multidões na viagem, mas retornou para um Vaticano no qual o esperava uma estrutura de poder cristalizada no pontificado de Bento XIV, que, tudo indica, teve a humildade de reconhecer a incapacidade até física de reformá-la, e entrou para a História como o primeiro Papa a renunciar em 600 anos.

Francisco retornou e, numa indicação translúcida de que, dogmas à parte, deseja gerir a Igreja de forma compartilhada, nomeou um grupo de oito cardeais para assessorá-lo, o “G-8 papal”. E, como era imprescindível, afastou o cardeal Tarcisio Bertone do cargo de secretário de Estado, a segunda pessoa do Vaticano, substituindo-o por Petro Parolin. Identifica-se Bertone como forte liderança da ala conservadora, desinteressada em maiores alterações em nomes e na maneira de operar da Cúria romana, responsabilizada, em última análise, pela tíbia reação da Igreja às denúncias de pedofilia e de desmandos no Banco do Vaticano.

Recente reportagem do “New York Times” relaciona a dança das cadeiras em vários postos, em todo o mundo, sempre com a intenção de Francisco de se cercar de pessoas de confiança e comprometidas com a sua visão da Igreja. Depois de Bertone, outros da mesma linha foram e estão sendo removidos. Deve ir na mesma direção a alteração anunciada ontem numa comissão de cinco cardeais criada para reorganizar o Banco do Vaticano, na qual mudou quatro, entre eles o brasileiro Odilo Scherer e o próprio Bertone.

A reportagem do jornal americano se refere a um clima de tensão e até de paranoia no Vaticano, diante dos ventos renovadores. Comenta-se até a existência de supostos “seis misteriosos espiões jesuítas” que transitariam pelos corredores e gabinetes da burocracia vaticanista como olhos e ouvidos de Francisco, um jesuíta de origem.

O Papa apenas faz o que é preciso. Hoje, entende-se que Jorge Bergoglio aprendeu muito da arte da política ao conviver com os militares argentinos na ditadura — da qual foi injustamente acusado de ter sido colaborador — e com os peronistas, em especial o ramo kirchnerista, que o considerou inimigo. Mais uma credencial para ele.

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