domingo, janeiro 05, 2014

Aniversários redondos - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 05/01

É muito aniversário redondo num ano só: 50 anos do golpe militar, 30 anos da campanha das Diretas, 20 anos do Plano Real. Pauta para os jornais, para os promotores de seminários e bom para a reflexão. Há ainda os aniversários de dores e alegrias no esporte: 20 anos da morte de Ayrton Senna, 20 anos da vitória na Copa de 94, o nosso Tetra. Oito anos depois, repetimos o feito.

No dia que mais choveu no Rio de Janeiro, em 2013, eu tinha um debate em São Paulo sobre resistência à ditadura. Ainda bem que desafiei o mau tempo e o abre e fecha do aeroporto porque foi um encontro que me permitiu uma conversa com jovens, bem jovens mesmo, que não viram nada do que lembramos em 2014. Nasceram depois de tudo.

A conversa no CCBB era sobre a ditadura militar. Um quis saber por que tanto esforço pela democracia, se ela era “apenas” isso. Falou-se em “política podre.” Outra me perguntou por que não soubera na escola nada daquilo que era mostrado na exposição. Era o “Resistir é Preciso”, do Instituto Vladimir Herzog, que, depois de ter passado por Brasília, foi para São Paulo e chega em fevereiro ao Rio. É impactante, principalmente a sala escura dos mortos e desaparecidos.

O passado passou tão depressa que nem vimos direito e mal tivemos tempo de contar aos mais jovens o que era viver no meio de uma ditadura e com a inflação fugindo ao controle. O presente é tão intenso, com prisão de mensaleiros, alguns deles ex-militantes contra a ditadura, que tudo fica embaralhado na cabeça do jovem.

A luta contra o regime militar não absolve os mensaleiros, os erros do presente não apagam o passado. A democracia não é garantia de governo perfeito, mas é a chance de votar regularmente para manter ou mudar o governo; conforme queira a maioria. É a possibilidade de debater, criticar o governo, influenciar nas decisões tomadas e exigir transparência.

É desafiador falar aos muito jovens. Eles não têm que acreditar em nós, os que vimos a ditadura. E o melhor é que apontem as falhas dos governos democráticos, duvidem dos mais ve- lhos e queiram mais.

Eram jovens da periferia de São Paulo, que têm muitas aspirações. Que bom que têm. Empilhei todos os avanços que a
democracia conseguiu: estabilização da economia, redução da pobreza, universalização do ensino fundamental. E eles não acharam que é o bastante. Ótimo.

Quem estava na Praça da Sé no dia 25 de janeiro de 1984 teve muita sorte. Foi o mais bonito de todos os comícios porque pegou até os organizadores de surpresa. Quantos mil? Ninguém jamais soube, mas não dava para se mexer naquela multidão compacta. Parecia um corpo só, uma voz só. Nos outros, houve mais gente, mas aquele foi o mais inesquecível. A surpresa da Sé começou no amarelo onipresente dos vagões do metrô. Ali se soube que a ditadura estava derrotada, ainda que ela tenha derrubado a emenda das eleições diretas para presidente; direito que exerceremos este ano pela sétima vez consecutiva.

O governo militar foi todo ruim. Não houve a parte boa na economia, como dizem seus defensores. A inflação entregue pelos militares já tinha contratado a escalada que iria consumir a primeira década democrática. Os erros econômicos dos governos civis foram responsabilidade de quem os cometeu, principalmente o violento Plano Collor, mas foi a indexação generalizada e a leniência com a inflação que produziram a tragédia econômica que foi vencida pelo Real.

Há 20 anos o Brasil viveu um ano difícil, com várias emoções misturadas. O Plano Real foi diferente porque foi lançado depois de bem explicado e com direito a meses de treino da URV: de março a julho. Na meio desse trabalho de transição para a mudança do padrão monetário, o país viveu a dor da morte de Ayrton Senna e a vitória na Copa do Mundo. O fundo da tristeza e a alegria no campo dos esportes, enquanto o país se esforçava para entender a nova ordem econômica e monetária. Naquele ano houve ainda eleição presidencial.

Este ano também será intenso. De lembrar tudo isso, refletir sobre cada lição, de sediar uma Copa do Mundo e de votar novamente. Nos momentos mais tensos será bom lembrar o quanto o Brasil melhorou, quantas vezes ganhou, o legado de todas as pessoas que perdemos em muitas lutas. E dizer aos muito jovens que por maiores defeitos que tenha democracia, ela traz consigo os elementos para sua correção.

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