O GLOBO - 22/09
Estive em minha terra natal para participar da vigésima edição do Porto Alegre Em Cena
Estive em minha terra natal para participar da vigésima edição do Porto Alegre Em Cena, o festival de teatro da cidade, um dos melhores do mundo, capitaneado pelo muito guerreiro Luciano Alabarse, que faz com que o de mais contundente no teatro feito sobre o planeta passe uma vez por ano pelos palcos portoalegrenses. Passei o som no teatro no final da tarde, durante uma hora e meia, e à noite fiz os shows, nos dois dias. Dei algumas entrevistas por e-mail, como todos os dias. Vi minha família e meus amigos.
Na manhã seguinte ao show final, voei para São Paulo, onde um carro me aguardava no aeroporto para irmos à cidade de Monteiro Lobato. Estrada linda. Estava indo participar do quarto Festival Literário de Monteiro Lobato, a cidade, que antes chamava-se Buquira. Antes de Monteiro Lobato, o escritor, nascer e criar sua obra, num sítio que pertencia à família de seus avós, e que hoje chama-se Sítio do Pica-Pau Amarelo.
Dizem na cidade que o menino José Bento Renato Monteiro Lobato nasceu em Taubaté, mas que o escritor Monteiro Lobato nasceu em Monteiro Lobato, a antiga Buquira. Ninguém é de Monteiro Lobato porque não há maternidade, os partos são feitos nas cidades próximas e logo os “lobatenses” recém-nascidos estão em casa. Só quem nasceu em Monteiro Lobato foi o escritor Monteiro Lobato, achei lindo isso.
De manhã passei uma horinha cavalgando Passaporte, um Manga Larga gente boa com quem conversei durante toda a trilha. Céu transparente, montanhas soberbas, silêncio de cascos. Me comovi ao ver a linda foto da verdadeira Tia Anastáscia com um dos filhos do escritor Lobato no colo. Cantei com as crianças a plenos pulmões numa tarde mágica onde o mais bonito mesmo foi ouvi-las lendo os poemas para a plateia. Do evento, conduzida até o carro por Emília e Visconde em pessoa, peguei a estrada para o aeroporto, e meia-noite já estava em casa, no Rio.
Dois dias de folga hibernada a conselho médico e a quarta-feira hipnotizada pelo decano do Supremo Tribunal Federal solidamente argumentando, por duas horas, que cumprir a lei é melhor que não cumprir. Não consegui pensar em mais nada depois que não fosse o destino: o do direito, o do julgamento, o do juiz, o da democracia. Nas ironias do destino, afinal. Quinta-feira, estive envolvida com a rejeição de minha ficha de adesão à Rede Sustentabilidade, negada porque não há minha assinatura nos cadernos das últimas eleições. Claro que não há, não votei. Só com a identidade, sem saber minha zona e seção eleitorais, não me foi permitido justificar por estar em trânsito, e não insisti porque não queria dar meu voto a ninguém, apenas justificá-lo.
Voltei ao Rio, paguei a multa e obtive a certidão “Quite com a Justiça Eleitoral”. Certidão obtida exatamente porque não há minha assinatura no caderno da última eleição, não é isso? Somente obtendo a certidão posso viajar para o exterior, por exemplo, mas ela não serve para que eu apoie um projeto político. Posso sair do país e não posso assinar uma ficha de adesão a uma proposta política porque minha assinatura não consta dos cadernos? Como estamos atrasados. Peço encarecidamente à Justiça Eleitoral que nós, as 95 mil pessoas que estão nessa mesmíssima situação, tenhamos nossas rejeições revistas, em nome da democracia. Aos compadres peço desculpas pela elipse, mas somos 95 mil.
Fiz a mala para Roma. Na manhã da sexta-feira, gravei depoimento para a Rede Sustentabilidade por conta do imbróglio da ficha de adesão. Embarque para Roma. Chegada a Roma às 17h, para almoçar ou jantar, dependendo do ponto de vista. Cair desmaiada logo depois. De manhã algumas entrevistas, à tarde passar o som, agora sim, escutem, na incrível acústica de uma das melhores salas de música do mundo, enquanto Roma está lá fora. Comer uma maçã e fazer o show, finalmente.
A esta altura, os compadres mais atentos já entenderam que tudo o que não fiz durante a semana foi parar para escrever a coluna de hoje. Hoje, domingo, quando estou em Roma para cantar à noite. Não tenho como estar na contracapa do Segundo Caderno ao mesmo tempo, que eu sou só uma só. Por isso, compadres, desculpas sinceras, mas a crônica de hoje só na crônica que vem.
domingo, setembro 22, 2013
Balão Mágico - DIANA LICHTENSTEIN CORSO
ZERO HORA - 22/09
O balão roxo fez sua aparição em um debate da Jornada Nacional de Literatura de Passo Fundo. Cheio de gás, voava a meio metro do chão, a gana de subir domada pelo peso do cordão. Surgiu detrás do palco e fez uma entrada triunfal sob os holofotes, chamando a atenção do público. Satisfeito com o efeito perfilou-se, ladeando a primeira cadeira.
O lugar era do tradicional mediador de evento, o escritor Ignácio de Loyola Brandão, que gostou da surpresa. Espirituoso, primeiro olhou de lado, depois sorriu para o recém chegado e tocou-o como se fosse a cabeça de uma criança. Seguindo seu percurso exibicionista, o balão roxo postou-se na frente da jornalista Luciana Savaget, também apresentadora do evento, que o tomou nas mãos e lhe desenhou um rosto. Agora mais expressivo, ele foi encarando cada um dos palestrantes, causando graça até nos mais concentrados. Num grand finale, por conta própria, voltou para junto de Loyola, era seu lugar. Ficou ali parado, mudo mais saliente.
A jornada enfrentou seu primeiro ano sem o escritor Alcione Araújo, um dos seus mais tradicionais mediadores, morto faz um ano. Era naquele palco que, junto a seus colegas, ele imprimia uma condução que dava ritmo, tempero e coesão aos debates, numa parceria que durava desde 2001. Luciana cochichou ao ouvido de Loyola, que partilhou sua observação com o público: _ “O balão é o Alcione”. A comoção, óbvio, foi geral. Estávamos frente a uma aparição, uma alusão lúdica, que naquele momento fazia o papel de fantasma.
Uma ausência só se torna compreensível quando ela contrasta com uma presença. Se há algo indigesto na morte é seu caráter definitivo: como assim, alguém passa a não estar em lugar algum? Como é que não há data prevista de reencontro, de volta? O nunca, o jamais, o para sempre carecem de registro, o pensamento colapsa. O buraco deixado pela morte é puro nada, mas através de pequenos encontros, detalhes, evocações do ser perdido, bordamos seus contornos, cerzimos uma cicatriz que, essa sim, jamais desaparece. O morto se eterniza nos que ficam. Encontrando restos deixados dentro de nós por aquela vida, andamos um tempo como bêbados, trôpegos de lembranças, enquanto a falta física ainda lateja. Para alguns, muitos desses achados são manifestações de um espírito que nos observa e pode se comunicar. Para mim são conjugações do luto, momentos em que a dor se materializa, fica visível. Fizemos do fortuito, como no caso do balão roxo, o solene embaixador da ausência de Alcione.
O luto só se encaminha para o território do suportável quando finalmente conseguirmos nos apropriar das memórias do ser perdido. O alívio só vem quando elas passam a ser nossas, tesouros internos, heranças resignadas à inexistência do seu protagonista. Porém, isso demora, arrasta suas correntes barulhentas pelos corredores da nossa mente. Enquanto o morto está ainda partindo em nós, fica pairando, à meia altura, encarando os envolvidos. Ele encarna nosso incômodo: queremos saber como é que a vida pode seguir, mesmo depois de se provar tão frágil.
O balão roxo fez sua aparição em um debate da Jornada Nacional de Literatura de Passo Fundo. Cheio de gás, voava a meio metro do chão, a gana de subir domada pelo peso do cordão. Surgiu detrás do palco e fez uma entrada triunfal sob os holofotes, chamando a atenção do público. Satisfeito com o efeito perfilou-se, ladeando a primeira cadeira.
O lugar era do tradicional mediador de evento, o escritor Ignácio de Loyola Brandão, que gostou da surpresa. Espirituoso, primeiro olhou de lado, depois sorriu para o recém chegado e tocou-o como se fosse a cabeça de uma criança. Seguindo seu percurso exibicionista, o balão roxo postou-se na frente da jornalista Luciana Savaget, também apresentadora do evento, que o tomou nas mãos e lhe desenhou um rosto. Agora mais expressivo, ele foi encarando cada um dos palestrantes, causando graça até nos mais concentrados. Num grand finale, por conta própria, voltou para junto de Loyola, era seu lugar. Ficou ali parado, mudo mais saliente.
A jornada enfrentou seu primeiro ano sem o escritor Alcione Araújo, um dos seus mais tradicionais mediadores, morto faz um ano. Era naquele palco que, junto a seus colegas, ele imprimia uma condução que dava ritmo, tempero e coesão aos debates, numa parceria que durava desde 2001. Luciana cochichou ao ouvido de Loyola, que partilhou sua observação com o público: _ “O balão é o Alcione”. A comoção, óbvio, foi geral. Estávamos frente a uma aparição, uma alusão lúdica, que naquele momento fazia o papel de fantasma.
Uma ausência só se torna compreensível quando ela contrasta com uma presença. Se há algo indigesto na morte é seu caráter definitivo: como assim, alguém passa a não estar em lugar algum? Como é que não há data prevista de reencontro, de volta? O nunca, o jamais, o para sempre carecem de registro, o pensamento colapsa. O buraco deixado pela morte é puro nada, mas através de pequenos encontros, detalhes, evocações do ser perdido, bordamos seus contornos, cerzimos uma cicatriz que, essa sim, jamais desaparece. O morto se eterniza nos que ficam. Encontrando restos deixados dentro de nós por aquela vida, andamos um tempo como bêbados, trôpegos de lembranças, enquanto a falta física ainda lateja. Para alguns, muitos desses achados são manifestações de um espírito que nos observa e pode se comunicar. Para mim são conjugações do luto, momentos em que a dor se materializa, fica visível. Fizemos do fortuito, como no caso do balão roxo, o solene embaixador da ausência de Alcione.
O luto só se encaminha para o território do suportável quando finalmente conseguirmos nos apropriar das memórias do ser perdido. O alívio só vem quando elas passam a ser nossas, tesouros internos, heranças resignadas à inexistência do seu protagonista. Porém, isso demora, arrasta suas correntes barulhentas pelos corredores da nossa mente. Enquanto o morto está ainda partindo em nós, fica pairando, à meia altura, encarando os envolvidos. Ele encarna nosso incômodo: queremos saber como é que a vida pode seguir, mesmo depois de se provar tão frágil.
O maluco sou eu - CAETANO VELOSO
O GLOBO - 22/09
Hoje Mautner esplende quando grita o nome de Jesus de Nazaré e deixa Nietzsche amargar a fama de protonazista
Uma moça me escreveu que dizer “eu sou velho” é alimentar preconceito contra a velhice. E falar nos doidos das cartas à redação, reforçar discriminação da loucura. Sempre senti certo mal-estar com o “Samba do crioulo doido”, cujos título e versos paródicos me transformavam num crítico quase tão politicamente correto quanto minha missivista. Mas estou no polo oposto e vou parodiar o estilo Sérgio Porto. Sempre adorei a frase de Paulo Francis sobre cartas à redação. Ele escreveu também que Porto não via com olhos muito otimistas a presença de pretos nas praias que eles às vezes frequentavam na Zona Sul. Cito Francis, não apesar de ele ter escrito contra mim. Ele estava mentindo e por isso reagi duro, mas a parte negativa da caracterização não era “bicha”: era “travada”, e com isso expliquei que eu é que fora insultado e respondia com crítica cultural. A parte quente do texto dele era sobre eu propagar ideias de amor sem limite. Mas isso era só um aceno aos esquerdistas que ele estava por abandonar. Fui seu fã na adolescência. Mas descobri por mim mesmo, antes dele, a força dos argumentos liberais contra o terror que o comunismo urdia. Nem li Aron contra Sartre (só li Sartre): bastaram-me três ou quatro palavras ditas como comentário cético por Artur Guimarães aos discursos de Mautner em Londres 71. A combinação de tais discursos, que uniam Jovem Guarda e Guarda Vermelha, com o riso de Artur (“Não acredito em sociedade de um livro só”) me fez pensar três vezes. O nietzschianismo de esquerda de Mautner era acompanhado pela frase curta de Artur: “Sou cristão”. Eles foram colegas de escola. Cicero tinha chegado e ainda era um tanto althusseriano: todo mundo buscava ter coragem de olhar o mundo de frente.
Hoje Mautner esplende quando grita o nome de Jesus de Nazaré e deixa Nietzsche amargar a fama de protonazista. E Cicero faz a mais bela recuperação do paganismo que se pode fazer. Mangabeira combate o paganismo como doença europeia, coisa com que os EUA e o Brasil não afinam. Mas Mautner resume: Jesus de Nazaré e os tambores do candomblé. Outro paganismo, do Sul contra o do Norte, com o Brasil no centro. Mautner com Dilma e Lula. Olavo de Carvalho escreveu aquele livro eloquente contra Epicuro. O ganhador do Pulitzer Stephen Greenblatt, em “A virada”, localiza o nascimento da modernidade justamente no momento da recuperação de “De Rerum Natura”, o poema epicurista de Lucrécio no século XV. Thomas More, quando escreve a “Utopia”, já no XVII, partindo das descrições de Vespúcio (que Greenblatt relaciona ao Brasil), compensa a adoção da busca do prazer com a exigência da crença na imortalidade da alma e na Providência. Mangabeira quer encarar a mortalidade da alma sem ilusões, mas não vê a modernidade sem o cristianismo — e mostra que as grandes religiões formam mais o mundo do que as vãs filosofias. Para ele a modernidade não é pagã e clássica mas romântica e cristã. Olavo fala como se toda a academia fosse negação iluminista da Idade Média e mitificação da Renascença. Mangabeira não tem nada disso. Desembaraça-se de modo original e rigoroso, diferençando sua própria interpretação da Era Axial da que serviu a Jaspers para reafirmar as Luzes. Ama filosofia medieval. Propõe aprofundamento da democracia, superação do trabalho assalariado como única forma de trabalho “livre”. Mas no “Jardim das Aflições” Olavo reprova os pragmatistas.
Se chego até a pôr o nome de Azevedo neste espaço (quase ponho o do anêmico Constantino) é porque respeito o credo liberal (Mangabeira ama Mills). Também tenho olhado mais esses da direita (mas é pouco: dois posts do Azevedo que me mandaram por e-mail: não busco nada, já notaram?, tudo me cai nas mãos, como a maravilhosa camisa preta dos BBs). Moça, sou eu o maluco. E não se pense que o silêncio sobre Lobão é resguardo. Apenas não achei o livro nem tive tempo de volta a procurar. Sou velho e atarefado. Quando ler, falo. Se interessar. Mas deve: gosto de Lobão. Ele tem razão na canção de amor que escreveu para mim (me faz chorar). Li Zé Miguel a respeito. Mas minhas ambições para o Brasil deviam ser observadas com um pouco mais de coragem intelectual por parte de Roberto Schwarz. Defender a aprovação juvenil das posições já empedernidas não vale. Safatle fala em autocrítica: lembro as retratações sob Stalin. Gosto da “Fevereiro” de Fausto. Snowden mandou pra Greenwald e se exilou na Rússia (!). O mundo está fora dos eixos. Dilma esnoba Obama. Noel foi classista e racista em “Feitiço da Vila”. Amo Noel. Apenas consigo não odiar o samba do Stanislaw. É meu miolo mole. Azevedo me atribuiu verso de Orestes. E Olavo, de Lupicínio. Brigado.
Hoje Mautner esplende quando grita o nome de Jesus de Nazaré e deixa Nietzsche amargar a fama de protonazista
Uma moça me escreveu que dizer “eu sou velho” é alimentar preconceito contra a velhice. E falar nos doidos das cartas à redação, reforçar discriminação da loucura. Sempre senti certo mal-estar com o “Samba do crioulo doido”, cujos título e versos paródicos me transformavam num crítico quase tão politicamente correto quanto minha missivista. Mas estou no polo oposto e vou parodiar o estilo Sérgio Porto. Sempre adorei a frase de Paulo Francis sobre cartas à redação. Ele escreveu também que Porto não via com olhos muito otimistas a presença de pretos nas praias que eles às vezes frequentavam na Zona Sul. Cito Francis, não apesar de ele ter escrito contra mim. Ele estava mentindo e por isso reagi duro, mas a parte negativa da caracterização não era “bicha”: era “travada”, e com isso expliquei que eu é que fora insultado e respondia com crítica cultural. A parte quente do texto dele era sobre eu propagar ideias de amor sem limite. Mas isso era só um aceno aos esquerdistas que ele estava por abandonar. Fui seu fã na adolescência. Mas descobri por mim mesmo, antes dele, a força dos argumentos liberais contra o terror que o comunismo urdia. Nem li Aron contra Sartre (só li Sartre): bastaram-me três ou quatro palavras ditas como comentário cético por Artur Guimarães aos discursos de Mautner em Londres 71. A combinação de tais discursos, que uniam Jovem Guarda e Guarda Vermelha, com o riso de Artur (“Não acredito em sociedade de um livro só”) me fez pensar três vezes. O nietzschianismo de esquerda de Mautner era acompanhado pela frase curta de Artur: “Sou cristão”. Eles foram colegas de escola. Cicero tinha chegado e ainda era um tanto althusseriano: todo mundo buscava ter coragem de olhar o mundo de frente.
