terça-feira, agosto 13, 2013

Um humanismo mais humano - LYA LUFT

REVISTA VEJA

As frases do papa Francisco brotam naturais, sem artificialismo. sem populismo. sem interesse pessoal nem solenidade — nascidas da sabedoria, experiência, realismo e franqueza, como: "Precisamos de um humanismo menos desumano" nesta época de "feroz idolatria do dinheiro". Homens assim nos dão alguma esperança de que o país mude. carentes que estamos de líderes confiáveis, cegamente confiáveis, como bons pais devem ser confiáveis.

Talvez, mudando o pensamento geral, segundo alguns conceitos de Francisco, seja possível arrumar a casa com projetos realistas: recursos existem. Valorizando mais a vida. olhando o bem do povo — que não são apenas os pobres, mas todos os que trabalham tentando construir um lugar mais respeitado e respeitável —, o humanismo busca o bem do homem. Não preciso especificar "do homem e da mulher", pois não somos ignorantes a ponto de não saber que em casos como esse "homem" é agenérico, não se refere apenas ao ser masculino. Porém parece prevalecer entre nós o humanismo desumano: o desvario da ganância, a luta sangrenta pelo poder, o desrespeito à ética mais elementar, os serviços caros, insuficientes, inúteis, desviados de sua função, carentes e pobres.

Recentemente as televisões do país (repetidas no exterior) mostravam médicos e enfermeiros tentando desesperadamente salvar a vida de um paciente no chão de um corredor de hospital. Por falta de aparelho, faziam massagem manual no coração do doente — no chão de pedra do corredor. Não faltavam médicos: faltavam leitos, aparelhos, limpeza, faltava a essência que possibilitaria salvar aquela pessoa. Outra reportagem mostrava um médico com lágrimas nos olhos que acompanhou uma paciente em vários hospitais, sem conseguir que fosse internada, e ela, com apenas 45 anos, morreu na sua frente. Não faltou médico: faltou lugar decente para sobreviver ou mesmo para morrer, pois nenhum ser humano deve morrer no chão, como um animal. É desse humanismo desumano, centrado no homem consumista e manipulável, que falava o papa, dizendo ainda que, enquanto houver uma criança passando fome. um jovem sem educação, um velho sem atendimento médico, ninguém deverá dormir em paz, como um pai não dorme em paz se a seus filhos falta o elementar.

Esta coluna sai próximo do Dia dos Pais: ignoremos as propagandas românticas mas mercantilistas. os gestos vazios e talvez hipócritas, e, em cada uma dessas datas dedicadas a mãe, criança, pai, avós, vamos curtir o afeto. O agradecimento. As doces memórias para quem os perdeu. O abraço, o telefonema, o beijo, a risada, a alegria, que na correria cotidiana a gente tantas vezes esquece. Pois essas ocasiões, se não contaminadas, podem nos salvar da indiferença ou da selvageria que rondam. O presente pode ser esse telefonema, esse abraço, essa lembrança simples: aliás, quanto mais simples, melhor, pois não entramos na corrida consumista. não é preciso sermos "mais generosos" no preço do presente, mas mais amorosos com nosso pai nesse dia.

Quem sabe optando por um verdadeiro humanismo vamos descobrir quem desejamos no poder: pessoas que não super-valorizem o poder, mas a justiça, a ordem, a eficiência, a misericórdia — que faz parte da grande política; que administrem de forma excelente os bens do país que são do povo. de cada um de nós que trabalhamos para pagar altos impostos com tão pouco retomo, nós que sofremos e morremos nos corredores de hospital, sem boa escola, sem transporte decente, fechados em casa pela insegurança geral, de tantas coisas órfãos.

Essa mudança de pensamento e postura começa na nossa família, no primeiro convívio que nos forma — e dali pode se espalhar como conceito e prática pelas comunidades, pelas cidades, pelo país. Assim veremos que é possível haver líderes que sejam presença alerta e aberta, trabalhando, acima e além de crenças e ideologias, por mais justiça, dignidade, amparo, crescimento para seu povo — como faz por sua família um pai que não é proprietário nem capataz, mas parceiro e cuidador.

Suderj informa - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 13/08

Troca de preocupação número 1 no Palácio do Planalto: sai a inflação, e entra o dólar.

O dentuço
Ronaldinho Gaúcho deve se submeter a um tratamento dentário hoje, na clínica do Atlético Mineiro.

Vai colocar facetas de porcelana, uma espécie de lente de contato fina que muda o aspecto e até a cor dos dentes. E fará uma cirurgia de gengiva.

Maus antecedentes
Este João Augusto Rezende Henriques, que denunciou na revista “Época” um suposto esquema de pagamento de propina a partidos políticos na Petrobras, é figura conhecida na estatal.

