segunda-feira, outubro 07, 2013

Dilma dá lição de espionagem a Obama - GUILHERME FIUZA

REVISTA ÉPOCA

Dilma foi à ONU e acabou com Barack Obama. Lendo com fúria o discurso terceiro-mundista que algum Marco Aurélio Garcia ajuntou para ela, deixou os yankees apavorados. Falando sobre espionagem digital, a presidente brasileira deu uma lição de direito e democracia aos americanos, com sua autoridade de aliada de Cuba, Irã, Síria e Venezuela. E Dilma fez mais: cancelou a visita que faria neste mês aos Estados Unidos. A maior potência mundial talvez não resista a esse golpe.

Obama inventou uma briguinha com o Congresso e fez seu governo parar de funcionar - tudo para ganhar tempo e pensar o que fará sem Dilma. A Casa Branca estaria tentando negociar pelo menos a substituição dela por outra grande líder do Brasil transparente - como Erenice Guerra ou Rosemary Noronha -, mas o Planalto estaria irredutível.

A ética petista não transige com espiões, não tolera governos que abusam de seu poder para fins de dominação política. Tanto que a espionagem do sigilo bancário do caseiro Francenildo foi feita sem qualquer invasão de privacidade,  a conta era num banco estatal, e as estatais, como se sabe, são deles, e ninguém tem nada com isso. Inclusive, Marcos Valério levava tranquilamente sacos de dinheiro do Banco do Brasil para o PT, tudo em casa. Agora os Estados Unidos aprenderão com Dilma a respeitar o que é dos outros.

Alguns críticos neoliberais, elitistas e burgueses andaram dizendo que o discurso de Dilma na ONU foi uma bravata pueril, uma lambança diplomática. Disseram que Oswaldo Aranha e o Barão do Rio Branco se reviraram nas catacumbas com a transformação da assembleia da ONU em assembleia do PT, onde o que vale é rosnar contra o "inimigo" para excitar a militância e descolar uns votos. Esses críticos acham que a gritaria de Dilma em Nova York e o cancelamento de sua visita aos EUA fazem bem ao PT e mal ao Brasil. São uns invejosos.

Quando o assunto é espionagem e manipulação de dados protegidos, o governo popular sabe do que está falando. Uma de suas obras-primas na matéria foi o vultoso Dossiê Ruth Cardoso - uma varredura em registros contábeis sobre a ex-primeira-dama. Na ocasião, o primeiro escalão do governo Lula era denunciado por uso abusivo dos cartões corporativos. O material sobre as despesas de Dona Ruth não trazia nenhuma irregularidade, mas virou um "banco de dados" nas mãos da "inteligência" aloprada, acostumada a envenenar informação e jogar no ventilador.

O Dossiê Ruth Cardoso foi montado na Casa Civil pela ainda desconhecida Erenice Guerra. Sua chefe se chamava Dilma Rousseff, essa mesma que agora ensina Obama a não futricar a vida alheia.

Ela pode ensinar, porque entende de invasão. Segundo a ex-secretária da Receita Federal Lina Vieira, a então ministra chefe da Casa Civil Dilma Rousseff - a quem Lina não era subordinada - ordenou-lhe que desse cabo de um processo envolvendo o companheiro Sarney. Após a denúncia, Lina aceitou ser acareada com Dilma, que dessa vez preferiu não se meter com ela.

Na campanha presidencial de Dilma em 2010, funcionários de seu comitê invadiram o sigilo fiscal da filha de seu adversário eleitoral. Era mais uma tentativa de dossiê, traficando dados protegidos por lei. Que Obama compreenda de uma vez: ou para de espionar os outros ou se filia ao PT, que aí não tem problema.

Enquanto Dilma lia seu panfleto na ONU, o Brasil registrava o primeiro déficit nas contas públicas desde 2001. O mês de agosto de 2013 passa à história como um marco do governo popular: após dez anos zombando das metas de inflação e de superávit, os pilares da estabilidade econômica, torrando dinheiro público com sua Arca de Noé ministerial e o dilúvio de convênios piratas, o PT conseguiu levar o Brasil de volta ao vermelho.

Mas está tudo bem. Basta olhar para os manifestantes nas ruas, ninjas, black blocs, sindicalistas e arruaceiros light para entender que o negócio hoje é brincar de revolução. Nessa linha, nada mais excitante que a "presidenta-mulher falando grosso" com os imperialistas. O Brasil entrega as calças, mas não admite acordar desse conto de fadas. Feliz 2019.

Uma alma em agonia - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 07/10

Na realidade, nem só de liberdade vive o desejo, mas também de pecado, medo e vergonha


Outro dia, dirigindo pelo trânsito de São Paulo, ouvi uma música da Lana del Rey que me chamou atenção, pela ideia que nela se repetia: o medo sentido por uma mulher de ser abandonada por seu amado um dia, quando sua beleza e juventude acabassem e restasse apenas sua "aching soul" (sua alma em dor ou em agonia). Uma letra romântica banal, como todo clichê.

Mas quem em sã consciência negaria que essa mesma letra banal descreve a dor de todos nós, homens e mulheres que envelhecem e perdem a beleza dia após dia? Acredito mais nessa letra de música do que em inúmeros textos sofisticados sobre "relações entre sexo, afeto e poder".

Cada dia que passa, temo pela irrelevância dos estudos acadêmicos das chamadas ciências humanas, devido ao que o intelectual americano Thomas Sowell chama de alienação da classe "ungida" que somos nós, os intelectuais.

Essa música seria facilmente acusada de repetir a "ideologia dominante" (para mim, esse conceito tem a mesma validade de dizer que algo acontece porque Saturno está na casa sete...) e de que esse medo é simplesmente "culpa" da opressão do conceito de beleza capitalista ou sexista. Pensar que cultura pop seja simples sintoma da "ideologia dominante" é ser incapaz de enxergar o óbvio.

A vida é clichê, por isso, temo, revistas femininas logo serão mais relevantes no debate sobre comportamento e afetos contemporâneos do que estudos acadêmicos. Seria essa, afinal, a vingança do jornalismo, muitas vezes menosprezado por nós, intelectuais, contra a soberba dos ungidos que nada entendem das agonias de carne e osso? Talvez a condição de escrever sob o gosto de sangue e de saliva que tem a trincheira da vida real dê às revistas femininas mais consistência do que as elaborações sem corpo dos especialistas em afetos.

O filósofo Francis Bacon (séculos 16-17) tirava sarro da "baixa escolástica" e suas questões sobre quem puxava o burro, quando se puxava um burro com uma corda, se era a pessoa ou a corda que puxava o burro... (risadas?). Penso que, em 500 anos, rirão de nós da mesma forma quando se diz hoje em dia que o medo de uma mulher (ou de um homem) de ser abandonada é sintoma de "opressão social", e que pessoas emancipadas não sofrem com isso. O conceito de opressão virou um grande fetiche dos intelectuais.

Suponho que assim como os textos de Sade (considerado lixo no século 18) hoje são parte do cenário filosófico, em 500 anos as revistas femininas serão mais importantes para a compreensão do que pensamos hoje do que toda a parafernália de teorias sobre "relações de poder".

Um adendo: vale salientar que Sade não ficou importante porque é o ancestral de toda teoria que relaciona sexo à perversão, mas sim porque ele relaciona sexo, afeto e a crueldade de nossa natureza humana e da natureza biológica como um todo.

Talvez um dos maiores medos humanos e que move o mundo desde sempre seja justamente o medo de perder a beleza e a juventude, e se restará alguém ao nosso lado quando formos apenas uma alma em agonia. Já que as ciências humanas mentem, a esperança é que as revistas femininas falem a verdade que não quer calar: ao final, temos mesmo é medo de sermos feios e mal-amados.

Por fim, recomendo vivamente o livro "Não se Pode Amar e Ser Feliz ao Mesmo Tempo" (Nova Fronteira), de Nelson Rodrigues, escrito sob o pseudônimo de Myrna, sua rápida coluna de 1949 no "Diário da Noite". Esta "mulher" Myrna é uma sábia. Falaremos dela em 500 anos.

Revistas femininas e autores como Nelson Rodrigues são acusados de moralismo. Antigamente o moralismo relacionava sexo, afeto e demônios. Incrível como não se vê que hoje o verdadeiro moralismo está nas teorias que relacionam as formas comuns (dos meros mortais) de afeto e sexo a "frutos da opressão da mulher".

Aprendemos a negar nosso medo com teorias sofisticadas, mas o medo sempre aparece. Ficou chique dizer que se é emancipado, quando na realidade nem só de liberdade vive o desejo, mas também de pecado, medo e vergonha. Como dizia Nelson, "o desejo também precisa de seu claustro".

Sem esforço e sem exemplo - LYA LUFT

REVISTA VEJA


Não creio que a gente ande tão ruim de português por causa das redes sociais, dos torpedos no celular. Essa reclamação tem cheiro de mofo.

O interessante é que, embora digam que se lê pouco, as editoras vendem mais que nunca, bienais e feiras ficam lotadas, e mesmo assim não conseguimos nos expressar direito, nem oralmente nem por escrito. Se lemos mais, por que escrevemos e falamos mal?

Penso que, coisas verificadas há trinta anos em meus tempos de professora universitária, andamos com problema de raciocínio. Não aprendemos a pensar, observar, argumentar (qualquer esforço maior foi banido de muitas escolas), portanto não sabemos organizar nosso pensamento, muito menos expressá-lo por escrito ou mesmo falando. "Eu sei, mas não sei dizer", "Eu sei, mas não consigo escrever isso"" são frases ouvidas há muito tempo, tempo demais.