Hoje Mautner esplende quando grita o nome de Jesus de Nazaré e deixa Nietzsche amargar a fama de protonazista. E Cicero faz a mais bela recuperação do paganismo que se pode fazer. Mangabeira combate o paganismo como doença europeia, coisa com que os EUA e o Brasil não afinam. Mas Mautner resume: Jesus de Nazaré e os tambores do candomblé. Outro paganismo, do Sul contra o do Norte, com o Brasil no centro. Mautner com Dilma e Lula. Olavo de Carvalho escreveu aquele livro eloquente contra Epicuro. O ganhador do Pulitzer Stephen Greenblatt, em “A virada”, localiza o nascimento da modernidade justamente no momento da recuperação de “De Rerum Natura”, o poema epicurista de Lucrécio no século XV. Thomas More, quando escreve a “Utopia”, já no XVII, partindo das descrições de Vespúcio (que Greenblatt relaciona ao Brasil), compensa a adoção da busca do prazer com a exigência da crença na imortalidade da alma e na Providência. Mangabeira quer encarar a mortalidade da alma sem ilusões, mas não vê a modernidade sem o cristianismo — e mostra que as grandes religiões formam mais o mundo do que as vãs filosofias. Para ele a modernidade não é pagã e clássica mas romântica e cristã. Olavo fala como se toda a academia fosse negação iluminista da Idade Média e mitificação da Renascença. Mangabeira não tem nada disso. Desembaraça-se de modo original e rigoroso, diferençando sua própria interpretação da Era Axial da que serviu a Jaspers para reafirmar as Luzes. Ama filosofia medieval. Propõe aprofundamento da democracia, superação do trabalho assalariado como única forma de trabalho “livre”. Mas no “Jardim das Aflições” Olavo reprova os pragmatistas.
Se chego até a pôr o nome de Azevedo neste espaço (quase ponho o do anêmico Constantino) é porque respeito o credo liberal (Mangabeira ama Mills). Também tenho olhado mais esses da direita (mas é pouco: dois posts do Azevedo que me mandaram por e-mail: não busco nada, já notaram?, tudo me cai nas mãos, como a maravilhosa camisa preta dos BBs). Moça, sou eu o maluco. E não se pense que o silêncio sobre Lobão é resguardo. Apenas não achei o livro nem tive tempo de volta a procurar. Sou velho e atarefado. Quando ler, falo. Se interessar. Mas deve: gosto de Lobão. Ele tem razão na canção de amor que escreveu para mim (me faz chorar). Li Zé Miguel a respeito. Mas minhas ambições para o Brasil deviam ser observadas com um pouco mais de coragem intelectual por parte de Roberto Schwarz. Defender a aprovação juvenil das posições já empedernidas não vale. Safatle fala em autocrítica: lembro as retratações sob Stalin. Gosto da “Fevereiro” de Fausto. Snowden mandou pra Greenwald e se exilou na Rússia (!). O mundo está fora dos eixos. Dilma esnoba Obama. Noel foi classista e racista em “Feitiço da Vila”. Amo Noel. Apenas consigo não odiar o samba do Stanislaw. É meu miolo mole. Azevedo me atribuiu verso de Orestes. E Olavo, de Lupicínio. Brigado.
Embargando cá, embargando lá - JOÃO UBALDO RIBEIRO
FOLHA DE SP - 22/09
Não importa o que se ache da decisão da quarta passada, ela confirma que nossa estrutura judiciária e processual é pervertida
Não tenho completa certeza, mas acredito que a maioria de nós ainda não se esqueceu do julgamento do mensalão, um processo iniciado há aproximadamente dez anos que vinha dando muito o que falar e, superado apenas pela derrota do Botafogo e pelo início da recuperação do São Paulo, deve ter sido o assunto mais comentado na semana passada, pois não é que Seedorf perdeu um pênalti crucial e Murici Ramalho volta a mostrar sua estrela? Sei que alguns de vocês, os que não se esqueceram, pensam que faço chiste, mas não é verdade, pois há também o vastíssimo contingente de nossos patrícios que não entende nada do que está acontecendo. Uma vez ou outra, lá em Itaparica, à porta de sua casa, o hoje finado seu Manuel Joaquim esperava sorridente minha passagem, para me cumprimentar e revelar seu orgulho conterrâneo por ter ouvido falarem em meu nome no rádio, um menino que ele vira nascer, parecia que tinha sido ontem. Ah, muito obrigado, e o que foi que disseram, seu Manuel Joaquim? Bom, isso ele não sabia informar direito, mas o homem tinha falado bastante tempo em mim, uma coisa muito especial mesmo, ele estava seguro de que me tinham elogiado.
Entre os frequentadores do Bar de Espanha, a situação não é muito diversa. Logo depois da decisão do Supremo, Zecamunista deslocou-se para local ignorado, na companhia de duas correligionárias, para realizar um tal retiro dialético-espiritual, em que, segundo ele, uma companheira faz a tese, a outra faz a antítese e ele faz a síntese das duas, não conheço bem os detalhes. Mas, num esforço de reportagem que envolveu telefonemas para, entre outros, Xepa, Jacob Branco e Toinho Sabacu, pude ter uma ideia de como está a nossa atual conjuntura. Xepa recusou-se a fazer comentários, porque a aposentadoria dele finalmente está para sair e ele não é besta de se arriscar a falar qualquer coisa que possa melindrar os homens, não se joga fora assim uma vida de trabalho. Jacob Branco fez um discurso inflamado, em que afirmou que as belas palavras usadas para explicar o processo “são apenas bolodório vaselinório para o enfiatório de mais um sesquipedal supositório no sofrido subilatório dos simplórios”, mas não se estendeu na costumeira eloquência, pois ainda está lapidando o discurso, cuja versão definitiva será pronunciada na porta da Câmara de Vereadores, em data ainda não marcada. E Sabacu, como já se esperava, deu uma resposta filosófica e criou mais um neologismo.
— Eu não tive decepção nenhuma — disse ele. — Só quem pode ter decepção é quem primeiro teve a cepção. Como eu nunca tive cepção nenhuma quanto a esse pessoal, não ocorreu decepção. A única decepção que eu sofro às vezes é com o Flamengo, mas isso porque já tenho a cepção rubro-negra desde o tempo de Servílio, Dequinha e Jordan, não vai se comparar a esse povo. Minha posição continua eles lá e eu cá. Ficando eles lá e eu cá, já dá para botar as mãos para o céu todo dia, Deus é mais.
Pensei no assunto e cheguei à conclusão de que também não tinha muita cepção, de forma que só me decepcionei no primeiro minuto e logo caí de volta na realidade. Não importa o que se ache da decisão da quarta passada, ela confirma que nossa estrutura judiciária e processual é pervertida e que não é mesmo de nossa tradição levar a julgamento e muito menos condenar os poderosos e bem situados. Todo o sistema reage automaticamente, como se estivesse tendo uma intolerância alimentar. Ele não foi feito para isso, foi feito para privilegiar mesmo, para dar vantagem a quem tem influência, para só punir os pequenos, para permitir o prolongamento indecente das demandas, para tudo o que a gente tem visto — do que o julgamento do mensalão é mais uma manifestação e talvez sua única originalidade esteja em que, pela primeira vez, tantos figurões foram alvo de um processo tão rumoroso. Na hora em que se busca usar todo esse complexo sistema com o objetivo de obter algo para o qual ele não foi construído, dá nisso, numa justiça que se engasga, em permanente loop e decisões ioiôs, que vão e voltam infinitamente, entre óbvias e deslavadas manobras meramente protelatórias e chicanas que não cessam de produzir-se, num festim processual extravagante e descomedido.
É possível que evoluamos e, em passos relutantes e pouco decididos, consigamos deixar esse estado de coisas, mas é também possível que o sistema se reconfigure, para preservar a proteção aos que lhe são caros e para uso dos quais ele foi montado e aprimorado, numa história que se desenrola há séculos. Uma das reações do sistema, por exemplo, pode ser a criação dos embargos rotacionais, os quais, para usar o latinzinho adornativo de costume, serão chamados de embargos propter rotationem. Esses poderão ser apresentados pelos condenados em última instância, se, antes da execução da sentença, qualquer juiz vier a ser substituído, por qualquer motivo. Num passo adiante, poderemos instituir o embargo reviratório, que derroga todas as condenações, se mudarem quatro ministros, no mesmo prazo que o exemplo anterior. E, para dar um toque mais democrático, teremos o embargo divergente, que é quando o condenado, através de seu advogado, comunica ao tribunal que diverge frontalmente da sentença, ao fim do que recebe um prazo, com efeito suspensivo, de seis meses, prorrogáveis por mais seis, para coletar assinaturas em apoio da divergência. Claro que, para não vulgarizar a justiça, caberá recurso também dessa decisão, porque é para não resolver nada mesmo, a ideia é esta. Durante uma das últimas sessões do Supremo, um dos ministros comentou que, desse jeito, a justiça não fecha. Vejam como a percepção é afetada pela posição do observador. Do lado de cá, a impressão que muitas vezes se tem é de que ela já fechou há muito tempo.
Não importa o que se ache da decisão da quarta passada, ela confirma que nossa estrutura judiciária e processual é pervertida
Não tenho completa certeza, mas acredito que a maioria de nós ainda não se esqueceu do julgamento do mensalão, um processo iniciado há aproximadamente dez anos que vinha dando muito o que falar e, superado apenas pela derrota do Botafogo e pelo início da recuperação do São Paulo, deve ter sido o assunto mais comentado na semana passada, pois não é que Seedorf perdeu um pênalti crucial e Murici Ramalho volta a mostrar sua estrela? Sei que alguns de vocês, os que não se esqueceram, pensam que faço chiste, mas não é verdade, pois há também o vastíssimo contingente de nossos patrícios que não entende nada do que está acontecendo. Uma vez ou outra, lá em Itaparica, à porta de sua casa, o hoje finado seu Manuel Joaquim esperava sorridente minha passagem, para me cumprimentar e revelar seu orgulho conterrâneo por ter ouvido falarem em meu nome no rádio, um menino que ele vira nascer, parecia que tinha sido ontem. Ah, muito obrigado, e o que foi que disseram, seu Manuel Joaquim? Bom, isso ele não sabia informar direito, mas o homem tinha falado bastante tempo em mim, uma coisa muito especial mesmo, ele estava seguro de que me tinham elogiado.
Entre os frequentadores do Bar de Espanha, a situação não é muito diversa. Logo depois da decisão do Supremo, Zecamunista deslocou-se para local ignorado, na companhia de duas correligionárias, para realizar um tal retiro dialético-espiritual, em que, segundo ele, uma companheira faz a tese, a outra faz a antítese e ele faz a síntese das duas, não conheço bem os detalhes. Mas, num esforço de reportagem que envolveu telefonemas para, entre outros, Xepa, Jacob Branco e Toinho Sabacu, pude ter uma ideia de como está a nossa atual conjuntura. Xepa recusou-se a fazer comentários, porque a aposentadoria dele finalmente está para sair e ele não é besta de se arriscar a falar qualquer coisa que possa melindrar os homens, não se joga fora assim uma vida de trabalho. Jacob Branco fez um discurso inflamado, em que afirmou que as belas palavras usadas para explicar o processo “são apenas bolodório vaselinório para o enfiatório de mais um sesquipedal supositório no sofrido subilatório dos simplórios”, mas não se estendeu na costumeira eloquência, pois ainda está lapidando o discurso, cuja versão definitiva será pronunciada na porta da Câmara de Vereadores, em data ainda não marcada. E Sabacu, como já se esperava, deu uma resposta filosófica e criou mais um neologismo.
— Eu não tive decepção nenhuma — disse ele. — Só quem pode ter decepção é quem primeiro teve a cepção. Como eu nunca tive cepção nenhuma quanto a esse pessoal, não ocorreu decepção. A única decepção que eu sofro às vezes é com o Flamengo, mas isso porque já tenho a cepção rubro-negra desde o tempo de Servílio, Dequinha e Jordan, não vai se comparar a esse povo. Minha posição continua eles lá e eu cá. Ficando eles lá e eu cá, já dá para botar as mãos para o céu todo dia, Deus é mais.
Pensei no assunto e cheguei à conclusão de que também não tinha muita cepção, de forma que só me decepcionei no primeiro minuto e logo caí de volta na realidade. Não importa o que se ache da decisão da quarta passada, ela confirma que nossa estrutura judiciária e processual é pervertida e que não é mesmo de nossa tradição levar a julgamento e muito menos condenar os poderosos e bem situados. Todo o sistema reage automaticamente, como se estivesse tendo uma intolerância alimentar. Ele não foi feito para isso, foi feito para privilegiar mesmo, para dar vantagem a quem tem influência, para só punir os pequenos, para permitir o prolongamento indecente das demandas, para tudo o que a gente tem visto — do que o julgamento do mensalão é mais uma manifestação e talvez sua única originalidade esteja em que, pela primeira vez, tantos figurões foram alvo de um processo tão rumoroso. Na hora em que se busca usar todo esse complexo sistema com o objetivo de obter algo para o qual ele não foi construído, dá nisso, numa justiça que se engasga, em permanente loop e decisões ioiôs, que vão e voltam infinitamente, entre óbvias e deslavadas manobras meramente protelatórias e chicanas que não cessam de produzir-se, num festim processual extravagante e descomedido.
É possível que evoluamos e, em passos relutantes e pouco decididos, consigamos deixar esse estado de coisas, mas é também possível que o sistema se reconfigure, para preservar a proteção aos que lhe são caros e para uso dos quais ele foi montado e aprimorado, numa história que se desenrola há séculos. Uma das reações do sistema, por exemplo, pode ser a criação dos embargos rotacionais, os quais, para usar o latinzinho adornativo de costume, serão chamados de embargos propter rotationem. Esses poderão ser apresentados pelos condenados em última instância, se, antes da execução da sentença, qualquer juiz vier a ser substituído, por qualquer motivo. Num passo adiante, poderemos instituir o embargo reviratório, que derroga todas as condenações, se mudarem quatro ministros, no mesmo prazo que o exemplo anterior. E, para dar um toque mais democrático, teremos o embargo divergente, que é quando o condenado, através de seu advogado, comunica ao tribunal que diverge frontalmente da sentença, ao fim do que recebe um prazo, com efeito suspensivo, de seis meses, prorrogáveis por mais seis, para coletar assinaturas em apoio da divergência. Claro que, para não vulgarizar a justiça, caberá recurso também dessa decisão, porque é para não resolver nada mesmo, a ideia é esta. Durante uma das últimas sessões do Supremo, um dos ministros comentou que, desse jeito, a justiça não fecha. Vejam como a percepção é afetada pela posição do observador. Do lado de cá, a impressão que muitas vezes se tem é de que ela já fechou há muito tempo.
Recaída - LUIS FERNANDO VERISSIMO
O Estado de S.Paulo - 22/09
A proposta era simples. Cláudia acompanharia João Carlos numa visita à casa dos seus pais, na cidadezinha onde nascera, e seria apresentada como sua namorada. Alguém o tinha visto no Rio e chegara à cidadezinha com a notícia de que ele era gay. Ele precisava provar que não era gay.
Mas você não tem uma namorada de verdade? - perguntara Cláudia
- Por que eu?
Porque eu sou gay. Não tenho namorada. Tenho namorado. O nome dele é Roni. Não posso aparecer lá com o Roni.
Mas ninguém liga pra isso, hoje em dia. Liga?
Na minha cidade, na minha casa, ligam.
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Cláudia hesitara. Quase não conhecia João Carlos. A ideia de passar o Natal e o ano-novo com um quase desconhecido, na casa de uma família totalmente desconhecida, numa cidadezinha inimaginável, não a atraía. Se bem que... Poderia ser divertido. O João Carlos não era antipático. E os dois se fingindo de namorados, enganando todo o mundo... Ela não tinha outros planos para o fim do ano. Nenhum desfile agendado. Seria divertido. Topou.
No aeroporto, antes de embarcarem, João Carlos se despediu de Roni com um beijo prolongado e disse para ele não se preocupar.
Não vá me ter uma recaída... - disse Roni, indicando Cláudia.
Pode deixar - disse João Carlos. - Não há perigo.
Os três riram muito.
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Ao churrasco na casa dos pais de João Carlos, na primeira noite, veio gente de toda a região, parentes e amigos e até alguns que ninguém conhecia, para ver a namorada carioca. A notícia de que Cláudia era, além de carioca, uma bela mulher, uma modelo, se espalhara rapidamente e todos queriam vê-la, e ouvi-la, e dizer "O Joãozinho, hein? Quem diria". Os dois tinham dormido em quartos separados, João Carlos no seu quarto antigo, Cláudia com a irmã dele. A mãe do João Carlos, que via novela e sabia que aquilo era comum, não se importaria se os dois dormissem juntos, mas "O seu pai, sabe como é...". Eles sabiam como era. Não dormiam juntos, mas passavam o tempo todo se acariciando e se beijando, em casa e na rua. Provando para a cidade inteira que aquele boato de que o João Carlos tinha desandado no Rio era invenção, pura invenção. Gostava de mulher. E, a julgar pela Cláudia, gostava de grandes mulheres!
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Foi na noite de ano-bom, depois de muito frisante no clube, depois de se abraçarem e se beijarem apaixonadamente à meia-noite para todos verem, que os dois chegaram em casa e não foram cada um para o um quarto, foram para o quarto do João Carlos, quem diria, onde se amaram durante toda a madrugada, tentando não fazer muito barulho. E de manhã, suas pernas ainda entrelaçadas com as de Cláudia, João Carlos lamentou o acontecido, e disse "Bem que o Roni me avisou...", e a Cláudia beijou a ponta do seu nariz e disse: Pronto, pronto.
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Voltaram para o Rio no dia 2, o João Carlos silencioso no ônibus e no avião, com cara de culpa, depois de pedir à Cláudia que em hipótese alguma comentasse a sua recaída para quem quer que fosse senão o Roni ia acabar sabendo, e a Cláudia silenciosa, com o secreto orgulho de ser tão desejável, tão mulher, que provocara a recaída fatal do João Carlos, depois de prometer que não contaria nada a ninguém, que aquilo ficaria entre os dois, só entre os dois, para sempre.
