O GLOBO - 28/11
Se a mudança do indexador da poupança foi inconstitucional, então todas as outras alterações também o foram
O Plano Cruzado, de 28 de fevereiro de 1986, foi o primeiro de uma série de cinco fracassos na tentativa de eliminar a superinflação brasileira. Além desse destino infeliz, todos tiveram outra característica comum: o de serem lançados da noite para o dia, como uma bomba monetária que subitamente mudava todos os padrões da economia, da moeda aos contratos.
Entendia-se, então, que o efeito surpresa era condição necessária para qualquer plano desse tipo. Se fosse previamente anunciado, argumentava-se, isso provocaria dois efeitos indesejados: a paralisação da economia e uma enorme desorganização, porque todo mundo correria às cegas em busca de posições defensivas. Nesse ambiente, seria impossível introduzir um novo sistema monetário.
A magnífica construção do Plano Real, em etapas, tudo pré-anunciado, mostrou que essa teoria do choque era falsa. Mas foram oito anos até se provar isso.
Os cinco planos na base do choque — Cruzado, Bresser (1987), Verão (89) Collor 1 (90) e Collor 2 (91) — tiveram que contornar, digamos assim, um enorme problema legal. Na preparação do Cruzado, durante o governo Sarney, os economistas quase mataram de susto o então consultor-geral da República, Saulo Ramos, quando lhe contaram que pretendiam mudar a moeda, os preços e todos os contratos, tudo por decreto-lei assinado pelo presidente.
“Vocês estão querendo uma bruta coisa maluca”, comentou Ramos, conforme, aliás, conto em meu livro “Aventura e agonia nos bastidores do cruzado”, Companhia das Letras, 1987.
O problema é que a alternativa, enviar projetos de lei ao Congresso, obviamente não existia. Seguiu-se, então, nos bastidores uma discussão sobre a constitucionalidade do plano via decreto-lei. E, apesar de suas restrições iniciais, foi o próprio consultor quem encontrou outra argumentação. Para resumir: como a hiperinflação estava levando a economia ao caos, então esse era um caso de ameaça à segurança nacional, situação em que o presidente da República poderia legislar por decreto-lei.
Vendo a história de hoje, parece uma interpretação forçada. Mas, na hora, em meio a uma grave situação, com a economia em frangalhos e a política em crise, caiu como uma solução salvadora.
De certo modo, os outros quatro planos seguiam essa mesma lógica. Tudo na base do decreto (depois medidas provisórias) lançado na calada da noite, quando bancos e mercados já estavam fechados.
Essa é a origem das tantas contestações judiciais que estão por aí, especialmente essa que chegou à pauta do Supremo Tribunal Federal, pela qual poupadores pedem a aplicação de outro índice de correção para as cadernetas existentes nos momentos dos planos Bresser, Verão e Collor 1 e 2.
Pela lógica econômica, os indexadores precisavam ser alterados. O objetivo era introduzir a moeda nova e impedir que a inflação passada fosse reproduzida no novo regime.
Se os preços e todos os ativos e passivos expressos na moeda antiga fossem corrigidos pelos indexadores vigentes no mês anterior à introdução do novo padrão monetário, isso contaminaria a nova moeda e tornaria o plano inútil.
Por isso, a preocupação, desde o Cruzado, foi fazer uma mudança neutra: eliminar e/ou alterar os indexadores, de tal modo que isso não provocasse ganhos nem perdas. Daí a correção de ativos e passivos pelo mesmo critério. No caso da poupança, as cadernetas e as dívidas imobiliárias, financiadas pelo dinheiro da poupança, foram corrigidas da mesma maneira.
Assim, não houve ganhadores nem perdedores. Credores e devedores, poupadores e devedores da casa própria, clientes, bancos e governo, todos tiveram a mesma correção.
Tudo isso para dizer o seguinte: se a mudança do indexador da poupança foi inconstitucional, então todas as outras alterações também o foram. Ou seja, o STF teria que declarar nulos, por inconstitucionais, todos os planos e restabelecer a moeda, os contratos, as regras e indexadores vigentes anteriormente.
Mas anteriormente quando? No velho cruzeiro? No cruzado novo pré-Bresser?
Não faz o menor sentido, não tantos anos depois. O STF poderia ter derrubado tudo logo após cada plano. Isso não aconteceu, a vida seguiu. Como se dizia, os fatos impuseram a constitucionalidade. Hoje, declarar inconstitucional apenas a regra de correção da poupança será uma decisão que distribuirá riqueza do nada. Quer dizer, do nada, não. A conta vai direto para o governo — pois foi o governo que baixou decretos, medidas provisórias e demais normas, impondo o modo de correção. E, se vai para o governo, vai para o contribuinte, atual e futuro.
Os planos fizeram sentido na época e pelo menos evitaram explosões de hiperinflação. O Real resultou também desse aprendizado. Mudar um pedacinho do passado e impor enorme prejuízo à economia de hoje não faz sentido.
quinta-feira, novembro 28, 2013
O bolo um pouco maior - CELSO MING
O Estado de S.Paulo - 28/11
Se a revisão das Contas Nacionais levou ao que a presidente Dilma revelou em sua entrevista ao diário espanhol El País, as implicações não serão meramente estatísticas e não se limitarão à correção das séries históricas. Terão impacto relevante sobre a economia.
O IBGE está revendo as Contas Nacionais (as que calculam o PIB) baseado na suposição de que certos resultados anteriores foram subestimados. Corria a hipótese entre alguns economistas de que o setor de serviços é maior do que se supunha até agora e que, por isso, produz mais renda. A conclusão, ainda provisória e sujeita a análises, confirmou a hipótese.
Segue-se que a evolução do PIB em 2012 (sobre 2011) não foi de apenas 0,9%, como está nos registros, mas de alguma coisa ao redor de 1,5%. Foi o que adiantou a presidente Dilma com base em avaliações do Ministério da Fazenda. Os números oficiais serão divulgados pelo IBGE dia 3 de dezembro.
A presidente Dilma já está festejando porque essa revisão das Contas Nacionais tira alguma força daquela crítica de que este governo só produz PIBs nanicos. Mas há implicações mais importantes do que essa.
Uma delas é a de que o valor do salário mínimo em 2014 será também alguma coisa mais alto do que se previa. Em vez de R$ 722 será de R$ 727 (variação nominal de 7,17% em vez de 6,54%), conforme os cálculos ainda preliminares de uma instituição privada, a LCA Consultores. Salário mínimo mais alto implica, por sua vez, aumento da renda do trabalhador e dos custos de produção.
Como cerca de 67% dos benefícios da Previdência Social correspondem ao salário mínimo, haverá, também, um aumento de despesas do INSS que não virá acompanhado de aumento proporcional das receitas.
Outro efeito negativo ocorrerá nas contas públicas. Em 2012, as três áreas do setor público (governo federal, Estados e municípios) pouparam R$ 105 bilhões (superávit primário), correspondentes a 2,38% do PIB mais curto. Como o PIB ficou mais alto e o superávit primário manteve-se no mesmo tamanho, a relação com o PIB foi reduzida. Ou seja, o governo entregou um desempenho fiscal mais baixo do que o prometido.
O PIB mais alto em 2012 eleva a base de cálculo do PIB de 2013. Se hoje está crescendo à velocidade de 2,5% sobre uma base mais alta, o PIB de 2013 também será mais alto do que os R$ 4,7 trilhões das projeções do Banco Central. Assim, para o melhor e para o pior, todas as demais magnitudes medidas em proporção ao PIB têm de ser alteradas: dívida bruta e dívida líquida, déficit em Conta Corrente (contas externas), evolução do crédito, etc.
Outra consequência prática de impacto não desprezível vai para a fatia da indústria no bolo nacional. Se todos esses cálculos estão sendo refeitos porque a participação do setor de serviços no PIB não era de apenas 68,5%, mas de algo mais do que isso, segue-se que a indústria, que pesava 26,3% no PIB, pesará ainda menos (veja o Confira). Ou seja, as reclamações de que a indústria brasileira está se desidratando devem aumentar.
Do ponto de vista das políticas macroeconômicas, se o objetivo do governo é aumentar mais rapidamente o emprego, a área a ser acionada será o setor de serviços, que contrata mais gente e cresce mais depressa.
Se a revisão das Contas Nacionais levou ao que a presidente Dilma revelou em sua entrevista ao diário espanhol El País, as implicações não serão meramente estatísticas e não se limitarão à correção das séries históricas. Terão impacto relevante sobre a economia.
O IBGE está revendo as Contas Nacionais (as que calculam o PIB) baseado na suposição de que certos resultados anteriores foram subestimados. Corria a hipótese entre alguns economistas de que o setor de serviços é maior do que se supunha até agora e que, por isso, produz mais renda. A conclusão, ainda provisória e sujeita a análises, confirmou a hipótese.
Segue-se que a evolução do PIB em 2012 (sobre 2011) não foi de apenas 0,9%, como está nos registros, mas de alguma coisa ao redor de 1,5%. Foi o que adiantou a presidente Dilma com base em avaliações do Ministério da Fazenda. Os números oficiais serão divulgados pelo IBGE dia 3 de dezembro.
A presidente Dilma já está festejando porque essa revisão das Contas Nacionais tira alguma força daquela crítica de que este governo só produz PIBs nanicos. Mas há implicações mais importantes do que essa.
Uma delas é a de que o valor do salário mínimo em 2014 será também alguma coisa mais alto do que se previa. Em vez de R$ 722 será de R$ 727 (variação nominal de 7,17% em vez de 6,54%), conforme os cálculos ainda preliminares de uma instituição privada, a LCA Consultores. Salário mínimo mais alto implica, por sua vez, aumento da renda do trabalhador e dos custos de produção.
Como cerca de 67% dos benefícios da Previdência Social correspondem ao salário mínimo, haverá, também, um aumento de despesas do INSS que não virá acompanhado de aumento proporcional das receitas.
Outro efeito negativo ocorrerá nas contas públicas. Em 2012, as três áreas do setor público (governo federal, Estados e municípios) pouparam R$ 105 bilhões (superávit primário), correspondentes a 2,38% do PIB mais curto. Como o PIB ficou mais alto e o superávit primário manteve-se no mesmo tamanho, a relação com o PIB foi reduzida. Ou seja, o governo entregou um desempenho fiscal mais baixo do que o prometido.
O PIB mais alto em 2012 eleva a base de cálculo do PIB de 2013. Se hoje está crescendo à velocidade de 2,5% sobre uma base mais alta, o PIB de 2013 também será mais alto do que os R$ 4,7 trilhões das projeções do Banco Central. Assim, para o melhor e para o pior, todas as demais magnitudes medidas em proporção ao PIB têm de ser alteradas: dívida bruta e dívida líquida, déficit em Conta Corrente (contas externas), evolução do crédito, etc.
Outra consequência prática de impacto não desprezível vai para a fatia da indústria no bolo nacional. Se todos esses cálculos estão sendo refeitos porque a participação do setor de serviços no PIB não era de apenas 68,5%, mas de algo mais do que isso, segue-se que a indústria, que pesava 26,3% no PIB, pesará ainda menos (veja o Confira). Ou seja, as reclamações de que a indústria brasileira está se desidratando devem aumentar.
Do ponto de vista das políticas macroeconômicas, se o objetivo do governo é aumentar mais rapidamente o emprego, a área a ser acionada será o setor de serviços, que contrata mais gente e cresce mais depressa.
2014 nublado lá fora - VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 28/11
Se já não bastassem problemas que nos causamos, país terá de enfrentar ano difícil de fora
OS EUROPEUS estão preocupados com o efeito da mudança da política econômica dos EUA. O Banco Central Europeu teme os efeitos da mudança da política de seu colega, o Fed, como afirmou ontem em relatório.
