domingo, setembro 22, 2013

Balão Mágico - DIANA LICHTENSTEIN CORSO

ZERO HORA - 22/09

O balão roxo fez sua aparição em um debate da Jornada Nacional de Literatura de Passo Fundo. Cheio de gás, voava a meio metro do chão, a gana de subir domada pelo peso do cordão. Surgiu detrás do palco e fez uma entrada triunfal sob os holofotes, chamando a atenção do público. Satisfeito com o efeito perfilou-se, ladeando a primeira cadeira.
O lugar era do tradicional mediador de evento, o escritor Ignácio de Loyola Brandão, que gostou da surpresa. Espirituoso, primeiro olhou de lado, depois sorriu para o recém chegado e tocou-o como se fosse a cabeça de uma criança. Seguindo seu percurso exibicionista, o balão roxo postou-se na frente da jornalista Luciana Savaget, também apresentadora do evento, que o tomou nas mãos e lhe desenhou um rosto. Agora mais expressivo, ele foi encarando cada um dos palestrantes, causando graça até nos mais concentrados. Num grand finale, por conta própria, voltou para junto de Loyola, era seu lugar. Ficou ali parado, mudo mais saliente.
A jornada enfrentou seu primeiro ano sem o escritor Alcione Araújo, um dos seus mais tradicionais mediadores, morto faz um ano. Era naquele palco que, junto a seus colegas, ele imprimia uma condução que dava ritmo, tempero e coesão aos debates, numa parceria que durava desde 2001. Luciana cochichou ao ouvido de Loyola, que partilhou sua observação com o público: _ “O balão é o Alcione”. A comoção, óbvio, foi geral. Estávamos frente a uma aparição, uma alusão lúdica, que naquele momento fazia o papel de fantasma.
Uma ausência só se torna compreensível quando ela contrasta com uma presença. Se há algo indigesto na morte é seu caráter definitivo: como assim, alguém passa a não estar em lugar algum? Como é que não há data prevista de reencontro, de volta? O nunca, o jamais, o para sempre carecem de registro, o pensamento colapsa. O buraco deixado pela morte é puro nada, mas através de pequenos encontros, detalhes, evocações do ser perdido, bordamos seus contornos, cerzimos uma cicatriz que, essa sim, jamais desaparece. O morto se eterniza nos que ficam. Encontrando restos deixados dentro de nós por aquela vida, andamos um tempo como bêbados, trôpegos de lembranças, enquanto a falta física ainda lateja. Para alguns, muitos desses achados são manifestações de um espírito que nos observa e pode se comunicar. Para mim são conjugações do luto, momentos em que a dor se materializa, fica visível. Fizemos do fortuito, como no caso do balão roxo, o solene embaixador da ausência de Alcione.
O luto só se encaminha para o território do suportável quando finalmente conseguirmos nos apropriar das memórias do ser perdido. O alívio só vem quando elas passam a ser nossas, tesouros internos, heranças resignadas à inexistência do seu protagonista. Porém, isso demora, arrasta suas correntes barulhentas pelos corredores da nossa mente. Enquanto o morto está ainda partindo em nós, fica pairando, à meia altura, encarando os envolvidos. Ele encarna nosso incômodo: queremos saber como é que a vida pode seguir, mesmo depois de se provar tão frágil.

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