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Ainda ontem a Cláudia encontrou o Roni e perguntou pelo João Carlos e o Roni disse:
Quem?!
O João Carlos. Seu namorado.
Ah, é. Está bem. Muito bem. Quer dizer. Olha aqui... Esse negócio de namorado...
Você também mal conhecia o João Carlos. Não é?
É. Eu...
Ele pediu para você fingir que era o namorado dele.
É
O seu nome nem é Roni.
Não.
Cláudia sorriu. Pensando: se o João Carlos tivesse me pedido, honestamente, sem mentir, sem encenação, topa ou não topa, eu teria topado?
Provavelmente não. Uma mulher como eu? Provavelmente não.
O falso Roni tinha chegado mais perto e estava dizendo:
Olha, eu também não sou gay. E se quiser, posso provar.
Cláudia se afastou, ligeiro. Pensando: ô raça, essa masculina!
A proposta era simples. Cláudia acompanharia João Carlos numa visita à casa dos seus pais, na cidadezinha onde nascera, e seria apresentada como sua namorada. Alguém o tinha visto no Rio e chegara à cidadezinha com a notícia de que ele era gay. Ele precisava provar que não era gay.
Mas você não tem uma namorada de verdade? - perguntara Cláudia
- Por que eu?
Porque eu sou gay. Não tenho namorada. Tenho namorado. O nome dele é Roni. Não posso aparecer lá com o Roni.
Mas ninguém liga pra isso, hoje em dia. Liga?
Na minha cidade, na minha casa, ligam.
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Cláudia hesitara. Quase não conhecia João Carlos. A ideia de passar o Natal e o ano-novo com um quase desconhecido, na casa de uma família totalmente desconhecida, numa cidadezinha inimaginável, não a atraía. Se bem que... Poderia ser divertido. O João Carlos não era antipático. E os dois se fingindo de namorados, enganando todo o mundo... Ela não tinha outros planos para o fim do ano. Nenhum desfile agendado. Seria divertido. Topou.
No aeroporto, antes de embarcarem, João Carlos se despediu de Roni com um beijo prolongado e disse para ele não se preocupar.
Não vá me ter uma recaída... - disse Roni, indicando Cláudia.
Pode deixar - disse João Carlos. - Não há perigo.
Os três riram muito.
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Ao churrasco na casa dos pais de João Carlos, na primeira noite, veio gente de toda a região, parentes e amigos e até alguns que ninguém conhecia, para ver a namorada carioca. A notícia de que Cláudia era, além de carioca, uma bela mulher, uma modelo, se espalhara rapidamente e todos queriam vê-la, e ouvi-la, e dizer "O Joãozinho, hein? Quem diria". Os dois tinham dormido em quartos separados, João Carlos no seu quarto antigo, Cláudia com a irmã dele. A mãe do João Carlos, que via novela e sabia que aquilo era comum, não se importaria se os dois dormissem juntos, mas "O seu pai, sabe como é...". Eles sabiam como era. Não dormiam juntos, mas passavam o tempo todo se acariciando e se beijando, em casa e na rua. Provando para a cidade inteira que aquele boato de que o João Carlos tinha desandado no Rio era invenção, pura invenção. Gostava de mulher. E, a julgar pela Cláudia, gostava de grandes mulheres!
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Foi na noite de ano-bom, depois de muito frisante no clube, depois de se abraçarem e se beijarem apaixonadamente à meia-noite para todos verem, que os dois chegaram em casa e não foram cada um para o um quarto, foram para o quarto do João Carlos, quem diria, onde se amaram durante toda a madrugada, tentando não fazer muito barulho. E de manhã, suas pernas ainda entrelaçadas com as de Cláudia, João Carlos lamentou o acontecido, e disse "Bem que o Roni me avisou...", e a Cláudia beijou a ponta do seu nariz e disse: Pronto, pronto.
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Voltaram para o Rio no dia 2, o João Carlos silencioso no ônibus e no avião, com cara de culpa, depois de pedir à Cláudia que em hipótese alguma comentasse a sua recaída para quem quer que fosse senão o Roni ia acabar sabendo, e a Cláudia silenciosa, com o secreto orgulho de ser tão desejável, tão mulher, que provocara a recaída fatal do João Carlos, depois de prometer que não contaria nada a ninguém, que aquilo ficaria entre os dois, só entre os dois, para sempre.
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Ainda ontem a Cláudia encontrou o Roni e perguntou pelo João Carlos e o Roni disse:
Quem?!
O João Carlos. Seu namorado.
Ah, é. Está bem. Muito bem. Quer dizer. Olha aqui... Esse negócio de namorado...
Você também mal conhecia o João Carlos. Não é?
É. Eu...
Ele pediu para você fingir que era o namorado dele.
É
O seu nome nem é Roni.
Não.
Cláudia sorriu. Pensando: se o João Carlos tivesse me pedido, honestamente, sem mentir, sem encenação, topa ou não topa, eu teria topado?
Provavelmente não. Uma mulher como eu? Provavelmente não.
O falso Roni tinha chegado mais perto e estava dizendo:
Olha, eu também não sou gay. E se quiser, posso provar.
Cláudia se afastou, ligeiro. Pensando: ô raça, essa masculina!
Porque a vida não basta - FERREIRA GULLAR
FOLHA DE SP - 22/09
A arte contemporânea acabou com a crítica; isso é expressão da crise por que passam as artes plásticas
Embora tenha frequentemente criticado o que se chama de arte contemporânea, devo deixar claro que não pretendo negá-la como fato cultural. Seria, sem dúvida, infundado vê-la como fruto da irresponsabilidade de alguns pseudoartistas, que visam apenas chocar o público.
Há isso também, é claro. Mas não justificaria reduzir a tais exemplos um fenômeno que já se estende por muitas décadas e encontra seguidores em quase todos os países.
Por isso, se com frequência escrevo sobre esse fenômeno cultural, faço-o porque estou sempre refletindo sobre ele. Devo admitir que ninguém me convenceria de que pôr urubus numa gaiola é fazer arte, não obstante, me pergunto por que alguém se dá ao trabalho de pensar e realizar semelhante coisa e, mais ainda, por que há instituições que a acolhem e consequentemente a avalizam.
O fato de negar o caráter estético de tais expressões obriga-me, por isso mesmo, a tentar explicar o fenômeno, a meu ver tão contrário a tudo o que, até bem pouco, era considerado obra de arte. Não resta dúvida de que alguma razão há para que esse tipo de manifestação antiarte (como a designava Marcel Duchamp, seu criador) se mantenha durante tantos anos.
Não vou aqui repetir as explicações que tenho dado a tais manifestações, as quais, em última análise, negam essencialmente o que se entende por arte. Devo admitir, porém, que a sobrevivência de tal tendência, durante tanto tempo, indica que alguma razão existe para que isso aconteça, e deve ser buscada, creio eu, em certas características da sociedade midiática de hoje. O fato de instituições de grande prestígio, como museus de arte e mostras internacionais de arte, acolherem tais manifestações é mais uma razão para que discutamos o assunto.
Uma observação que me ocorre com frequência, quando reflito sobre isso, é o fato de que obra de arte, ao longo de 20 mil anos, sempre foi produto do fazer humano, o resultado de uma aventura em que o acaso se torna necessidade graças à criatividade do artista e seu domínio sobre a linguagem da arte.
Das paredes das cavernas, no Paleolítico, aos afrescos dos conventos e igrejas medievais, às primeiras pinturas a óleo na Renascença e, atravessando cinco séculos, até a implosão cubista, no começo do século 20, todas as obras realizadas pelos artistas o foram graças à elaboração, invenção e reinvenção de uma linguagem que ganhou o apelido de pintura.
Isso não significa que toda beleza é produto do trabalho humano. Eu, por exemplo, tenho na minha estante uma pedra --um seixo rolado-- que achei numa praia de Lima, no Peru, em 1973, que é linda, mas não foi feita por nenhum artista. É linda, mas não é obra de arte, já que obra de arte é produto do trabalho humano.
Pense então: se esse seixo rolado, belo como é, não pode ser considerado obra de arte, imagine um casal de urubus postos numa gaiola, que de belo não tem nada nem mantém qualquer relação com o que, ao longo de milênios, é tido como arte. Não se trata, portanto, de que a coisa tenha ou não tenha qualidades estéticas --pois o seixo as tem-- e, sim, que arte é um produto do trabalho e da criatividade humana. Se é boa arte ou não, cabe à crítica avaliar.
E toca-se aqui em outro problema surgido com essa nova atitude em face da arte. É que, assim como o que não é fruto do trabalho humano não é arte, também não é possível exercer-se a crítica de arte acerca de uma coisa que ninguém fez.
O que pode o crítico dizer a respeito dos urubus mandados à Bienal de São Paulo? A respeito de um quadro, poderia ele dizer que está bem mal-executado, que a composição é pobre ou as cores inexpressivas, mas a respeito dos urubus, que diria ele? Que não seriam suficientemente negros ou que melhor seria três em vez de dois? Não o diria, pois nada disso teria cabimento. Não diria isso nem diria nada, porque não é possível exercer a crítica de arte sobre o que ninguém fez.
Desse modo --e inevitavelmente--, a chamada arte contemporânea acabou também com a crítica de arte. Isso tudo é, sem dúvida, a expressão da crise grave por que passam hoje as artes plásticas.
Costumo dizer que a arte existe porque a vida não basta. Negar a arte é como dizer que a vida se basta, não precisa de arte. Uma pobreza!
A arte contemporânea acabou com a crítica; isso é expressão da crise por que passam as artes plásticas
Embora tenha frequentemente criticado o que se chama de arte contemporânea, devo deixar claro que não pretendo negá-la como fato cultural. Seria, sem dúvida, infundado vê-la como fruto da irresponsabilidade de alguns pseudoartistas, que visam apenas chocar o público.
Há isso também, é claro. Mas não justificaria reduzir a tais exemplos um fenômeno que já se estende por muitas décadas e encontra seguidores em quase todos os países.
Por isso, se com frequência escrevo sobre esse fenômeno cultural, faço-o porque estou sempre refletindo sobre ele. Devo admitir que ninguém me convenceria de que pôr urubus numa gaiola é fazer arte, não obstante, me pergunto por que alguém se dá ao trabalho de pensar e realizar semelhante coisa e, mais ainda, por que há instituições que a acolhem e consequentemente a avalizam.
O fato de negar o caráter estético de tais expressões obriga-me, por isso mesmo, a tentar explicar o fenômeno, a meu ver tão contrário a tudo o que, até bem pouco, era considerado obra de arte. Não resta dúvida de que alguma razão há para que esse tipo de manifestação antiarte (como a designava Marcel Duchamp, seu criador) se mantenha durante tantos anos.
Não vou aqui repetir as explicações que tenho dado a tais manifestações, as quais, em última análise, negam essencialmente o que se entende por arte. Devo admitir, porém, que a sobrevivência de tal tendência, durante tanto tempo, indica que alguma razão existe para que isso aconteça, e deve ser buscada, creio eu, em certas características da sociedade midiática de hoje. O fato de instituições de grande prestígio, como museus de arte e mostras internacionais de arte, acolherem tais manifestações é mais uma razão para que discutamos o assunto.
Uma observação que me ocorre com frequência, quando reflito sobre isso, é o fato de que obra de arte, ao longo de 20 mil anos, sempre foi produto do fazer humano, o resultado de uma aventura em que o acaso se torna necessidade graças à criatividade do artista e seu domínio sobre a linguagem da arte.
Das paredes das cavernas, no Paleolítico, aos afrescos dos conventos e igrejas medievais, às primeiras pinturas a óleo na Renascença e, atravessando cinco séculos, até a implosão cubista, no começo do século 20, todas as obras realizadas pelos artistas o foram graças à elaboração, invenção e reinvenção de uma linguagem que ganhou o apelido de pintura.
Isso não significa que toda beleza é produto do trabalho humano. Eu, por exemplo, tenho na minha estante uma pedra --um seixo rolado-- que achei numa praia de Lima, no Peru, em 1973, que é linda, mas não foi feita por nenhum artista. É linda, mas não é obra de arte, já que obra de arte é produto do trabalho humano.
Pense então: se esse seixo rolado, belo como é, não pode ser considerado obra de arte, imagine um casal de urubus postos numa gaiola, que de belo não tem nada nem mantém qualquer relação com o que, ao longo de milênios, é tido como arte. Não se trata, portanto, de que a coisa tenha ou não tenha qualidades estéticas --pois o seixo as tem-- e, sim, que arte é um produto do trabalho e da criatividade humana. Se é boa arte ou não, cabe à crítica avaliar.
E toca-se aqui em outro problema surgido com essa nova atitude em face da arte. É que, assim como o que não é fruto do trabalho humano não é arte, também não é possível exercer-se a crítica de arte acerca de uma coisa que ninguém fez.
O que pode o crítico dizer a respeito dos urubus mandados à Bienal de São Paulo? A respeito de um quadro, poderia ele dizer que está bem mal-executado, que a composição é pobre ou as cores inexpressivas, mas a respeito dos urubus, que diria ele? Que não seriam suficientemente negros ou que melhor seria três em vez de dois? Não o diria, pois nada disso teria cabimento. Não diria isso nem diria nada, porque não é possível exercer a crítica de arte sobre o que ninguém fez.
Desse modo --e inevitavelmente--, a chamada arte contemporânea acabou também com a crítica de arte. Isso tudo é, sem dúvida, a expressão da crise grave por que passam hoje as artes plásticas.
Costumo dizer que a arte existe porque a vida não basta. Negar a arte é como dizer que a vida se basta, não precisa de arte. Uma pobreza!
Ódio ao humano - JOSÉ CASTELO
GAZETA DO POVO - PR - 22/09
Na abertura de A Cidade, o Inquisidor e os Ordinários (Companhia das Letras), novo romance do mineiro Carlos de Brito e Mello, uma das epígrafes, atribuída ao personagem O Decoroso, diz: “Meu veredicto poderia se resumir tão somente a isto: é um homem; está condenado”. A sombra de Franz Kafka, com seus personagens eternamente destinados à punição e ao castigo, ronda pelas dobras do romance de Mello, que guarda a estrutura de uma peça de teatro. Compõe-se de uma sucessão de cenas, montadas na forma de diálogos brutos. Uma escrita ríspida, sem qualquer embelezamento, digna do tema perigoso que se arrisca a tratar: o ódio ao humano e a quaisquer de suas manifestações.
Um inquisidor chega em visita a uma cidade. Vem em busca dos defeitos, pecados e irregularidades que, a seu ver, emporcalham a comunidade. Convoca os cidadãos para que façam seus exames de consciência, isto é, para que se transformem nos carrascos de si mesmos. A cidade se abre como um palco, pelo qual circulam personagens anônimos, todos tratados apenas por seus atributos (ou ausência de atributos): o Decoroso, o Apregoador, o Olheirento, a Impostora, o Prestável, um Bobo. Não chegam a ser humanos — são mais etiquetas através das quais o humano se manifesta.
Outra sombra circula pela narrativa de Mello: a do filósofo francês Michel Foucault, armado com seu panóptico, que a tudo vigia, a todos examina e controla. Ninguém está livre da lei do Inquisidor, nem mesmo o mais discreto dos homens — um Bobo. A lei é severa e universal; é forte e odiosa; é dura e sem nuances. Um Bobo está em pecado porque a bobeira é o contrário do decoro. Não importa se ela não passa de uma fatalidade: ele a carrega e por ela deve pagar. Ao impor sua lei, o Decoroso não abdica de seus caracteres humanos. Afirma, porém, que lida com eles de outra forma, lhes dá outro destino. Sabe que é, ele também, só um homem mediano, mas “quando comparado ao pior, o mediano passa por bom, assim como o remediado aparenta sanidade ao doente, e o arrependido ostenta correção aos olhos do prevaricador”. Conclui, por exclusão: “Então, fico sendo eu o bom, o são e o correto”.
É a mediania que lhe dá a posse da lei — lugar daquilo que não incomoda, do que fica quieto, lugar da ausência e do silêncio. O homem da lei, expõe o Decoroso, é aquele que não se entrega às turbulências e paradoxos naturais ao humano. É aquele que os controla, administra e nega. Tem a seu lado o Apregoador, que leva sua rede de pescar desvios, inadequações e pecados. Os dois fazem uma defesa veemente da morte contra a vida. Afirma o Sr: Decoroso: “Viver é que um grande problema”. Mesmo na bobeira mais extrema — a do Bobo — ainda existe um homem que precisa ser julgado — e eliminado. “A civilização nos oferece recursos como a penicilina e a moralidade, a escova de dentes e a culpa, e não acho que devemos rejeitá-los”, o Decoroso anuncia.
Um sujeito se torna réu porque é bobo. O outro, porque é gordo. Qualquer pequeno deslize, mesmo o mais desprezível (Kafka em O Processo) justifica o julgamento. Grita o Olheirento ao gordo: “A modernidade tem a ver com a esbeltez”. Nenhum excesso, só o necessário. Homens máquinas, devemos seguir sempre os mesmos protocolos e manuais de instrução. Somos filhos da repetição e não da diversidade, pensa o inquisidor. Da ausência, e não da presença. Os que a elas escapam estão irremediavelmente associados ao Mal.
É com coragem que Carlos de Brito e Mello avança em sua narrativa, levando-nos a encarar o pior: que a Inquisição está viva. O mundo contemporâneo também se delicia na procura de culpados. É obcecado pelos deslizes, pelas faltas, irregularidades, crimes. Contra isso, toda uma burocracia se ergue. Recentemente, depois de enviar onze documentos ao setor de administração de um festival literário, e diante de novos pedidos burocráticos (Kafka), me vi obrigado a perguntar: “Será preciso enviar também meu hemograma e o pedigree de meu cachorro?” Isso para fazer uma simples palestra, de hora e meia. O romance de Mello trata de algo que hoje nos (me) oprime: por princípio, somos todos suspeitos e, provavelmente, culpados. E exatamente por isso devemos nos submeter à suntuosa burocracia da moral: documentos originais, certidões negativas, comprovantes, atestados, declarações, papéis que garantam (mas garantem?) nossa imunidade.