Quando foi diretor da BR Distribuidora resolveu comprar etanol fixando o preço em dólar. A estatal tomou o maior prejuízo.

Cuidado com o andor
Foi criada no Facebook a página “Orgulho de ser branco”. Tem quase 2.700 curtidas.

Diz ser contra o racismo e prega a tolerância. Melhor assim.

Tragédia de uma geração
A 3ª Câmara Cível do Rio condenou a Syntex a indenizar em R$150 mil uma vítima da talidomida. O laboratório ainda terá de pagar pensão mensal de um salário mínimo e meio à vítima, desde dezembro de 1989.

A droga foi criada no final dos anos 1950. Era usada para combater o enjoo na gravidez. Só que, até ser tirada de circulação, em 1962, provocou o nascimento de cerca de 10 mil bebês com má-formação.

Fezm...
Um dos manifestantes que ocuparam a Câmara de Vereadores do Rio, acredite, fez cocô na mesa do presidente da Casa, Jorge Felippe.

Calma, gente
O prestígio intelectual de Ziraldo, lançado candidato à ABL por Leonardo Boff, “como uma maneira de prestigiar a literatura infantojuvenil”, também é naturalmente grande na Academia.

Mas ontem teve acadêmico lembrando que a casa já abrigou pelo menos 34 grandes escritores ligados à literatura infantojuvenil.

À la Zózimo
E o jornalista Joaquim Ferreira dos Santos, hein? O coleguinha vai escrever para a editora Intrínseca um livro sobre Zózimo Barrozo do Amaral.

Ressuscita-me
No show de Gal Costa, sábado passado, no Vivo Rio, uma turma não parava quieta. Quando ela cantou “O amor” (aquela música que diz “ressuscita-me”), a turma gritou: “Eu te ressuscito, gostosa.”

Gal não perdeu o rebolado: “Eu já fui ressuscitada pela música.” Fofa.

De volta aos EUA
Zeca Pagodinho mal chegou dos EUA e já canta dia 1º em Nova York, no Brazilian Day, e dia 7, em Las Vegas.

Vigilância total
O MV1 está testando catracas especiais em duas de suas escolas.

Quando os alunos passam, seus pais são avisados, por torpedo (veja acima) a hora da entrada e da saída.

Meu Deus!
Três senhoras, uma delas com 80 anos foram internadas, dia 6 passado, no Hospital da Fundação Miguel Pereira, n Rio. Tinham cirurgias no dia seguinte.

Acredite. Ao amanhecer, quando todas já estavam no soro, o médico disse que não recebera do SUS e, portanto, não iria operá-las.

Bafafá na delegacia
O advogado Nélio Andrade escapou, ontem, de ser autuado por falso testemunho, na 17ª DP (São Cristóvão)

Ele defendia PMs que deram tiros num carro, quando teria impedido testemunhas de serem ouvidas. O delegado Oto Alves enquadrou todo mundo, mas mudou de ideia depois que o advogado se retratou.

BBB no salão
Ivani Werneck, a dona do Care, salão de beleza chique em Ipanema, confirma que usa câmeras e gravadores nas salas:
— Mas não para ouvir a conversa dos outros.

Ela diz que, graças às câmeras, uma cliente antiga que teve o brinco de ouro surrupiado descobriu que a ladra foi outra madame. A joia foi devolvida

Segue...
Quanto aos gravadores, Ivani afirma que ajuda a evitar mal-entendidos entre clientes e profissionais, do tipo “você não fez o que eu pedi” e tal.