A exigência aos alunos baixou de nível assustadoramente, e com isso o ensino entrou em queda vertiginosa. Tudo deve parecer brincadeira. Na infância, ensinam a chamar as professoras de tias, coisa com que, pouco simpática, sempre impliquei: tias são parentes. Professoras, ou o carinhoso profes, ou pros, são pessoas que estão ali para cuidar, sim, mas também para educar já os bem pequenos. Modos à mesa, civilidade, dividir brinquedos, não morder nem bater, socializar-se enfim da maneira menos selvagem possível.

Depois, sim, devem educar e ensinar. Sala de aula é para trabalhar: pátio é para brincar. Não precisa ser sacrifício, mas dar uma sensação de coisa séria, produtiva e boa.

Por alguma razão, lá pela década de 60 inventamos — melhor: importamos — a ideia de que ensinar é antipático e aprender, ou estudar, é crueldade infligida pelos adultos. Tabuada, nem pensar. Ortografia, longe de nós. Notas, abolidas: agora só os vagos conceitos. Reprovação seria o anátema. É preciso esforçar-se, e caprichar, para ser reprovado.

Resultado: alunos saindo do ensino médio para a faculdade sem saber redigir uma página ou parágrafo coerente e em boa ortografia em seu próprio idioma!

O acesso à universidade, devido a esse baixo nível do ensino médio, reduziu-se a um facilitarismo assustador. Hordas de jovens entram na universidade sem o menor preparo. São os futuros bacharéis que não vão passar no exame da Ordem. Na medicina e na engenharia, o resultado pode ser catastrófico: ali se lida com vidas e construções. Em lugar de querer melhorar o nível desse ensino, cogita-se abolir o exame da Ordem. Outras providências desse tipo virão depois. Em vez de elevarmos o nível do ensino básico, vamos adotar o método da não reprovação. Em lugar de exigirmos mais no ensino médio, vamos deixar todos à vontade. pois com tantas cotas e outros recursos vão ingressar na universidade de qualquer jeito.

Além do ensino e do aprendizado, facilitamos incrivelmente as coisas no nível da educação, isto é. comportamento, compostura, postura, respeito, civilidade.

Alunos comem, jogam no celular, conversam, riem na sala de aula — na presença do professor que tenta exercer sua dura profissão — como se estivessem no bar. Tente o professor impor autoridade, e possivelmente ele, não o aluno malcriado, será chamado pela direção e admoestado. Caso tenha sido mais severo, quem sabe será processado pelos pais.

Não estou inventando: nesta coluna não escreve a ficcionista, mas a observadora da realidade.

A continuar esse processo antieducação, e nos altos escalões o desfile de péssimos exemplos, impunidades, negociatas e deboches — além do desastroso resultado do julgamento do mensalão, apesar de firulas jurídicas —, teremos problemas bem interessantes nos próximos anos em matéria de dignidade e honradez. Pois tudo isso contamina o sentimento do povo. que somos todos nós, e pior: desanima os jovens que precisam de liderança positiva.

Resta buscar ânimo em outras pastagens, para não desistir de ser um cidadão produtivo e decente.

A coluna inútil daquele maconheiro - GREGORIO DUVIVIER

FOLHA DE SP - 07/10

Venho por meio desta carta pedir que o jornal explique por que é que a maconha não pode ser legalizada


Cara Folha de S.Paulo,

Como vocês sabem, os jovens (e o FHC) estão querendo legalizar a erva. Eu, que nunca fumei nem pretendo fumar, mas sei que ela é danosa, pois só quem fuma é marginal, venho por meio desta carta pedir que o jornal explique ao leitor jovem (e para o FHC) por que é que ela não pode ser legalizada. Para ajudá-los, recolhi alguns argumentos entre meus amigos do clube militar.

1. Se legalizar, vai virar moda. Nos países em que a ditadura gay venceu e as feministas legalizaram o aborto, as pessoas passaram a abortar só para se enturmar. Resultado: os países foram dizimados e hoje em dia nem existem mais.

2. Se legalizar, os jovens que atualmente trabalham no ramo do tráfico de drogas vão ficar desempregados. As ruas vão ser tomadas por jovens roubando, matando e estuprando para sobreviver.

3. A maconha impede os jovens de serem violentos quando eles precisam ser. Enquanto a cocaína os torna mais ativos, a maconha os deixa lesos, uma presa fácil para assaltos e estupros. A legalização da maconha vai gerar uma juventude muito facilmente estuprável.

4. Maconha é crime. Como é proibida, é através dela que os jovens entram no mundo do crime. Sim, se ela for legalizada, o argumento muda. Mas como não é, é melhor não legalizar, porque é crime.

5. Maconha é uma droga tradicionalmente cultivada por negros. Não é à toa que bastou os Estados Unidos terem um presidente mulato para afrouxarem em relação à erva. Liberar a maconha equivale a oficializar que vivemos numa negrocracia, não bastasse o pagode, o funk e aquele programa da Regina Casé.

6. Maconha gera a famosa "larica", fenômeno que faz com que o jovem coma qualquer coisa, comestível ou não, que ele veja à sua frente. O que é que isso gera? Obesidade, indigestão e mortes por engasgamento.

7. A qualidade da maconha vai melhorar e vão começar a surgir sommeliers de beque, pessoas que vão achar na erva sabores que só eles sentem. "Esse baseado tem notas de baunilha". Ou então: "A melhor parte do soltinho da Bahia é o retrogosto". Não, por favor. Já bastam os enochatos. A sociedade não está pronta para o surgimento dos ervochatos.

Peço que a Folha me ajude nessa cruzada elucidativa a favor da família brasileira, de preferência publicando a minha carta no lugar da coluna inútil daquele maconheiro carioca (perdão pela redundância).


O Rede e o bom rei - RENATO JANINE RIBEIRO

VALOR ECONÔMICO -07/10

A questão crucial desta semana foi: deveria o Rede Sustentabilidade ser autorizado a funcionar como partido? O problema é que ele não conseguiu validar as 492 mil assinaturas de eleitores exigidas em lei. O problema adicional é que dois partidos de quem ninguém ouviu falar até um mês atrás, Pros e Solidariedade, conseguiram esse número de apoios. Um terceiro problema é que o Rede tem por líder uma política notável, que obteve 20 milhões de votos nas últimas eleições presidenciais, enquanto o Pros, por exemplo, foi montado por um vereador de cidade pequena: como um pequeno partido, de nome que simboliza o governismo ("pró"), se habilita para as eleições, enquanto fica fora uma força liderada por gente do mais alto quilate ético? Vejo aqui uma nova versão do embate entre a letra fria da lei e o espírito da ética.

Isso recorda uma questão que aparece na filosofia desde Aristóteles: é melhor ser governado por boas leis ou por bons reis? Há argumentos para as duas posições. Boas leis são necessárias. Mas bastam? Para aplicá-las não é preciso o critério de bons líderes, capazes de modulá-las? Mas, se o pêndulo favorecer o bom rei, não cairemos num regime arbitrário, em que o governante fará o que quiser? Ainda mais, e esta resposta me parece decisiva, onde está o Bem? Quem garante que esteja deste lado, e não do outro? Porque, se soubermos onde está o Bem, não precisaremos de leis, de instituições, de eleições.

Estamos divididos, como alertava o filósofo grego, entre as instituições e nossas visões do Bem. Esta divisão não é privilégio nosso. Os Estados Unidos são o caso modelar. Constituem o exemplo supremo de país, na modernidade, em que a democracia coexiste com práticas desumanas, a começar pela escravidão. Na América Latina, a escravatura fazia parte do despotismo. Quando acaba o regime despótico, acaba a propriedade do homem pelo homem. Já nos Estados Unidos, a escravidão e depois a segregação racial couberam em regimes democráticos. São hoje a único democracia a aplicar, com frequência, a pena de morte. Chegaram a empossar, em 2000, um presidente derrotado nas eleições. Mas isso convive com instituições democráticas, e quando estas falham redondamente - mantendo a escravatura, o linchamento, a segregação, a pena de morte, a fraude eleitoral - o resultado é acatado, porque se crê nas regras do jogo. E se acredita que, com essas regras, as coisas possam melhorar. E com o tempo melhoram. Daí que as instituições pesem tanto naquele país e, embora falhem muitas vezes, seus cidadãos possam, o que nos surpreende e até nos faz rir, também acreditar que encarnam o bem, que representam o Bem na Terra.

O que deu certo nos Estados Unidos foi a aposta na via institucional, mesmo com quebras dela - como a Guerra de Secessão ou, nos anos 60, a quase guerra civil que incendiou os bairros de negros. Quase guerra civil porque o presidente Lyndon Johnson conseguiu aprovar uma legislação de direitos humanos pacificando a relação entre as etnias e fazendo seu país, mais atrasado na época que o Brasil no respeito ao negro, se tornar em poucas décadas uma referência para nós. A mesma via das instituições funcionou no Reino Unido. Já em outra grande democracia, a França, a ruptura prevaleceu mais vezes. Aqui, cabe a questão: queremos o cumprimento das leis, mesmo que inviabilize a curto prazo o Rede, ou - porque Marina é representativa e seria absurdo não poder disputar, em 2014, a Presidência - preferiríamos soluções extraordinárias?

Confesso, com toda a simpatia que tenho pelo Rede, preferir a via das instituições. Comete erros mas, com o tempo, eles são sanados. Não nego que seja preciso pressionar as instituições. Até entendo pressões, como algumas ações dos manifestantes de maio e junho, que ficam perto da ilegalidade. Não as justifico eticamente, mas compreendo sociologicamente. Contudo, aprovar um partido porque é do Bem me parece abrir a via para todo tipo de arbitrariedade. Estamos perto de uma das piores formas de tirania, que é a tirania do Bem, melhor dizendo, a tirania exercida em nome do Bem (porque, o Bem, onde ele estará? quem tem acesso a ele, quem fala em seu nome?). Foi esse um dos vícios originais do comunismo. É esse o risco, hoje, de quem invoca o Bem na política (não, não me refiro a Marina nem ao Rede).