Como no romance de Mello, o réu é sempre o outro. Estamos cercados de suspeitos e de pessoas indignas de confiança. A paranoia se transforma em nossa saúde! O Decoroso anuncia: “serei sua fogueira, serei sua tranca, serei seu cativeiro”. Como se oferecesse presentes. Como se fornecesse peças de salvação. Melhor preferir as algemas, garantias de que não nos dedicaremos ao pior. Melhor a morte, que nos protege das instabilidades (riquezas) da vida. Bobo, portanto, é aquele que se afasta das normas (grilhões) da sociedade. Lamenta o Decoroso que, no passado, os bobos eram alegres e conhecidos como bufões, mas hoje são “inúteis e melancólicos”. Tornaram-se perigosos. A bobeira não se refere mais à tolice, mas à enfermidade e ao crime. Só há uma lei, e essa lei não só deve ser cumprida, como deve atemorizar. Chegamos ao medo, avesso da lei, sem a qual ela não pode exercer seu poder.
O Bobo é, por fim, dependurado — como castigo — na antena de um prédio. Ali, imobilizado — o humano visto como pedra — poderá, quem sabe, se reeducar. Ali, com pombos sobre a cabeça, babando seu horror, quem sabe, poderá se igualar aos iguais. A palavra-chave é esta: igual. É o igual que a literatura desafia com sua opção pela divergência e pela diferença. É o igual (repetição pura, paralisia, morte) que Carlos de Brito e Mello interroga com seu belo romance. Um romance que não teme o patético e o risível — a moral, de tão obtusa, tantas vezes se assemelha à piada. Agora é Eugène Ionesco, com seu Teatro do Absurdo, que se esconde entre as páginas do romance. É entre as frestas do absurdo e do inconcebível que devemos procurar aquilo que ainda temos de humanos, e nessa busca a literatura se oferece como caminho.
É o igual (repetição pura, paralisia) que Carlos de Brito e Mello interroga com seu belo romance.
Na abertura de A Cidade, o Inquisidor e os Ordinários (Companhia das Letras), novo romance do mineiro Carlos de Brito e Mello, uma das epígrafes, atribuída ao personagem O Decoroso, diz: “Meu veredicto poderia se resumir tão somente a isto: é um homem; está condenado”. A sombra de Franz Kafka, com seus personagens eternamente destinados à punição e ao castigo, ronda pelas dobras do romance de Mello, que guarda a estrutura de uma peça de teatro. Compõe-se de uma sucessão de cenas, montadas na forma de diálogos brutos. Uma escrita ríspida, sem qualquer embelezamento, digna do tema perigoso que se arrisca a tratar: o ódio ao humano e a quaisquer de suas manifestações.
Um inquisidor chega em visita a uma cidade. Vem em busca dos defeitos, pecados e irregularidades que, a seu ver, emporcalham a comunidade. Convoca os cidadãos para que façam seus exames de consciência, isto é, para que se transformem nos carrascos de si mesmos. A cidade se abre como um palco, pelo qual circulam personagens anônimos, todos tratados apenas por seus atributos (ou ausência de atributos): o Decoroso, o Apregoador, o Olheirento, a Impostora, o Prestável, um Bobo. Não chegam a ser humanos — são mais etiquetas através das quais o humano se manifesta.
Outra sombra circula pela narrativa de Mello: a do filósofo francês Michel Foucault, armado com seu panóptico, que a tudo vigia, a todos examina e controla. Ninguém está livre da lei do Inquisidor, nem mesmo o mais discreto dos homens — um Bobo. A lei é severa e universal; é forte e odiosa; é dura e sem nuances. Um Bobo está em pecado porque a bobeira é o contrário do decoro. Não importa se ela não passa de uma fatalidade: ele a carrega e por ela deve pagar. Ao impor sua lei, o Decoroso não abdica de seus caracteres humanos. Afirma, porém, que lida com eles de outra forma, lhes dá outro destino. Sabe que é, ele também, só um homem mediano, mas “quando comparado ao pior, o mediano passa por bom, assim como o remediado aparenta sanidade ao doente, e o arrependido ostenta correção aos olhos do prevaricador”. Conclui, por exclusão: “Então, fico sendo eu o bom, o são e o correto”.
É a mediania que lhe dá a posse da lei — lugar daquilo que não incomoda, do que fica quieto, lugar da ausência e do silêncio. O homem da lei, expõe o Decoroso, é aquele que não se entrega às turbulências e paradoxos naturais ao humano. É aquele que os controla, administra e nega. Tem a seu lado o Apregoador, que leva sua rede de pescar desvios, inadequações e pecados. Os dois fazem uma defesa veemente da morte contra a vida. Afirma o Sr: Decoroso: “Viver é que um grande problema”. Mesmo na bobeira mais extrema — a do Bobo — ainda existe um homem que precisa ser julgado — e eliminado. “A civilização nos oferece recursos como a penicilina e a moralidade, a escova de dentes e a culpa, e não acho que devemos rejeitá-los”, o Decoroso anuncia.
Um sujeito se torna réu porque é bobo. O outro, porque é gordo. Qualquer pequeno deslize, mesmo o mais desprezível (Kafka em O Processo) justifica o julgamento. Grita o Olheirento ao gordo: “A modernidade tem a ver com a esbeltez”. Nenhum excesso, só o necessário. Homens máquinas, devemos seguir sempre os mesmos protocolos e manuais de instrução. Somos filhos da repetição e não da diversidade, pensa o inquisidor. Da ausência, e não da presença. Os que a elas escapam estão irremediavelmente associados ao Mal.
É com coragem que Carlos de Brito e Mello avança em sua narrativa, levando-nos a encarar o pior: que a Inquisição está viva. O mundo contemporâneo também se delicia na procura de culpados. É obcecado pelos deslizes, pelas faltas, irregularidades, crimes. Contra isso, toda uma burocracia se ergue. Recentemente, depois de enviar onze documentos ao setor de administração de um festival literário, e diante de novos pedidos burocráticos (Kafka), me vi obrigado a perguntar: “Será preciso enviar também meu hemograma e o pedigree de meu cachorro?” Isso para fazer uma simples palestra, de hora e meia. O romance de Mello trata de algo que hoje nos (me) oprime: por princípio, somos todos suspeitos e, provavelmente, culpados. E exatamente por isso devemos nos submeter à suntuosa burocracia da moral: documentos originais, certidões negativas, comprovantes, atestados, declarações, papéis que garantam (mas garantem?) nossa imunidade.
Como no romance de Mello, o réu é sempre o outro. Estamos cercados de suspeitos e de pessoas indignas de confiança. A paranoia se transforma em nossa saúde! O Decoroso anuncia: “serei sua fogueira, serei sua tranca, serei seu cativeiro”. Como se oferecesse presentes. Como se fornecesse peças de salvação. Melhor preferir as algemas, garantias de que não nos dedicaremos ao pior. Melhor a morte, que nos protege das instabilidades (riquezas) da vida. Bobo, portanto, é aquele que se afasta das normas (grilhões) da sociedade. Lamenta o Decoroso que, no passado, os bobos eram alegres e conhecidos como bufões, mas hoje são “inúteis e melancólicos”. Tornaram-se perigosos. A bobeira não se refere mais à tolice, mas à enfermidade e ao crime. Só há uma lei, e essa lei não só deve ser cumprida, como deve atemorizar. Chegamos ao medo, avesso da lei, sem a qual ela não pode exercer seu poder.
O Bobo é, por fim, dependurado — como castigo — na antena de um prédio. Ali, imobilizado — o humano visto como pedra — poderá, quem sabe, se reeducar. Ali, com pombos sobre a cabeça, babando seu horror, quem sabe, poderá se igualar aos iguais. A palavra-chave é esta: igual. É o igual que a literatura desafia com sua opção pela divergência e pela diferença. É o igual (repetição pura, paralisia, morte) que Carlos de Brito e Mello interroga com seu belo romance. Um romance que não teme o patético e o risível — a moral, de tão obtusa, tantas vezes se assemelha à piada. Agora é Eugène Ionesco, com seu Teatro do Absurdo, que se esconde entre as páginas do romance. É entre as frestas do absurdo e do inconcebível que devemos procurar aquilo que ainda temos de humanos, e nessa busca a literatura se oferece como caminho.
É o igual (repetição pura, paralisia) que Carlos de Brito e Mello interroga com seu belo romance.
Um longo caminho - EDUARDO CRUZ
O GLOBO - 22/09
Todos os dias surgem notícias de novas pesquisas de células de interesse terapêutico: a gordura localizada, o dente de leite, cartilagem, ossos, o tecido do cordão, entre outros. Essas notícias resultam do trabalho de um grande número de cientistas, em centenas de laboratórios de pesquisa, que estão diariamente estudando as células-tronco.
Mas, de cada 5 mil novas pesquisas que surgem no setor da biotecnologia, somente uma se torna um produto ou procedimento que será disponibilizado para uso pelos pacientes. As pesquisas começam com uma ideia, muitas vezes sem preocupação com a legislação. Estes testes podem se prolongar por anos.
Se os testes científicos derem bons resultados e houver real interesse em lançar um produto biológico, o próximo passo serão os testes feitos em animais, os pré-clínicos. Esta nova etapa deve seguir as regras de uma agência de vigilância sanitária. Os testes são, normalmente, feitos por empresas privadas, pois há o interesse comercial envolvido. Então, dependendo dos resultados dos testes em animais, a nova droga ou produto biológico - células, por exemplo - poderá ser testado em seres humanos. E, posteriormente, se aprovada, a novidade se tornará um produto comercial.
A medula óssea e o sangue de cordão umbilical contêm principalmente células-tronco formadoras do sangue, as hematopoéticas e células-tronco mesenquimais (CTM). As células-tronco hematopoéticas já são usadas terapeuticamente há décadas, na reconstituição da medula óssea por transplante de medula.
Recentemente o National Institute of Health liberou recursos para testes pré-clínicos de uma formulação de células obtidas do sangue de cordão umbilical no tratamento da doença de Alzheimer. Outro estudo aprovado para pesquisa com seres humanos é na Esclerose Lateral Amiotrófica.
Células extraídas do sangue de cordão já trataram centenas de crianças, inclusive no Brasil, com quadro de anóxia perinatal e de degeneração neurológica. O sangue de cordão contém uma população de mesenquimais muito interessante, porque são células muito jovens. O tecido do cordão também contém, mas estas já mais comprometidas (ou seja, menos capazes de exercer outras funções).
As células mesenquimais são potencialmente interessantes para, por exemplo, preenchimento cutâneo (estético), recuperação de cartilagem, regeneração óssea e como auxiliar nos transplantes de medula para combater a doença do Enxerto Contra o Hospedeiro. Os trabalhos relacionados ao uso das mesenquimais no tratamento das doenças cardíacas estão em fase inicial. Existem muitos trabalhos em modelo experimental que mostram melhora da função do órgão.
Essas células emergem como candidatas ao tratamento das doenças cardíacas, mas ainda é necessário desvendar mecanismos básicos de ação dessa célula no local de injúria, além de acompanhar os benefícios do tratamento em longo prazo.
O caminho de uma pesquisa até o leito de um paciente é longo. Às vezes leva mais de 15 anos. E os desafios regulatórios são muito grandes - e devem ser assim, para garantir a segurança daqueles que fizerem uso de um novo produto para o tratamento de uma doença.
De cada 5 mil pesquisas com células-tronco, só uma se torna produto
Meu pobre ciclone - HUMBERTO WERNECK
O Estado de S.Paulo - 22/09
Juntei aqui, faz uns meses, um punhado de nomes de pessoas que são, também, nomes de coisas. O Guilherme, por exemplo, que é xará de uma ferramenta de carpintaria; o Luís, que corre o risco, ainda que remoto, de ser confundido com certa moeda de ouro, tanto quanto a Beatriz com um peixe, e o Alfredo, eventualmente sem luz própria, com um candeeiro. Pra quê! Foi como se tivesse cutucado uma caixa de abelhas onomásticas, da qual saiu mais um enxame de xarás de coisas, munição, já na semana seguinte, para uma segunda crônica.
E não ficou nisso. Faz seis meses que, vira e mexe, de corpo presente ou pela internet, me aparece alguém com achados para alimentar novas rodadas de substantivos que são, ao mesmo tempo, próprios e comuns. Na suposição, quem sabe procedente, de que reincidir no assunto seria incorrer no risco da chatice, deixei de lado o arsenal que não parava de crescer. Até que, na semana passada, meu amigo Flávio me trouxe uma surpresa: ao contrário do que afirmei numa das crônicas sobre o assunto, com o tom de superioridade de quem se julgava a salvo de ambiguidades, existe, sim, algo que se chama Humberto e que, como este cronista, também já teve dias melhores.
Mas vamos, antes, ao pessoal que me faz companhia nessa comprida e por vezes desconfortável fila. Caso do Roldão, que segundo o dicionário Houaiss é sinônimo de falta de ordem, bagunça ou, para rimar, confusão e desorganização. Ou do Elmo, que além do manjado capacete medieval identifica, eca, a "crosta escura que, por falta de asseio, se forma do couro cabeludo das crianças". Por que só das crianças? Não me parece justo.
O João, por sua vez, vem a ser um grande atabaque que pontua o jongo paulista, e uma árvore da família das sapotáceas - mas também um "jogador que é facilmente driblado". Para o escorregadio Garrincha, João era qualquer dos infelizes que tentavam neutralizar seus dribles. No mesmo terreno, seu colega Jairzinho, herói da Copa de 1970, veio a batizar um exercício para fortalecer os quadríceps e os glúteos. Sempre haverá quem transpire na manutenção de inspiradoras preferências nacionais.
Bia, no Norte e no Nordeste, é cerveja, assim como em alguns lugares Juçara e Cândida são o mesmo que cachaça. Cândida, coitada, é também um fungo dos mais inconvenientes - capaz de assolar, entre outras partes, o Bráulio, apelido que o Ministério da Saúde houve por mal propor, tempos atrás, para o chamado membro viril, iniciativa contra a qual imediatamente se ergueram Bráulios do Oiapoque ao Chuí, derrubando-a a pauladas. Mais sorte tem o Apolo, que quer dizer "homem belo, forte, elegante", além de uma borboleta e de um instrumento da família do alaúde.
Razões não têm para reclamar o Frederico, nome também de uma moeda de ouro da antiga Prússia, e o Nestor, assimilado a homem idoso e de grande sabedoria, num eco da Ilíada de Homero, de que é personagem. Quanto à Isabel, por mais que ame os animais, talvez maldiga quem teve a ideia de atribuir seu nome a um cavalo, ainda que belo, de cor branco-amarelada e patas e crina negras.
Laura já foi, nos primeiros tempos da Igreja, a "cela ou antro em que viviam os anacoretas". Rosa, além da flor, remete a "mulher bela" - e, de quebra, a uma "peça de latão, ornada com lavores, que serve para dourar os livros". Silvano tanto pode ser uma divindade da mitologia que reina sobre os campos e bosques, como um "indivíduo rústico, camponês rude". Dídimo estará perfeito para um gêmeo, pois significa "o que se desenvolve aos pares"; problema: que nome dar a quem, tendo chegado ao mundo ao mesmo tempo, não é menos dídimo que o outro?
Mas, afinal, e o Humberto acima referido? Trata-se, explica o Flávio, de um ciclone, fenômeno que no Hemisfério Norte costuma ganhar nome de macho. Segue-se a ordem alfabética, e estamos na letra H - circunstância que acabou me proporcionando uma coincidência: o ciclone que precedeu Humberto se chamou Hugo, nome de meu pai e meu avô.
Posar de xará de algo impetuoso seria ideia até simpática, não fosse o fato, informam os técnicos da NASA, de que Humberto está perdendo as forças - ou, na crua tradução do Flávio, "brochando", com o agravante de que não há viagra capaz de empinar ciclone esmorecido.
Juntei aqui, faz uns meses, um punhado de nomes de pessoas que são, também, nomes de coisas. O Guilherme, por exemplo, que é xará de uma ferramenta de carpintaria; o Luís, que corre o risco, ainda que remoto, de ser confundido com certa moeda de ouro, tanto quanto a Beatriz com um peixe, e o Alfredo, eventualmente sem luz própria, com um candeeiro. Pra quê! Foi como se tivesse cutucado uma caixa de abelhas onomásticas, da qual saiu mais um enxame de xarás de coisas, munição, já na semana seguinte, para uma segunda crônica.
E não ficou nisso. Faz seis meses que, vira e mexe, de corpo presente ou pela internet, me aparece alguém com achados para alimentar novas rodadas de substantivos que são, ao mesmo tempo, próprios e comuns. Na suposição, quem sabe procedente, de que reincidir no assunto seria incorrer no risco da chatice, deixei de lado o arsenal que não parava de crescer. Até que, na semana passada, meu amigo Flávio me trouxe uma surpresa: ao contrário do que afirmei numa das crônicas sobre o assunto, com o tom de superioridade de quem se julgava a salvo de ambiguidades, existe, sim, algo que se chama Humberto e que, como este cronista, também já teve dias melhores.
Mas vamos, antes, ao pessoal que me faz companhia nessa comprida e por vezes desconfortável fila. Caso do Roldão, que segundo o dicionário Houaiss é sinônimo de falta de ordem, bagunça ou, para rimar, confusão e desorganização. Ou do Elmo, que além do manjado capacete medieval identifica, eca, a "crosta escura que, por falta de asseio, se forma do couro cabeludo das crianças". Por que só das crianças? Não me parece justo.