Emendas e sonetos - TEREZA CRUVINEL

CORREIO BRAZILIENSE - 13/08

Com os pontos recuperados na pesquisa Datafolha, na aprovação ao governo e nas intenções de voto, a presidente Dilma Rousseff estará mais fortalecida nas negociações com o Congresso sobre a agenda complexa do momento. Se não voltar ao salto alto, pode avançar no essencial, a recomposição de sua base de apoio. A recuperação não deve bastar, entretanto, para evitar a aprovação, pela Câmara, da emenda constitucional que torna compulsória a liberação das emendas parlamentares ao Orçamento. A maioria parece decidida, mas essa mudança é grave demais para ser aprovada na base da pirraça à presidente. Com perdão da paráfrase, a emenda (constitucional) pode piorar o soneto. E isso já não é dito só pelos governistas e auxiliares da presidente. O líder municipalista Paulo Ziulkoski teme que o mecanismo aumente a discriminação entre os municípios. O deputado Márcio França, do PSB, prevê o surgimento de enorme aparato burocrático para gerir as liberações. 
Estudo da Confederação Nacional dos Municípios constatou que, do total de 5.568, apenas 1,2 mil municípios receberam, nos últimos 10 anos, algum dinheiro originário de emendas parlamentares, sendo que 629 cidades nem foram objeto de qualquer proposta. Em média, foram liberados 16,9% das emendas anualmente. Melhor seria para o país, diz Ziulkoski, que preside a entidade, se os recursos reservados para as emendas fossem destinados diretamente aos municípios, através de um fundo especial, com carimbo do setor em que seriam aplicados. Como cada congressista pode alocar até R$ 15 milhões em obras e projetos, o valor global chegaria, hoje, a R$ 8,9 bilhões.
Proposta semelhante é defendida pelo deputado Marcio França, por motivos diferentes. Hoje, embora o percentual de liberações nunca ultrapasse os 25% das emendas, os procedimentos técnicos e burocráticos já envolvem quase 10 mil funcionários, nas três esferas da Federação. Os recursos das emendas só podem ser transferidos depois da assinatura de um convênio, que vem a ser o instrumento jurídico de mais complexa tramitação e gestão da execução. “O que se gasta com esta burocracia equivale a boa parte dos recursos movimentados. Com a liberação impositiva, imagine-se o tamanho do aparato burocrático e o custo de sua manutenção.” O que ele sugere é que cada deputado possa destinar os valores correspondentes às suas emendas ao FPM, com clara identificação dos municípios e dos setores beneficiados. Mas, se é para saúde, por exemplo, caberá ao prefeito decidir se fará um posto ou comprará uma ambulância, segundo suas necessidades.
Essas e outras fórmulas alternativas resolveriam alguns problemas. Não deve mesmo o governo fazer uso das emendas para premiar aliados e punir adversários, no conhecido toma lá, dá cá. Mas não pode também o Legislativo impor a liberação, independentemente do estado das contas públicas. Quem deve zelar por elas é o Executivo. Outra forma de destinação e transferência propiciaria também melhor fiscalização, livrando prefeitos e parlamentares das recorrentes suspeitas de corrupção no trato das emendas.
Afora esse tema espinhoso, e vencida a tentação do salto alto, Dilma já pode mesmo exibir a velha desenvoltura. Pois se não recuperou tudo o que tinha, os adversários também não avançaram. Exceto Marina Silva, que corre contra o tempo para viabilizar seu partido. 

Sugestões ao LeãoNa pauta da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, dois projetos polêmicos relacionados ao Imposto de Renda. Um, do senador Neuto do Couto, diz respeito às famílias e parece razoável. Eleva de 21 para 28 anos a idade para permanência dos filhos como dependentes. Há quem diga que hoje a adolescência termina aos 30 anos. Na classe média, os filhos se formam, vão fazer pós-graduação e só depois ingressam no mercado de trabalho.
O outro, de Cristovam Buarque, levantará poeira. Sugere que todos os ocupantes de cargos eletivos tenham suas declarações anuais de rendimento submetidas à malha fina da Receita. Os que lidam com dinheiro público devem ser mais fiscalizados, diz Cristovam. O senador Francisco Dornelles, sem dúvida a maior autoridade em questões tributárias no Congresso, diz que a proposta é inconstitucional, por reservar aos agentes públicos tratamento tributário desigual em relação aos demais contribuintes. 

Prova para os médicosCom o aumento da aprovação popular ao Programa Mais Médicos, também detectado pelo Datafolha, a Comissão Mista Especial do Congresso encarregada de examinar a medida provisória que trata do assunto já não fala em rejeitá-la. Mas um ponto ainda vai dar pano para mangas ali. O vice-presidente da comissão, deputado Francisco Escórcio, diz ter constatado, junto a seus parentes, a disposição para impor aos médicos estrangeiros alguma forma mais rígida de avaliação. Ou o exame Revalida, do MEC, ou alguma prova específica. O governo é contra. Acha que isso atrasaria demais as contratações e a produção de resultados em favor da saúde. 

Ecos da travessiaAqueles que, como eu, não puderam ler todos os capítulos de A História de Mora, publicados por O Globo, poderão ler agora, em livro, a biografia romanceada de Ulysses Guimarães, que o jornalista Jorge Bastos Moreno lança amanhã em Brasília, na livraria Saraiva do Pátio Brasil. Ele faz de Mora, mulher de Ulysses, uma narradora sagaz e espirituosa. Os que viveram a travessia da noite da ditadura terão muito a recordar. Os que nasceram na democracia, muito a aprender, especialmente sobre aquele que foi o grande timoneiro.

A voz das ruas e o silêncio do campo - ANTONIO ALVARENGA

O Globo - 13/08

A inflação, a desorientada política econômica, as inúmeras denúncias de corrupção, a falta de transparência e a sensação de impunidade são algumas das causas da revolta incontida que veio à tona recentemente, de forma inesperada e dramática.

A verdade é que a população está desencantada com os governos, com os partidos e, principalmente, com as práticas políticas vigentes.