Não soa bem, nem para eles, nem para o mundo, menos ainda para nós, Brasil, ainda pequenos e periféricos.
Trocando em miúdos, o BCE está preocupado com a hipótese de alguém grande levar um tombo enorme com o revertério da política monetária americana.
Grosso modo, o Fed tende a fechar um pouco da torneira de dinheiro que despeja na economia faz anos. Isso deve ocorrer até algum momento de 2014. No fim das contas, a mudança deve provocar algum aumento de juros --isto é, desvalorização de papéis da dívida pública e privada. Quem não estiver protegido contra essa desvalorização perde dinheiro, bidu. A depender do tamanho da perda, os estilhaços podem voar para vários lados.
Pode não acontecer nada disso, pode ser que esteja todo mundo de calças compridas, galochas e guarda-chuvas.
Afinal, os meteorologistas financeiros vêm prevendo chuvas e trovoadas faz tempo. Ao menos desde maio, está todo mundo avisado de que a política do Fed vai mudar.
Sim, a gente não deve subestimar a capacidade da finança mundial de fazer besteira, dadas as crises recorrentes e estrambóticas que vêm ocorrendo pelo menos desde 1997 (1997, 1998, 2000-01, 2007-08). O próprio BCE acaba de lançar um aviso aos navegantes.
E daí? Daí que, a princípio, teremos mais um ano difícil no front externo, já não bastassem as bobagens que fazemos aqui mesmo, no Brasil.
Durante parte deste ano, a gente ouviu a conversa de que a "Europa estava melhorando". Bem, de certo modo, estava. Está sempre melhor quem foi retirado do mar antes de morrer afogado.
A previsão de crescimento do PIB per capita para a eurozona no ano que vem é de 0,8%. Mal recupera a recessão de 0,7% deste ano de 2013. Se tudo ocorrer dentro do ora previsto, sem acidentes, a renda da eurozona voltará ao que era em 2007 apenas em algum momento lá de 2015. Na média. Mas essa média é deformada pela boa situação alemã.
A França, segunda maior economia do bloco, volta a 2007 também em 2015. Mas a Itália ainda será uns 10% menor (em termos per capita); a espanhola, uns 5% (os EUA passaram desse estágio em 2012).
A economia da eurozona anda tão fraca que a inflação anual é menor que 1%. O risco de deflação (anorexia econômica causada por falta de consumo e investimento) é grande o suficiente para autoridades monetárias (exceto as alemãs) prometerem políticas exóticas (assemelhadas às americanas) a fim de conter o problema.
O crescimento mundial talvez seja um tico maior em 2014, mas sujeito a tempestades. A mudança americana vai balançar o nosso coreto (dólar mais caro, menos crédito externo ou crédito mais caro) mesmo que seu impacto seja suave no resto do mundo. Ainda há o risco de uma bolha desconhecida estourar ou de, pelo menos, tombos grandes em mercados financeiros.
Nós ainda teremos os tremeliques causados pela incerteza do resultado da eleição presidencial, afora todas as sequelas de anos de má política econômica. Mas o governo acha que está tudo bem.
Se já não bastassem problemas que nos causamos, país terá de enfrentar ano difícil de fora
OS EUROPEUS estão preocupados com o efeito da mudança da política econômica dos EUA. O Banco Central Europeu teme os efeitos da mudança da política de seu colega, o Fed, como afirmou ontem em relatório.
Não soa bem, nem para eles, nem para o mundo, menos ainda para nós, Brasil, ainda pequenos e periféricos.
Trocando em miúdos, o BCE está preocupado com a hipótese de alguém grande levar um tombo enorme com o revertério da política monetária americana.
Grosso modo, o Fed tende a fechar um pouco da torneira de dinheiro que despeja na economia faz anos. Isso deve ocorrer até algum momento de 2014. No fim das contas, a mudança deve provocar algum aumento de juros --isto é, desvalorização de papéis da dívida pública e privada. Quem não estiver protegido contra essa desvalorização perde dinheiro, bidu. A depender do tamanho da perda, os estilhaços podem voar para vários lados.
Pode não acontecer nada disso, pode ser que esteja todo mundo de calças compridas, galochas e guarda-chuvas.
Afinal, os meteorologistas financeiros vêm prevendo chuvas e trovoadas faz tempo. Ao menos desde maio, está todo mundo avisado de que a política do Fed vai mudar.
Sim, a gente não deve subestimar a capacidade da finança mundial de fazer besteira, dadas as crises recorrentes e estrambóticas que vêm ocorrendo pelo menos desde 1997 (1997, 1998, 2000-01, 2007-08). O próprio BCE acaba de lançar um aviso aos navegantes.
E daí? Daí que, a princípio, teremos mais um ano difícil no front externo, já não bastassem as bobagens que fazemos aqui mesmo, no Brasil.
Durante parte deste ano, a gente ouviu a conversa de que a "Europa estava melhorando". Bem, de certo modo, estava. Está sempre melhor quem foi retirado do mar antes de morrer afogado.
A previsão de crescimento do PIB per capita para a eurozona no ano que vem é de 0,8%. Mal recupera a recessão de 0,7% deste ano de 2013. Se tudo ocorrer dentro do ora previsto, sem acidentes, a renda da eurozona voltará ao que era em 2007 apenas em algum momento lá de 2015. Na média. Mas essa média é deformada pela boa situação alemã.
A França, segunda maior economia do bloco, volta a 2007 também em 2015. Mas a Itália ainda será uns 10% menor (em termos per capita); a espanhola, uns 5% (os EUA passaram desse estágio em 2012).
A economia da eurozona anda tão fraca que a inflação anual é menor que 1%. O risco de deflação (anorexia econômica causada por falta de consumo e investimento) é grande o suficiente para autoridades monetárias (exceto as alemãs) prometerem políticas exóticas (assemelhadas às americanas) a fim de conter o problema.
O crescimento mundial talvez seja um tico maior em 2014, mas sujeito a tempestades. A mudança americana vai balançar o nosso coreto (dólar mais caro, menos crédito externo ou crédito mais caro) mesmo que seu impacto seja suave no resto do mundo. Ainda há o risco de uma bolha desconhecida estourar ou de, pelo menos, tombos grandes em mercados financeiros.
Nós ainda teremos os tremeliques causados pela incerteza do resultado da eleição presidencial, afora todas as sequelas de anos de má política econômica. Mas o governo acha que está tudo bem.
Há direito adquirido de quebrar o País? - JOSÉ SERRA
O Estado de S.Paulo - 28/11
Está na pauta do STF um conjunto de ações relativas à correção de cadernetas de poupança (CPs) durante quatro planos anti-inflacionários do passado: Bresser, Verão, Collor 1 e Collor 2. Se forem acolhidas, representarão o mais concentrado e espetacular ataque isolado à estabilidade da economia brasileira. Uma decisão, eu diria, sádica, num país que já não vai bem, patinando na semiestagnação, no desequilíbrio externo, na inflação reprimida, nas agruras fiscais e na falta de bons empregos.
Quem ganharia com isso? De forma substancial, os escritórios de advocacia que investiram no recrutamento de clientes e, em parte, esses clientes, detentores de depósitos de poupança quando foram feitos esses planos (junho de 1987, janeiro de 1989, março de 1990 e janeiro de 1991). Seriam pequenos clientes apenas? Nem tanto. Na época dos planos, 2% dos detentores de CPs comandavam cerca da metade desses depósitos.
Do outro lado haverá um golpe brutal no nível da atividade econômica e nas finanças públicas. Perderão o Brasil e sua população, com a consequente contração do PIB e dos empregos. Para os investidores internacionais, será uma demonstração definitiva da leviandade econômica das instituições brasileiras. Se as coisas já não vão bem, piorarão muito.
O ataque está baseado numa tese economicamente surrealista. Reivindica-se a devolução de supostas perdas havidas diante das mudanças de regras de correção das CPs por ocasião do congelamento de preços promovido pelos planos. Note-se que nas quatro ocasiões o País vivia um processo de superinflação caminhando para o total descontrole, o da hiperinflação, que liquidaria de vez com o já frágil padrão monetário brasileiro nas suas funções essenciais: unidade de medida, meio de pagamento e reserva de valor. Nesse contexto, seriam desmilinguidos todos os contratos de reajuste salarial e de indexação - nenhum encurtamento de prazos conseguiria evitá-lo, nenhum "direito adquirido" salvaria nada - paralelamente à desorganização da economia e da sociedade e à expansão da miséria e do desemprego.
Por diversos motivos os planos fracassaram, mas foram tentativas de salvar a moeda e a própria Nação. Representaram uma ação legítima do Estado em defesa da sua integridade. Note-se que a experiência acumulada desses fracassos, bem como o do Plano Cruzado (1986), foi essencial para a formulação e o êxito do Plano Real (1994). Os planos fracassaram no combate à inflação, mas ao menos mantiveram uma economia superinflacionária em funcionamento.
O sucesso para conter o galope inflacionário pressupunha tentativas de coordenar os reajustes dos diferentes preços e forçar a desindexação da economia, ou seja, a transmissão automática da inflação passada para o futuro. Seria impossível fazê-lo mantendo todos os contratos estabelecidos. Daí as mudanças de indexadores e as tablitas.
Num voto proferido há três anos, o ministro Ricardo Lewandowski, do STF, defendeu a tese de que cabem, sim, indenizações, em razão das mudanças na indexação da poupança, alegando que os bancos têm tido lucros elevados e poderiam pagar por isso. Ledo engano.
Primeiro, os bancos que recebiam depósitos de poupança só fizeram adotar os novos índices determinados em lei, senão seriam punidos. Mais ainda, as mudanças dos índices não proporcionaram ganhos extras ao sistema bancário da época, até porque o crédito imobiliário também adotou esses índices, e os recursos da poupança que não iam para imóveis tinham de ser recolhidos ao Banco Central, com o mesmo rendimento.
Tampouco há indenização a ser paga. Os rendimentos reais dos detentores de CPs aumentaram nos meses seguintes aos da deflagração dos planos precisamente por causa da queda da inflação. Não se trata de exercício de opiniática, mas de números, calculados por Bernard Appy em excelente estudo: um cidadão que aplicou na poupança um mês antes e sacou tudo dois meses depois teve ganhos reais de 16,9% no Plano Bresser, 10,4% no Plano Verão e 42,6% no Plano Collor 1. No Collor 2, nem ganhou nem perdeu. Apesar disso, as ações judiciais pleiteiam um reajuste adicional de 20% no caso do Plano Verão e mais de 40% no do Collor 1!
A pancada sobre a economia nacional, ou o montante a ser pago se o acolhimento ocorrer, será da ordem de R$ 150 bilhões, valor que pode crescer pelos juros de mora e efeitos de encadeamentos judiciais para trás e para a frente - os fundos de pensão, por exemplo, estimam uma perda de R$ 40 bilhões. Como lembrou Appy, esses R$ 150 bilhões já representariam 35% do patrimônio líquido de todo o sistema bancário - sete pontos porcentuais a mais que a perda de capital dos bancos americanos na crise do subprime!
De fato, quem pagará a conta será principalmente o Tesouro Nacional, pois mais da metade da poupança estava na Caixa Econômica Federal (CEF) e no Banco do Brasil (BB), que em 2008 absorveu a Nossa Caixa. Portanto, sob pena de o BB e a CEF quebrarem, o governo teria de bancar o prejuízo - algo em torno de R$ 78 bilhões.