O João, por sua vez, vem a ser um grande atabaque que pontua o jongo paulista, e uma árvore da família das sapotáceas - mas também um "jogador que é facilmente driblado". Para o escorregadio Garrincha, João era qualquer dos infelizes que tentavam neutralizar seus dribles. No mesmo terreno, seu colega Jairzinho, herói da Copa de 1970, veio a batizar um exercício para fortalecer os quadríceps e os glúteos. Sempre haverá quem transpire na manutenção de inspiradoras preferências nacionais.
Bia, no Norte e no Nordeste, é cerveja, assim como em alguns lugares Juçara e Cândida são o mesmo que cachaça. Cândida, coitada, é também um fungo dos mais inconvenientes - capaz de assolar, entre outras partes, o Bráulio, apelido que o Ministério da Saúde houve por mal propor, tempos atrás, para o chamado membro viril, iniciativa contra a qual imediatamente se ergueram Bráulios do Oiapoque ao Chuí, derrubando-a a pauladas. Mais sorte tem o Apolo, que quer dizer "homem belo, forte, elegante", além de uma borboleta e de um instrumento da família do alaúde.
Razões não têm para reclamar o Frederico, nome também de uma moeda de ouro da antiga Prússia, e o Nestor, assimilado a homem idoso e de grande sabedoria, num eco da Ilíada de Homero, de que é personagem. Quanto à Isabel, por mais que ame os animais, talvez maldiga quem teve a ideia de atribuir seu nome a um cavalo, ainda que belo, de cor branco-amarelada e patas e crina negras.
Laura já foi, nos primeiros tempos da Igreja, a "cela ou antro em que viviam os anacoretas". Rosa, além da flor, remete a "mulher bela" - e, de quebra, a uma "peça de latão, ornada com lavores, que serve para dourar os livros". Silvano tanto pode ser uma divindade da mitologia que reina sobre os campos e bosques, como um "indivíduo rústico, camponês rude". Dídimo estará perfeito para um gêmeo, pois significa "o que se desenvolve aos pares"; problema: que nome dar a quem, tendo chegado ao mundo ao mesmo tempo, não é menos dídimo que o outro?
Mas, afinal, e o Humberto acima referido? Trata-se, explica o Flávio, de um ciclone, fenômeno que no Hemisfério Norte costuma ganhar nome de macho. Segue-se a ordem alfabética, e estamos na letra H - circunstância que acabou me proporcionando uma coincidência: o ciclone que precedeu Humberto se chamou Hugo, nome de meu pai e meu avô.
Posar de xará de algo impetuoso seria ideia até simpática, não fosse o fato, informam os técnicos da NASA, de que Humberto está perdendo as forças - ou, na crua tradução do Flávio, "brochando", com o agravante de que não há viagra capaz de empinar ciclone esmorecido.
O sabiá-laranjeira - HÉLIO SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP - 22/09
SÃO PAULO - O sabiá-laranjeira foi destaque do Painel do Leitor nesta semana, após reportagem de Roberto de Oliveira ter mostrado que o chilrear da ave rouba o sono a muitos paulistanos. Curiosamente, todos os missivistas se solidarizaram com os tordos, não com seus congêneres humanos injustamente privados do abraço de Morfeu. Por que as pessoas gostam tanto da natureza?
Nos anos 80, E. O. Wilson levantou a hipótese da biofilia, pela qual humanos teríamos uma ligação instintiva com outros seres vivos. Já que somos produtos da natureza e dela dependemos para nos manter alimentados e respirando, nada mais "natural" do que desenvolver atração por ela, notadamente pelos aspectos que insinuam fartura e segurança.
Os indícios a apoiar essa tese vêm em números robustos, dados pelo faturamento de agências que levam turistas a praias paradisíacas, montanhas majestosas e monumentos naturais. A hipótese explicaria ainda por que nos cercamos de cães, gatos, por que recriamos o fundo de rios em aquários domésticos e até por que alguns de nós aprisionam passarinhos.
Há trabalhos sugerindo que, se tivesse escolha, a maioria das pessoas moraria em lugares elevados, que proporcionem boa visão do entorno, com vegetação do tipo savana e próximos a um curso d'água. Tais preferências --não por acaso, itens valorizados no mercado imobiliário-- estariam gravadas em nossa biologia, pois são indicativas de um ambiente protegido e com recursos à disposição.
Também aprecio cães e praias, mas é preciso cuidado para não transformar inclinações inatas num discurso moralizador. Não há nada de intrinsecamente errado em não gostar de animais ou não ligar para uma bela vista. E, se a natureza é pródiga em coisas que nos agradam, ela também responde pela longa lista de sofrimentos impostos a todos os seres sencientes. Indiferente e cruel são adjetivos que lhe caem bem melhor do que benigna e gentil.
SÃO PAULO - O sabiá-laranjeira foi destaque do Painel do Leitor nesta semana, após reportagem de Roberto de Oliveira ter mostrado que o chilrear da ave rouba o sono a muitos paulistanos. Curiosamente, todos os missivistas se solidarizaram com os tordos, não com seus congêneres humanos injustamente privados do abraço de Morfeu. Por que as pessoas gostam tanto da natureza?
Nos anos 80, E. O. Wilson levantou a hipótese da biofilia, pela qual humanos teríamos uma ligação instintiva com outros seres vivos. Já que somos produtos da natureza e dela dependemos para nos manter alimentados e respirando, nada mais "natural" do que desenvolver atração por ela, notadamente pelos aspectos que insinuam fartura e segurança.
Os indícios a apoiar essa tese vêm em números robustos, dados pelo faturamento de agências que levam turistas a praias paradisíacas, montanhas majestosas e monumentos naturais. A hipótese explicaria ainda por que nos cercamos de cães, gatos, por que recriamos o fundo de rios em aquários domésticos e até por que alguns de nós aprisionam passarinhos.
Há trabalhos sugerindo que, se tivesse escolha, a maioria das pessoas moraria em lugares elevados, que proporcionem boa visão do entorno, com vegetação do tipo savana e próximos a um curso d'água. Tais preferências --não por acaso, itens valorizados no mercado imobiliário-- estariam gravadas em nossa biologia, pois são indicativas de um ambiente protegido e com recursos à disposição.
Também aprecio cães e praias, mas é preciso cuidado para não transformar inclinações inatas num discurso moralizador. Não há nada de intrinsecamente errado em não gostar de animais ou não ligar para uma bela vista. E, se a natureza é pródiga em coisas que nos agradam, ela também responde pela longa lista de sofrimentos impostos a todos os seres sencientes. Indiferente e cruel são adjetivos que lhe caem bem melhor do que benigna e gentil.
Nossa missão - LUIS FERNANDO VERISSIMO
O GLOBO - 22/09
Você e eu ficamos aí especulando sobre o que a vida quer de nós, e só o que a vida quer é continuar
Você e eu estamos na Terra para nos reproduzirmos. Nossa missão é transmitir os nossos genes, multiplicar a nossa espécie e dar o fora. Tudo o mais que fazemos, tudo a mais que nos acontece, ou é decorrência ou é passatempo. O que vem antes e depois dos nossos anos férteis é só o prólogo e o epílogo. Se a Natureza quisesse otimizar seus métodos já nasceríamos púberes e morreríamos assim que nossos filhos, que também nasceriam púberes, pudessem criar seus filhos (púberes) sem a ajuda dos avós. Daria, no total, aí uns 35, 40 anos de vida, e adeus. O que resolveria a questão demográfica do planeta e, claro, os problemas da Previdência. Mas a Natureza nos dá o resto da vida — a infância e a velhice e todos os prazeres extrarreprodutivos do mundo, inclusive os sexuais — como brinde. Como um chaveiro, um agradecimento pela nossa colaboração.
A laranjeira não existe para dar laranja, existe para produzir e espalhar sua própria semente. A fruta não é o objetivo da planta frutífera, é o que ela usa para carregar suas sementes, é o seu estratagema. Agradecer à laranjeira pela laranja é não entendê-la. Ela não sabe do que nós estamos falando. Suco? Doçura? Vitamina C? Eu?! Você e eu ficamos aí especulando sobre o que a vida quer de nós, e só o que a vida quer é continuar. Seja em nós e na nossa prole, seja na minhoca e na sua. Nossa missão, nossa explicação, é a mesma do rinoceronte e da anêmona. Estamos aqui para fazer outros iguais a nós. Isto que chamamos, carinhosamente, de “eu”, com suas peculiaridades e sua biografia única, não é mais do que uma laranja personalizada. Um estratagema da Natureza, a polpa com que a Natureza protege a nossa semente e assegura a continuação da vida. Enfim, um grande mal-entendido.
E os que passam pelo mundo sem se reproduzir? São caronas. Mas ganham o brinde da vida assim mesmo. A Natureza não discrimina.
Você e eu ficamos aí especulando sobre o que a vida quer de nós, e só o que a vida quer é continuar
Você e eu estamos na Terra para nos reproduzirmos. Nossa missão é transmitir os nossos genes, multiplicar a nossa espécie e dar o fora. Tudo o mais que fazemos, tudo a mais que nos acontece, ou é decorrência ou é passatempo. O que vem antes e depois dos nossos anos férteis é só o prólogo e o epílogo. Se a Natureza quisesse otimizar seus métodos já nasceríamos púberes e morreríamos assim que nossos filhos, que também nasceriam púberes, pudessem criar seus filhos (púberes) sem a ajuda dos avós. Daria, no total, aí uns 35, 40 anos de vida, e adeus. O que resolveria a questão demográfica do planeta e, claro, os problemas da Previdência. Mas a Natureza nos dá o resto da vida — a infância e a velhice e todos os prazeres extrarreprodutivos do mundo, inclusive os sexuais — como brinde. Como um chaveiro, um agradecimento pela nossa colaboração.
A laranjeira não existe para dar laranja, existe para produzir e espalhar sua própria semente. A fruta não é o objetivo da planta frutífera, é o que ela usa para carregar suas sementes, é o seu estratagema. Agradecer à laranjeira pela laranja é não entendê-la. Ela não sabe do que nós estamos falando. Suco? Doçura? Vitamina C? Eu?! Você e eu ficamos aí especulando sobre o que a vida quer de nós, e só o que a vida quer é continuar. Seja em nós e na nossa prole, seja na minhoca e na sua. Nossa missão, nossa explicação, é a mesma do rinoceronte e da anêmona. Estamos aqui para fazer outros iguais a nós. Isto que chamamos, carinhosamente, de “eu”, com suas peculiaridades e sua biografia única, não é mais do que uma laranja personalizada. Um estratagema da Natureza, a polpa com que a Natureza protege a nossa semente e assegura a continuação da vida. Enfim, um grande mal-entendido.
E os que passam pelo mundo sem se reproduzir? São caronas. Mas ganham o brinde da vida assim mesmo. A Natureza não discrimina.
Caos organizado - TOSTÃO
FOLHA DE SP - 22/09
Ficou obsoleto analisar o time pelo sistema tático. Há vários sistemas em uma mesma partida
Enfim, foi aprovada pelo Senado a proibição de dirigentes esportivos se reelegerem mais de uma vez, além da exigência de transparência nas entidades. Tem de entrar também a CBF. Ela é particular, mas de interesse público. O ótimo trabalho de ex-atletas, como Raí e Ana Moser, e as críticas, durante anos, de vários colunistas e jornalistas esportivos não seriam suficientes para pressionar os políticos, se não fossem as manifestações de rua. Muitas outras coisas precisam mudar.
No meio de semana, vi os melhores jogadores e times da Europa e do Brasil. Nos jogos do Real Madrid, é interessante ver Zidane calado, sentado ao lado do técnico Ancelotti. Parece o Murtosa. Será que Zidane pretende ser treinador, discute com Ancelotti, orienta os jogadores ou apenas quer se distrair e passar o tempo?
O futebol brasileiro evoluiu, recentemente, na maneira de jogar. Ufa! Volantes, meias e laterais não param de correr. Trocam de posições, atuam de uma intermediária à outra.
Ficou obsoleto o futebol compartimentado, em que volante marca, meia arma e centroavante finaliza. O sonho de Marcelo Oliveira é trocar o centroavante fixo, Borges, por Júlio Baptista, como fez na quarta- -feira e em outros jogos. Não dá mais para analisar a maneira de jogar de uma equipe pelos números e pelo sistema tático. São vários sistemas em uma mesma partida. É o caos organizado.
O sistema tático é uma referência, um aviso dos treinadores aos jogadores, de que é necessário ter uma ordem, de que eles não podem ultrapassar certos limites e colocar a ambição individual acima da coletiva. Funciona como um superego, uma entidade crítica e repressora. Serve ainda para se proteger do acaso. Da mesma forma, racionalizamos nossos sentimentos para nos proteger dos desejos proibidos, do espanto e do mistério.
A maioria das equipes joga com um meia de cada lado, que faz dupla com o lateral, na defesa e no ataque. É um avanço. No passado, quase todos os pontas canhotos atuavam pela esquerda, e os destros, pela direita. Agora, é o contrário. Antes, eles driblavam para o lado de fora, para cruzar. Agora, driblam para dentro, para passar e finalizar. No movimento em diagonal para o centro, abrem-se espaços para o lateral avançar pela ponta.
Prevaleceu a lógica, na vitória do Atlético-PR sobre o Flamengo. O melhor atacante do time paranaense, neste e nos outros jogos, não é Ederson, artilheiro do campeonato. É seu companheiro de ataque, Marcelo.
Mano Menezes pediu demissão. Será que estava com medo da segunda divisão? Deve ter se sentido muito maior que o elenco.
Estarei de férias por duas semanas. Vou para Portugal, à procura de Fernando Pessoa. Espero encontrá-lo nos cafés e restaurantes que ele frequentava.
Ficou obsoleto analisar o time pelo sistema tático. Há vários sistemas em uma mesma partida
Enfim, foi aprovada pelo Senado a proibição de dirigentes esportivos se reelegerem mais de uma vez, além da exigência de transparência nas entidades. Tem de entrar também a CBF. Ela é particular, mas de interesse público. O ótimo trabalho de ex-atletas, como Raí e Ana Moser, e as críticas, durante anos, de vários colunistas e jornalistas esportivos não seriam suficientes para pressionar os políticos, se não fossem as manifestações de rua. Muitas outras coisas precisam mudar.
No meio de semana, vi os melhores jogadores e times da Europa e do Brasil. Nos jogos do Real Madrid, é interessante ver Zidane calado, sentado ao lado do técnico Ancelotti. Parece o Murtosa. Será que Zidane pretende ser treinador, discute com Ancelotti, orienta os jogadores ou apenas quer se distrair e passar o tempo?
O futebol brasileiro evoluiu, recentemente, na maneira de jogar. Ufa! Volantes, meias e laterais não param de correr. Trocam de posições, atuam de uma intermediária à outra.
Ficou obsoleto o futebol compartimentado, em que volante marca, meia arma e centroavante finaliza. O sonho de Marcelo Oliveira é trocar o centroavante fixo, Borges, por Júlio Baptista, como fez na quarta- -feira e em outros jogos. Não dá mais para analisar a maneira de jogar de uma equipe pelos números e pelo sistema tático. São vários sistemas em uma mesma partida. É o caos organizado.
O sistema tático é uma referência, um aviso dos treinadores aos jogadores, de que é necessário ter uma ordem, de que eles não podem ultrapassar certos limites e colocar a ambição individual acima da coletiva. Funciona como um superego, uma entidade crítica e repressora. Serve ainda para se proteger do acaso. Da mesma forma, racionalizamos nossos sentimentos para nos proteger dos desejos proibidos, do espanto e do mistério.
A maioria das equipes joga com um meia de cada lado, que faz dupla com o lateral, na defesa e no ataque. É um avanço. No passado, quase todos os pontas canhotos atuavam pela esquerda, e os destros, pela direita. Agora, é o contrário. Antes, eles driblavam para o lado de fora, para cruzar. Agora, driblam para dentro, para passar e finalizar. No movimento em diagonal para o centro, abrem-se espaços para o lateral avançar pela ponta.
Prevaleceu a lógica, na vitória do Atlético-PR sobre o Flamengo. O melhor atacante do time paranaense, neste e nos outros jogos, não é Ederson, artilheiro do campeonato. É seu companheiro de ataque, Marcelo.
Mano Menezes pediu demissão. Será que estava com medo da segunda divisão? Deve ter se sentido muito maior que o elenco.
Estarei de férias por duas semanas. Vou para Portugal, à procura de Fernando Pessoa. Espero encontrá-lo nos cafés e restaurantes que ele frequentava.
Procuram-se estadistas - DORRIT HARAZIM
O GLOBO - 22/09
Não é de hoje que o mundo está depauperado de grandes estadistas. Há tempos o que se vê é uma mera sucessão de políticos mais ou menos qualificados para chefiar Estados ou governos. Gerentões de países, de crises, de problemas partidários.
Basta olhar para qualquer foto de reunião de cúpula dos chefes do G-20 para notar a desimportância histórica do grupo. Se fecharmos o foco nos líderes do G-8, e fizermos exceção à chanceler alemã Angela Merkel, que é um caso à parte, a avaliação será a mesma. E um retrato face a face dos chefes de Estado das duas grandes potências oficiais, Estados Unidos e Rússia, mostrar um Barack Obama reduzido à sua metade e um ardiloso Vladimir Putin assentado num mero poder pessoal.
Neste descampado, a oratória dos líderes mundiais foi ficando monótona e os discursos oficiais perderam importância.
Até que, na tarde de quinta-feira, sem aviso prévio, voltamos a ouvir palavras de impacto, lindamente desprovidas de retórica. Chamavam atenção pelo conteúdo universal, pela audácia natural, pela visão de progresso e liberdade dentro de sua tradição. Soavam as palavras de estadista visionário de um vasto rebanho. "Devemos encontrar um novo equilíbrio. De outra forma, até o edifício moral da Igreja corre o risco de cair como um castelo de cartas", disse o Papa Francisco em longa e seminal entrevista à revista "Civiltà Cattolica".