Aparentemente, os governantes e os políticos compreenderam o recado das ruas. Apreensivos, e de forma desordenada, procuram saídas. No entanto, a ausência da participação de grupos políticos ou de organizações estruturadas dificulta o entendimento e o diálogo.

E a voz do campo? Como está o ânimo daqueles que trabalham duro em nossa agropecuária para fornecer alimentação farta e de qualidade para os 200 milhões de brasileiros? O que pensam os heróis de nossa economia, que exportam mais de US$ 100 bilhões por ano e suportam o enorme déficit da balança comercial dos demais setores?

O campo também está insatisfeito e tem suas reivindicações. O produtor rural sofre com a insegurança jurídica, a deficiente infraestrutura, o descompasso e a demora na implementação de políticas públicas para o setor.

A questão indígena; os sistemas de transporte, armazenagem e exportação; as ameaças da legislação trabalhista, e os encargos do novo Código Florestal são alguns exemplos dos problemas que afligem e prejudicam o produtor rural.

Nossa agricultura é uma das maiores e mais avançadas do planeta. Somos campeões em produtividade e sustentabilidade. O campo está colhendo a maior safra de toda a história do país, mas ainda não tem o reconhecimento que lhe é devido.

Não bastam discursos empolgados e recursos destinados aos planos da safra 2013/14 para a agricultura empresarial, familiar e do semiárido.

A população das cidades acordou e foi para as ruas. Será que os homens do campo precisarão fazer o mesmo para serem ouvidos?

Jornalismo amazônico - JOÃO PEREIRA COUTINHO

FOLHA DE SP - 13/08

A única coisa que o jornalismo 'tradicional' tem a temer não é o fim do papel; é o fim dos leitores


Jeff Bezos, o fundador da Amazon, comprou o "Washington Post". E agora? Que futuro para o jornal? E que futuro para o jornalismo?

Calma, povo. Ponto prévio: a minha gratidão para com o sr. Bezos não tem limites. Nada mudou tanto a minha vida como a possibilidade de aceder a produtos que, em tempos mais jurássicos, eu era obrigado a carregar como um contrabandista sempre que viajava para o exterior.

Sem falar da pura extorsão que os produtos importados significavam para quem queria ler, escutar ou assistir ao que de melhor se escrevia, compunha ou filmava pelo mundo fora.

Além disso, confesso também que nunca comprei o tom catastrofista de quem vê na internet a maior ameaça para o jornalismo "tradicional".

É preciso fazer uma distinção entre o jornalismo "tradicional" e o jornalismo "impresso". Não são a mesma coisa. O primeiro indica uma forma de jornalismo onde critérios de verdade e relevância continuam a fazer sentido. A segunda, apenas uma forma de o apresentar.

Sim, a internet pode ser uma ameaça para o jornalismo "impresso". E, tal como Marshall McLuhan afirmou várias décadas atrás, é possível que um livro, uma revista ou até um jornal possam ser objetos artísticos, de luxo, próprios de colecionador, no futuro próximo.

Daqui a 20 anos, admito que esta Folha tenha menos exemplares nas bancas e mais leitores na internet. Mas também admito que os exemplares disponíveis nas bancas terão uma produção assaz refinada. Chegaremos ao cúmulo da sofisticação: comprar um jornal para ler e guardar na estante.

Nada disso significa o fim do jornalismo "tradicional". Enquanto existirem leitores do outro lado interessados em consumir informação, haverá notícias, entrevistas, crônicas ou reportagens prontas para serem servidas em vários tipos de telas.

Moral da história? A única coisa que o jornalismo "tradicional" tem a temer não é o fim do papel; é o fim dos leitores. E aqui entram os meus receios: saber até que ponto uma má adaptação do jornalismo "tradicional" para a internet não poderá alienar os próprios leitores.

Em excelente matéria para a "Veja", Rafael Sbarai levanta várias hipóteses sobre o futuro do jornalismo depois da compra de Jeff Bezos. Uma delas é Bezos aplicar ao jornal (e ao jornalismo) o mesmo critério comercial que pratica na Amazon.

Explico melhor. Sempre que entro na loja virtual, existem sugestões para mim. Sugestões de livros, discos, filmes. Alguém sabe do que eu gosto e esse alguém, como diria Flaubert sobre a sua Bovary, "c'est moi".

Parece que todas as compras ficam registradas e todos os registros criam um "perfil". Se eu gosto de cinema asiático, por exemplo, a Amazon registra a preferência. Depois, quando há novidades a Oriente, eu sou avisado a Ocidente.

Durante uns tempos, confesso, a precisão do negócio maravilhava-me. Todos os meses, todas as semanas, todos os dias havia mercadoria cultural para me tentar --e arruinar.