Já os bancos privados teriam de elevar seus spreads e/ou cortar seus créditos. Para cada real perdido, R$ 9 a menos de crédito. É obvio que os bancos iriam pedir - e com razão! - a devolução de Imposto de Renda que recolheram no período dos planos, tudo corrigido pela inflação e pagando os juros de mora: mais algumas dezenas de bilhões de exigências adicionais sobre o governo federal.
Em síntese, se acolhidos os recursos, 1) os bancos públicos estarão encalacrados; 2) o Tesouro terá de socorrê-los para que não quebrem; 3) dinheiro público terá de ressarcir também instituições privadas; 4) sobrevirá uma enorme instabilidade econômica; 5) o conjunto dos brasileiros arcará com os custos de uma visão de "direito adquirido" que desafia a matemática e as regras elementares de funcionamento da economia. Ninguém, mas ninguém mesmo, tem o direito adquirido de quebrar o País.
Está na pauta do STF um conjunto de ações relativas à correção de cadernetas de poupança (CPs) durante quatro planos anti-inflacionários do passado: Bresser, Verão, Collor 1 e Collor 2. Se forem acolhidas, representarão o mais concentrado e espetacular ataque isolado à estabilidade da economia brasileira. Uma decisão, eu diria, sádica, num país que já não vai bem, patinando na semiestagnação, no desequilíbrio externo, na inflação reprimida, nas agruras fiscais e na falta de bons empregos.
Quem ganharia com isso? De forma substancial, os escritórios de advocacia que investiram no recrutamento de clientes e, em parte, esses clientes, detentores de depósitos de poupança quando foram feitos esses planos (junho de 1987, janeiro de 1989, março de 1990 e janeiro de 1991). Seriam pequenos clientes apenas? Nem tanto. Na época dos planos, 2% dos detentores de CPs comandavam cerca da metade desses depósitos.
Do outro lado haverá um golpe brutal no nível da atividade econômica e nas finanças públicas. Perderão o Brasil e sua população, com a consequente contração do PIB e dos empregos. Para os investidores internacionais, será uma demonstração definitiva da leviandade econômica das instituições brasileiras. Se as coisas já não vão bem, piorarão muito.
O ataque está baseado numa tese economicamente surrealista. Reivindica-se a devolução de supostas perdas havidas diante das mudanças de regras de correção das CPs por ocasião do congelamento de preços promovido pelos planos. Note-se que nas quatro ocasiões o País vivia um processo de superinflação caminhando para o total descontrole, o da hiperinflação, que liquidaria de vez com o já frágil padrão monetário brasileiro nas suas funções essenciais: unidade de medida, meio de pagamento e reserva de valor. Nesse contexto, seriam desmilinguidos todos os contratos de reajuste salarial e de indexação - nenhum encurtamento de prazos conseguiria evitá-lo, nenhum "direito adquirido" salvaria nada - paralelamente à desorganização da economia e da sociedade e à expansão da miséria e do desemprego.
Por diversos motivos os planos fracassaram, mas foram tentativas de salvar a moeda e a própria Nação. Representaram uma ação legítima do Estado em defesa da sua integridade. Note-se que a experiência acumulada desses fracassos, bem como o do Plano Cruzado (1986), foi essencial para a formulação e o êxito do Plano Real (1994). Os planos fracassaram no combate à inflação, mas ao menos mantiveram uma economia superinflacionária em funcionamento.
O sucesso para conter o galope inflacionário pressupunha tentativas de coordenar os reajustes dos diferentes preços e forçar a desindexação da economia, ou seja, a transmissão automática da inflação passada para o futuro. Seria impossível fazê-lo mantendo todos os contratos estabelecidos. Daí as mudanças de indexadores e as tablitas.
Num voto proferido há três anos, o ministro Ricardo Lewandowski, do STF, defendeu a tese de que cabem, sim, indenizações, em razão das mudanças na indexação da poupança, alegando que os bancos têm tido lucros elevados e poderiam pagar por isso. Ledo engano.
Primeiro, os bancos que recebiam depósitos de poupança só fizeram adotar os novos índices determinados em lei, senão seriam punidos. Mais ainda, as mudanças dos índices não proporcionaram ganhos extras ao sistema bancário da época, até porque o crédito imobiliário também adotou esses índices, e os recursos da poupança que não iam para imóveis tinham de ser recolhidos ao Banco Central, com o mesmo rendimento.
Tampouco há indenização a ser paga. Os rendimentos reais dos detentores de CPs aumentaram nos meses seguintes aos da deflagração dos planos precisamente por causa da queda da inflação. Não se trata de exercício de opiniática, mas de números, calculados por Bernard Appy em excelente estudo: um cidadão que aplicou na poupança um mês antes e sacou tudo dois meses depois teve ganhos reais de 16,9% no Plano Bresser, 10,4% no Plano Verão e 42,6% no Plano Collor 1. No Collor 2, nem ganhou nem perdeu. Apesar disso, as ações judiciais pleiteiam um reajuste adicional de 20% no caso do Plano Verão e mais de 40% no do Collor 1!
A pancada sobre a economia nacional, ou o montante a ser pago se o acolhimento ocorrer, será da ordem de R$ 150 bilhões, valor que pode crescer pelos juros de mora e efeitos de encadeamentos judiciais para trás e para a frente - os fundos de pensão, por exemplo, estimam uma perda de R$ 40 bilhões. Como lembrou Appy, esses R$ 150 bilhões já representariam 35% do patrimônio líquido de todo o sistema bancário - sete pontos porcentuais a mais que a perda de capital dos bancos americanos na crise do subprime!
De fato, quem pagará a conta será principalmente o Tesouro Nacional, pois mais da metade da poupança estava na Caixa Econômica Federal (CEF) e no Banco do Brasil (BB), que em 2008 absorveu a Nossa Caixa. Portanto, sob pena de o BB e a CEF quebrarem, o governo teria de bancar o prejuízo - algo em torno de R$ 78 bilhões.
Já os bancos privados teriam de elevar seus spreads e/ou cortar seus créditos. Para cada real perdido, R$ 9 a menos de crédito. É obvio que os bancos iriam pedir - e com razão! - a devolução de Imposto de Renda que recolheram no período dos planos, tudo corrigido pela inflação e pagando os juros de mora: mais algumas dezenas de bilhões de exigências adicionais sobre o governo federal.
Em síntese, se acolhidos os recursos, 1) os bancos públicos estarão encalacrados; 2) o Tesouro terá de socorrê-los para que não quebrem; 3) dinheiro público terá de ressarcir também instituições privadas; 4) sobrevirá uma enorme instabilidade econômica; 5) o conjunto dos brasileiros arcará com os custos de uma visão de "direito adquirido" que desafia a matemática e as regras elementares de funcionamento da economia. Ninguém, mas ninguém mesmo, tem o direito adquirido de quebrar o País.
Do lado de fora da Papuda - ELIANE CANTANHÊDE
FOLHA DE SP - 28/11
BRASÍLIA - Se a prisão de José Dirceu e José Genoino foi realmente dramática, as tentativas nada sutis de fuga estão virando piada em Brasília e nas redes sociais.
Dirceu girar, girar e acabar virando gerente administrativo de um hotel que era justamente de Sérgio Naya, deputado que foi cassado e preso, é a realidade esbarrando na ficção. Ok, a vida dá voltas, mas não precisava tanto. As perguntas são as mais maliciosas: vai cuidar do "lobby"? Vai para a "lavanderia"? Ou vai carregar as "malas"?
Não bastasse, a chefe de Dirceu no hotel ganha R$ 1.800, mas o salário dele vai ser de R$ 20 mil por mês. E com um vidão. Suíte à disposição, bar 24 horas por dia, uma piscininha de vez em quando, entra e sai à vontade de amigos e correligionários. Aquilo vai virar uma festa.
Quanto a Genoino, exageraram na dose da vitimização e o remédio começa a fazer efeito inverso, criando uma nuvem de desconfianças.
Ele passou mal no voo para Brasília, mas tinha se recusado a fazer qualquer tipo de exame antes de embarcar. Já na Papuda, foi anunciado que ele teve um infarto, mas foi só um pico de pressão.
O Supremo avalia prisão domiciliar permanente, mas uma junta médica atesta que não é "imprescindível". Por fim, a Câmara tem de decidir sobre a aposentadoria por invalidez, mas uma segunda junta diz que a cardiopatia não é tão grave.
O processo de vitimização evoluiu para um estágio de constrangimento geral. No meio desse caminho, destaque para o artigo impecável do colega Marcelo Coelho, relatando fatos do mensalão e do julgamento, sem emoção, sem adjetivos, para concluir que, inocente, Genoino não é.
Segundo um velho ditado, "quanto mais alto, maior o tombo". Segundo outro, na mesma linha, "esperteza, quando é muita, vira bicho e come o dono". A hora é de humildade, gente. Tentar garantir o luxo de Dirceu e santificar Genoino vai ter efeito bumerangue. Aliás, já está tendo.
BRASÍLIA - Se a prisão de José Dirceu e José Genoino foi realmente dramática, as tentativas nada sutis de fuga estão virando piada em Brasília e nas redes sociais.
Dirceu girar, girar e acabar virando gerente administrativo de um hotel que era justamente de Sérgio Naya, deputado que foi cassado e preso, é a realidade esbarrando na ficção. Ok, a vida dá voltas, mas não precisava tanto. As perguntas são as mais maliciosas: vai cuidar do "lobby"? Vai para a "lavanderia"? Ou vai carregar as "malas"?
Não bastasse, a chefe de Dirceu no hotel ganha R$ 1.800, mas o salário dele vai ser de R$ 20 mil por mês. E com um vidão. Suíte à disposição, bar 24 horas por dia, uma piscininha de vez em quando, entra e sai à vontade de amigos e correligionários. Aquilo vai virar uma festa.
Quanto a Genoino, exageraram na dose da vitimização e o remédio começa a fazer efeito inverso, criando uma nuvem de desconfianças.
Ele passou mal no voo para Brasília, mas tinha se recusado a fazer qualquer tipo de exame antes de embarcar. Já na Papuda, foi anunciado que ele teve um infarto, mas foi só um pico de pressão.
O Supremo avalia prisão domiciliar permanente, mas uma junta médica atesta que não é "imprescindível". Por fim, a Câmara tem de decidir sobre a aposentadoria por invalidez, mas uma segunda junta diz que a cardiopatia não é tão grave.
O processo de vitimização evoluiu para um estágio de constrangimento geral. No meio desse caminho, destaque para o artigo impecável do colega Marcelo Coelho, relatando fatos do mensalão e do julgamento, sem emoção, sem adjetivos, para concluir que, inocente, Genoino não é.
Segundo um velho ditado, "quanto mais alto, maior o tombo". Segundo outro, na mesma linha, "esperteza, quando é muita, vira bicho e come o dono". A hora é de humildade, gente. Tentar garantir o luxo de Dirceu e santificar Genoino vai ter efeito bumerangue. Aliás, já está tendo.
Se piorar, estraga - DORA KRAMER
O Estado de S.Paulo - 28/11
Evidente que o PSDB adoraria ver o senador Aécio Neves explodindo nas pesquisas de intenção de votos para a Presidência em 2014 desde já.
Mas, uma vez que o hoje pré-candidato fica ali patinando entre 13% e 15%, o partido prefere deixar de lado o conceito de "se a eleição fosse hoje" para trabalhar o cenário de maneira mais estratégica.
Mantém sob uma estreita vigilância os índices da presidente Dilma Rousseff e do governador Eduardo Campos. Óbvio, diriam o senhor e a senhora, moças e rapazes. Afinal de contas, quanto menos pontos Dilma ganhar, melhor para Aécio. O mesmo se aplicando a Campos, que disputaria com ele uma vaga no segundo turno, não é mesmo?