Na era clássica, que é como chamamos os séculos 17 e 18, era comum distinguir a ação ordinária e extraordinária do rei. Seu poder ordinário estava na aplicação das leis, a exemplo de Deus quando rege o mundo por suas leis usuais, como a água fervendo a cem graus ou o sol nascendo todo dia. Mas, assim como o Criador eventualmente recorria ao milagre, parando o sol diante de Josué, também o rei agia extraordinariamente. Isso, para eles, era mais ou menos normal - nem tão normal assim, porque a Revolução Inglesa de 1640 se deu contra o "milagre" que Carlos I pretendia praticar, suspendendo a Constituição.

Estaremos hoje - quando alguns cogitam deixar em segundo plano a rota das leis, das instituições, em favor do espírito da lei, do Bem - de novo querendo milagres que nos salvem de um cotidiano tido por insuportável? Mas os protestantes diziam que a era dos milagres tinha passado. Talvez a fé católica em milagres e a descrença protestante neles explique por que estes últimos foram mais capazes de construir as primeiras grandes sociedades democráticas. Milagres são lindos, mas a sociedade não é feita deles. Da religião, prefiro a passagem sobre os moinhos de Deus que moem lentamente, mas muito fino. Só isso é sustentável. Só isso educa.


No país da neutralidade expansionista - GUSTAVO LOYOLA

Valor Econômico - 07/10

Na ata da última reunião do Copom, o Banco Central, de maneira surpreendente, incluiu como novidade a frase "criam-se condições para que, no horizonte relevante para a política monetária, o balanço do setor público se desloque para a zona de neutralidade". Isso depois de ter afirmado, na ata da reunião anterior, que iniciativas recentes apontavam "o balanço do setor público em posição expansionista".

Considerando que os sinais de deterioração das contas públicas continuam alarmantemente presentes e não tendo havido qualquer mudança de postura das autoridades fiscais nas últimas semanas, parece não ter havido justificativa razoável para essa mudança abrupta da avaliação do Banco Central sobre o desempenho das contas públicas. Ao contrário, a forte deterioração do superávit primário nos últimos meses, quando expurgado dos efeitos da contabilidade criativa, sugere que o afrouxamento fiscal segue solto, como nunca se viu nos últimos quinze anos.

Alguns números bastam para ilustrar esse ponto. Nos doze meses encerrados em agosto de 2013, o superávit fiscal ficou em 1,9% do PIB pelo número oficial, ou 1,2% expurgando-se a contabilidade criativa. O resultado é bem abaixo do observado nos últimos anos. A despesa cresceu nos primeiros oito meses de 2013 cerca de 6%, enquanto a receita subiu apenas 2,5% no mesmo período. Como que num castigo ao otimismo do BC, o resultado primário de agosto de 2013, publicado poucos dias após a divulgação da ata do Copom, foi o pior em quinze anos para o mês, mesmo com a ajuda da receita de dividendos transferida para o Tesouro.
Diante de tanto distanciamento entre a realidade dos números e a fantasia das promessas, custa a crer que o Banco Central possa ter apostado na "neutralidade do balanço do setor público", principalmente no contexto de um ano eleitoral que já começou. O próprio Orçamento do governo federal para 2014 indica queda do superávit primário no ano que vem, mesmo com a superestimativa do comportamento das receitas tributárias, estimadas com base num crescimento real do PIB de 4% e de uma inflação de 5%. Aliás, os números do Orçamento costumam não ser confiáveis no Brasil, como mostra a experiência de anos anteriores, assim como são menos confiáveis, infelizmente, os próprios números do superávit, cada vez mais afetados por truques contábeis.

Além disso, há problemas com o conceito adotado pelo Banco Central para mensurar a neutralidade da política fiscal, sob o prisma de suas implicações para a conduta da política monetária. Conforme descrito num "box" no último Relatório de Inflação divulgado, a instituição se vale do conceito de "impulso fiscal", pelo qual uma política fiscal é dita neutra quando for nula a diferença entre o resultado primário estrutural entre dois períodos sucessivos. Essa métrica adotada pelo BC não é a mais indicada para mensurar os efeitos da política fiscal sobre a demanda agregada, pois pode estar comparando duas situações de desequilíbrio. No contexto da condução da política monetária num regime de metas de inflação, o correto é entender neutralidade fiscal como uma situação em que nenhum ajuste da taxa de juros é necessário para que a meta de inflação seja atingida. Para tanto, o indicador relevante é o resultado primário medido como proporção do PIB e não a sua diferença entre dois períodos sucessivos como, aliás, admite o BC nos próprios modelos de projeção de inflação por ele utilizados.

Ademais, a neutralidade vista pelo BC dificilmente se harmoniza com o que vem sendo observado no comportamento da dívida pública. A proporção entre a dívida bruta do setor público e o PIB tem crescido nos últimos anos, a ponto de já ser percebida pelas agências de classificação de risco como um fator que pode levar ao "downgrade" do risco soberano brasileiro. A relação dívida bruta/PIB encontra-se hoje em 68%, tendo crescido 6 pontos percentuais apenas no governo atual e já se encontra acima do nível médio para países com "ratings" semelhantes aos do Brasil. Isso contrasta com a afirmação constante do Relatório de Inflação de que "superávits primários em patamares próximos aos que têm sido gerados recentemente são necessários para manter a dívida pública em trajetória sustentável". O problema é que o "link" entre o resultado primário e a evolução da dívida pública foi rompido pela expansão massiva da dívida tendo como contrapartida a constituição de créditos com empresas estatais - Petrobras, BNDES e Caixa Econômica - operações que não afetam o primário.

Por tudo o que foi aqui dito, o BC cometerá grave erro caso baseie suas decisões de política monetária no comportamento do "impulso fiscal" medido pela variação do resultado primário estrutural. Com uma inflação beirando os 6% ao ano, o que menos o Brasil precisa é da ficção de uma neutralidade expansionista.

Nomes ao léu - ROBERTO POMPEU DE TOLEDO

REVISTA VEJA 
Que há num nome?,  pergunta Julieta a Romeu. Ela mesma responde: "O que chamamos rosa, mesmo com outro nome, teria o mesmo doce odor". Quem procurar o que há no nome dos partidos políticos brasileiros vai se perder numa sopa de umas poucas palavrinhas que, repetidas à exaustão, mais os confundem do que os singularizam. Nos últimos quinze dias, o generoso sistema político brasileiro acolheu mais duas agremiações, uma com um nome comprido - Partido Republicano da Ordem Social (Pros) - e outra com um curto - Solidariedade. Uma terceira, que escolheu o nome exótico, para um partido, de Rede Sustentabilidade, foi reprovada. Por que o Solidariedade, que apresentou assinaturas falsas no seu rol de apoiadores, recebeu a aprovação do Tribunal Superior Eleitoral, enquanto a Rede Sustentabilidade, de comprovada lisura, não o mereceu, é mistério fora do alcance do colunista. Nosso tema será mais ligeiro e mais fútil, como convém a um universo pândego como o do sistema partidário brasileiro.
Com os dois nascidos nas últimas semanas, são 32 os partidos brasileiros. São muitos. Mas são poucas as palavras com que se identificam, cada qual usando uma combinação diferente das mesmas e surradas fórmulas "social/socialista", "trabalhista/trabalhadores",  "democrata/democrático" ou "república/republicano". A família com maior número de ocorrências é a social/socialista - dez, variando dos conhecidos Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e Partido Socialista Brasileiro aos nanicos Partido Social Democrata Cristão e Partido Social Liberal. Reconheçamos que "social" e "socialista" não apontam para a mesma coisa. Mas reconheçamos também que, no caso brasileiro, nem todos os "socialistas" apontam para o socialismo, nem os "sociais" às políticas sociais, quando apontam para alguma coisa. Socialistas e sociais confundem-se no gosto pelo antepositivo social, tido como de miraculoso efeito junto ao eleitorado.
Vêm em seguida os partidos com "trabalhista/ trabalhadores" no nome - oito, no total. "Dos trabalhadores" são dois - o PT e o PSTU. Este, além de ser dos trabalhadores, é socialista, e para culminar declara-se "unificado". A julgar pela quantidade de partidos "social/socialistas" e "trabalhistas/trabalhadores", no entanto, é forçoso concluir que por enquanto a unificação pouco avançou. Os que se chamam de "trabalhista" são seis, dos mais conhecidos PTB e PDT ao PTdoB (Partido Trabalhista do Brasil) e PRTB (Partido Renovador Trabalhista Brasileiro). Os trabalhadores do Brasil estão muito bem servidos. Têm ainda à disposição as variedades Trabalhista Cristão e Trabalhista Nacional, basta decifrar o que significam. Mas os democratas não ficam atrás - os partidos com democrata/democrático no nome são também seis - os veteranos PMDB, PSDB, PDT e DEM, o novato PSD do ex-prefeito Kassab e, por último, o menos cotado Partido Social Democrata Cristão, do ei-ei-ei Eymael, o sorridente cavalheiro que, entra eleição, sai eleição, bate seu ponto.
Quatro partidos apresentam-se com as palavras "república/republicano", três com "nacional", outros três com "cristão" e dois com "progressista". Já conhecemos a receita. Pega-se um "trabalhista" aqui, um "social" ali, um "republicano" acolá, mistura-se bem, mexe-se, coa-se, acrescenta-se um "brasileiro" ou "nacional" a gosto e está batizado o partido. Raramente se vai além disso. Os dois surgidos nos últimos dias, porém - reconheça-se -, de certa forma foram. O Solidariedade nem tanto, uma vez que apenas procura tirar vantagem em cima do famoso movimento polonês dos anos 1980, sendo que a distância entre um e outro é tão notável na dimensão histórica quanto na existente entre as figuras de Lech Walesa e do Paulinho que gosta de apelidar-se "da Força".
Mais significativa é a contribuição do Partido Republicano da Ordem Social, o Pros, ao trazer a palavra "ordem" de volta ao quadro partidário. A última vez que ela se fez presente foi no Prona, o Partido da Reedificação da Ordem Nacional (nada menos do que isso), do falecido Enéas. O Pros defende a "ordem social". Talvez a "ordem" só tenha entrado para ajudar na sonoridade da sigla. Mas talvez o propósito seja mesmo cuidar da ordem social - um setor que andava negligenciado desde a extinção do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), de memorável atuação no Estado Novo e na ditadura militar.