Mas havia também o lado negro do negócio: a minha preguiça crescente. Eu deixava de procurar porque a Amazon procurava por mim.

Em pouco tempo, eu deixei de ser um consumidor da Amazon. Passei a ser dependente dela. Dependente do mesmo tipo de livros, discos ou filmes --em repetição entediante. O que implicou ignorar outros livros, discos ou filmes que não apareceram mais no radar.

Eis a maior ameaça para o futuro do jornalismo: chegar a um ponto em que as notícias que interessam são apenas as notícias que me interessam. E em que todas as outras deixam de aparecer nesse radar.

Haverá quem pense que isso é um progresso intelectual: nós, fechados no nosso pequeno mundo, lendo apenas o que corresponde às nossas preferências e ignorando o que existe fora da nossa ilha de gostos e idiossincrasias. Sem espaço para surpresas, incertezas, até baixezas.

Pessoalmente, só posso esperar que esse cenário nunca seja real. E que os jornais, no papel ou na tela, continuem a ser esse espaço de descobertas várias por onde os leitores investem a sua curiosidade. Livremente. E sem amarras.

Um jornal amazônico que seja apenas o reflexo das preferências do leitor deixa de ser um jornal. E, a prazo, até o leitor deixa de ser um leitor.

A rara flor da poesia - ARNALDO JABOR

O Estado de S.Paulo - 13/08

Vi o filme novo de Bruno Barreto, Flores Raras, previsto para entrar em cartaz esta semana. Uma história de amor entre duas mulheres nos anos 50/60 no Rio. O filme tem uma delicadeza rara hoje em nosso cinema, cheio de neochanchadas para arrasar quarteirões e embrutecer mais ainda o imaginário das plateias. Flores Raras não; tem um clima quase "de época" na mise-en-scène, pois retrata ainda o tempo da delicadeza e da ilusão - praias, montanhas e sol cegando a cidade para seus problemas. É um dos belos filmes de Bruno, como Dona Flor ou o Romance da Empregada. Duas mulheres se amam: Lota e Elizabeth Bishop.

Muita gente não sabe quem foi Elizabeth Bishop, nem é obrigada a saber. Trata-se de uma grande poeta americana que, em 1951, passou pelo Brasil, apaixonou-se pela brasileira Lota de Macedo Soares, intelectual da elite carioca, e aqui ficou por 16 anos, entre grandes alegrias, sofrimentos, crises de alcoolismo e extraordinários poemas. Lota era assessora de Carlos Lacerda e comandou a construção do nosso "Central Park" - no Aterro do Flamengo, contra os vorazes políticos picaretas que queriam tomar conta da área. Ali, consumiu sua saúde e seu amor por Bishop. Sempre ouvi falar de Elizabeth Bishop, mas só fui ler seus poemas há poucos anos, quando saiu a excelente tradução de Paulo Henriques Britto. Por que não li na época, eu que gostava tanto de poesia? Porque (deliciem-se, patrulheiros...) como ela era "caso" de Lota, assessora de Carlos Lacerda, o inimigo máximo da esquerda janguista, ficava feio ler seus trabalhos. Ela era uma "americana lésbica" e, certamente, "reacionária" - palavras devastadoras para nós. Éramos assim em1967.

No entanto, Bishop não era apenas uma "boa poetisa". Ela está no nível de Marianne Moore, Roberto Lowell e outros; tem uma poesia seca e dolorida, um amor transbordante e contido, uma poesia afetiva das "coisas", como fez Francis Ponge, João Cabral, Moore e, lá longe, John Donne. Elizabeth Bishop fez uma poesia não lamentosa, uma poesia crítica e seca, com forte nostalgia romântica, sem a melancolia paralisada de outro gênio como Emily Dickinson.

Bishop escreveu muitos poemas sobre o Brasil dos anos 50 e 60, nos quais se vê, mesclada a uma irritação "calvinista" com nossas mazelas, uma profunda compaixão pelo desamparo social, um amor raríssimo pela fragilidade do povo, poucas vezes encontrado em poetas brasileiros.

Elizabeth Bishop não era de "esquerda nem de direita", como se dividiam todos naquela época (e ainda hoje).

Era uma liberal americana, com olhos anglo-saxões, que assistiu como uma "brasilianista artística", a anos cruciais de nossa história: a morte de Getúlio, JK, Jânio, e até o golpe militar de 1964. É curioso ver que sua vida piora enquanto o Brasil piora. E Elizabeth tem nesse tempo a antevisão dolorosa do futuro difícil que esperava nosso País. Ela vê uma infraestrutura secular de equívocos que estão nas instituições como um veneno que tudo contamina. Elizabeth viu além das ideologias, além dos dogmas.