Não, da perspectiva do senador mineiro não é assim. Aliás, se não chega a ser radicalmente o oposto, é quase isso. A torcida na seara tucana daqui até o início oficial da campanha é para que a presidente não caia nas pesquisas de opinião. A última do Ibope lhe dá 43%.
Se subir um pouco - muito pouco, nada que indique vitória consolidada no primeiro turno - não faz mal. E qual a razão? Aí, sim, emerge a obviedade: porque quanto menos competitiva Dilma se mostrar, mais aumentam as chances de o ex-presidente Lula da Silva disputar para afastar o risco de o PT sair do poder.
Um detalhe antes de passarmos ao raciocínio de Aécio Neves em relação a Eduardo Campos: pelo mesmo motivo tem muita gente no PT que não vê com maus olhos a recuperação lenta dos índices de satisfação com o governo de Dilma. É a turma do "volta Lula". A maioria, e nem tão silenciosa, como reza a expressão.
Sobre o governador de Pernambuco, a visão também se baseia no princípio do nem tanto ao mar nem tanto à terra. Na ótica tucana, foi bom que a aliança com Marina Silva não produzisse efeito imediato sobre as intenções de votos de Campos (7%), mas também não será bom se esse índice não começar a melhorar. Antes que o governador pense ainda remotamente em desistir da disputa.
Mal comparando, no embate entre Paulo Maluf e Tancredo Neves no colégio eleitoral de 1985, deu-se algo parecido, registre-se bem, em circunstâncias totalmente diversas. Em dado momento Tancredo começou a abrir uma vantagem tão grande sobre Maluf que o medo passou a ser o de que ele renunciasse à candidatura e inviabilizasse a escolha do candidato de oposição.
Ou seja, na política também tem uma hora em que é preciso cuidar do equilíbrio ecológico para o ambiente não se deteriorar.
Essa preocupação com a estabilidade de forças inclui a segunda fase da eleição. Aécio Neves e Eduardo Campos estão em permanente contato e, de quando em vez, veem a necessidade de tornar essa aproximação explícita. Marcam um encontro - como se precisassem dessa formalidade para conversar - e posam para fotos. Sempre dizendo que é tudo muito sigiloso.
Constroem, assim, não só palanques estaduais, conforme alegam. Buscam principalmente solidificar pontes de apoio mútuo para quem conseguir passar à etapa final.
Empurra. A reunião da Mesa Diretora da Câmara para discutir a abertura do processo de cassação de José Genoino foi adiada sob a alegação de que parte dos deputados não estará em Brasília hoje.
E por que suas excelências diretoras não estarão? Para não dar número suficiente para que se realize a reunião marcada desde a semana passada para esta quinta-feira.
Bilheteria. Gerentes de hotéis em Brasília estranham o salário (R$ 20 mil) oferecido pelo Saint Peter a José Dirceu. Altamente inflacionado, segundo eles, em relação ao mercado.
Desconsideram, contudo, que Dirceu será uma atração à parte para o estabelecimento.
Evidente que o PSDB adoraria ver o senador Aécio Neves explodindo nas pesquisas de intenção de votos para a Presidência em 2014 desde já.
Mas, uma vez que o hoje pré-candidato fica ali patinando entre 13% e 15%, o partido prefere deixar de lado o conceito de "se a eleição fosse hoje" para trabalhar o cenário de maneira mais estratégica.
Mantém sob uma estreita vigilância os índices da presidente Dilma Rousseff e do governador Eduardo Campos. Óbvio, diriam o senhor e a senhora, moças e rapazes. Afinal de contas, quanto menos pontos Dilma ganhar, melhor para Aécio. O mesmo se aplicando a Campos, que disputaria com ele uma vaga no segundo turno, não é mesmo?
Não, da perspectiva do senador mineiro não é assim. Aliás, se não chega a ser radicalmente o oposto, é quase isso. A torcida na seara tucana daqui até o início oficial da campanha é para que a presidente não caia nas pesquisas de opinião. A última do Ibope lhe dá 43%.
Se subir um pouco - muito pouco, nada que indique vitória consolidada no primeiro turno - não faz mal. E qual a razão? Aí, sim, emerge a obviedade: porque quanto menos competitiva Dilma se mostrar, mais aumentam as chances de o ex-presidente Lula da Silva disputar para afastar o risco de o PT sair do poder.
Um detalhe antes de passarmos ao raciocínio de Aécio Neves em relação a Eduardo Campos: pelo mesmo motivo tem muita gente no PT que não vê com maus olhos a recuperação lenta dos índices de satisfação com o governo de Dilma. É a turma do "volta Lula". A maioria, e nem tão silenciosa, como reza a expressão.
Sobre o governador de Pernambuco, a visão também se baseia no princípio do nem tanto ao mar nem tanto à terra. Na ótica tucana, foi bom que a aliança com Marina Silva não produzisse efeito imediato sobre as intenções de votos de Campos (7%), mas também não será bom se esse índice não começar a melhorar. Antes que o governador pense ainda remotamente em desistir da disputa.
Mal comparando, no embate entre Paulo Maluf e Tancredo Neves no colégio eleitoral de 1985, deu-se algo parecido, registre-se bem, em circunstâncias totalmente diversas. Em dado momento Tancredo começou a abrir uma vantagem tão grande sobre Maluf que o medo passou a ser o de que ele renunciasse à candidatura e inviabilizasse a escolha do candidato de oposição.
Ou seja, na política também tem uma hora em que é preciso cuidar do equilíbrio ecológico para o ambiente não se deteriorar.
Essa preocupação com a estabilidade de forças inclui a segunda fase da eleição. Aécio Neves e Eduardo Campos estão em permanente contato e, de quando em vez, veem a necessidade de tornar essa aproximação explícita. Marcam um encontro - como se precisassem dessa formalidade para conversar - e posam para fotos. Sempre dizendo que é tudo muito sigiloso.
Constroem, assim, não só palanques estaduais, conforme alegam. Buscam principalmente solidificar pontes de apoio mútuo para quem conseguir passar à etapa final.
Empurra. A reunião da Mesa Diretora da Câmara para discutir a abertura do processo de cassação de José Genoino foi adiada sob a alegação de que parte dos deputados não estará em Brasília hoje.
E por que suas excelências diretoras não estarão? Para não dar número suficiente para que se realize a reunião marcada desde a semana passada para esta quinta-feira.
Bilheteria. Gerentes de hotéis em Brasília estranham o salário (R$ 20 mil) oferecido pelo Saint Peter a José Dirceu. Altamente inflacionado, segundo eles, em relação ao mercado.
Desconsideram, contudo, que Dirceu será uma atração à parte para o estabelecimento.
Vestindo a carapuça - AÉCIO NEVES
FOLHA DE SP - 28/11
O PT jamais conseguirá apagar da história que a origem do Bolsa Família está nos programas de transferência de renda de FHC
São impressionantes os ruídos estridentes dos falcões do PT sempre que percebem o risco de ver reduzido o uso indiscriminado --e às vezes criminoso-- do Bolsa Família como instrumento eleitoral de manutenção do seu projeto de poder.
Só isso justifica uma reação tão virulenta como a do presidente do PT contra a iniciativa do PSDB de elevar o programa à condição de política de Estado, retirando-o da condição de benemerência de um partido --na qual o PT procura mantê-lo-- e colocando-o sob proteção da Lei Orgânica de Assistência Social brasileira (Loas).
Talvez porque esteja submerso no manejo de causas impossíveis --como a transformação de crimes de corrupção em perseguição política-- o presidente petista tenha deixado transparecer um nível tão primário de conhecimento sobre o principal arcabouço legal que sustenta a rede de proteção social no país. Ele parece não saber que é nela, na Loas, que estão guardados os compromissos do Estado brasileiro com o enfrentamento à pobreza e a regulação do acesso aos direitos sociais dos cidadãos.
Mas, como a motivação do PT restringe-se apenas às suas conveniências políticas, o verdadeiro significado das iniciativas recentes do PSDB foi vergonhosamente deturpado no artigo do deputado Rui Falcão ("Um fantasma liberal ronda o Bolsa Família", 24/11), na tentativa de manter o monopólio que acreditam ter sobre o tema.
E isso mesmo sabendo que, por mais que tentem, jamais conseguirão apagar da história que a origem do Bolsa Família está nos programas de transferência de renda criados no governo do presidente Fernando Henrique (1995-2002).
É também importante lembrar que, em 1996, o governo do PSDB implantou, sem qualquer apropriação publicitária ou política indevida, a maior iniciativa de transferência de renda em vigor no país, prevista desde a Constituinte de 88 --o Benefício de Prestação Continuada.
O BPC paga um salário mínimo a todos os idosos e deficientes com renda per capita inferior a um quarto do salário mínimo. Nos últimos dez anos, o BPC fez chegar aos brasileiros R$ 180 bilhões. O Bolsa Família, R$ 124 bilhões. O BPC, assim como o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, encontra-se abrigado na Loas.
Não é difícil entender por que o PT não utiliza os espaços de que dispõe para fazer avançar o debate sobre o enfrentamento da pobreza. Afinal, teria que esclarecer quais os critérios utilizados pelo governo para fixar em R$ 70 per capita mensais o recorte da pobreza extrema no país, quando os organismos internacionais fixam o valor em U$ 1,25 dia, o que significaria cerca de R$ 86.
Ou por que, por conveniência do governo, o enfrentamento da pobreza está restrito à dimensão da renda, quando deveria alcançar os chamados "mínimos sociais": acesso à saúde, à educação de qualidade, segurança, saneamento básico e outros.
Compreende-se o diversionismo petista: não há resposta, dez anos depois, para mais da metade da população estar sem saneamento, para a violência que mata 50 mil brasileiros por ano, para o analfabetismo estagnado nem para os 13 mil leitos hospitalares extintos no período.
O artigo de Rui Falcão é mais um exemplo daquele que talvez seja um dos maiores desserviços do PT ao país: a legitimação da mentira como instrumento do debate político.
O PT jamais conseguirá apagar da história que a origem do Bolsa Família está nos programas de transferência de renda de FHC
São impressionantes os ruídos estridentes dos falcões do PT sempre que percebem o risco de ver reduzido o uso indiscriminado --e às vezes criminoso-- do Bolsa Família como instrumento eleitoral de manutenção do seu projeto de poder.
Só isso justifica uma reação tão virulenta como a do presidente do PT contra a iniciativa do PSDB de elevar o programa à condição de política de Estado, retirando-o da condição de benemerência de um partido --na qual o PT procura mantê-lo-- e colocando-o sob proteção da Lei Orgânica de Assistência Social brasileira (Loas).
Talvez porque esteja submerso no manejo de causas impossíveis --como a transformação de crimes de corrupção em perseguição política-- o presidente petista tenha deixado transparecer um nível tão primário de conhecimento sobre o principal arcabouço legal que sustenta a rede de proteção social no país. Ele parece não saber que é nela, na Loas, que estão guardados os compromissos do Estado brasileiro com o enfrentamento à pobreza e a regulação do acesso aos direitos sociais dos cidadãos.
Mas, como a motivação do PT restringe-se apenas às suas conveniências políticas, o verdadeiro significado das iniciativas recentes do PSDB foi vergonhosamente deturpado no artigo do deputado Rui Falcão ("Um fantasma liberal ronda o Bolsa Família", 24/11), na tentativa de manter o monopólio que acreditam ter sobre o tema.