Coincidentemente, no mesmo dia, uma carta aberta publicada no site da revista "New Yorker" forneceu exemplo de um castelo de cartas que mais cedo ou mais tarde vai cair. Tinha por título "Kafka em Bagram" e era assinada pelo advogado americano de um paquistanês que ele jamais viu.
Amanatullah, o paquistanês, está preso há mais de nove anos na base militar americana de Bagram, no Afeganistão. Não sabe do que é acusado pois jamais foi acusado de nada. O advogado tenta obter uma revisão do caso junto a uma corte federal. Segundo o governo dos Estados Unidos, Amanatullah foi preso por preencher os "critérios passíveis de detenção". E informa que sua soltura foi autorizada. O governo informa também que ele não foi solto. Só não informa por que o liberou nem por que ele não foi solto.
A partir da carta aberta, pelo menos o nome de Amanatullah, que é pai de cinco filhos, readquiriu alguma vida. Já para o portador do nome, a questão é sobreviver. Isso porque o complexo prisional de Bagram sempre foi e continua a ser um buraco negro à margem da justiça - está oficialmente situado numa "zona de guerra". Guantánamo, em comparação, é uma prisão amena - pelo menos em teoria, alguns detentos da ilha têm direito a requerer habeas corpus junto a tribunais americanos.
De tempos em tempos, o presidente dos Estados Unidos ainda aventa a possibilidade de desbastar o emaranhado de instrumentos do Patriot Act de 2001 que vai estrangulando liberdades civis. A lei aprovada pelo Congresso e pela opinião pública no rastro dos ataques do 11 de Setembro visava a "fortalecer e unir a América contra o terrorismo". Na prática, passou a ter poderes acima de direitos e a bisbilhotar cidadãos e nações amigas como se fossem suspeitos.
Foi em 1975 que o senador democrata Frank Church, ao apurar abusos da então quase desconhecida National Security Agency (NSA), lançou um alerta sobre a necessidade de haver controle e transparência em operações de espionagem. "Do contrário", alertou o senador, "a espionagem poderá se voltar contra o povo americano. E ao americano não restará privacidade, tamanha é a capacidade de se monitorar tudo: telefones, conversas, telegramas, o que for. Não haverá lugar para se esconder".
Passados 40 anos, a derrama de documentos secretos revelados em doses calibradas pelo especialista em sistemas Edward Snowden mostra que Barack Obama não tem mais como domar essa engrenagem, nem que quisesse. Ela há muito parece ter escapado de qualquer controle.
Mas o presidente americano terá uma chance - talvez a única e última chance neste seu segundo mandato - de deixar na biografia um marco diplomático à altura do "novo equilíbrio" imaginado pelo Papa Francisco. Trata-se do lento, difícil, mas possível, processo de reaproximação entre Estados Unidos e Irã.
Os dois países romperam relações diplomáticas há trinta e quatro anos e têm um histórico coalhado de conspirações e golpes, agressões, ódios culturais e desconfianças mútuas. Sem falar na crônica desconfiança dos Estados Unidos em relação às intenções nucleares do inimigo.
Nos próximos dias deverá desembarcar em Nova York, para participar da Assembleia Geral das Nações Unidas, o novo presidente iraniano, Hassan Rouhani, um moderado.
Rouhani já afirmou em público que tem como prioridade diminuir o isolamento de seu país em relação ao Ocidente e parece estar seguro de contar com o apoio do líder supremo do país, o aiatolá Ali Khamenei. Obama, por seu lado, deu início a uma correspondência pessoal com Rouhani.
Para ambos, a possibilidade de alterar a geopolítica da região com a aproximação das duas nações exigiria extremos de flexibilidade e determinação. Seria o exercício da grande diplomacia. E a oportunidade rara para dois políticos mostrarem facetas de estadistas.
O inferno em La Paz - MÔNICA BERGAMO
FOLHA DE SP - 22/09
Eduardo Saboia, diplomata que ajudou um senador a fugir da Bolívia, diz que o país é 'a Síria brasileira', com problemas que podem 'estourar na nossa cara'
Os funcionários da embaixada brasileira em La Paz, capital da Bolívia, inventaram uma palavra que não existe no vocabulário. É "unbolivable", corruptela do inglês "unbelievable" (inacreditável). "Quando um problema atinge a escala do inimaginável, e por lá acontecia isso com frequência, a gente usava essa piada", conta Eduardo Saboia, 46, ao repórter Morris Kachani.
Ex-encarregado de negócios da embaixada, ele ficou célebre ao ajudar o senador Roger Pinto Molina, asilado na representação por 453 dias, a fugir para o Brasil no mês passado. E decreta: "A Bolívia é a nossa Síria".
"A embaixada é o saco de pancadas que Brasília nunca defendeu. Tudo que pode dar errado, dá mais errado", afirma. "É o teatro do absurdo, com uma trupe de atores, amigos até, que já atuaram juntos em peças melhores. É Esperando Godot', é O Anjo Exterminador'", diz, citando obras de Samuel Beckett e Luis Buñuel marcadas pela negação e pelo tragicômico.
Não é à toa que Saboia cita o surrealismo de "O Anjo Exterminador", em que os personagens estão presos no salão de uma mansão após um pomposo jantar: ele próprio não via a hora de trocar de posto. Havia o desgaste de empreitadas como as 18 viagens que teve de fazer a Oruro (a três horas de La Paz) como negociador na questão dos torcedores corintianos que foram presos após a morte do menino Kevin.
E outro motivo, especial. Saboia é casado com a cônsul brasileira de Santa Cruz de la Sierra. Eles têm três filhos, de 20, 17 e 15 anos. O do meio é autista. O ideal seria ir para um país referência na abordagem da síndrome.
Após dois anos na Bolívia, Saboia negociava seu retorno a Washington, nos EUA, para servir na missão brasileira junto ao FMI.
Não que a vida em La Paz fosse feita só de estorvos. "Gosto muito da Bolívia", diz ele. Nas horas vagas, fazia aulas particulares de violão clássico. Percorreu trilhas nos Andes, escalou uma montanha de 6.088 m, correu a maratona em La Paz.
A mudança acabou sendo protelada. Em 23 de agosto, quando coordenava interinamente a missão brasileira, seu destino adquiriu novos contornos: ele decidiu trazer ao Brasil o senador Roger Pinto, líder da oposição ao presidente boliviano Evo Morales e investigado por corrupção, dano ambiental e assassinato, acusações que nega. "Pinto vinha conversando com a geladeira, de tão deprimido. Vivia confinado em uma sala de 20 m², em um prédio de escritórios, sem banho de sol." As tardes de sexta eram as mais tristes porque o fim de semana se avizinhava solitário. No período final do asilo, só a filha tinha o direito de visitá-lo.
A fuga, em dois Nissan Patrol, escoltados por dois fuzileiros navais brasileiros e com dois motoristas bolivianos no volante, foi como um road movie: as passagens pelos checkpoints, o trânsito em Cochabamba ("três horas em uma névoa terrível"), a parada em Santa Cruz, perto de onde mora sua família, os 650 km finais até a fronteira, em que há só dois postos de combustível. E o epílogo, com o tanque quase vazio e a leitura de salmos evocando socorro contra os perseguidores.
Foram 22 horas em que até fralda geriátrica eles usaram. Pinto vomitou na descida de La Paz a Cochabamba, estrada cheia de curvas e sem acostamento.
A "operação", como ele define o episódio, custou a cabeça do chanceler Antonio Patriota. Saboia foi removido para Brasília e responde a sindicância do Itamaraty.
Não anda animado, mas, além de críticas, recebe aplausos. O pai, Gilberto Saboia, ex-secretário de Direitos Humanos no governo de Fernando Henrique Cardoso, já se disse aflito, mas orgulhoso do filho. Ele também é diplomata, amigo de estrelas do Itamaraty como Celso Amorim, e os filhos de ambos cresceram brincando juntos.
A mulher de Eduardo Saboia está se desligando do posto em Santa Cruz. Os dois não se veem há dois meses. Ele está na casa de familiares dela em Brasília e usa as roupas que o pai, que mora no Rio, lhe trouxe. Diz que não se arrepende. "Hannah Arendt falava na banalização do mal. No meu caso, foi a banalização do bem. Não quebrei hierarquia. Ele já tinha o asilo. E eu precisava proteger o senador da depressão."
"Eu vinha alertando o Itamaraty. Mas havia uma atitude de não se posicionar, de varrer para debaixo do tapete. Éramos orientados para não falar com a imprensa nem com parlamentares. Um sistema de incentivo para você não falar a verdade." Só demonstra arrependimento quando é lembrado que comparou a embaixada de La Paz ao DOI-Codi, enfurecendo a presidente Dilma Rousseff.
Virou amigo de Roger Pinto. Diz que Brasília e a embaixada se debruçaram sobre os 21 processos contra o senador na Bolívia. A conclusão preliminar, afirma, foi a de que "metade dos processos apareceu depois de denúncias que ele fez [contra o governo]. Há ações por desacato e corrupção. Uma por desmatamento --de duas árvores. Outra por homicídio que não diz quem ele teria matado".
Cita o caso dos corintianos para discorrer sobre "a falência, extorsão e corrupção características do Judiciário boliviano". "Ali tudo se paga, por dentro e por fora. São US$ 15 mil para uma sentença, por exemplo. Até pela cela você tem que pagar, ou por uma audiência."
Segundo ele, há mais de cem brasileiros nas prisões bolivianas. "Não que todos sejam inocentes, mas como apoiá-los oficialmente nessas circunstâncias?"
Lista outros incidentes para ilustrar "o drama que é servir na Bolívia": a nacionalização de refinarias da Petrobras, a paralisação de uma obra da OAS, as revistas em aviões da FAB. Empreendedores chegam "como num faroeste, achando que a embaixada é uma UPP".
Segue com os pequenos agricultores brasileiros na fronteira, a venda de cocaína para o Brasil, segundo maior mercado consumidor do mundo. "É a nossa relação internacional mais difícil. Existe uma proximidade e uma assimetria entre os dois países. Os nacionalistas mais fervorosos consideram-nos um covil de ladrões, porta-vozes da direita golpista."
Vê como positiva a política externa do governo Lula, também em relação à Bolívia. O país seria a "nossa Síria" porque "é onde estão os problemas que podem estourar na nossa cara". "A Bolívia não pode ser minimizada como um país periférico. Você pode não querer ir até a Bolívia. Mas a Bolívia vai até você."
Eduardo Saboia, diplomata que ajudou um senador a fugir da Bolívia, diz que o país é 'a Síria brasileira', com problemas que podem 'estourar na nossa cara'
Os funcionários da embaixada brasileira em La Paz, capital da Bolívia, inventaram uma palavra que não existe no vocabulário. É "unbolivable", corruptela do inglês "unbelievable" (inacreditável). "Quando um problema atinge a escala do inimaginável, e por lá acontecia isso com frequência, a gente usava essa piada", conta Eduardo Saboia, 46, ao repórter Morris Kachani.
Ex-encarregado de negócios da embaixada, ele ficou célebre ao ajudar o senador Roger Pinto Molina, asilado na representação por 453 dias, a fugir para o Brasil no mês passado. E decreta: "A Bolívia é a nossa Síria".
"A embaixada é o saco de pancadas que Brasília nunca defendeu. Tudo que pode dar errado, dá mais errado", afirma. "É o teatro do absurdo, com uma trupe de atores, amigos até, que já atuaram juntos em peças melhores. É Esperando Godot', é O Anjo Exterminador'", diz, citando obras de Samuel Beckett e Luis Buñuel marcadas pela negação e pelo tragicômico.
Não é à toa que Saboia cita o surrealismo de "O Anjo Exterminador", em que os personagens estão presos no salão de uma mansão após um pomposo jantar: ele próprio não via a hora de trocar de posto. Havia o desgaste de empreitadas como as 18 viagens que teve de fazer a Oruro (a três horas de La Paz) como negociador na questão dos torcedores corintianos que foram presos após a morte do menino Kevin.
E outro motivo, especial. Saboia é casado com a cônsul brasileira de Santa Cruz de la Sierra. Eles têm três filhos, de 20, 17 e 15 anos. O do meio é autista. O ideal seria ir para um país referência na abordagem da síndrome.
Após dois anos na Bolívia, Saboia negociava seu retorno a Washington, nos EUA, para servir na missão brasileira junto ao FMI.
Não que a vida em La Paz fosse feita só de estorvos. "Gosto muito da Bolívia", diz ele. Nas horas vagas, fazia aulas particulares de violão clássico. Percorreu trilhas nos Andes, escalou uma montanha de 6.088 m, correu a maratona em La Paz.
A mudança acabou sendo protelada. Em 23 de agosto, quando coordenava interinamente a missão brasileira, seu destino adquiriu novos contornos: ele decidiu trazer ao Brasil o senador Roger Pinto, líder da oposição ao presidente boliviano Evo Morales e investigado por corrupção, dano ambiental e assassinato, acusações que nega. "Pinto vinha conversando com a geladeira, de tão deprimido. Vivia confinado em uma sala de 20 m², em um prédio de escritórios, sem banho de sol." As tardes de sexta eram as mais tristes porque o fim de semana se avizinhava solitário. No período final do asilo, só a filha tinha o direito de visitá-lo.
A fuga, em dois Nissan Patrol, escoltados por dois fuzileiros navais brasileiros e com dois motoristas bolivianos no volante, foi como um road movie: as passagens pelos checkpoints, o trânsito em Cochabamba ("três horas em uma névoa terrível"), a parada em Santa Cruz, perto de onde mora sua família, os 650 km finais até a fronteira, em que há só dois postos de combustível. E o epílogo, com o tanque quase vazio e a leitura de salmos evocando socorro contra os perseguidores.
Foram 22 horas em que até fralda geriátrica eles usaram. Pinto vomitou na descida de La Paz a Cochabamba, estrada cheia de curvas e sem acostamento.
A "operação", como ele define o episódio, custou a cabeça do chanceler Antonio Patriota. Saboia foi removido para Brasília e responde a sindicância do Itamaraty.
Não anda animado, mas, além de críticas, recebe aplausos. O pai, Gilberto Saboia, ex-secretário de Direitos Humanos no governo de Fernando Henrique Cardoso, já se disse aflito, mas orgulhoso do filho. Ele também é diplomata, amigo de estrelas do Itamaraty como Celso Amorim, e os filhos de ambos cresceram brincando juntos.
A mulher de Eduardo Saboia está se desligando do posto em Santa Cruz. Os dois não se veem há dois meses. Ele está na casa de familiares dela em Brasília e usa as roupas que o pai, que mora no Rio, lhe trouxe. Diz que não se arrepende. "Hannah Arendt falava na banalização do mal. No meu caso, foi a banalização do bem. Não quebrei hierarquia. Ele já tinha o asilo. E eu precisava proteger o senador da depressão."
"Eu vinha alertando o Itamaraty. Mas havia uma atitude de não se posicionar, de varrer para debaixo do tapete. Éramos orientados para não falar com a imprensa nem com parlamentares. Um sistema de incentivo para você não falar a verdade." Só demonstra arrependimento quando é lembrado que comparou a embaixada de La Paz ao DOI-Codi, enfurecendo a presidente Dilma Rousseff.
Virou amigo de Roger Pinto. Diz que Brasília e a embaixada se debruçaram sobre os 21 processos contra o senador na Bolívia. A conclusão preliminar, afirma, foi a de que "metade dos processos apareceu depois de denúncias que ele fez [contra o governo]. Há ações por desacato e corrupção. Uma por desmatamento --de duas árvores. Outra por homicídio que não diz quem ele teria matado".
Cita o caso dos corintianos para discorrer sobre "a falência, extorsão e corrupção características do Judiciário boliviano". "Ali tudo se paga, por dentro e por fora. São US$ 15 mil para uma sentença, por exemplo. Até pela cela você tem que pagar, ou por uma audiência."
Segundo ele, há mais de cem brasileiros nas prisões bolivianas. "Não que todos sejam inocentes, mas como apoiá-los oficialmente nessas circunstâncias?"
Lista outros incidentes para ilustrar "o drama que é servir na Bolívia": a nacionalização de refinarias da Petrobras, a paralisação de uma obra da OAS, as revistas em aviões da FAB. Empreendedores chegam "como num faroeste, achando que a embaixada é uma UPP".
Segue com os pequenos agricultores brasileiros na fronteira, a venda de cocaína para o Brasil, segundo maior mercado consumidor do mundo. "É a nossa relação internacional mais difícil. Existe uma proximidade e uma assimetria entre os dois países. Os nacionalistas mais fervorosos consideram-nos um covil de ladrões, porta-vozes da direita golpista."
Vê como positiva a política externa do governo Lula, também em relação à Bolívia. O país seria a "nossa Síria" porque "é onde estão os problemas que podem estourar na nossa cara". "A Bolívia não pode ser minimizada como um país periférico. Você pode não querer ir até a Bolívia. Mas a Bolívia vai até você."
Contorcionismo eleitoral - ILIMAR FRANCO
O GLOBO - 22/09
O PSB nacional, mesmo se decidindo pela candidatura própria na eleição presidencial, segundo sua direção, “não vai constranger os companheiros” dissidentes. Os principais aliados do governador Eduardo Campos consideram que em eleições modernas o que pesa mais é a campanha na TV. Por isso, os socialistas não pretendem, nos estados, “inviabilizar palanques duplos” com o PT.
Novidade: o PMDB está unido
Os líderes do PMDB na Câmara e no Senado estão marchando para o mesmo lado. Os principais dirigentes do partido chegaram a um consenso. Se o Ministério da Integração Nacional ficar com o PMDB, o cargo será ocupado por um senador. Entre estes, o presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Vital do Rêgo (PB), está na “pole-position’ O presidente do Senado, Renan Calheiros, o líder da bancada, Eunício Oliveira, e o líder do governo, Eduardo Braga, estão fechados com sua indicação. O PMDB espera fazer também o comando da Sudene e da Sudeco. Nos Portos, creem que será nomeado técnico, sem filiação partidária, ligado ao governador Cid Gomes.