Ela escreve: "Como país, acho que o Brasil não tem saída - não é trágico como o México não; é apenas letárgico, egoísta, autocomplacente, meio maluco". Mas, mesmo assim, tem amor por ele: "Um País onde a gente se sente de algum modo mais perto da verdadeira vida, a de antigamente. (...) Com todos os seus horrores e estupidez, uma parte do mundo perdido ainda não se perdeu aqui".

Seu olhar profundo se detinha sobre os sintomas do que nos acontecia e poderia continuar acontecendo. Ela viu os indícios de tragédia e paralisia que se ocultavam por trás do egoísmo da direita udenista e também da iludida generosidade "de esquerda", ela viu que uma maldade profunda nos regia, que uma impiedade secular comandava nosso atraso. Ela poderia ter escrito, no mesmo tom de Eça de Queiroz, cem anos antes, sobre o Brasil:

"O País perdeu a inteligência e a consciência moral. Não há princípio que não seja desmentido nem instituição que não seja escarnecida. Já não se crê na honestidade dos homens públicos. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. Os serviços públicos abandonados a uma rotina dormente. O desprezo pelas ideias aumenta a cada dia. A ignorância pesa sobre o povo como um nevoeiro. A intriga política alastra-se por sobre a sonolência enfastiada do País. Não é uma existência; é uma expiação".

Seus poemas sofisticadíssimos desciam ao nosso chão:

"Sob a falsa amendoeira/ uma puta ainda menina/dança um chá-chá-chá, girando/como um átomo na esquina (...) na sombra negra de meu prédio/ um negro levanta a camisa/ pra mostrar um curativo/ cobrindo negra ferida/ com um bafo de cachaça/ potente feito bazuca/ aponta a bandagem branca/ e me diz coisas malucas/ dou-lhe dinheiro e boa-noite/ por força do hábito. Ah!/ não haveria uma palavra/ mais relevante pra lhe dar?"

Perguntem a qualquer ladrão de gravata de Brasília e todos dirão de mãos postas e olhos em alvo que "o povo é sagrado".

Nós costumamos idealizar epicamente o povo ou o ignoramos com empáfia; nós costumamos rir de sua ignorância ou transformamos a zona geral, a bagunça, em uma espécie de orgulho cultural, como se o fracasso permanente e outras bossas fossem uma "riqueza macunaímica" - o tesouro de nosso destino de "malandros inzoneiros".

Elizabeth Bishop não. Ela olha cada ferida aberta, olha o negro bêbado, a cadela leprosa na rua, a solidão do bandido Micuçu no morro da Babilônia, o doente morrendo na maca no rio Amazonas, os bolos coloridos de mau gosto na padaria, as sandálias de plástico das pobres mães com bebês em Ouro Preto, provérbios em para-choques de caminhões, os pobres diabos jogando absurdas peladas no capim por toda a parte, os tatus e corujas fugindo da queimada, crianças doentes brincando na lama, toda essa desgraça vegetando no meio de majestosas paisagens cortadas por cachoeiras e florestas. E chora, tomando porres homéricos nos botequins mais sujos.

Bishop amava o Brasil com olhos mais fundos do que nós.

Ueba! Marinárvore sobe no cipó! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 13/08

A Marina parece uma tartaruga sem casca! Ema de xale! E o coque é ecológico: eco-coque!


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Piadas Prontas: "Secretária de Segurança Pública do governo federal é assaltada em São Paulo". É represália dos tucanos ao Cade! Rarará!

E o Sensacionalista: "Milagre no Rio: Câmara dos Vereadores ocupada numa sexta-feira". Rarará.

E a ascensão da Marina, a Virgem Inca? A Marinárvore pegou um cipó! Se árvore votasse, a Marinárvore ganhava no primeiro turno! A Marina parece uma tartaruga sem casca! Ema de xale! E o coque é ecológico: eco-coque!

E o Silvio Luiz falou que a voz da Marina parece despertador de segunda-feira. Isso, despertador de segunda-feira na cabeceira da Dilma! Trim! Triiiim! Rarará!

E aquele partido não-partido dela, a Rede? Tá em ritmo de rede com gancho enferrujado: nhenc nhenc! Rarará!

Moral do Datafolha: a Marina subiu na árvore e o Aécio subiu no telhado! Rarará!

E o meu São Paulo? O São Paulo virou piada de português: vence o Benfica e perde pra Portuguesa! Só falta perder pro Vasco, pra ser praga de português!

E não tá mais cruel e nem desumano ser bambi, já tá hilário! E o Rogério Cenil não devia mais bater pênalti, devia bater em retirada.