E isso mesmo sabendo que, por mais que tentem, jamais conseguirão apagar da história que a origem do Bolsa Família está nos programas de transferência de renda criados no governo do presidente Fernando Henrique (1995-2002).
É também importante lembrar que, em 1996, o governo do PSDB implantou, sem qualquer apropriação publicitária ou política indevida, a maior iniciativa de transferência de renda em vigor no país, prevista desde a Constituinte de 88 --o Benefício de Prestação Continuada.
O BPC paga um salário mínimo a todos os idosos e deficientes com renda per capita inferior a um quarto do salário mínimo. Nos últimos dez anos, o BPC fez chegar aos brasileiros R$ 180 bilhões. O Bolsa Família, R$ 124 bilhões. O BPC, assim como o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, encontra-se abrigado na Loas.
Não é difícil entender por que o PT não utiliza os espaços de que dispõe para fazer avançar o debate sobre o enfrentamento da pobreza. Afinal, teria que esclarecer quais os critérios utilizados pelo governo para fixar em R$ 70 per capita mensais o recorte da pobreza extrema no país, quando os organismos internacionais fixam o valor em U$ 1,25 dia, o que significaria cerca de R$ 86.
Ou por que, por conveniência do governo, o enfrentamento da pobreza está restrito à dimensão da renda, quando deveria alcançar os chamados "mínimos sociais": acesso à saúde, à educação de qualidade, segurança, saneamento básico e outros.
Compreende-se o diversionismo petista: não há resposta, dez anos depois, para mais da metade da população estar sem saneamento, para a violência que mata 50 mil brasileiros por ano, para o analfabetismo estagnado nem para os 13 mil leitos hospitalares extintos no período.
O artigo de Rui Falcão é mais um exemplo daquele que talvez seja um dos maiores desserviços do PT ao país: a legitimação da mentira como instrumento do debate político.
Chavismo sai derrotado em Honduras - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 28/11
Lula gravou vídeo em apoio à candidata derrotada, mulher do ex-presidente Zelaya, em evidente ingerência em assunto interno de outro país
Ao considerar irreversível o resultado parcial das eleições de domingo em Honduras, o Tribunal Supremo Eleitoral carimbou a vitória do candidato governista Juan Hernández, do Partido Nacional, com 34% dos votos. E a derrota da oposicionista Xiomara Castro, mulher de Manuel Zelaya, apeado do poder em 2009 pelos militares, cumprindo determinação do Judiciário e do Congresso. Com a derrota de Xiomara, que teve 29% dos votos, quem perde é o chavismo, ao qual Zelaya aderira; e, por tabela, o ex-presidente Lula, que apoiou a candidata num vídeo difundido em Honduras pelo Partido Liberdade e Refundação (Libre), criado pelo casal. Mais uma vez, Lula não se furta à ingerência em assuntos internos de outro país para ajudar “companheiros”.
Outras consequências não surpreendem. É da “tradição” eleitoral hondurenha o espernear do derrotado. O Libre alegou que houve “fraude maciça” e que impugnará o resultado do pleito. Zelaya acusou o TSE de manipulação em favor de Hernández e ameaçou pôr os correligionários nas ruas. O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, abusando do clichê, acusou os EUA de ingerência. Mas observadores da UE e da OEA consideraram o pleito válido, apesar de fraudes menores. Os EUA classificaram-no de “transparente, no geral”. A vitória de Hernández foi reconhecida por Colômbia, Guatemala, Costa Rica, Panamá e até pela Nicarágua, da ala bolivariana. O vencedor já anunciou a equipe de transição e convidou Xiomara a trabalhar por um “grande pacto nacional” contra a insegurança e a pobreza que torturam o país.
De fato, a situação em Honduras é calamitosa. O país detém o triste recorde mundial de homicídios (85,5 para 100 mil habitantes), decorrente da proliferação das gangues e de sua condição de porta de passagem para grande parte do narcotráfico que se destina aos EUA; e é, depois do Haiti, o mais pobre das Américas. Hernández promete combater a violência e o tráfico via criação de uma polícia militar com 5 mil integrantes, além de adotar políticas de inclusão social.
Nos anos 70 e 80 do século XX, o país passou pelas turbulências que sacudiram a América Central, reflexo da Guerra Fria. Em 2009, Zelaya tentou introduzir o “kit bolivariano” de Chávez, com a convocação de uma Constituinte para poder se reeleger (não existe reeleição em Honduras). Foi destituído e conduzido ao exílio. A comunidade internacional se dividiu, parte considerando que Zelaya sofrera um golpe, parte achando que o golpista era ele. Mais tarde, cristalizou-se a posição de que sua destituição resguardava a Constituição. Mas o Brasil continuou apoiando o político, que se refugiou na Embaixada brasileira em Tegucigalpa por mais de quatro meses após sua volta ao país, e de lá continuou a fazer política, acobertado por Brasília.
Tarefa do futuro presidente Hernández é construir alianças que permitam reforçar a credibilidade das frágeis instituições.
Lula gravou vídeo em apoio à candidata derrotada, mulher do ex-presidente Zelaya, em evidente ingerência em assunto interno de outro país
Ao considerar irreversível o resultado parcial das eleições de domingo em Honduras, o Tribunal Supremo Eleitoral carimbou a vitória do candidato governista Juan Hernández, do Partido Nacional, com 34% dos votos. E a derrota da oposicionista Xiomara Castro, mulher de Manuel Zelaya, apeado do poder em 2009 pelos militares, cumprindo determinação do Judiciário e do Congresso. Com a derrota de Xiomara, que teve 29% dos votos, quem perde é o chavismo, ao qual Zelaya aderira; e, por tabela, o ex-presidente Lula, que apoiou a candidata num vídeo difundido em Honduras pelo Partido Liberdade e Refundação (Libre), criado pelo casal. Mais uma vez, Lula não se furta à ingerência em assuntos internos de outro país para ajudar “companheiros”.
Outras consequências não surpreendem. É da “tradição” eleitoral hondurenha o espernear do derrotado. O Libre alegou que houve “fraude maciça” e que impugnará o resultado do pleito. Zelaya acusou o TSE de manipulação em favor de Hernández e ameaçou pôr os correligionários nas ruas. O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, abusando do clichê, acusou os EUA de ingerência. Mas observadores da UE e da OEA consideraram o pleito válido, apesar de fraudes menores. Os EUA classificaram-no de “transparente, no geral”. A vitória de Hernández foi reconhecida por Colômbia, Guatemala, Costa Rica, Panamá e até pela Nicarágua, da ala bolivariana. O vencedor já anunciou a equipe de transição e convidou Xiomara a trabalhar por um “grande pacto nacional” contra a insegurança e a pobreza que torturam o país.
De fato, a situação em Honduras é calamitosa. O país detém o triste recorde mundial de homicídios (85,5 para 100 mil habitantes), decorrente da proliferação das gangues e de sua condição de porta de passagem para grande parte do narcotráfico que se destina aos EUA; e é, depois do Haiti, o mais pobre das Américas. Hernández promete combater a violência e o tráfico via criação de uma polícia militar com 5 mil integrantes, além de adotar políticas de inclusão social.
Nos anos 70 e 80 do século XX, o país passou pelas turbulências que sacudiram a América Central, reflexo da Guerra Fria. Em 2009, Zelaya tentou introduzir o “kit bolivariano” de Chávez, com a convocação de uma Constituinte para poder se reeleger (não existe reeleição em Honduras). Foi destituído e conduzido ao exílio. A comunidade internacional se dividiu, parte considerando que Zelaya sofrera um golpe, parte achando que o golpista era ele. Mais tarde, cristalizou-se a posição de que sua destituição resguardava a Constituição. Mas o Brasil continuou apoiando o político, que se refugiou na Embaixada brasileira em Tegucigalpa por mais de quatro meses após sua volta ao país, e de lá continuou a fazer política, acobertado por Brasília.
Tarefa do futuro presidente Hernández é construir alianças que permitam reforçar a credibilidade das frágeis instituições.
Haddad, em verso e prosa - EDITORIAL FOLHA DE SP
FOLHA DE SP - 28/11
Atribui-se a Mario Cuomo, governador de Nova York de 1983 a 1994, a ideia de que campanhas se fazem em poesia, mas mandatos são cumpridos em prosa.
A lição é valiosa para o prefeito Fernando Haddad (PT). Na seara retórico-eleitoral, esforça-se por deixar em primeiro plano promessas de investimentos e melhorias no transporte público municipal.
No campo prático, contudo, parece esperar que suas promessas se materializem por encanto, tantas são as falhas de gestão nas medidas que tem adotado.
Nesta semana, o jornal "Agora" mostrou que um dos projetos da Prefeitura de São Paulo incluiu a instalação de um ponto de ônibus provisório em uma rua onde não há circulação de coletivos.
Não se trata de simples ponto fora da curva, por assim dizer, mas de exemplo eloquente de inépcia administrativa e de falhas tão frequentes que se tornaram a regra.
Tome-se a implantação das faixas exclusivas de ônibus, até aqui a principal marca do governo Haddad. Após notar apoio da opinião pública à medida, ou pelo menos à prioridade dada aos transportes públicos, o prefeito decidiu ampliar sua proposta inicial, que previa a construção de 150 km de vias para coletivos até 2016, para 300 km até o fim deste ano.
Baseada em critérios políticos, e não técnicos, a decisão padece de planejamento. No afã de cumprir a nova meta, a administração municipal se vê impelida a pintar faixas até em trechos de pequena circulação --inócuas, portanto.
Além disso, a criação de espaços de circulação expressa, na maior parte dos casos, não veio acompanhada da necessária reorganização das linhas de ônibus em função da demanda. Mesmo onde isso ocorreu, porém, a pressa da prefeitura deixou passageiros desinformados, e terminais, lotados.
Sem que tenha avançado nas prometidas obras de construção de 150 km de corredores --mais caros, mas mais eficientes--, a prefeitura ainda trata com incúria aqueles que estão em funcionamento.
A degradação dos corredores e a desorganização na distribuição de linhas faz com que registrem média de velocidade inferior à das faixas exclusivas --um absurdo, como a própria prefeitura reconhece.
Para Haddad, as medidas adotadas "sinalizam à população que o dirigente está agindo". Lirismo à parte, não basta agir; é preciso fazê-lo da forma mais adequada aos objetivos que pretende alcançar.
Atribui-se a Mario Cuomo, governador de Nova York de 1983 a 1994, a ideia de que campanhas se fazem em poesia, mas mandatos são cumpridos em prosa.
A lição é valiosa para o prefeito Fernando Haddad (PT). Na seara retórico-eleitoral, esforça-se por deixar em primeiro plano promessas de investimentos e melhorias no transporte público municipal.
No campo prático, contudo, parece esperar que suas promessas se materializem por encanto, tantas são as falhas de gestão nas medidas que tem adotado.
Nesta semana, o jornal "Agora" mostrou que um dos projetos da Prefeitura de São Paulo incluiu a instalação de um ponto de ônibus provisório em uma rua onde não há circulação de coletivos.
Não se trata de simples ponto fora da curva, por assim dizer, mas de exemplo eloquente de inépcia administrativa e de falhas tão frequentes que se tornaram a regra.
Tome-se a implantação das faixas exclusivas de ônibus, até aqui a principal marca do governo Haddad. Após notar apoio da opinião pública à medida, ou pelo menos à prioridade dada aos transportes públicos, o prefeito decidiu ampliar sua proposta inicial, que previa a construção de 150 km de vias para coletivos até 2016, para 300 km até o fim deste ano.