Ninguém tasca
O PMDB não acredita que poderá voltar ao comando da Chesf. Avalia que a presidente Dilma fará questão de indicar seu dirigente. No partido, ninguém lamenta, dizem que todas as estatais do setor elétrico viraram apêndice da Eletrobras.
“Entre a seca e a água, pela prmeira vez, o PMDB vai preferír a seca”
Lúcio Vieira Lima Deputado (PMDB-BA), sobre a preferência de seu partido pelo Ministério da Integração Nacional em vez da Secretaria dos Portos
Bomba ambulante
Olavo Noleto, subchefe de Assuntos Federativos da Secretaria de Relações Institucionais, acaba de colocar o Planalto em novo constrangimento. Idaílson Macedo, demitido por suposto envolvimento com grupo acusado pela PF de má gestão de recursos, era ligado a ele. Noleto quase foi demitido por relação mal explicada com Carlos Cachoeira.
Fazendo a corte
Sem José Serra no partido, o PPS se encaminha para apoiar Eduardo Campos (PSB) a presidente. No PV, partido pelo qual Marina Silva disputou a Presidência em 2010, também há muita simpatia pelo apoio ao socialista.
A regra do jogo
Os mensaleiros não são os únicos réus que lutam para postergar o cumprimento de suas penas e, mesmo condenados, não irem para a cadeia, A cúpula do Banco Nacional, que em 1994 sofreu intervenção do Banco Central, teve êxito até agora. O processo começou em 1997 e, em 2002, foram condenados. Três deles pegaram mais de dez anos de cadeia e continuam livres, leves e soltos.
Como será o amanhã?
Marina Silva se reunirá quinta-feira com o presidente do PEN, Adilson Barroso, para dar resposta quanto à filiação ao partido. Barroso acha improvável a criação da Rede e aposta que Marina concorrerá a presidente pelo PEN.
Trabalhismo virtual
Trabalhistas contam que o presidente do PDT, Carlos Lupi, em vez de explicar as denúncias de irregularidades no Ministério do Trabalho, adotou discurso da conspiração, que está sendo vítima de golpe, evocando Jango e Getulio Vargas.
SÓ CRAQUES. O PSDB filiou mais dois atletas para concorrerem em 2014: o jogador de futebol Dirceu Lopes e Leila, do vôlei.
Novidade: o PMDB está unido
Os líderes do PMDB na Câmara e no Senado estão marchando para o mesmo lado. Os principais dirigentes do partido chegaram a um consenso. Se o Ministério da Integração Nacional ficar com o PMDB, o cargo será ocupado por um senador. Entre estes, o presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Vital do Rêgo (PB), está na “pole-position’ O presidente do Senado, Renan Calheiros, o líder da bancada, Eunício Oliveira, e o líder do governo, Eduardo Braga, estão fechados com sua indicação. O PMDB espera fazer também o comando da Sudene e da Sudeco. Nos Portos, creem que será nomeado técnico, sem filiação partidária, ligado ao governador Cid Gomes.
Ninguém tasca
O PMDB não acredita que poderá voltar ao comando da Chesf. Avalia que a presidente Dilma fará questão de indicar seu dirigente. No partido, ninguém lamenta, dizem que todas as estatais do setor elétrico viraram apêndice da Eletrobras.
“Entre a seca e a água, pela prmeira vez, o PMDB vai preferír a seca”
Lúcio Vieira Lima Deputado (PMDB-BA), sobre a preferência de seu partido pelo Ministério da Integração Nacional em vez da Secretaria dos Portos
Bomba ambulante
Olavo Noleto, subchefe de Assuntos Federativos da Secretaria de Relações Institucionais, acaba de colocar o Planalto em novo constrangimento. Idaílson Macedo, demitido por suposto envolvimento com grupo acusado pela PF de má gestão de recursos, era ligado a ele. Noleto quase foi demitido por relação mal explicada com Carlos Cachoeira.
Fazendo a corte
Sem José Serra no partido, o PPS se encaminha para apoiar Eduardo Campos (PSB) a presidente. No PV, partido pelo qual Marina Silva disputou a Presidência em 2010, também há muita simpatia pelo apoio ao socialista.
A regra do jogo
Os mensaleiros não são os únicos réus que lutam para postergar o cumprimento de suas penas e, mesmo condenados, não irem para a cadeia, A cúpula do Banco Nacional, que em 1994 sofreu intervenção do Banco Central, teve êxito até agora. O processo começou em 1997 e, em 2002, foram condenados. Três deles pegaram mais de dez anos de cadeia e continuam livres, leves e soltos.
Como será o amanhã?
Marina Silva se reunirá quinta-feira com o presidente do PEN, Adilson Barroso, para dar resposta quanto à filiação ao partido. Barroso acha improvável a criação da Rede e aposta que Marina concorrerá a presidente pelo PEN.
Trabalhismo virtual
Trabalhistas contam que o presidente do PDT, Carlos Lupi, em vez de explicar as denúncias de irregularidades no Ministério do Trabalho, adotou discurso da conspiração, que está sendo vítima de golpe, evocando Jango e Getulio Vargas.
SÓ CRAQUES. O PSDB filiou mais dois atletas para concorrerem em 2014: o jogador de futebol Dirceu Lopes e Leila, do vôlei.
PSB bate as asas - VERA MAGALHÃES - PAINEL
FOLHA DE SP - 22/09
Além da pressão de PT e PMDB, um cálculo eleitoral contribuiu para precipitar o desembarque do PSB do governo Dilma Rousseff: o partido de Eduardo Campos negocia alianças com o PSDB de Aécio Neves em 21 unidades da federação em 2014. O alinhamento com os tucanos ocorre em colégios eleitorais importantes, como São Paulo, Minas e Rio Grande do Sul, e em 3 dos 6 Estados que o PSB governa: Pernambuco, Paraíba e Piauí. Só em seis praças a aliança preferencial é com o PT.
Pior a emenda Os acenos de Dilma e Lula para reverter a entrega dos cargos do PSB no governo aumentaram a irritação de Campos. O governador de Pernambuco fez chegar a petistas que considerava essa mais uma iniciativa para tentar desgastá-lo.
Bem na fita Convencido a deixar a pasta da Integração Nacional por seu padrinho, a quem se manteve fiel apesar do assédio do PT, Fernando Bezerra assumiu leve dianteira na lista de cotados a ser o candidato de Campos à sucessão pernambucana.
Ponte aérea O PT do Rio se reúne no próximo domingo para reafirmar a candidatura de Lindbergh Farias ao governo do Estado e definir a data de desembarque da gestão Sérgio Cabral (PMDB).
Na estrada Deputados do PT vão martelar em municípios do interior as suspeitas de cartel em licitações do metrô para desgastar Geraldo Alckmin (PSDB). A ideia é usar cartilhas e carros de som para divulgar as denúncias.
Relógio O subprocurador-geral eleitoral Eugênio Aragão rebateu reclamação da Rede sobre a demora na validação das fichas de apoio ao partido. Seu parecer diz que a demanda temporal "é previsível" e que os fundadores da sigla deveriam ter levado isso em consideração.
Água fria O adiamento do julgamento do pedido de registro de novas legendas afastou pretendentes do Solidariedade, que acreditam que a mudança de sigla em cima da hora seria arriscada.
Mais essa Dirigentes de siglas que podem ser afetadas pelos novos partidos lembram um detalhe: a desfiliação deve ser comunicada aos partidos dois dias antes do ingresso em nova legenda.
Na ativa Nomeado há cem dias em meio a polêmica e afastado do trabalho há um mês, após fraturar o cotovelo direito, o ministro Guilherme Afif (Micro e Pequena Empresa) volta à ativa no dia 30, para audiência sobre a revisão do Simples Nacional.
Teto O PP de Paulo Maluf sugeriu a Fernando Haddad que o secretário José Floriano de Azevedo Marques acumule em definitivo a presidência da Cohab, companhia de habitação da capital, após a demissão de Luiz Carlos Corrêa, indicado pelo partido.
Divórcio O PR rompeu com Haddad. O senador Antônio Carlos Rodrigues diz que a sigla pode até apoiar o petista Alexandre Padilha na disputa pelo governo, mas não quer saber de participar da gestão da prefeitura.
Agora... Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) vai propor aos líderes da Câmara na terça-feira que seja incluída na pauta de votações a PEC da Bengala, que amplia de 70 para 75 anos a aposentadoria compulsória de magistrados.
... vai? No ano passado, os ministros Cezar Peluso e Carlos Ayres Britto deixaram o Supremo Tribunal Federal ao completarem 70 anos.
Banguela A Advocacia-Geral da União desistiu na semana passada de recorrer contra a anulação judicial de um concurso público da Marinha, de 2008, cujo edital exigia que candidatos tivessem pelo menos 20 dentes.
TIROTEIO
O fracasso das concessões do PT é um sucesso. Prometeram a revolução e cumpriram: petróleo sem poço e pedágio sem estrada.
DE JOSÉ SERRA (PSDB), ex-governador de São Paulo, sobre os problemas registrados nos leilões de rodovias federais e do poço de Libra, do pré-sal.
CONTRAPONTO
Herói por acidente
No fim dos anos 70, em Pindamonhangaba, o então prefeito Geraldo Alckmin recebeu em seu gabinete o telefonema de um morador que avisava sobre um incêndio em uma pastelaria. Prevendo a demora dos bombeiros, Alckmin correu ao pátio, chamou um funcionário, entrou em um caminhão-pipa e dirigiu até a pastelaria.
A dupla foi aplaudida ao chegar, mas o prefeito percebeu que nenhum dos dois sabia operar a mangueira.
-Vamos passar vexame aqui -disse ao funcionário.
Por sorte, um encanador da prefeitura estava no local e conseguiu usar a água do caminhão para apagar o fogo.
Além da pressão de PT e PMDB, um cálculo eleitoral contribuiu para precipitar o desembarque do PSB do governo Dilma Rousseff: o partido de Eduardo Campos negocia alianças com o PSDB de Aécio Neves em 21 unidades da federação em 2014. O alinhamento com os tucanos ocorre em colégios eleitorais importantes, como São Paulo, Minas e Rio Grande do Sul, e em 3 dos 6 Estados que o PSB governa: Pernambuco, Paraíba e Piauí. Só em seis praças a aliança preferencial é com o PT.
Pior a emenda Os acenos de Dilma e Lula para reverter a entrega dos cargos do PSB no governo aumentaram a irritação de Campos. O governador de Pernambuco fez chegar a petistas que considerava essa mais uma iniciativa para tentar desgastá-lo.
Bem na fita Convencido a deixar a pasta da Integração Nacional por seu padrinho, a quem se manteve fiel apesar do assédio do PT, Fernando Bezerra assumiu leve dianteira na lista de cotados a ser o candidato de Campos à sucessão pernambucana.
Ponte aérea O PT do Rio se reúne no próximo domingo para reafirmar a candidatura de Lindbergh Farias ao governo do Estado e definir a data de desembarque da gestão Sérgio Cabral (PMDB).
Na estrada Deputados do PT vão martelar em municípios do interior as suspeitas de cartel em licitações do metrô para desgastar Geraldo Alckmin (PSDB). A ideia é usar cartilhas e carros de som para divulgar as denúncias.
Relógio O subprocurador-geral eleitoral Eugênio Aragão rebateu reclamação da Rede sobre a demora na validação das fichas de apoio ao partido. Seu parecer diz que a demanda temporal "é previsível" e que os fundadores da sigla deveriam ter levado isso em consideração.
Água fria O adiamento do julgamento do pedido de registro de novas legendas afastou pretendentes do Solidariedade, que acreditam que a mudança de sigla em cima da hora seria arriscada.
Mais essa Dirigentes de siglas que podem ser afetadas pelos novos partidos lembram um detalhe: a desfiliação deve ser comunicada aos partidos dois dias antes do ingresso em nova legenda.
Na ativa Nomeado há cem dias em meio a polêmica e afastado do trabalho há um mês, após fraturar o cotovelo direito, o ministro Guilherme Afif (Micro e Pequena Empresa) volta à ativa no dia 30, para audiência sobre a revisão do Simples Nacional.
Teto O PP de Paulo Maluf sugeriu a Fernando Haddad que o secretário José Floriano de Azevedo Marques acumule em definitivo a presidência da Cohab, companhia de habitação da capital, após a demissão de Luiz Carlos Corrêa, indicado pelo partido.
Divórcio O PR rompeu com Haddad. O senador Antônio Carlos Rodrigues diz que a sigla pode até apoiar o petista Alexandre Padilha na disputa pelo governo, mas não quer saber de participar da gestão da prefeitura.
Agora... Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) vai propor aos líderes da Câmara na terça-feira que seja incluída na pauta de votações a PEC da Bengala, que amplia de 70 para 75 anos a aposentadoria compulsória de magistrados.
... vai? No ano passado, os ministros Cezar Peluso e Carlos Ayres Britto deixaram o Supremo Tribunal Federal ao completarem 70 anos.
Banguela A Advocacia-Geral da União desistiu na semana passada de recorrer contra a anulação judicial de um concurso público da Marinha, de 2008, cujo edital exigia que candidatos tivessem pelo menos 20 dentes.
TIROTEIO
O fracasso das concessões do PT é um sucesso. Prometeram a revolução e cumpriram: petróleo sem poço e pedágio sem estrada.
DE JOSÉ SERRA (PSDB), ex-governador de São Paulo, sobre os problemas registrados nos leilões de rodovias federais e do poço de Libra, do pré-sal.
CONTRAPONTO
Herói por acidente
No fim dos anos 70, em Pindamonhangaba, o então prefeito Geraldo Alckmin recebeu em seu gabinete o telefonema de um morador que avisava sobre um incêndio em uma pastelaria. Prevendo a demora dos bombeiros, Alckmin correu ao pátio, chamou um funcionário, entrou em um caminhão-pipa e dirigiu até a pastelaria.
A dupla foi aplaudida ao chegar, mas o prefeito percebeu que nenhum dos dois sabia operar a mangueira.
-Vamos passar vexame aqui -disse ao funcionário.
Por sorte, um encanador da prefeitura estava no local e conseguiu usar a água do caminhão para apagar o fogo.
Novo embalo - TEREZA CRUVINEL
CORREIO BRAZILIENSE - 22/09
Num sistema com 30 partidos, governo algum terá maioria parlamentar. Os velhos problemas, com mais três siglas, tendem a se agravar
A decisão do PSB de deixar o governo Dilma vai turbinar os movimentos eleitorais, acelerando migrações, alinhamentos e desalinhamentos nos estados, com reflexos na disputa nacional. Com o gesto, o governador Eduardo Campos atiçou, em Pernambuco, a corrida pela sua própria sucessão. Na oposição, Aécio Neves estreita os laços com a cúpula do DEM, velho aliado, antes que seja por outro cobiçado. Mas Dilma, ao pedir novo encontro com Campos, e ele, ao aceitar o convite, voltaram a jogar fumaça no ar. O governador, mesmo entregando os cargos, não assumiu a própria candidatura, e, com isso, manteve ainda alguma ambiguidade.
Vamos a Pernambuco, onde a política local está fervendo. A primeira reação ao gesto de Campos foi do senador Armando Monteiro, do PTB. Por algum tempo, ele foi considerado uma alternativa do governador para a própria sucessão. Mas os socialistas passaram a dizer que o candidato será do PSB, escolhido pelo governador, na hora que ele considerar oportuna. O secretário Tadeu Alencar é tido como seu delfim. Na sexta-feira o senador fez ,em Recife, declarações equivalentes a um grito de independência, reiteradas à coluna: "O que eu digo é simples. O PTB deseja ter, em Pernambuco, a mesma liberdade que o PSB buscou no plano nacional ao deixar o governo. Eu apoio o Eduardo no estado, mas ele não será mais candidato a governador. Nem informou se será candidato a presidente. Eu também apoio a presidente Dilma, e como ela é candidata natural à reeleição, terá meu apoio. Diante do hegemonismo do PSB, minha candidatura ao governo será apresentada como alternativa independente". No estado, o estilo imperial e centralizador do governo já rendeu um chiste: "Os coronéis antigos perseguiam os adversários. O de hoje, persegue os aliados".
Devolvendo os cargos no governo federal, Campos deixou principalmente o PT pernambucano em saia justa. Amanhã, diz o senador Humberto Costa, a executiva regional se reunirá para decidir se responde na mesma moeda, devolvendo os cargos que ocupa no governo estadual. "Vamos discutir, mas evitando rompantes e hostilidades", diz ele. Na verdade, os petistas devem estar confusos com os sinais emitidos por Dilma e Campos ao acertarem novo encontro, depois de ela ter pedido ao ministro do PSB Fernando Bezerra para ficar no cargo até o dia 29. Há quem veja nisso algum movimento de Lula. Seja o que for, melhor ir devagar com o andor. E se, lá na frente, ele desistir da candidatura? E se concorrer, mas não chegar ao segundo turno, quando seu apoio será valioso? Mesmo assim, os petistas já se preparam para a disputa estadual. Se Eduardo apoiasse Dilma, eles apoiariam o candidato dele. Como isso agora é improvável, podem lançar a candidatura do ex-prefeito João Paulo ou apoiar o senador Armando Monteiro. O PSDB, embora torça pela candidatura Campos, precisará de palanque no estado. O candidato deve ser Daniel Coelho, segundo colocado na eleição municipal do ano passado.
Uniões e separações
A viagem de Aécio Neves a Salvador era apenas para visitar o prefeito ACM Neto, mas ele acabou se reunindo também com o presidente do partido, senador José Agripino, e o secretário e ex-deputado José Carlos Aleluia. Aécio quer assegurar logo a aliança que começou em 1994, na primeira eleição de Fernando Henrique. Precisa convencer de sua maior viabilidade eleitoral os democratas empolgados com a candidatura de Campos, como o deputado Ronaldo Caiado, de Goiás. Endossando a candidatura de ACM Neto a governador da Bahia, Aécio sinaliza aos descontantes, como Caiado, a quem o governador tucano Marconi Perillo negou apoio no passado, que o PSDB está disposto a uma aliança de reciprocidades em 2014. No mais, saudou a dissidência de Campos, dizendo que ele deixa o governo porque já enxerga o fim da era PT e seguiu para Alagoas, para um dos seminários que seu partido está realizando nas capitais, tocando o tambor para reunir a tribo.