O ovo da serpente grego - GILLES LAPOUGE

O Estado de S.Paulo - 07/10

PARIS - Nikolas Michaloliakos, o líder do partido grego neonazista Aurora Dourada, foi preso e permanecerá na cadeia enquanto responde a processo. A decisão dos juízes de primeira instância que adotaram medidas judiciais contra esse grupo ultraviolento, acusado de ter assassinado o rapper antifascista Pavlos Fyssas, tranquilizou os democratas gregos.

Várias estratégias se sucederam em relação ao Aurora Dourada. O governo "conservador" de Antonis Samaras contemporizou durante muito tempo. A Grécia debatia-se na crise financeira e não queria tratar de mais um problema.

Em seguida, o Aurora Dourada, que conseguira eleger ao Parlamento 18 deputados, começou a multiplicar as provocações. Lançou seus asseclas contra os imigrados. Ao mesmo tempo, perpetrou várias ações ilegais, extorsões e fraudes.

Até que, no mês passado, os neonazistas cometeram mais um assassinato, no dia 17, em Atenas. A vítima foi um rapper, punido por seus textos antifascistas.

Nessa altura, o primeiro-ministro decidiu agir com extrema eficiência e prendeu o líder Michaloliakos e seus principais assistentes.

O grupo nazista ficou acéfalo. A Grécia, mas também os outros países europeus, respiraram. Entretanto, dias depois, temeu-se uma "recaída" das autoridades, quando colocaram em liberdade provisória vários chefetes do Aurora Dourada. Pensou-se num recuo diante desse grupo de bandidos.

Em menos de 24 horas, no entanto, a Justiça decidiu manter na cadeia o líder Michaloliakos, assim como um dos seus principais ajudantes, Georges Patelis, chefão do Aurora Dourada no bairro onde o rapper foi executado.

Resta uma pergunta: a coragem do governo grego bastará para afastar o espectro do fascismo? O jornal francês Le Monde não tem a menor dúvida.

E saiu com a manchete: "Boas notícias da Grécia com o fim do partido neonazista".

Não devemos esquecer de que a Grécia moderna, ao contrário da Grécia Antiga, é um caldo de cultura no qual prosperam as bactérias do fascismo mais exaltado. Vimos isso depois da guerra, com as tentativas da tomada do poder dos comunistas stalinistas; mais tarde, com o regime selvagem dos "coronéis" (1967-1974).

Por outro lado, se o Aurora Dourada cresceu tão rapidamente a ponto de representar 12% do povo grego, o fato explica-se pela crise que assola o país há três anos com a força de um tsunami. Sem emprego nem dinheiro e obrigada a mendigar, grande parte da sociedade está disposta a aderir às vozes mais tentadoras, mais vulgares. Entretanto, mesmo com o líder do Aurora Dourada provisoriamente na cadeia, a crise econômica, a "descida aos infernos", prossegue inexoravelmente.

O partido de extrema direita soube tirar proveito dessas duas realidades: a miséria e a xenofobia. Como exemplo da habilidade dessa estratégia, o Aurora Dourada, quando não executa rappers, distribui alimentos gratuitamente. Para ter direito a uma tigela de sopa, a pessoa deve apenas provar que é de nacionalidade grega. Nada de sopa para os estrangeiros!
"O ovo da serpente", disse mais ou menos Shakespeare em Júlio César, "se chocado, por sua natureza se tornará nocivo. Matemo-lo enquanto está na casca". O sueco Ingmar Bergman usou essa frase como título de um dos seus mais belos filmes, em que analisa justamente o início do nazismo.

Os anões do apocalipse - LÚCIA GUIMARÃES

O Estado de S.Paulo - 07/10

A paralisação do governo americano entra hoje no sétimo dia e os responsáveis pela criação deste mundo de trevas ainda não se cansaram. Seria injusto culpar a imprensa estrangeira por cobrir o shutdown de 2013 como um impasse entre democratas e republicanos. Boa parte da imprensa americana, que conhece melhor a verdade, faz o mesmo.

Quanto maior a polarização política dos últimos 30 anos, mais os jornalistas americanos passaram a ver o mundo como uma partida de futebol que estão apitando. Têm medo ser acusados de favoritismo porque já vivem intimidados com a propaganda conservadora que representa a imprensa como predominantemente esquerdista. E mais, têm preguiça moral e intelectual e quem diz isso é Seymour Hersh, o lendário repórter de 76 anos que revelou para o mundo o massacre de My Lai no Vietnã.

É importante deixar claro que a paralisação na capital americana não é fruto da recusa de Barack Obama, o presidente democrata, de fazer concessões à oposição republicana.

O governo fechou porque o Partido Republicano está numa batalha contra si mesmo. Não precisava fechar. A qualquer momento, nos últimos meses, era só o artificialmente bronzeado líder da Câmara John Boehner ter oferecido para voto a ritual medida de autorização de aumento do teto da dívida pública e permitir ao governo continuar funcionando. Ele contaria com um número suficiente de votos de republicanos moderados. As discussões existenciais sobre como continuar paralisando o governo Obama, obstruindo qualquer iniciativa sua, poderiam continuar normalmente. Afinal, em janeiro passado, o alaranjado Boehner avisou às suas tropas: não se negocia qualquer política doméstica com Barack Obama. Logo em seguida, a minoria republicana no Senado adotou o lema.

Imaginem se, em 2009, quando ainda tinham maioria na Câmara, os líderes democratas fizessem a seguinte chantagem com o povo americano: só autorizamos o orçamento do governo se os cortes de impostos para os ricos transformados em lei por George W. Bush (que contribuíram para o déficit) forem suspensos. Seriam chamados de terroristas ou bolcheviques.

Pois é esta a tática terrorista - a extorsão de um resgate - que está em curso. A lei do seguro saúde, o Obamacare, proposta pelo Executivo, passou pelo Legislativo, foi contestada no Judiciário e afinal confirmada pela instância máxima, a Suprema Corte. Ponto final, diriam os observadores da democracia americana. Mas, como disse recentemente o ex-presidente Jimmy Carter, ao tomar conhecimento dos detalhes da espionagem da NSA, "A democracia não funciona na América, neste momento."

Washington está paralisada porque a minoria extremista do Tea Party decidiu que, ou o presidente ignora o sistema de governo fundado no século 18 e suspende o Obamacare, ou o país marcha para o precipício de um calote sem precedentes, quando acabar o dinheiro do Tesouro, no meio de novembro.

O delírio autoritário foi mais longe. Numa lista de exigências para soltar o refém, Boehner incluiu itens como novos cortes de impostos, prospecção de petróleo offshore, suspensão dos limites de emissões de poluição, desmonte da reforma financeira pós-crash de 2008 e por aí vai.

Não importa avaliar o grau do instinto suicida de John Boehner e seus anões do apocalipse. Ainda que os Estados Unidos não empurrem a economia global ladeira abaixo com um calote em novembro, a impunidade que estamos testemunhando agora afeta mais do que a economia em 2013, ela testa a resistência de um sistema que, apesar de imperfeito, ainda é um Norte para tantos no mundo.

E por que os anões do Congresso não têm medo de ser punidos em seus currais eleitorais? Parte da explicação pode estar no que os sociólogos chamam de o Big Sort, a Grande Separação, um movimento migratório nos últimos 20 anos. Cada vez mais, os americanos escolhem morar em estados ou cidades onde esperam ter como vizinhos quem pensa como eles. O resultado desta segregação ideológica é a disparada de resultados de eleições locais por ampla maioria. Assim, um deputado republicano moderado não teme perder o cargo para um democrata e sim ser derrotado por um lunático do Tea Party na primária eleitoral do próprio partido.

Um comentarista político nova-iorquino classificou o cenário em Washington de uma crise doméstica dos mísseis cubanos. Alguém pode esbarrar no botão errado, com consequências catastróficas para o resto do mundo.

Uma minoria entre os derrotados nas urnas na eleição presidencial de 2012 está agindo como se o Zimbábue fosse aqui. Fala de impeachment com a frequência e a frivolidade com que adolescentes debatem o videoclipe da Miley Cyrus. Podem ter fracassado em fazer decolar um processo de impeachment. Mas conseguem fazer mais: para atingir o presidente, atacam a instituição da presidência.

Idas e vindas do governo atrasam as concessões - JORGE J. OKUBARO

O Estado de S.Paulo - 07/10

Embora comprove intensa atividade do governo, a profusão de notícias divulgadas nos últimos dias sobre as concessões para operadoras privadas de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos atualmente sob controle federal está longe de significar avanço no programa de melhoria e expansão da infraestrutura. As informações, na verdade, mostram que, no governo, continua a haver mais dúvidas do que certezas a respeito desse programa. Sem saber com clareza em que condições o governo aceita sua participação nesses empreendimentos, o setor privado não se arriscará a aplicar dinheiro neles.

Se alguma certeza emerge com clareza do noticiário recente é que, mais de um ano depois de anunciado pela presidente Dilma Rousseff, o Programa de Investimentos de Logística está quase parando. Pior para o País.