Baseada em critérios políticos, e não técnicos, a decisão padece de planejamento. No afã de cumprir a nova meta, a administração municipal se vê impelida a pintar faixas até em trechos de pequena circulação --inócuas, portanto.
Além disso, a criação de espaços de circulação expressa, na maior parte dos casos, não veio acompanhada da necessária reorganização das linhas de ônibus em função da demanda. Mesmo onde isso ocorreu, porém, a pressa da prefeitura deixou passageiros desinformados, e terminais, lotados.
Sem que tenha avançado nas prometidas obras de construção de 150 km de corredores --mais caros, mas mais eficientes--, a prefeitura ainda trata com incúria aqueles que estão em funcionamento.
A degradação dos corredores e a desorganização na distribuição de linhas faz com que registrem média de velocidade inferior à das faixas exclusivas --um absurdo, como a própria prefeitura reconhece.
Para Haddad, as medidas adotadas "sinalizam à população que o dirigente está agindo". Lirismo à parte, não basta agir; é preciso fazê-lo da forma mais adequada aos objetivos que pretende alcançar.
Cassações às claras - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo - 28/11
Um dos motivos que levaram o Senado a aprovar em segundo turno a emenda constitucional do voto aberto, exclusivamente em casos de cassação de mandatos e de apreciação de vetos presidenciais, pode não ser puro como água da fonte - embora a solução tenha sido a mais certa. Os defensores do projeto original da Câmara dos Deputados, que previa a extinção do voto secreto em quaisquer circunstâncias e a estendia a todos os corpos legislativos do País, sustentam que o patrocínio do senador Renan Calheiros, presidente da Casa, ao fatiamento da proposta, atendia a um interesse pessoal do político alagoano.
Segundo essa versão, a manutenção do voto secreto para a escolha das Mesas Diretoras da Câmara e do Senado, como preveem os seus regimentos internos, ampliaria as chances de Calheiros ser eleito por seus pares, em fevereiro de 2015, para um novo mandato de dois anos, o que lhe confere a condição de presidir o Congresso Nacional. Registre-se a alegação não para desqualificar a decisão dos senadores - que caberá ao próprio Calheiros promulgar em sessão conjunta do Parlamento -, mas para lembrar a costumeira percepção de que os políticos raramente dão ponto sem nó e o melhor a esperar é que os seus interesses coincidam com os da maioria da população.
Nesse caso, há razões ponderáveis para se presumir que não seria do interesse da sociedade que os parlamentares tivessem de votar às claras para aprovar ou rejeitar os nomes indicados pelo Poder Executivo para cargos como os de ministro do Supremo Tribunal Federal, do Tribunal de Contas da União e procurador-geral da República. Os políticos dificilmente ficariam à vontade para se opor à nomeação de autoridades que, uma vez nos seus postos e se surgisse a oportunidade, poderiam dispensar-lhes um tratamento mais rigoroso do que de outro modo. A natureza humana é o que é. O voto secreto, em tais situações, protege os detentores da representação popular, portanto, o eleitor.
Foi por vias tortas que se consumou o grande avanço de permitir que o País saiba como cada mandatário se comportou quando estava em jogo o destino de colegas acusados de atentar contra o decoro parlamentar. Proposta nesse sentido dormia na Câmara desde 2001 e assim continuaria não fosse o escândalo, em fins de agosto, da preservação do mandato do deputado Natan Donadon, já cumprindo a pena de 13 anos e 4 meses a que foi condenado por falcatruas em Rondônia. Diante do resultado, o presidente da Casa, Henrique Alves, decidiu que não poria em votação secreta nenhum outro caso do gênero. E assim começou a tramitar o projeto moralizador a que os políticos deram as costas durante 12 danos.
Um exemplo inusitado do que podem esperar os congressistas que tentem salvar publicamente a pele de quem fez por merecer o pior castigo que os seus pares lhe podem aplicar acaba de vir das vizinhanças. Há pouco, em votação nominal, o Senado paraguaio se recusou a suspender a imunidade de um de seus 45 membros, Victor Bogado, para que respondesse a processo judicial. Pesa contra ele a acusação de ter empregado na Itaipu Binacional a babá da família, com salário equivalente a US$ 1,7 mil. Bogado se safou graças ao apoio de 22 colegas, além do próprio voto. O que aconteceu em seguida desafia a imaginação.
Na edição de ontem do Valor, o repórter César Felício informa que os paraguaios, incentivados pela imprensa e as redes sociais, na esteira de manifestações de protesto nas ruas de Assunção, resolveram dar o troco a Bogado e seus cúmplices. Três shopping centers tomaram a iniciativa de colocar cartazes na entrada avisando que a presença dos 23 políticos não é "bem-vinda" em nenhuma de suas lojas. Apanhando a deixa, restaurantes da capital, "dos mais sofisticados à rede Pizza Hut", fizeram saber que tampouco serviriam esses comensais. A associação dos proprietários de postos de gasolina orientou os filiados a não abastecer os veículos do pessoal. Taxistas aderiram ao boicote depois de cruzar os braços no último fim de semana. Mais de 150 estabelecimentos comerciais se somaram ao movimento.
Apenas duas horas de voo separam Assunção de Brasília. Já pensaram se a moda pega?
Um dos motivos que levaram o Senado a aprovar em segundo turno a emenda constitucional do voto aberto, exclusivamente em casos de cassação de mandatos e de apreciação de vetos presidenciais, pode não ser puro como água da fonte - embora a solução tenha sido a mais certa. Os defensores do projeto original da Câmara dos Deputados, que previa a extinção do voto secreto em quaisquer circunstâncias e a estendia a todos os corpos legislativos do País, sustentam que o patrocínio do senador Renan Calheiros, presidente da Casa, ao fatiamento da proposta, atendia a um interesse pessoal do político alagoano.
Segundo essa versão, a manutenção do voto secreto para a escolha das Mesas Diretoras da Câmara e do Senado, como preveem os seus regimentos internos, ampliaria as chances de Calheiros ser eleito por seus pares, em fevereiro de 2015, para um novo mandato de dois anos, o que lhe confere a condição de presidir o Congresso Nacional. Registre-se a alegação não para desqualificar a decisão dos senadores - que caberá ao próprio Calheiros promulgar em sessão conjunta do Parlamento -, mas para lembrar a costumeira percepção de que os políticos raramente dão ponto sem nó e o melhor a esperar é que os seus interesses coincidam com os da maioria da população.
Nesse caso, há razões ponderáveis para se presumir que não seria do interesse da sociedade que os parlamentares tivessem de votar às claras para aprovar ou rejeitar os nomes indicados pelo Poder Executivo para cargos como os de ministro do Supremo Tribunal Federal, do Tribunal de Contas da União e procurador-geral da República. Os políticos dificilmente ficariam à vontade para se opor à nomeação de autoridades que, uma vez nos seus postos e se surgisse a oportunidade, poderiam dispensar-lhes um tratamento mais rigoroso do que de outro modo. A natureza humana é o que é. O voto secreto, em tais situações, protege os detentores da representação popular, portanto, o eleitor.
Foi por vias tortas que se consumou o grande avanço de permitir que o País saiba como cada mandatário se comportou quando estava em jogo o destino de colegas acusados de atentar contra o decoro parlamentar. Proposta nesse sentido dormia na Câmara desde 2001 e assim continuaria não fosse o escândalo, em fins de agosto, da preservação do mandato do deputado Natan Donadon, já cumprindo a pena de 13 anos e 4 meses a que foi condenado por falcatruas em Rondônia. Diante do resultado, o presidente da Casa, Henrique Alves, decidiu que não poria em votação secreta nenhum outro caso do gênero. E assim começou a tramitar o projeto moralizador a que os políticos deram as costas durante 12 danos.
Um exemplo inusitado do que podem esperar os congressistas que tentem salvar publicamente a pele de quem fez por merecer o pior castigo que os seus pares lhe podem aplicar acaba de vir das vizinhanças. Há pouco, em votação nominal, o Senado paraguaio se recusou a suspender a imunidade de um de seus 45 membros, Victor Bogado, para que respondesse a processo judicial. Pesa contra ele a acusação de ter empregado na Itaipu Binacional a babá da família, com salário equivalente a US$ 1,7 mil. Bogado se safou graças ao apoio de 22 colegas, além do próprio voto. O que aconteceu em seguida desafia a imaginação.
Na edição de ontem do Valor, o repórter César Felício informa que os paraguaios, incentivados pela imprensa e as redes sociais, na esteira de manifestações de protesto nas ruas de Assunção, resolveram dar o troco a Bogado e seus cúmplices. Três shopping centers tomaram a iniciativa de colocar cartazes na entrada avisando que a presença dos 23 políticos não é "bem-vinda" em nenhuma de suas lojas. Apanhando a deixa, restaurantes da capital, "dos mais sofisticados à rede Pizza Hut", fizeram saber que tampouco serviriam esses comensais. A associação dos proprietários de postos de gasolina orientou os filiados a não abastecer os veículos do pessoal. Taxistas aderiram ao boicote depois de cruzar os braços no último fim de semana. Mais de 150 estabelecimentos comerciais se somaram ao movimento.
Apenas duas horas de voo separam Assunção de Brasília. Já pensaram se a moda pega?
A PEC do Voto Aberto - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR
GAZETA DO POVO - PR - 28/11
É ao povo que deputados e senadores devem satisfação de suas ações no parlamento. No entanto, para bem representar o povo, também é preciso que o Legislativo esteja livre de pressões indevidas
O Senado aprovou na terça-feira, em segunda votação, a proposta de emenda à Constituição (PEC) que restringe os casos de votações secretas nas duas casas do Congresso Nacional. A PEC, em tese, já poderia ser promulgada, mas o presidente da Casa, Renan Calheiros, quer consultar seus pares na Câmara para evitar contestações. A PEC já tinha sido aprovada pelos deputados, mas os senadores suprimiram partes do texto. A dúvida é se a supressão caracteriza uma modificação que obrigaria a PEC a voltar à Câmara. O texto aprovado pelos deputados acabava com as votações secretas em quaisquer circunstâncias. Ao retirar partes da PEC, os senadores mantiveram o voto secreto em dois casos. O resultado final contém acertos e erros.
Um mérito inegável da PEC, da forma como aprovada tanto pelos deputados quanto pelos senadores, é acabar com o segredo nas votações de cassação de mandatos. A Câmara dos Deputados viveu um dos piores momentos de sua história recente em agosto, ao manter o mandato de Natan Donadon, condenado por desviar dinheiro da Assembleia Legislativa de Rondônia e que cumpre pena na Penitenciária da Papuda, em Brasília. Em 2011, a Câmara também já havia livrado Jaqueline Roriz, filmada recebendo dinheiro em um esquema que ficou conhecido como “mensalão do DEM”. Ambas as votações foram secretas, seguindo uma lógica que colocava o corporativismo parlamentar à frente do direito do cidadão de saber como votaram seus representantes. Ao determinar voto aberto para as cassações, a PEC inverte esse raciocínio.
No entanto, outra situação em que o corporativismo fala alto é a eleição para as Mesas Diretoras das casas legislativas, que, graças aos senadores, seguirá ocorrendo em votação fechada. Isso permitirá a repetição de situações como a atual, em que tanto o Senado quanto a Câmara são comandados por parlamentares que não têm as mínimas condições morais de liderar uma casa de leis, respectivamente Renan Calheiros e Henrique Alves.