PSDB e DEM se unem, PT e PMDB devem aparar as arestas. Eduardo Campos, entretanto, enfrentará turbulências internas no PSB. O governador Cid Gomes e o irmão Ciro nunca hesitaram em mudar de partido quando ficaram isolados. Ciro, pelo menos, já passou por PDS, PMDB, PSDB e PPS, do qual saiu para entrar no PSB, quando o partido de Roberto Freire partiu para a oposição a Lula, em 2004. Decididos a apoiar Dilma, dificilmente ficarão no PSB se a candidatura Campos vingar. O destino mais provável é o Pros, um dos três partidos que estão surgindo. É incerta ainda a reação do PSB do Amapá, liderado pelo senador João Capiberibe e o filho Camilo, governador do estado, que apoiam Dilma. Ou seja, para Campos, por ora, o rompimento trará mais desalinhamentos dos que alianças.
Mais partidos, mais problemas
Três novos partidos estão rompendo a casca do ovo. O Rede, de Marina Silva, despertando simpatias e tropeçando nas exigências, pode morrer na praia. O Solidariedade, puxado pelo deputado Paulinho, da Força Sindical, já é acusado de irregularidades na obtenção das assinaturas. Será pró-Aécio. Do Pros, que se adjetiva republicano da ordem social, pouco se sabe, a não ser que será pró-Dilma, podendo receber aliados em desconforto. Um sistema que já tem 30 partidos só pode piorar com o aumento de siglas. Enquanto for assim, governo algum terá maioria. Seguiremos reféns do presidencialismo de coalizão e de seus males, como os que estão na base deste mensalão que, a cada episódio, como a decisão de quarta-feira, aumenta a divisão e o veneno entre os brasileiros.
Vamos a Pernambuco, onde a política local está fervendo. A primeira reação ao gesto de Campos foi do senador Armando Monteiro, do PTB. Por algum tempo, ele foi considerado uma alternativa do governador para a própria sucessão. Mas os socialistas passaram a dizer que o candidato será do PSB, escolhido pelo governador, na hora que ele considerar oportuna. O secretário Tadeu Alencar é tido como seu delfim. Na sexta-feira o senador fez ,em Recife, declarações equivalentes a um grito de independência, reiteradas à coluna: "O que eu digo é simples. O PTB deseja ter, em Pernambuco, a mesma liberdade que o PSB buscou no plano nacional ao deixar o governo. Eu apoio o Eduardo no estado, mas ele não será mais candidato a governador. Nem informou se será candidato a presidente. Eu também apoio a presidente Dilma, e como ela é candidata natural à reeleição, terá meu apoio. Diante do hegemonismo do PSB, minha candidatura ao governo será apresentada como alternativa independente". No estado, o estilo imperial e centralizador do governo já rendeu um chiste: "Os coronéis antigos perseguiam os adversários. O de hoje, persegue os aliados".
Devolvendo os cargos no governo federal, Campos deixou principalmente o PT pernambucano em saia justa. Amanhã, diz o senador Humberto Costa, a executiva regional se reunirá para decidir se responde na mesma moeda, devolvendo os cargos que ocupa no governo estadual. "Vamos discutir, mas evitando rompantes e hostilidades", diz ele. Na verdade, os petistas devem estar confusos com os sinais emitidos por Dilma e Campos ao acertarem novo encontro, depois de ela ter pedido ao ministro do PSB Fernando Bezerra para ficar no cargo até o dia 29. Há quem veja nisso algum movimento de Lula. Seja o que for, melhor ir devagar com o andor. E se, lá na frente, ele desistir da candidatura? E se concorrer, mas não chegar ao segundo turno, quando seu apoio será valioso? Mesmo assim, os petistas já se preparam para a disputa estadual. Se Eduardo apoiasse Dilma, eles apoiariam o candidato dele. Como isso agora é improvável, podem lançar a candidatura do ex-prefeito João Paulo ou apoiar o senador Armando Monteiro. O PSDB, embora torça pela candidatura Campos, precisará de palanque no estado. O candidato deve ser Daniel Coelho, segundo colocado na eleição municipal do ano passado.
Uniões e separações
A viagem de Aécio Neves a Salvador era apenas para visitar o prefeito ACM Neto, mas ele acabou se reunindo também com o presidente do partido, senador José Agripino, e o secretário e ex-deputado José Carlos Aleluia. Aécio quer assegurar logo a aliança que começou em 1994, na primeira eleição de Fernando Henrique. Precisa convencer de sua maior viabilidade eleitoral os democratas empolgados com a candidatura de Campos, como o deputado Ronaldo Caiado, de Goiás. Endossando a candidatura de ACM Neto a governador da Bahia, Aécio sinaliza aos descontantes, como Caiado, a quem o governador tucano Marconi Perillo negou apoio no passado, que o PSDB está disposto a uma aliança de reciprocidades em 2014. No mais, saudou a dissidência de Campos, dizendo que ele deixa o governo porque já enxerga o fim da era PT e seguiu para Alagoas, para um dos seminários que seu partido está realizando nas capitais, tocando o tambor para reunir a tribo.
PSDB e DEM se unem, PT e PMDB devem aparar as arestas. Eduardo Campos, entretanto, enfrentará turbulências internas no PSB. O governador Cid Gomes e o irmão Ciro nunca hesitaram em mudar de partido quando ficaram isolados. Ciro, pelo menos, já passou por PDS, PMDB, PSDB e PPS, do qual saiu para entrar no PSB, quando o partido de Roberto Freire partiu para a oposição a Lula, em 2004. Decididos a apoiar Dilma, dificilmente ficarão no PSB se a candidatura Campos vingar. O destino mais provável é o Pros, um dos três partidos que estão surgindo. É incerta ainda a reação do PSB do Amapá, liderado pelo senador João Capiberibe e o filho Camilo, governador do estado, que apoiam Dilma. Ou seja, para Campos, por ora, o rompimento trará mais desalinhamentos dos que alianças.
Mais partidos, mais problemas
Três novos partidos estão rompendo a casca do ovo. O Rede, de Marina Silva, despertando simpatias e tropeçando nas exigências, pode morrer na praia. O Solidariedade, puxado pelo deputado Paulinho, da Força Sindical, já é acusado de irregularidades na obtenção das assinaturas. Será pró-Aécio. Do Pros, que se adjetiva republicano da ordem social, pouco se sabe, a não ser que será pró-Dilma, podendo receber aliados em desconforto. Um sistema que já tem 30 partidos só pode piorar com o aumento de siglas. Enquanto for assim, governo algum terá maioria. Seguiremos reféns do presidencialismo de coalizão e de seus males, como os que estão na base deste mensalão que, a cada episódio, como a decisão de quarta-feira, aumenta a divisão e o veneno entre os brasileiros.
MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO
FOLHA DE SP - 22/09
Intenção de consumo na cidade de São Paulo se aproxima de nível de 2009
A intenção de consumo das famílias da cidade de São Paulo diminuiu em agosto.
O índice que mensura a propensão a gastar caiu 15,1% no mês, ante o mesmo período de 2012, e se aproximou do recorde de baixa.
O indicador da FecomersioSP ficou em 120,6 pontos (em escala que varia de 0 a 200) --0,3 a mais que em agosto de 2009, mês de início da pesquisa e que registrou o menor nível da série.
Nos oito primeiros meses do ano, foram sete retrações.
O resultado negativo foi influenciado pelas manifestações de junho e pela inflação do começo do ano, segundo Guilherme Dietze, economista da entidade.
"A pesquisa de campo é feita nas primeiras semanas de julho para saber com qual sentimento o consumidor irá entrar em agosto. Por isso, ainda tem um resquício dos protestos."
A partir de setembro, o resultado deve melhorar: "A taxa de desemprego continua baixa e a inflação não está interferindo com a mesma magnitude do início do ano".
As famílias com renda acima de dez salários mínimos são as mais insatisfeitas. Pelo quarto mês consecutivo, o indicador desse grupo foi mais baixo. Em agosto, ficou em 116,8 pontos, enquanto o da população com rendimento menor ficou em 121,9.
"Quem ganha mais costuma ter mais conhecimento de outras variáveis além da inflação, como câmbio, PIB e resultado da Bolsa." Foram entrevistadas 2.200 pessoas.
ALÉM DOS BRINQUEDOS
A Mattel fez parcerias com empresas brasileiras para produzir a marca Fischer-Price e investir no mercado de puericultura leve (que inclui mamadeiras e chupetas) e pesada (carrinhos de bebê).
A ideia é popularizar a Fischer-Price no país. Até 2014, a companhia pretende ter mais de 150 itens com a marca no Brasil.
"Queremos que os produtos sejam referência para as mães o dia todo, não apenas na hora do brincar", afirma o presidente da empresa no país, Ricardo Ibarra.
Com grupos como Grendene, Infanti e Biotropic, a marca entra em novas categorias de mercadorias, como sapatos, artigos de festas e babá eletrônica, entre outros itens.
Desde o primeiro semestre, começaram a surgir esses novos produtos. Algumas peças têm partes importadas. "Cerca de 95% dos itens que não são brinquedos são fabricados no Brasil."
A expectativa é que até o fim de 2013 sejam distribuídas mais de 3 milhões de unidades de produtos e brinquedos da marca no Brasil, país com maior variedade de mercadorias da Mattel.
Em 2014, a empresa espera crescer cerca de 30% nas vendas para o varejo.
Rede hoteleira terá 3ª unidade no exterior e mais 6 no Brasil
A rede Bourbon abrirá seu terceiro hotel no exterior --no Paraguai-- e seis no Brasil entre 2015 e 2016.
As unidades demandarão juntas um aporte de R$ 347 milhões, que será feito em parceria com investidores.
Elas receberão a bandeira Rio Hotel, marca da companhia de médio padrão e flexibilidade tarifária.
"O produto deve ter uma absorção grande em meio a essa projeção de crescimento da classe média para os próximos anos", diz Ronaldo Albertino, diretor da rede.
No Paraguai, a empresa escolheu Ciudad del Este para abrigar o hotel. "Temos uma experiência consolidada no país, com uma unidade em Assunção", diz.
"[O novo empreendimento] irá de encontro com o segmento de turismo de compras e de negócios."
Em agosto, a companhia entrou como sócia do cineasta Francis Ford Coppola em um hotel em Buenos Aires.
No Brasil, serão instaladas três unidades no Paraná, duas no interior de São Paulo e uma em Macaé (RJ).
O grupo também analisa entrar em novas praças, como o Nordeste do Brasil.
"Nosso ritmo é mais lento, porém mais seguro. Preferimos dar um passo de cada vez para não entrar no mercado sem consistência."
DESEMPENHO INGLÊS
A situação econômica é apontada pela população da Inglaterra como a principal questão do país hoje.
Levantamento da Ipsos deste mês mostra que o assunto preocupa 45% dos entrevistados. Desde meados de 2008, o desempenho econômico do país é citado como o grande problema.
Antes, costumava aparecer após violência, sistema de saúde e questões raciais.
A economia foi lembrada principalmente por homens (52%), pessoas das classes A e B (56%) e eleitores do Partido Conservador (55%).
Foram entrevistadas cerca de 970 pessoas.
Tecnologia... As empresas apresentam hoje nível baixo de maturidade em tecnologia móvel, segundo estudo da IBM. Apenas 20% das companhias que participaram da pesquisa foram consideradas líderes em mobilidade.
...na empresa Entre as que adotaram as tecnologias móveis, 42% afirmaram ter melhorado a interação com o cliente e 38% ter aumentado a produtividade dos funcionários. A pesquisa ouviu 361 executivos de sete países.
Fermento A Casa Suíça, fabricante de bolos, abrirá sua sexta loja própria no país, em Osasco (SP).
No ar Começa a operar em novembro a empresa de táxi aéreo Helivale, que fará o trajeto entre o Aerovale --aeroporto privado em fase de construção na região de Caçapava (a 123 km de São Paulo)-- e o Campo de Marte.
Publicidade digital A Turn, multinacional norte-americana de tecnologia em marketing, acaba de abrir uma unidade no Brasil, a 18ª no mundo. A empresa fornece ferramentas com foco em publicidade on-line.
Intenção de consumo na cidade de São Paulo se aproxima de nível de 2009
A intenção de consumo das famílias da cidade de São Paulo diminuiu em agosto.
O índice que mensura a propensão a gastar caiu 15,1% no mês, ante o mesmo período de 2012, e se aproximou do recorde de baixa.
O indicador da FecomersioSP ficou em 120,6 pontos (em escala que varia de 0 a 200) --0,3 a mais que em agosto de 2009, mês de início da pesquisa e que registrou o menor nível da série.
Nos oito primeiros meses do ano, foram sete retrações.
O resultado negativo foi influenciado pelas manifestações de junho e pela inflação do começo do ano, segundo Guilherme Dietze, economista da entidade.
"A pesquisa de campo é feita nas primeiras semanas de julho para saber com qual sentimento o consumidor irá entrar em agosto. Por isso, ainda tem um resquício dos protestos."
A partir de setembro, o resultado deve melhorar: "A taxa de desemprego continua baixa e a inflação não está interferindo com a mesma magnitude do início do ano".
As famílias com renda acima de dez salários mínimos são as mais insatisfeitas. Pelo quarto mês consecutivo, o indicador desse grupo foi mais baixo. Em agosto, ficou em 116,8 pontos, enquanto o da população com rendimento menor ficou em 121,9.
"Quem ganha mais costuma ter mais conhecimento de outras variáveis além da inflação, como câmbio, PIB e resultado da Bolsa." Foram entrevistadas 2.200 pessoas.
ALÉM DOS BRINQUEDOS
A Mattel fez parcerias com empresas brasileiras para produzir a marca Fischer-Price e investir no mercado de puericultura leve (que inclui mamadeiras e chupetas) e pesada (carrinhos de bebê).
A ideia é popularizar a Fischer-Price no país. Até 2014, a companhia pretende ter mais de 150 itens com a marca no Brasil.
"Queremos que os produtos sejam referência para as mães o dia todo, não apenas na hora do brincar", afirma o presidente da empresa no país, Ricardo Ibarra.
Com grupos como Grendene, Infanti e Biotropic, a marca entra em novas categorias de mercadorias, como sapatos, artigos de festas e babá eletrônica, entre outros itens.
Desde o primeiro semestre, começaram a surgir esses novos produtos. Algumas peças têm partes importadas. "Cerca de 95% dos itens que não são brinquedos são fabricados no Brasil."
A expectativa é que até o fim de 2013 sejam distribuídas mais de 3 milhões de unidades de produtos e brinquedos da marca no Brasil, país com maior variedade de mercadorias da Mattel.
Em 2014, a empresa espera crescer cerca de 30% nas vendas para o varejo.
Rede hoteleira terá 3ª unidade no exterior e mais 6 no Brasil
A rede Bourbon abrirá seu terceiro hotel no exterior --no Paraguai-- e seis no Brasil entre 2015 e 2016.
As unidades demandarão juntas um aporte de R$ 347 milhões, que será feito em parceria com investidores.
Elas receberão a bandeira Rio Hotel, marca da companhia de médio padrão e flexibilidade tarifária.
"O produto deve ter uma absorção grande em meio a essa projeção de crescimento da classe média para os próximos anos", diz Ronaldo Albertino, diretor da rede.
No Paraguai, a empresa escolheu Ciudad del Este para abrigar o hotel. "Temos uma experiência consolidada no país, com uma unidade em Assunção", diz.
"[O novo empreendimento] irá de encontro com o segmento de turismo de compras e de negócios."
Em agosto, a companhia entrou como sócia do cineasta Francis Ford Coppola em um hotel em Buenos Aires.
No Brasil, serão instaladas três unidades no Paraná, duas no interior de São Paulo e uma em Macaé (RJ).
O grupo também analisa entrar em novas praças, como o Nordeste do Brasil.
"Nosso ritmo é mais lento, porém mais seguro. Preferimos dar um passo de cada vez para não entrar no mercado sem consistência."
DESEMPENHO INGLÊS
A situação econômica é apontada pela população da Inglaterra como a principal questão do país hoje.
Levantamento da Ipsos deste mês mostra que o assunto preocupa 45% dos entrevistados. Desde meados de 2008, o desempenho econômico do país é citado como o grande problema.
Antes, costumava aparecer após violência, sistema de saúde e questões raciais.
A economia foi lembrada principalmente por homens (52%), pessoas das classes A e B (56%) e eleitores do Partido Conservador (55%).
Foram entrevistadas cerca de 970 pessoas.
Tecnologia... As empresas apresentam hoje nível baixo de maturidade em tecnologia móvel, segundo estudo da IBM. Apenas 20% das companhias que participaram da pesquisa foram consideradas líderes em mobilidade.
...na empresa Entre as que adotaram as tecnologias móveis, 42% afirmaram ter melhorado a interação com o cliente e 38% ter aumentado a produtividade dos funcionários. A pesquisa ouviu 361 executivos de sete países.
Fermento A Casa Suíça, fabricante de bolos, abrirá sua sexta loja própria no país, em Osasco (SP).
No ar Começa a operar em novembro a empresa de táxi aéreo Helivale, que fará o trajeto entre o Aerovale --aeroporto privado em fase de construção na região de Caçapava (a 123 km de São Paulo)-- e o Campo de Marte.
Publicidade digital A Turn, multinacional norte-americana de tecnologia em marketing, acaba de abrir uma unidade no Brasil, a 18ª no mundo. A empresa fornece ferramentas com foco em publicidade on-line.