São inteiramente procedentes os argumentos utilizados em agosto do ano passado pela presidente para anunciar o programa, com a previsão de investimentos de R$ 133 bilhões em ferrovias e rodovias nos próximos 25 anos, sendo R$ 79,5 bilhões em cinco anos. O Brasil precisa, e com urgência, de melhores estradas e de mais ferrovias para escoar e distribuir sua produção. Precisa também de portos e aeroportos mais eficientes e com maior capacidade para atender à demanda. As perdas de produção e os custos excessivos de transporte impostos aos produtores rurais - sobretudo na época da colheita, quando filas imensas de caminhões se formam à espera do embarque de sua carga nos navios - não deixam dúvidas quanto à precariedade de infraestrutura de transportes no País. Além de provocar muitos acidentes, o mau estado das rodovias federais impõe custos adicionais aos usuários.

De acordo com o programa, serão concedidos à iniciativa privada 7,5 mil quilômetros de rodovias e 10 mil quilômetros de ferrovias. Mas o fracasso do leilão da BR-262, entre os Estados de Minas Gerais e Espírito Santo, para a qual não houve nenhuma oferta, e o risco de contestação judicial do resultado do leilão da BR-050, entre Goiás e Minas Gerais, o que atrasaria as obras, mostram que o governo terá muitas dificuldades para colocar esse programa de pé, no prazo pretendido. O plano para as ferrovias pode ficar tão complicado quanto o das rodovias, se não se mostrar ainda pior.

Talvez perplexo com os maus resultados do primeiro leilão de rodovias dentro do Programa de Investimentos em Logística, realizado há mais de três semanas, o governo passou a examinar com sofreguidão regras alternativas que evitem sua repetição nos próximos leilões. Temendo que a desconfiança dos investidores contamine outras concessões, e ainda pressionado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) - que viu inconsistências ou irregularidades nas regras já definidas para algumas delas -, o governo reviu ou está revendo também os critérios para a privatização das operações de portos e aeroportos. O resultado da discussão dentro do governo e dele com investidores privados tem sido quase caótico.

"Estamos ajustando os modelos para que apresentem alta rentabilidade e para que haja elevada concorrência", disse no início da semana passada o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Dias antes, ele estivera em Nova York para apresentar a investidores externos o que o governo considera como oportunidades para aplicações no País, num momento em que, na sua opinião, "o mundo continua com poucas alternativas de rentabilidade". Mantega garantiu que, ainda neste ano, o governo vai leiloar duas ferrovias e quatro rodovias. "Também vamos leiloar aeroportos e portos."

Pode ser. Se for, melhor para todos. Mas o que se sabe é que o governo não definiu o modelo que, como promete o ministro, possa oferecer alta rentabilidade. Até agora, os modelos utilizados, e que produziram resultados frustrantes, foram baseados em projeções subestimadas de necessidade de investimentos, taxas de retorno baixas demais, projeções superestimadas de movimentação de veículos e tarifas que não asseguram o rendimento esperado pelos investidores.

Entende-se que o governo balize seu programa pelo que chama de modicidade tarifária. Afinal, o que usuários querem é tarifa módica. Mas é preciso compatibilizar esse princípio com os interesses dos investidores. Eles querem ganhar dinheiro com o investimento, o que é inteiramente legítimo - e isso implica cobrança de tarifa adequada. Mas o governo não encontrou a fórmula para aproximar esses interesses conflitantes.

Agora, já admite que pelo menos quatro dos nove lotes em que foram divididos os 7,5 mil km de rodovias não garantirão rentabilidade suficiente para as concessionárias apenas com as tarifas de pedágios a serem pagas pelos usuários e definidas de acordo com o princípio da modicidade tarifária. Para atrair investidores sem elevar demasiadamente a tarifa, o governo parece disposto a subsidiá-la, isto é, vai utilizar recursos do Tesouro.

A inconsistência do modelo de concessão não se limita a rodovias. No caso das ferrovias, o governo foi advertido pelo TCU de que o modelo proposto não tinha amparo legal, o que exigiu sua reformulação. Isso deve atrasar o primeiro leilão. Nas audiências públicas sobre os editais para arrendamento de portos, investidores privados se queixam de que há dados incorretos ou imprecisos e faltam informações básicas, o que torna difícil a análise do investimento.

O que ocorreu no caso dos aeroportos talvez resuma a ação do governo nas concessões. O primeiro leilão, realizado no ano passado e que envolveu as operações dos aeroportos de Guarulhos, Viracopos e Brasília, foi vencido por empresas sem experiência em operações de unidades do porte das que assumiram. Errou por escassez. Para não repetir o erro, o governo fez exigências exageradas para o próximo leilão, dos aeroportos do Galeão e de Confins, marcado para 22 de novembro. Tendo desta vez errado por excesso, foi forçado pelo TCU a corrigir o novo erro.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

FOLHA DE SP - 07/10

Lei do Estágio precisa mudar, afirma presidente do CIEE
A Lei do Estágio, que completou cinco anos, precisa ser reformulada e ampliar o prazo máximo de dois anos para os contratos, de acordo com Luiz Bertelli, presidente do CIEE (Centro de Integração Empresa-Escola).

Um projeto de lei --criado em 2009-- que propõe o aumento para três anos do tempo de estágio em uma mesma empresa tramita na Câmara dos Deputados.

Parado desde maio na Comissão de Educação, deve ser apreciado até o fim deste ano.

Caso seja aprovado nessa comissão, o projeto de lei ainda deve passar por outras três: a de Trabalho, Administração e Serviço Público, a de Finanças e Tributação e a de Constituição e Justiça.

Com a expansão do período, cresce a absorção de conhecimento do estudante, o que o torna um profissional mais capacitado, de acordo com o presidente.

Além disso, o estagiário deve poder escolher se prefere permanecer mais um ano em uma mesma companhia.

"Os legisladores achavam que se o jovem ficasse dois anos em uma empresa e depois passasse por outra, ele poderia ter experiências variadas. Na prática, isso não ficou muito evidenciado", argumenta o executivo.

O presidente do CIEE defende ainda o aumento da jornada máxima diária do estudante na empresa das seis horas atuais para sete.

"A partir do momento em que o estagiário passou a trabalhar seis horas, caiu o valor da bolsa-auxílio. Essa é uma reclamação generalizada por parte dos estudantes", afirma o presidente.

Confiança baixa
O consumidor americano está menos confiante em outubro, aponta relatório da empresa de pesquisa Ipsos.

Neste mês, o índice que mede confiança em relação à economia chegou a 50,7 pontos --0,4 a menos do que o registrado em setembro.

Entre os cinco quesitos que compõe o indicador, houve aumento apenas no que avalia a opinião sobre o mercado de trabalho: de 60,1 em setembro para 60,2 em outubro.

A menor parte (cerca de 15%) dos entrevistados acredita que irá perder o emprego nos próximos seis meses.

A maior queda --de 80,3 pontos no último mês para 76,3 em outubro-- aconteceu no subindicador de inflação.

A variação reflete a percepção de que os preços estão subindo em ritmo menor do que o antecipado, diz a pesquisa.

Os americanos, no entanto, estão menos propensos a realizar investimentos, como mostra a queda de 44,1 pontos no último mês para 43,2 em outubro. A diminuição é reflexo da discussão em torno do orçamento federal, conclui o levantamento.

FÔLEGO A MAIS
O teto maior do FGTS para a compra de imóveis deve ajudar a indústria de materiais de construção a atingir a meta de crescimento de 4% neste ano --antes considerada pelo setor "difícil" de alcançar.

"Estávamos bastante preocupados em não conseguir devido ao atraso no segmento de infraestrutura, que sofreu com o adiamento de concessões", diz Walter Cover, presidente da Abramat (associação que reúne as indústrias).

Apesar de o mercado imobiliário residencial responder por apenas 15% do setor, a medida irá aquecer a área de reformas e incrementar as vendas do varejo, que correspondem a metade do volume de negócios.

Para alcançar os 4% de expansão real, a indústria precisa avançar de 4,5% a 5% ao mês. O levantamento de agosto, porém, indicou alta de 3,2%.

No ano seguinte à última atualização do valor do imóvel para compras com o FGTS, em 2009, o setor registrou uma elevação de 14,4% --a mais alta da série histórica.

Naquela ocasião, a medida foi autorizada para ajudar a combater a crise.

"Foi extremamente positivo, pois estávamos sofrendo com os impactos da crise externa e reagimos bem com as medidas."

Motores a todo vapor
Como parte de um investimento de US$ 32 milhões, a empresa GE Transportation vai passar a produzir no Brasil motores de locomotivas que rodam em trilhos de menor largura.

A fabricação, que será baseada em Contagem (MG), começa no próximo ano.

O maquinário terá o dobro da capacidade de tração em relação a um motor de corrente contínua.

Atualmente, no país, são 23 mil quilômetros de ferrovias com tais características.

Outros componentes, como plataformas e cabines, também serão desenvolvidos pela equipe de engenheiros da instalação mineira.

De acordo com a empresa, o desenvolvimento do motor integra estratégia de nacionalização para a América Latina, iniciada em 2008.

Ativos... A Apsis Consultoria, que presta serviços de avaliação de negócios e operações de compra e venda de ativos, planeja a abertura de representações em Fortaleza e Joinville (SC).

...em alta Hoje com escritórios no Rio de Janeiro e em São Paulo, a empresa tem uma carteira de aproximadamente 600 clientes.

Tempos... A Líder Interiores, de móveis e decorações, investirá R$ 8 milhões na automatização de sua fábrica, em Carmo do Cajuru (MG). A expectativa da marca é crescer de 15% a 20% nos próximos anos.

...modernos A companhia também pretende expandir sua atuação no Nordeste e avalia a abertura de loja própria na região.

Dilma busca novo canal com setor privado - CLAUDIA SAFATLE

VALOR ECONÔMICO - 07/10

Sem estratégia definida, perfil ideal para reconstruir a relação seria um novo Palocci, mas não o próprio


A presidente Dilma Rousseff pensa em repactuar a relação do seu governo com o setor privado, tanto junto aos empresários do mercado financeiro quanto a dirigentes do setor produtivo. Não tem, no momento, uma estratégia definida nem um nome para conduzir a tarefa. O perfil ideal para construir essa ponte seria o de alguém como o ex-ministro Antônio Palocci, mas não ele próprio.