Em outras duas situações contempladas pela PEC, o que está em jogo é a pressão do Poder Executivo sobre os parlamentares. No caso da nomeação de autoridades indicadas pelo Planalto (diplomatas, ministros do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal de Contas da União, e o procurador-geral da República), os senadores resolveram contrariar os deputados e mantiveram a votação fechada. No entanto, Senado e Câmara erraram ao aprovar o fim do voto secreto na apreciação de vetos presidenciais. Sabendo exatamente como cada parlamentar votou ou votará, o Executivo pode pressionar e retaliar à vontade, comprometendo a independência entre os poderes. A negociação e a pressão já existem hoje (basta lembrar da vitória do Planalto em outubro, quando o Congresso analisou os vetos à “pauta-bomba” e manteve os vetos aos projetos que os próprios congressistas haviam aprovado anteriormente), mas com a votação aberta os parlamentares não terão nenhum meio de resistir a um eventual rolo compressor do governo.
A transparência é um valor importante, e os eleitores têm o direito de saber como se comportam seus representantes; é ao povo que deputados e senadores devem satisfação de suas ações no parlamento. No entanto, para bem representar o povo, também é preciso que o Legislativo esteja livre de pressões indevidas dos demais poderes. A PEC do Voto Aberto, como dissemos, tem acertos; mas seus erros abrem o flanco justamente para enfraquecer a independência dos parlamentares diante de um Executivo que usa de todos os meios possíveis para se impor na disputa política.
É ao povo que deputados e senadores devem satisfação de suas ações no parlamento. No entanto, para bem representar o povo, também é preciso que o Legislativo esteja livre de pressões indevidas
O Senado aprovou na terça-feira, em segunda votação, a proposta de emenda à Constituição (PEC) que restringe os casos de votações secretas nas duas casas do Congresso Nacional. A PEC, em tese, já poderia ser promulgada, mas o presidente da Casa, Renan Calheiros, quer consultar seus pares na Câmara para evitar contestações. A PEC já tinha sido aprovada pelos deputados, mas os senadores suprimiram partes do texto. A dúvida é se a supressão caracteriza uma modificação que obrigaria a PEC a voltar à Câmara. O texto aprovado pelos deputados acabava com as votações secretas em quaisquer circunstâncias. Ao retirar partes da PEC, os senadores mantiveram o voto secreto em dois casos. O resultado final contém acertos e erros.
Um mérito inegável da PEC, da forma como aprovada tanto pelos deputados quanto pelos senadores, é acabar com o segredo nas votações de cassação de mandatos. A Câmara dos Deputados viveu um dos piores momentos de sua história recente em agosto, ao manter o mandato de Natan Donadon, condenado por desviar dinheiro da Assembleia Legislativa de Rondônia e que cumpre pena na Penitenciária da Papuda, em Brasília. Em 2011, a Câmara também já havia livrado Jaqueline Roriz, filmada recebendo dinheiro em um esquema que ficou conhecido como “mensalão do DEM”. Ambas as votações foram secretas, seguindo uma lógica que colocava o corporativismo parlamentar à frente do direito do cidadão de saber como votaram seus representantes. Ao determinar voto aberto para as cassações, a PEC inverte esse raciocínio.
No entanto, outra situação em que o corporativismo fala alto é a eleição para as Mesas Diretoras das casas legislativas, que, graças aos senadores, seguirá ocorrendo em votação fechada. Isso permitirá a repetição de situações como a atual, em que tanto o Senado quanto a Câmara são comandados por parlamentares que não têm as mínimas condições morais de liderar uma casa de leis, respectivamente Renan Calheiros e Henrique Alves.
Em outras duas situações contempladas pela PEC, o que está em jogo é a pressão do Poder Executivo sobre os parlamentares. No caso da nomeação de autoridades indicadas pelo Planalto (diplomatas, ministros do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal de Contas da União, e o procurador-geral da República), os senadores resolveram contrariar os deputados e mantiveram a votação fechada. No entanto, Senado e Câmara erraram ao aprovar o fim do voto secreto na apreciação de vetos presidenciais. Sabendo exatamente como cada parlamentar votou ou votará, o Executivo pode pressionar e retaliar à vontade, comprometendo a independência entre os poderes. A negociação e a pressão já existem hoje (basta lembrar da vitória do Planalto em outubro, quando o Congresso analisou os vetos à “pauta-bomba” e manteve os vetos aos projetos que os próprios congressistas haviam aprovado anteriormente), mas com a votação aberta os parlamentares não terão nenhum meio de resistir a um eventual rolo compressor do governo.
A transparência é um valor importante, e os eleitores têm o direito de saber como se comportam seus representantes; é ao povo que deputados e senadores devem satisfação de suas ações no parlamento. No entanto, para bem representar o povo, também é preciso que o Legislativo esteja livre de pressões indevidas dos demais poderes. A PEC do Voto Aberto, como dissemos, tem acertos; mas seus erros abrem o flanco justamente para enfraquecer a independência dos parlamentares diante de um Executivo que usa de todos os meios possíveis para se impor na disputa política.
Enem mostra necessidade de mudança - CORREIO BRAZILIENSE
CORREIO BRAZILIENSE - 28/11
O resultado do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste ano manteve o essencial - a disparidade entre o ensino privado e o público. Escolas pagas sobressaem. Brigam entre si pelas primeiras colocações no ranking das melhores. As mantidas pelo governo ficam atrás, bem atrás. As mais bem classificadas fogem à regra geral porque estão vinculadas a instituições como universidades.
Questionado, o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, lembrou o óbvio: a disparidade das condições sociais dos estudantes. Ninguém duvida de que pais aptos a arcar com altas mensalidades contam com bibliotecas em casa, assinam jornais, têm acesso a viagens, navegam nas ondas da internet. Não só. São capazes de acompanhar o aproveitamento dos filhos e oferecer-lhes reforço sempre que necessário.
Não é o caso dos frequentadores de escolas públicas. As famílias, sem lastro cultural e sem folga financeira, dependem quase exclusivamente das instituições de ensino. É aí que o Estado falha. Quando o país abriu para todos as portas da educação na década de 70 do século passado, ignorou a diferença apontada por Mercadante. Sem levar em consideração o tamanho do abismo que separava (e separa) uns e outros, atendeu os novos clientes com os recursos que atendia os antigos - membros da elite nacional.
O resultado se repete até hoje. Democratizou-se o acesso à escola sem se democratizar o saber. Rouba-se dos pobres a oportunidade mais certa de ascensão social. Em bom português: perpetua-se a disparidade que se observa desde as Capitanias Hereditárias. Na sociedade globalizada, os excluídos do conhecimento são os excluídos das boas universidades e dos bons empregos.
A avaliação constitui passo importante no processo da aprendizagem. De um lado, permite considerar acertos e erros na caminhada de crianças e jovens em direção à liberdade. De outro, oferece base para a correção de rumos. O Brasil descobriu tardiamente as vantagens do julgamento objetivo de resultados. Só na década de 90 o MEC tomou medidas concretas aptas a orientar políticas na área da educação.
É o caso do Enem. Criado em 1998, visava radiografar a qualidade da educação nacional. Hoje, além de avaliar a excelência do ensino médio, serve para dar acesso às universidades públicas. Pouco a pouco, substitui o vestibular, que se revela inadequado para selecionar os futuros estudantes do nível superior. A pergunta que se impõe é esta: com o diagnóstico repetido ano após ano, que medidas concretas o governo tomará para melhorar o desempenho das escolas públicas? A resposta passa, necessariamente, pela qualidade do professor e do material didático. Nos dois itens, o país marca passo. Até quando?
Questionado, o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, lembrou o óbvio: a disparidade das condições sociais dos estudantes. Ninguém duvida de que pais aptos a arcar com altas mensalidades contam com bibliotecas em casa, assinam jornais, têm acesso a viagens, navegam nas ondas da internet. Não só. São capazes de acompanhar o aproveitamento dos filhos e oferecer-lhes reforço sempre que necessário.
Não é o caso dos frequentadores de escolas públicas. As famílias, sem lastro cultural e sem folga financeira, dependem quase exclusivamente das instituições de ensino. É aí que o Estado falha. Quando o país abriu para todos as portas da educação na década de 70 do século passado, ignorou a diferença apontada por Mercadante. Sem levar em consideração o tamanho do abismo que separava (e separa) uns e outros, atendeu os novos clientes com os recursos que atendia os antigos - membros da elite nacional.
O resultado se repete até hoje. Democratizou-se o acesso à escola sem se democratizar o saber. Rouba-se dos pobres a oportunidade mais certa de ascensão social. Em bom português: perpetua-se a disparidade que se observa desde as Capitanias Hereditárias. Na sociedade globalizada, os excluídos do conhecimento são os excluídos das boas universidades e dos bons empregos.
A avaliação constitui passo importante no processo da aprendizagem. De um lado, permite considerar acertos e erros na caminhada de crianças e jovens em direção à liberdade. De outro, oferece base para a correção de rumos. O Brasil descobriu tardiamente as vantagens do julgamento objetivo de resultados. Só na década de 90 o MEC tomou medidas concretas aptas a orientar políticas na área da educação.
É o caso do Enem. Criado em 1998, visava radiografar a qualidade da educação nacional. Hoje, além de avaliar a excelência do ensino médio, serve para dar acesso às universidades públicas. Pouco a pouco, substitui o vestibular, que se revela inadequado para selecionar os futuros estudantes do nível superior. A pergunta que se impõe é esta: com o diagnóstico repetido ano após ano, que medidas concretas o governo tomará para melhorar o desempenho das escolas públicas? A resposta passa, necessariamente, pela qualidade do professor e do material didático. Nos dois itens, o país marca passo. Até quando?
Superar o passado - EDITORIAL FOLHA DE SP
FOLHA DE SP - 28/11
STF precisa encerrar logo controvérsia sobre correção da poupança em planos econômicos, com decisão que não crie instabilidade no país
A definição virá, se enfim vier, apenas no ano que vem. Mas ao menos o plenário do Supremo Tribunal Federal começou a analisar ações sobre a correção da poupança em quatro planos de estabilização da economia, de 1987 a 1991 (Bresser, Verão, Collor 1 e Collor 2).
Na prática, estão em jogo processos de cerca de 400 mil poupadores que alegam ter perdido dinheiro com as mudanças nas regras de correção dos saldos; os bancos teriam, de forma inapropriada, embolsado a diferença entre a reposição devida e a efetuada.
São teses questionáveis, para dizer o mínimo. Implementados pelo governo --e não pelo sistema financeiro--, os planos econômicos pretendiam interromper o exasperante ciclo de reajuste de preços.
Adequou-se, nesse intuito, a correção monetária à brusca redução da inflação, preservando o poder de compra e o equilíbrio dos contratos. Sem isso, os poupadores (todos os credores, na verdade) seriam remunerados de acordo com taxas anteriores aos planos, muito superiores ao novo padrão inflacionário. Teriam ganhos repentinos e indevidos --difícil chamar isso de direito adquirido.
Os bancos, por sua vez, foram (e são) obrigados por lei a repassar 65% daqueles valores ao financiamento da casa própria. Ou seja, ainda que tivesse havido correção menor do que a devida, a maior parte desse "lucro" teria sido dividida com os mutuários, beneficiados por dívida também menor. Serão chamados a pagar a diferença?
De resto, como os bancos somente seguiram diretrizes oficiais, será natural que, caso percam a ação, tentem repassar a fatura ao governo federal. Impactos negativos nas contas públicas, já cambaleantes, teriam efeitos em toda a sociedade, na forma de mais impostos ou serviços públicos ainda piores.
Nem é essa, a rigor, a consequência mais sombria. Estima-se que as indenizações, somadas, possam chegar a R$ 150 bilhões. O montante equivale a cerca de 50% do patrimônio dos cinco maiores bancos do país (Banco do Brasil, Caixa, Bradesco, Itaú e Santander). Uma erosão de tal monta do capital bancário provocaria colapso de crédito e tumulto financeiro.