E a enquete da UOL: "O Rogério Ceni deve continuar como batedor de pênaltis?". E os comentários:

1) Claro que sim, inclusive ano que vem, na segundona. 2) E quem tem peito pra tirar ele? 3) Tem que continuar batendo pênalti e fazendo a alegria dos corintianos. 4) Ele deve bater pênalti, cobrar falta, arremessar na lateral, defender no gol, apitar a partida, ser o técnico do time, o artilheiro, o presidente e ficar na bilheteria!.

E diz que o São Paulo vai trocar o Luis Fabiano pelo motorista do Palmeiras, que conhece o caminho de todos os estádios da série B! B de bola, B de burros e B de bambis! Rarará.

É mole? É mole, mas sobe!

Os Predestinados! Representante do Conselho de Reprodução Assistida: Iran GALLO!

E esse senador predestinado: "Cassaram o Ivo Cassol". O Cassol foi Cassaldo. Rarará! Um trava-língua!

E quem chama a Marina de Marinárvore é a Dilma Bolada! Porque é fake. A verdadeira deve tá com vontade de bater um cipó na cabeça dela! Rarará! Nóis sofre, mas nóis goza!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

O mundo como ele é - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 13/08

SÃO PAULO - "Quem sai na chuva é para se queimar", dizia Vicente Matheus. Como ainda estou recebendo e-mails irados por ter aventado a possibilidade de haver razões biológicas para explicar o número desproporcional de judeus entre os laureados com um Prêmio Nobel, lanço uma provocação fresquinha.

Saiu ontem na "Personality and Social Psychology Review" a primeira metanálise a avaliar estudos sobre inteligência e religiosidade. Miron Zuckerman e colaboradores compararam 63 trabalhos publicados entre 1928 e 2012 e concluíram que há uma correlação negativa entre habilidades cognitivas e o grau de crenças religiosas. Não é uma correlação muito forte --fica entre -0,20 e -0,25 para estudantes universitários e a população geral--, mas é significativa.

Segundo os pesquisadores, há três interpretações possíveis para esses achados. Pessoas inteligentes são menos conformistas e têm maior probabilidade de opor-se a dogmas. Elas também privilegiam o raciocínio analítico, não o intuitivo, o que mina crenças religiosas. Por fim, os mais inteligentes não têm tanta necessidade dos "produtos" que a religião entrega, como autocontrole e ligações que proporcionam segurança.

O que isso significa? Que precisamos pesquisar mais, para descobrir qual (ou quais) das explicações é a que vale e para levantar e testar hipóteses alternativas. E, mesmo que chegássemos à improvável conclusão de que a melhor forma de promover a inteligência é fechando igrejas, isso de modo algum nos autorizaria a restringir cultos e perseguir padres. Só que o argumento para nos opor à redução de liberdades (e ao racismo, sexismo etc.) é moral e não baseado em pretensas realidades naturais, como a bondade intrínseca da religião ou a igualdade entre os homens.

Se queremos que a ciência tenha alguma utilidade nessa empreitada, pesquisadores devem ser incentivados a descrever o mundo como ele é, não como gostaríamos que fosse.

O leão na jaula - ILIMAR FRANCO

O GLOBO - 13/08

O ex-presidente Lula está se segurando para não entrar na luta política aberta contra a oposição. O governador Jaques Wagner o descreve como "um leão na jaula". Os petistas explicam que Lula está contido para não ressuscitar o "volta, Lula" e para não ofuscar a presidente Dilma. Eventual candidatura do ex-presidente só é considerada num quadro de "terra arrasada".

Os cubanos estão chegando
O governo vai anunciar amanhã a ampliação do programa Mais Médicos, agora, para grupos de profissionais estrangeiros. O alvo da nova formatação é trazer os cubanos, embora o Brasil tenha reservas diante do percentual da remuneração dos médicos que o governo cubano pretende abocanhar. O valor supera 70% da bolsa de R$ 10 mil oferecida pelo Brasil. Os convênios serão firmados entre governos (Portugal e Cuba) ou universidades de outros países (Espanha e Argentina). A intenção do governo brasileiro, nesta fase, é privilegiar os lugares mais remotos do país, para onde ninguém se ofereceu.



"O grupo de trabalho da reforma política tem como uma de suas principais tarefas eliminar os sem-voto"
Cândido Vaccarezza
Deputado, PT-SP, coordenador do grupo, sobre o fim das coligações proporcionais

Quem perde
Os tucanos sempre apostaram e incentivaram a candidatura da Marina Silva como forma de levar a eleição presidencial para o segundo turno. Os petistas, depois da pesquisa Datafolha, também viraram defensores da ex-ministra. Avaliam que Marina tira uma lasca do governo Dilma, mas que quem perde mais com ela é a oposição.

Polêmico
Na reforma eleitoral, que será votada nos próximos dias, os senadores querem ampliar para os canais de TV a cabo a propaganda eleitoral. Ao menos as inserções de 30 segundos deverão passar a ser veiculadas nas eleições de 2014.