O Palácio do Planalto avalia que cometeu dois erros de cálculo. Um foi imaginar que a queda de 525 pontos da taxa de juros entre agosto de 2011 e março deste ano - período em que a Selic saiu de 12,5% para 7,25% ao ano - implicaria em um enorme incentivo ao investimento privado. Outro foi abrir mão de mais de R$ 70 bilhões em receitas para conceder desonerações de tributos, comprometendo a meta fiscal, para colher um aumento do investimento que não veio.

"Foi uma ilusão do governo", comentou uma fonte da presidência da República, explicando que ambas as medidas eram demandas que a presidente colheu junto aos próprios empresários nas reuniões que manteve com eles no ano passado.

Ao contrário do que pensava o governo, segundo essa mesma fonte, o que ocorreu foi uma queda do lucro financeiro das empresas, pela redução dos juros, e a recuperação de margem de lucro com a desoneração. Agora Dilma quer retomar, sob novas bases, a interlocução com o setor privado vislumbrando, também, um eventual segundo mandato.

Na avaliação de fontes do governo, houve uma grande mudança na gestão da presidente de julho para cá, após as manifestações de protesto que tomaram conta das ruas do país.

Ela não mudou nomes do seu ministério, mas buscou aproximação com as lideranças do Congresso - a cada quinze dias Dilma reúne-se com os presidentes da Câmara, Henrique Alves (PMDB - RN), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB - AL) - e com os movimentos sociais.

Na área econômica, recomendou ao presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, que aparecesse mais e intensificasse as conversas com empresários, relata um assessor da presidente. Retirou do primeiro plano o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin e revisou as condições para as concessões tornando-as mais atrativas. Mas sentiu-se traída pela ausência de empresas candidatas ao leilão da rodovia BR - 262.

Se oferecia alguma resistência ao aumento da taxa de juros para conter a inflação, Dilma reformou suas convicções e deixou claro a Tombini o grau de liberdade do BC para derrubar o IPCA este ano para um patamar inferior aos 5,84% do ano passado e para conter a elevação de preços no ano que vem a um nível menor do que neste ano, mesmo que isso signifique elevar os juros a dois dígitos.

A comunicação da presidente também mudou. A entrada da personagem "Dilma Bolada" na estratégia de diálogo direto com as redes sociais, no Twitter e no Facebook, segundo fontes oficiais, amplia o alcance das divulgações e mensagens do palácio do Planalto e dribla a cobertura, às vezes sucinta, outras vezes negativa, da imprensa tradicional. Um exemplo disso, citaram, foi a viagem que Dilma fez ao Rio Grande do Norte esta semana. Enquanto os jornais ressaltavam as vaias que ela recebeu, as declarações que deu sobre o Pronatec no mesmo evento foram retuitadas por 3 milhões de pessoas.

Desde o fim de 2011 Dilma foi aconselhada pelo ex-ministro Delfim Netto a se aproximar dos empresários. Ela tentou. Um grupo de 30 empresários - dentre eles três banqueiros - começou a ser ouvido com certa frequência. Do primeiro encontro, em março de 2012, saiu uma lista de problemas a serem atacados: sobrevalorização da taxa de câmbio, alta taxa de juros, custo de energia dos mais altos do mundo, pesada taxação da folha de salários, poucos investimentos em infraestrutura, dentre outros.

Dilma deu resposta a quase todas essas demandas. Mas não colheu a expansão dos investimentos nem a confiança dos empresários. Razão pela qual pensa em reformular a estratégia e construir um novo canal de diálogo.

Chile, entre o passado e o futuro - SERGIO FAUSTO

O Estado de S.Paulo - 07/10

O interesse pelo Chile vai muito além da estreita e longa faixa de terra na qual o país se espreme entre o Oceano Pacífico e a Cordilheira dos Andes. Nos últimos 40 anos, aproximadamente, desenrolou-se ali uma história capaz de mobilizar corações e mentes em toda a América Latina: a fracassada experiência, com Salvador Allende, da via chilena para o socialismo, de curta duração (1970-1973) e final dramático; a brutalidade da ditadura de Augusto Pinochet, com suas dezenas de milhares de torturados, mortos e/ou desaparecidos e suas reformas econômicas liberais, de 1973 a 1989; e a emergência do Chile como país democrático e mais próspero a partir de 1990.

Sobre o significado desse período da História chilena, competem entre si três narrativas distintas, quando não opostas. A narrativa de inspiração neoliberal atribui os méritos do bom desempenho econômico do Chile desde 1990 às reformas realizadas sob a ditadura. Na sua versão pinochetista, as atrocidades cometidas teriam sido o necessário remédio amargo para livrar o país da "ameaça comunista" e liberar forças de mercado antes atrofiadas. No polo oposto, tem-se a narrativa de uma esquerda nostálgica do governo de Allende, profundamente crítica do "modelo chileno". Essas duas narrativas, embora com valorações opostas, coincidem em dizer que pouco mudou de essencial no país no atual regime democrático. A terceira narrativa é a articulada no interior da coalizão de centro-esquerda que comandou a política chilena em quatro dos cinco mandatos presidenciais desde a ditadura. Para a Concertación, o Chile tornou-se "outro país" nas últimas duas décadas. Em linhas gerais, os fatos dão respaldo a essa narrativa.

Nesse período, não apenas o Chile foi o país latino-americano que mais aumentou sua renda per capita, como também o que mais progrediu na redução da pobreza. Esse resultado não teria sido alcançado sem um conjunto amplo de políticas e programas sociais. Na área da educação, o país destaca-se como um dos que mais evoluíram na última década em rankings internacionais. Além de seguir em frente, os chilenos passaram a limpo o que havia ficado para trás: uma comissão da verdade identificou e reconheceu os crimes da ditadura e iniciou um programa de reparação às vítimas. Pinochet não terminou seus dias na cadeia, mas os militares subordinaram-se ao poder civil e o general acabou desmoralizado quando se descobriu que tinha recursos "não contabilizados" nos Estados Unidos. Não menos importante, o Chile construiu uma democracia capaz de operar com alternância normal de poder e acordos programáticos entre coalizões estáveis de partidos.

Inegáveis, os avanços das duas últimas décadas revelam hoje, porém, suas insuficiências e contradições. Coube ao movimento estudantil, primeiro o secundarista e depois o universitário, pôr o dedo na ferida aberta por expectativas que o progresso chileno criou, mas não se mostrou capaz até aqui de atender. O ponto politicamente mais sensível está num sistema de educação superior que obriga os alunos a assumir dívidas para financiar seus estudos, mas não os capacita para obter empregos com salários que permitam pagar o empréstimo contraído. Também sensível é a diferença de qualidade entre escolas privadas, escolas privadas subsidiadas pelo governo e escolas públicas. Com a universalização da educação secundária, a matrícula nas universidades cresceu rapidamente, incluindo muitos jovens de famílias de menor renda, que vêm de escolas secundárias piores e enfrentam condições mais adversas para conseguir um bom emprego, uma vez formados nas universidades.

A simpatia angariada pelo movimento estudantil mostra que seus integrantes tocaram num nervo exposto da sociedade chilena: a percepção de que, a despeito dos avanços econômicos e sociais das últimas duas décadas, o Chile continua a ser um país de oportunidades muito desiguais. Ao sentimento de injustiça soma-se o descrédito da política partidária, explicada em parte pela vigência de um sistema eleitoral que força um empate legislativo entre a Concertación, de centro-esquerda, e a Alianza, de centro-direita, e virtualmente impede a representação política fora das duas grandes coalizões. O sistema eleitoral e o modelo educacional são duas heranças até aqui quase intocadas da ditadura.

Em novembro haverá eleições gerais no país. Tudo aponta para o retorno de Michelle Bachelet. Neste que provavelmente será o seu quinto mandato presidencial, a Concertación terá de encontrar resposta para os temas interligados da desigualdade e da representação política. Quando não equacionados, a legitimidade da democracia se vê em xeque.

É preciso reformar o sistema de ensino, aumentando a participação direta e indireta do governo, mas sem cair na tentação de estatizá-lo. Cabe também reforçar o subsídio aos benefícios previdenciários dos trabalhadores que não acumulam o suficiente para uma pensão digna na aposentadoria. Iniciativas como essas exigem elevar a carga tributária. Há condições para tanto, mas existem limites que não devem ser ultrapassados, sob pena de prejudicar a competitividade das empresas chilenas. Da mesma forma, deve-se ampliar a representatividade no sistema político sem, no entanto, atiçar a fragmentação partidária e a instabilidade parlamentar. Economistas e cientistas políticos oferecem fórmulas eventualmente úteis para a solução dessas questões. E no Chile não faltam profissionais competentes nessas áreas, à esquerda e à direita. Mas a política é mais arte do que ciência.

Nas duas últimas décadas o Chile tem mostrado competência na arte de combinar e recombinar políticas liberais e social-democratas. Essa competência está em teste novamente. Se comprovada mais uma vez, será um alento para o reformismo progressista em toda a América Latina.

Paulo Coelho X PT - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 07/10

Paulo Coelho, em e-mail ao amigo Zé Dirceu, manifestou irritação com a versão espalhada pelo governo sobre sua saída da Feira de Frankfurt. Ele teria pedido privilégio em relação aos outros escritores, inclusive um auditório com mil lugares.
O escritor disse que sua saída, como se sabe, foi um protesto. É que autores como Eduardo Spohr, Thalita Rebouças e Raphael Draccon não foram convidados.

Segue...
Segundo o Mago, ele foi procurado, segunda passada, por Marta Suplicy, por meio do amigo comum Fernando Morais, seu biógrafo:
— A ministra disse que havia conseguido meu auditório de mil lugares. Eu nunca pedi isso.