Verdade que, pelos cálculos do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), as perdas do sistema bancário seriam mais singelas, da ordem de R$ 18 bilhões. Seria inegavelmente menor, mas ainda assim relevante, a ameaça a ser suportada por toda a sociedade; não estariam superadas, no entanto, as objeções de fundo.
Em qualquer caso, a própria disparidade entre os valores é mais um testemunho da insegurança que prevalece nesse caso. Passou da hora de o Supremo Tribunal Federal encerrar a controvérsia, com uma decisão que não traga instabilidade ao país mais de 20 anos depois.
COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO
“Ele planejava fugir muito antes de ser condenado”
Renata Bueno, deputada ítalo-brasileira, sobre o mensaleiro Henrique Pizzolato
RJ: PMDB AVALIA DESISTIR DE PEZÃO PARA O GOVERNO
A executiva nacional do PMDB avalia a desistência da candidatura do vice-governador Luiz Fernando Pezão à sucessão estadual, no Rio de Janeiro. O desânimo é provocado pelo desempenho pífio de Pezão nas pesquisas, empacado em irrisórios 4% das intenções de votos, e na queda livre do governador-problema Sérgio Cabral. A cúpula do partido já acha boa ideia aliar-se a Lindbergh Farias (PT), inimigo de Cabral.
ABRAÇO DE AFOGADOS
Para um dirigente do partido, “ou PT e PMDB se abraçam ou morrerão afogados”. Lindbergh também tem fraco desempenho nas pesquisas.
O NOME
A cúpula do PMDB lamenta não ter filiado o secretário de segurança José Mariano Beltrame. Poderia ser a salvação do partido em 2014.
SURFANDO
O ministro Marcelo Crivella (PRB) e o deputado Anthony Garotinho (PR) são quem mais tem faturado com a briga entre o PT-PMDB.
TÁ FEIA, A COISA
O PT e o PMDB – principal aliado da presidente Dilma – até agora só conseguiram fechar acordo em três estados: DF, Pará e Amazonas.
COMO A CUT, PETISTAS FAZEM AMEAÇAS A JOAQUIM
O ministro Joaquim Barbosa e o Supremo Tribunal Federal recebem ameaças diárias de pessoas ligadas ao PT e a meliantes condenados no mensalão, segundo confirmam fontes próximas à presidência da Corte, mas adotaram a regra de ignorá-las. Por essa razão, o STF não levará a sério ameaças de sindicalistas da CUT, a Central Única dos Trabalhadores, dia 25, garantindo a Barbosa que “sua vez vai chegar”.
TEM LIMITE
Em qualquer país democrático, ameaça tão explícita ao chefe do Poder Judiciário faz a polícia identificar e denunciar seus autores.
BEM PROTEGIDO
As ameaças preocupam os amigos e auxiliares de Joaquim Barbosa, mas todos parecem tranquilos quanto ao seu esquema de segurança.
INATIVIDADE
Um dos réus menos conhecidos entre os mensaleiros, Jacinto Lamas se aposentou como analista legislativo da Câmara dos Deputados. Mesmo na Papuda, receberá seus proventos mensais de R$ 24.148,49.
PERNAS CURTÍSSIMAS
Com duas juntas médicas atestando que seu estado de saúde não é grave, como insinuava, o deputado presidiário José Genoino (PT-SP) viu reduzidas suas chances de emplacar “aposentadoria por invalidez”.
ABERTURA ACANHADA
A tragédia no Itaquerão fez lembrar que a Copa de 2014, a mais importante de todos os tempos, terá solenidade de abertura no mais acanhado – e talvez inseguro – dos estádios construídos para o evento.
MELÔ DO DISSIDENTE
Peemedebistas gaúchos recorrem ao clássico de Tim Maia para explicar a relação com governo Dilma: “Me dê motivo, para ir embora...”.
LÁSTIMA
O botafoguense Nilton Santos, a enciclopédia do futebol, seria o único brasileiro que atuou pela seleção de 1950, no Brasil, a presenciar o retorno da Copa do Mundo às terras tupiniquins, em 2014.
PREMIAÇÃO JUSTA
Um dos mais admirados magistrados do País, Pedro Valls Feu Rosa, presidente do Tribunal de Justiça capixaba, receberá hoje no Supremo Tribunal Federal o Prêmio Innovare, pela criação do programa de “botões de pânico” para mulheres ameaçadas ou vítimas de violência.
ATRASADO
Mensaleiros presos têm a ajuda da Justiça para empurrar o pagamento da multa condenatória com a barriga. Passados dez dias da prisão, o TJDFT sequer corrigiu os valores para repassá-los aos presos.
BOI DE PIRANHA
A reputação do presidente do PTB, Benito Gama, é tão ruim no Palácio do Planalto, que sua indicação ao ministério de Dilma tem toda a pinta de ter sido uma manobra dos senadores do PTB para queimar seu nome.
CAMPANHA
Candidato ao governo de SP, o ministro Alexandre Padilha (Saúde) tem convidado para as agendas eleitoreiras desde parlamentares da base – incluindo mensaleiros presos – a oposicionistas como Aloysio Nunes e Carlos Sampaio, que estiveram no Seminário Cuidados Integrados.
QUESTÃO DE PRINCÍPIO
José Dirceu levará uma novidade ao hotel, como novo gerente: em vez de diárias, os hóspedes pagarão mensalmente. Tipo mensalão.
PODER SEM PUDOR
ANTROPOFAGIA NO ITAMARATY
O saudoso ex-embaixador do Brasil em Lisboa Dario Castro Alves era dono de um fino senso de humor. Chefiava a Divisão do Pessoal do Ministério das Relações Exteriores, ainda no Rio de Janeiro, quando dois subordinados, Adolf Westphalen e Dante Coelho de Lima, chegaram de uma reunião relatando as queixas do Serpro contra os muitos erros nas fichas financeiras do Itamaraty.
- O funcionário do Serpro quase nos comeu vivos - contou Westphalen.
Dario Castro Alves reagiu com muita graça:
- Espero que tenha sido no sentido antropofágico, pois você dois eram minhas últimas esperanças nesta Divisão...
Renata Bueno, deputada ítalo-brasileira, sobre o mensaleiro Henrique Pizzolato
RJ: PMDB AVALIA DESISTIR DE PEZÃO PARA O GOVERNO
A executiva nacional do PMDB avalia a desistência da candidatura do vice-governador Luiz Fernando Pezão à sucessão estadual, no Rio de Janeiro. O desânimo é provocado pelo desempenho pífio de Pezão nas pesquisas, empacado em irrisórios 4% das intenções de votos, e na queda livre do governador-problema Sérgio Cabral. A cúpula do partido já acha boa ideia aliar-se a Lindbergh Farias (PT), inimigo de Cabral.
ABRAÇO DE AFOGADOS
Para um dirigente do partido, “ou PT e PMDB se abraçam ou morrerão afogados”. Lindbergh também tem fraco desempenho nas pesquisas.
O NOME
A cúpula do PMDB lamenta não ter filiado o secretário de segurança José Mariano Beltrame. Poderia ser a salvação do partido em 2014.
SURFANDO
O ministro Marcelo Crivella (PRB) e o deputado Anthony Garotinho (PR) são quem mais tem faturado com a briga entre o PT-PMDB.
TÁ FEIA, A COISA
O PT e o PMDB – principal aliado da presidente Dilma – até agora só conseguiram fechar acordo em três estados: DF, Pará e Amazonas.
COMO A CUT, PETISTAS FAZEM AMEAÇAS A JOAQUIM
O ministro Joaquim Barbosa e o Supremo Tribunal Federal recebem ameaças diárias de pessoas ligadas ao PT e a meliantes condenados no mensalão, segundo confirmam fontes próximas à presidência da Corte, mas adotaram a regra de ignorá-las. Por essa razão, o STF não levará a sério ameaças de sindicalistas da CUT, a Central Única dos Trabalhadores, dia 25, garantindo a Barbosa que “sua vez vai chegar”.
TEM LIMITE
Em qualquer país democrático, ameaça tão explícita ao chefe do Poder Judiciário faz a polícia identificar e denunciar seus autores.
BEM PROTEGIDO
As ameaças preocupam os amigos e auxiliares de Joaquim Barbosa, mas todos parecem tranquilos quanto ao seu esquema de segurança.
INATIVIDADE
Um dos réus menos conhecidos entre os mensaleiros, Jacinto Lamas se aposentou como analista legislativo da Câmara dos Deputados. Mesmo na Papuda, receberá seus proventos mensais de R$ 24.148,49.
PERNAS CURTÍSSIMAS
Com duas juntas médicas atestando que seu estado de saúde não é grave, como insinuava, o deputado presidiário José Genoino (PT-SP) viu reduzidas suas chances de emplacar “aposentadoria por invalidez”.
ABERTURA ACANHADA
A tragédia no Itaquerão fez lembrar que a Copa de 2014, a mais importante de todos os tempos, terá solenidade de abertura no mais acanhado – e talvez inseguro – dos estádios construídos para o evento.
MELÔ DO DISSIDENTE
Peemedebistas gaúchos recorrem ao clássico de Tim Maia para explicar a relação com governo Dilma: “Me dê motivo, para ir embora...”.
LÁSTIMA
O botafoguense Nilton Santos, a enciclopédia do futebol, seria o único brasileiro que atuou pela seleção de 1950, no Brasil, a presenciar o retorno da Copa do Mundo às terras tupiniquins, em 2014.
PREMIAÇÃO JUSTA
Um dos mais admirados magistrados do País, Pedro Valls Feu Rosa, presidente do Tribunal de Justiça capixaba, receberá hoje no Supremo Tribunal Federal o Prêmio Innovare, pela criação do programa de “botões de pânico” para mulheres ameaçadas ou vítimas de violência.
ATRASADO
Mensaleiros presos têm a ajuda da Justiça para empurrar o pagamento da multa condenatória com a barriga. Passados dez dias da prisão, o TJDFT sequer corrigiu os valores para repassá-los aos presos.
BOI DE PIRANHA
A reputação do presidente do PTB, Benito Gama, é tão ruim no Palácio do Planalto, que sua indicação ao ministério de Dilma tem toda a pinta de ter sido uma manobra dos senadores do PTB para queimar seu nome.
CAMPANHA
Candidato ao governo de SP, o ministro Alexandre Padilha (Saúde) tem convidado para as agendas eleitoreiras desde parlamentares da base – incluindo mensaleiros presos – a oposicionistas como Aloysio Nunes e Carlos Sampaio, que estiveram no Seminário Cuidados Integrados.
QUESTÃO DE PRINCÍPIO
José Dirceu levará uma novidade ao hotel, como novo gerente: em vez de diárias, os hóspedes pagarão mensalmente. Tipo mensalão.
PODER SEM PUDOR
ANTROPOFAGIA NO ITAMARATY
O saudoso ex-embaixador do Brasil em Lisboa Dario Castro Alves era dono de um fino senso de humor. Chefiava a Divisão do Pessoal do Ministério das Relações Exteriores, ainda no Rio de Janeiro, quando dois subordinados, Adolf Westphalen e Dante Coelho de Lima, chegaram de uma reunião relatando as queixas do Serpro contra os muitos erros nas fichas financeiras do Itamaraty.
- O funcionário do Serpro quase nos comeu vivos - contou Westphalen.
Dario Castro Alves reagiu com muita graça:
- Espero que tenha sido no sentido antropofágico, pois você dois eram minhas últimas esperanças nesta Divisão...