Mas...
Gente do governo afirma que Galeno Amorim, ex-presidente da Biblioteca Nacional, fez várias promessas ao agente literário de Coelho, inclusive o tal auditório.

Só que o substituto dele na FBN, Renato Lessa, defende tratamento isonômico para todos.

Outra...
A Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN) prepara um ato contra o fato de só haver um escritor negro entre os 70 selecionados — o carioca Paulo Lins
— para a Feira de Frankfurt.
A polêmica foi levantada pela imprensa alemã.

De volta pra casa
Até 2015, a Petrobras, que este ano está completando 60 anos, vai fechar 38 de seus escritórios e empresas fora do Brasil. A ideia é se concentrar na exploração do Pré-Sal.
A informação é da presidente Graça Foster à revista “Brasil Energia Petróleo e Gás”, que circula esta semana.

E a tal desindustrialização?
Apesar de ter perdido espaço no emprego total a partir de 2008, o ministro Marcelo Neri exibe, hoje, no Ipea, números que mostram que a indústria tem índice crescente de trabalhadores com carteira:
— O Brasil tem hoje o mesmo percentual de emprego na indústria que o observado na Alemanha (em torno de 21%) e maior que o dos EUA (15%).
É. Pode ser.

Lei Roberto Carlos
De Paula Lavigne sobre a posição do grupo “Procure saber” nesta questão das biografias não autorizadas:
— Pior do que não saber, é saber errado. A imprensa divulga de forma errada os propósitos do grupo. É uma campanha desigual, onde a mídia distorce os nossos objetivos por interesses próprios. “Lei Roberto Carlos?” Quem propõe mudar a lei é a Associação dos Editores, Anel. Não somos a favor de proibir ou censurar. Somos contra a violação da intimidade e da privacidade de uma pessoa, direitos dos mais caros e delicados da nossa Constituição.

No mais...
Calma, gente! Sem demissão
A Rádio Corredor do Itamaraty diz que o diplomata Eduardo Saboia, que organizou a operação que trouxe ao Brasil o senador boliviano Roger Pinto Molina, será punido com 90 dias de suspensão. Ou seja: não será demitido.
A conferir.

Cabana da Serra
Com a UPP no Complexo do Lins, o restaurante Cabana da Serra, no alto da Grajaú-Jacarepaguá, fechado há muitos anos por falta de segurança, pode, quem sabe?, voltar a ser ponto de muito namoro.
O lugar acabou servindo de base da Polícia Civil, na operação de ontem, no Complexo do Lins.

Boate em Miami
A Miroir, boate badalada da noite carioca, vai descobrir a América. Em novembro, uma festa no Hotel Delano, em Miami Beach, vai marcar o lançamento internacional da marca.

Pelé no cinema
Milton Gonçalves vai participar deste novo filme sobre Pelé, de produção americana, ainda sem nome, e com roteiro dos irmãos Jeff e Michael Zimbalist.
Ele interpretará o jogador Waldemar de Brito, que levou Pelé, então com 15 anos, para o Santos.

Retratos do Brasil
Quinta, às 1 1h40m, bem em frente ao Copacabana Praia, uma mulher se desesperou ao dar de cara com quatro jovens (três negros e um branco) vindo em sua direção, na calçada.
Entrou correndo no hotel puxando a filha de uns 10 anos.

Só que...
Os garotos ficaram furiosos. Um deles entrou no hotel e avisou: “Qual é, tia? Achou que a gente ia te roubar? A gente é que devia ir na delegacia dar queixa contra a senhora. Racista!”

De olho em 2018 - VERA MAGALHÃES - PAINEL

FOLHA DE SP - 07/10

Um fator pesou na decisão de Marina Silva de se filiar ao PSB e apoiar Eduardo Campos -admitindo, inclusive, ser sua vice, mesmo tendo o triplo de suas intenções de votos. Na conversa que tiveram na madrugada de sábado, Campos reiterou a Marina o compromisso de, se eleito, mandar ao Congresso emenda constitucional para acabar com a reeleição. Nesse cenário, como vice atuante e com uma aliança já assegurada, Marina seria um nome forte para a eleição de 2018.

Timing O programa de dez minutos do PSB que vai ao ar quinta-feira no horário da propaganda partidária será refeito para mostrar a aliança com Marina Silva. A propaganda vai reafirmar a legitimidade da Rede e exibir cenas do anúncio da aliança.

Superexposição A Rede Globo exibiu seis propagandas estreladas por Eduardo Campos no intervalo de "Sangue Bom" sábado. Em seguida, o "Jornal Nacional" dedicou 4m22s à notícia. Por fim, mais três inserções do PSB foram ao ar no primeiro intervalo de "Amor À Vida".

Top of Mind Para estrategistas de Campos, o combo do noticiário da TV mais os spots partidários e a repercussão nas redes sociais representa o equivalente a 200 milhões de GRPs (Gross Rating Points), parâmetro usado para medir o alcance de mídia de uma notícia.

Despertar A ideia de que Marina seja vice de Campos não agrada aos sonháticos. "Espero que essa chapa se inverta e seja Marina presidente e Eduardo vice. Caso contrário, vou defender candidatura própria do PDT", diz o deputado federal Reguffe (DF), que não se filiou ao PSB.

Em casa Marina não transferiu o domicílio eleitoral do Acre, o que acaba com a especulação de que poderia ser candidata ao governo do Rio ou do Distrito Federal para puxar votos para Campos.

Epocler Lula soube da união entre Campos e Marina num sítio em Ibiúna com a família do ex-prefeito de Campinas Jacó Bittar. "Agora foi um direto no fígado", reagiu o petista, segundo relatos.

De pé Ao telefonar para Aécio Neves, que está em Nova York, Campos disse que foi surpreendido pela iniciativa de Marina. Combinaram de se encontrar, e o governador de Pernambuco disse que os acertos entre PSB e PSDB nos Estados estão mantidos.

Lá e cá O PT pretende explorar as contradições de perfis dos neoaliados. "Marina reduz a capacidade de diálogo de Campos com o empresariado, e ele aniquila a sedução dela pela promessa do novo", diz um petista.

Porteira Já Aécio vai investir em atrair os representantes do agronegócio, que vinham conversando com o pré-candidato do PSB, mas agora ficam órfãos diante da parceria com Marina.

Cizânia Pesquisa do instituto Ideia para o PSDB fechada no dia 2, com 3.000 entrevistas, reforçou no partido a aposta de que haverá pressão pela troca de posições de chapa no PSB. Dilma Rousseff tem 38%, Marina, 20%, Aécio, 17%, e Campos, 5,5%.

Carburador Fernando Haddad (PT) pretende anunciar nesta semana o encerramento do contrato entre a Prefeitura de São Paulo e a Controlar, responsável pela inspeção veicular na cidade, depois de longa disputa administrativa com a empresa.

Cofre Haddad recebeu na semana passada do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) a notícia de que a Câmara deve votar ainda em outubro a renegociação das dívidas de Estados e municípios.

Tiroteio
Aécio é o grande perdedor com a decisão de Marina. Resta saber a reação na Rede, que pode ser contrária à decisão imperial dela.

DO EX-MINISTRO JOSÉ DIRCEU (PT), réu no mensalão, que publicou em seu blog, em abril, post que dizia que Marina podia ser vice em chapa de oposição.

Contraponto


Saí do Facebook
No longo discurso que fez no sábado para justificar sua decisão de se filiar ao PSB, Marina Silva, além de criticar a decisão do TSE, que, segundo ela, tornou a Rede o "primeiro partido clandestino" pós-democratização, ironizou a ideia de que deveria se manter fora dos partidos e da disputa eleitoral para conservar a "pureza" política.

-Muitos achavam que eu deveria ser a madre Teresa de Calcutá da política. Mas escolhi assumir posição.

Outros a queriam como "a candidata da internet":

-Todo mundo ia curtir, e muita gente ia me cutucar! -brincou, arrancando risos na plateia.

As histórias da Maitê - MONICA BERGAMO

FOLHA DE SP - 07/10

Sentados à beira da piscina do Copacabana Palace, a atriz e autora Maitê Proença, 55, e o escritor angolano José Eduardo Agualusa, 52, trocam olhares e sorrisos com a cumplicidade de quem tem muitas histórias compartilhadas --não apenas entre si, mas com seus leitores.

"A verdade é que eu poderia escrever vários romances só com as histórias que a Maitê me conta", diz o escritor. "A gente não pode contar nada para o Agualusa, ele coloca tudo nos livros dele", brinca ela. "É o perigo dos escritores", afirma o angolano, que reencontrou a amiga há alguns dias na passagem pelo Rio para lançar "Catálogo de Luzes - Os Meus Melhores Contos" (Gryphus Editora), que tem prefácio da atriz.

Agualusa, por sua vez, já havia feito o mesmo no segunda obra escrita por Maitê, "Uma Vida Inventada" (2008), uma autobiografia com toques de ficção."Ele fez um lindo prefácio para o meu livro e aí começou uma linda amizade. Agora, nós invertemos", explica ela.

"A gente se conheceu na Flip [Festa Literária Internacional de Paraty], já não sei em qual", diz Agualusa. "Foi muito divertido." "Foi?", pergunta Maitê. Eles se olham, rindo. E pede: "Conta, não me lembro". Agualusa se encabula. "Não vou contar." Ri mais. O repórter Marco Aurélio Canônico apela para que o escritor conte. E Maitê: "Melhor não, se ele está dizendo que não vai contar".

A parte literária da amizade teve novo capítulo quando Maitê dava forma a seu livro mais recente, "É Duro Ser Cabra na Etiópia" (ed. Agir), no qual compilou histórias suas e de amigos como Agualusa, além de outras enviadas por anônimos, via internet.

Apesar de a obra "depender da internet", Maitê faz ressalvas à rede mundial. "É o paraíso dos covardes. Atrás daquele capuz você fala o que quiser, calúnia, injúria, todo mundo fica valente." Ele faz coro: "Sempre que estou excessivamente confiante na humanidade, leio os comentários dos jornais".

O papo chega à proibição do uso de máscaras nos protestos no Rio. "Tem de tirar. Se você veste um capuz e começa a depredar patrimônio público, desautoriza o que o movimento tinha de legítimo, vira algo reacionário, babaca", diz Maitê.

"E aqui é uma democracia, você não tem que esconder a cara", diz o angolano. "Mesmo numa ditadura, você tem de ter essa coragem de se expor. É só mostrando o rosto, assinando, que você está vinculado à sua opinião."

VIDA DIVIDIDA
A concubina que mantém relação estável com um homem casado com outra mulher pode receber dele pensão alimentícia depois que os dois se separam? A questão, que divide tribunais em todo o país, será enfim respondida pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça), que julga amanhã pedido de uma carioca abandonada pelo companheiro.

MÃO NO BOLSO
A autora da ação se relacionou com o homem casado por três décadas, e era sustentada por ele. Hoje doente, pede a pensão. Já obteve vitória no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que considerou que ela conseguiu provar a dependência financeira de "forma indubitável". Nestes casos, o pagamento deve ser feito "mesmo quando o varão encontra-se casado". A pensão foi fixada em 20% dos rendimentos do réu.

MEU PRIMEIRO
A decisão formará jurisprudência a ser seguida por todos os tribunais do país. Outros direitos, no entanto, continuarão exclusivos da esposa oficial. Como, por exemplo, a divisão de patrimônio, à qual a concubina só faz jus quando prova que contribuiu para a aquisição dos móveis ou imóveis.

CAMPEÕES
O ministro Marco Aurélio Mello, do STF, e o ator americano Danny Glover vão receber o Troféu Raça Negra, dado aos que trabalham pela inclusão racial.

ELE SABE
Pré-candidato ao governo de SP, Gilberto Kassab (PSD-SP) convidou Claudio Lembo para coordenar seu plano de governo para a área de segurança. Quando governou o Estado, Lembo enfrentou os ataques do PCC, quando disse que a "minoria branca" deveria "abrir a bolsa" para resolver o drama social do país.

EQUIPE
Kassab pretende também convidar e "nomear", logo no início da campanha, o "secretariado" do que seria o seu governo: Alda Marco Antonio na Assistência Social, Alexandre Schneider na Educação, Miguel Bucalem no Desenvolvimento Urbano, Domingos Pires no Desenvolvimento Econômico, Elton Zacharias nos Transportes e Marcelo Branco no Meio Ambiente, entre outros.

DOIS PESOS...
Uma mulher que deixa o emprego para cuidar dos filhos tem o respeito de 78% dos homens brasileiros. Já um pai que faz a mesma opção é malvisto por 42% dos entrevistados. Para 54% deles, largar o trabalho para cuidar das crianças é motivo de vergonha e é avaliado como comodismo, preguiça e vagabundagem. Apenas 11% dos homens consideram essa opção um motivo de orgulho.

...DUAS MEDIDAS
A pesquisa, encomendada pelo portal Tempo de Mulher ao Instituto Data Popular, será divulgada hoje no Fórum Momento Mulher, em SP. Ela revela ainda que 31% dos homens acham constrangedor ser chefiado por mulher.

PIRES
Danilo Gentili conversa com produtoras e distribuidoras de cinema para adaptar no cinema seu livro "Como se Tornar o Pior Aluno da Escola". "Ainda estamos na fase do roteiro", diz ele.

AMÉRICA DO SUL
A curadora Mariana Magtaz abriu a exposição coletiva "7 Visões sobre Design Peruano", na galeria Nacional, nos Jardins. A diretora de arte Adriana Faria e o estilista Eduardo Inagaki foram à mostra.

AMÉRICA DO NORTE
A artista plástica Sylvia Martins, brasileira radicada em Nova York, recebeu convidados na inauguração da mostra individual "Alter/Nativas", em Pinheiros. A arquiteta Cristina Ferraz, a designer Esther Schattan e o galerista Thomaz Saavedra compareceram ao evento, na galeria Paralelo, que tem Flávia Marujo entre as diretoras.

CURTO-CIRCUITO
Frei Betto autografa hoje "Fome de Deus - Fé e Espiritualidade no Mundo Atual", às 19h, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional.

A artista americana Michele Oka Doner participa do BoomSPDesign, hoje e amanhã, no shopping D&D, no Brooklin Novo.

O maestro João Carlos Martins e o apresentador Luciano Huck serão jurados na 18ª edição do Prêmio Claudia, hoje, na Sala São Paulo.

Gordura versus músculo - DENISE ROTHENBURG

CORREIO BRAZILIENSE - 07/10


Dilma hoje não tem mais como fazer uma "dieta" política na base aliada. Terá que conviver com o peso gordo e torcer para que não inflame seus tecidos bons

Nas academias, o que mais se escuta é a necessidade de queimar gordura e adquirir musculatura, fundamental para manter o corpo saudável e disposto para enfrentar o dia a dia. Transferindo o ensinamento para a política, os próximos dias vão dizer se Marina é músculo ou gordura para o projeto presidencial de Eduardo Campos. Em princípio, é músculo puro. Marina é afinada com as ruas, tem recall da eleição de 2010, quando obteve uma votação expressiva e ainda expressa a “boa política”, longe do toma-lá-dá-cá. Nesse aspecto, a gordura parece ter ficado do outro lado, ou seja, aliada à presidente Dilma Rousseff. É aquela parte da política que, quanto mais cargo ganha, mais peso tem, e mais difícil fica de se ver livre depois. Dilma hoje não tem mais como fazer uma “dieta” política. Terá que conviver com essa gordura e torcer para que não inflame seus tecidos bons.

Essa gordura, leia-se PMDB e outros mais que passam dias e noites à porta do Planalto pedindo cargos, não sai mais. Ontem, por exemplo, os peemedebistas eram os mais felizes. Acreditavam ter acabado com o fantasma da substituição de Michel Temer por Eduardo Campos na chapa da presidente Dilma. O governador de Pernambuco, depois de aparecer na fotografia ao lado de Marina e ser apresentado pelo mestre de cerimônias como “futuro presidente da República”, não tem mais ponto de recuo. É candidato. E o fato de ter recebido Marina em seu partido e não em outra legenda que agregasse tempo de tevê tornou, na visão dos peemedebistas, a candidatura mais “estreita” porque Eduardo não tem mais por onde atrair aliados capaz de ampliar o seu tempo de exposição na hora em que a campanha chegar.

A análise feita ontem em conversas fechadas do PMDB reflete, entretanto, o que se pensa na chamada “velha política”, onde as alianças visam agregar tempo de tevê e recursos financeiros, ou seja, meios de conseguir amealhar votos e não votos em si. Marina não chegou ao PSB para dar dinheiro ou tempo de tevê. Chegou para reforçar o discurso do que Eduardo tem tratado da “boa política”. E agora, juntos, vão torcer para que esse discurso da boa política pegue junto ao eleitorado.

Como ex-ministros de Lula, ambos podem levar o eleitor a crer que manterão tudo aquilo de bom que o governo petista construiu, agregando o valor da mudança, ou seja, sem o toma-lá-dá-cá tão criticado aos quatro cantos. Dilma tem sustentado sua base com docinhos (promessa de cargos, emendas ao orçamento da União). Agora, juntou-se a essa receita os palanques estaduais. Eduardo e Marina vão tentar mostrar que a receita deles será outra e que pretendem empreender um programa que não fique restrito a loteamentos de espaços de poder entre os partidos.

As chances dessa construção dar certo ainda não são visíveis. Afinal, se Dilma mantiver o seu peso gordo bem distribuído pelo corpo do governo, mas mantiver as formas arredondadas que agradam ao eleitor, as gordurinhas localizadas não farão cair a sua popularidade. A popularidade da presidente, aliás, é que mantém o PMDB e demais partidos na órbita petista. Não é de hoje que todo mundo sabe que, se dependesse exclusivamente da simpatia de Dilma, a base já teria pulado fora há muito tempo.

Enquanto isso, no PSDB…
Para completar, além da presidente bem avaliada tem ainda o PSDB, detentor de mais tempo de tevê que Eduardo e Marina. Aécio tem ainda, na hipótese de o bolso do brasileiro começar a dar sinais de esvaziamento, o discurso de que, quem criou o plano Real, tem as ferramentas para consertar crises econômicas. Pode não ter a emoção de Eduardo e Marina na festa de filiação do último sábado, mas não deixa de ter apelo diante de uma classe média conservadora e de uma classe C que deseja manter a sua melhoria no padrão de vida.

Diante disso tudo, é preciso levar em conta que só daqui a um ano é que o eleitor dirá quem tem a melhor estrutura muscular para carregar o país nas costas. Até aqui, a união de Marina e Eduardo foi o gesto mais importante da temporada, desses que fazem da política algo emocionante de se acompanhar. Mas uma campanha presidencial é feita de muitos gestos e até a hora da urna teremos muitos deles a observar.

E nos demais partidos…
Com os times de cada pré-candidato montado, começa agora o segundo ato, onde cada um tentará tirar apoios uns dos outros. Essa fase só termina em junho do ano que vem, quando começa a temporada de convenções partidárias para oficialização de coligações e candidaturas. O PT, por exemplo, só deve entrar em campo para valer depois de novembro, quando termina o processo de eleição direta. Talvez já seja tarde demais para dar ao PMDB e outros aliados os espaços que eles pleiteiam nos estados em troca do apoio a Dilma. Agora, depois da aliança entre Marina e Eduardo, esses palanques ganharam maior relevância para a reeleição da presidente. Mas essa é outra história.