Nos vemos no STF
O governo assimilou o golpe da votação do orçamento impositivo. Sabe que não há como derrotar o presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN). Mas, aprovado o projeto, colocará em prática a ameaça e entrará com ação no STF.

A estratégia do PSD
O PSD de Gilberto Kassab não pretende obrigar os estados a seguir sua definição nas eleições presidenciais. Como a prioridade é eleger grande bancada na Câmara, liberou os acordos regionais. Está decidido que o PSD vai se coligar com o PSB em Pernambuco e no Ceará, e que irá se aliar aos tucanos em Minas Gerais, Paraná, Goiás e Pará. Para presidente, a preferência ainda é por Dilma.

Garantindo lide
A presidente Dilma vai responder a entrevistas por escrito dos jornais regionais. Quer se aproximar dos municípios e resolver demandas locais. Busca solucionar reclamação do PT de que os governadores se apropriam de obras federais

Empresários em campo
A CNI vai liderar delegação de empresários, hoje e amanhã, ao Congresso pela derrubada do veto da presidente Dilma pelo fim da contribuição adicional de 10% do FGTS. O grupo também quer a regulamentação do trabalho terceirizado.

ARMISTÍCIO. A ministra Ideli Salvatti pediu ao PSDB, DEM e PPS que deem trégua e reduzam as obstruções nas votações do Congresso.

Estado mais leve - VERA MAGALHÃES - PAINEL

FOLHA DE SP - 13/08

O PSDB vai apostar na defesa de uma agenda liberal nas propagandas de TV que serão exibidas neste semestre. O objetivo é ligar o presidenciável Aécio Neves (MG) à defesa de um governo que gaste menos com custeio e mais com serviços. Pesquisa do partido mostra que 64% dizem que serviços particulares funcionam melhor que públicos, e 89% rejeitam mais impostos para financiar a saúde. O discurso será pregar o padrão de eficiência do setor privado na gestão pública.

Aperto O PSDB também contratou uma pesquisa de intenção do voto, feita pelo instituto Ideia. Nela, Dilma Rousseff aparece com 29,8%, seguida por Marina Silva (25,1%), Aécio (16,6%) e Eduardo Campos (5,3%).

Folga Já as pesquisas do PT mostram crescimento de 30% da aprovação de Dilma desde o fim dos protestos. Ela tem 38% de avaliação positiva. Tinha 57% antes de junho, foi a 30% e agora tem 38%.

Blitz 1 Dirigentes da Rede vão inundar cartórios eleitorais para tentar acelerar a criação do partido. Até quinta-feira, entregarão mais 100 mil assinaturas para validar, num total de quase 700 mil. São necessárias 492 mil.

Blitz 2 A sigla também decidiu garantir 17 comissões estaduais provisórias, contra a exigência mínima de nove.

Clã Ultrassonografia confirmou que o quinto filho de Eduardo Campos (PSB) é um menino. Por decisão da mãe, Renata, se chamará Miguel, em homenagem a Miguel Arraes, avô do governador.

Patrocínio O ex-presidente Lula confirmou presença no lançamento da candidatura à reeleição do presidente nacional do PT, Rui Falcão, hoje, em Brasília.

Fim da linha O adiamento do leilão do trem-bala, anunciado ontem pelo governo, sempre contou nos bastidores com o apoio do ministro Guido Mantega (Fazenda).

Jurisprudência 1 A defesa de José Dirceu solicitou que seja designado novo relator para os embargos de declaração do mensalão. Os advogados citam decisão do próprio Joaquim Barbosa, que, depois de assumir a presidência do STF, deixou a relatoria de ação contra o senador Jayme Campos (MT) com base no regimento interno.

Jurisprudência 2 Nos embargos de declaração a defesa de Dirceu anexou, ainda, voto de Barbosa em que o relator do mensalão diz que são cabíveis embargos infringentes (que podem rever em parte a decisão) quando há ao menos quatro votos divergentes. Ele é contra esse recurso no caso do mensalão.

O delator... Há cerca de 15 dias, Roberto Jefferson depôs por mais de quatro horas na Polícia Federal no inquérito que investiga a suspeita de envolvimento do ex-presidente Lula no mensalão.

... fala Jefferson, que delatou o esquema em 2005, falou à delegada Andréa Pinho e ao auxiliar, Luiz Flávio Zampronha. "Eu repeti que nunca tratei de conversa de Portugal Telecom com Lula nem com Palocci. Essa conversa comigo foi feita através do Dirceu", disse à coluna.

Digital Quem conhece os bastidores da trama envolvendo suposto esquema de corrupção na Petrobras vê o dedo de Jorge Luz nas informações divulgadas. Luz é um lobista com ligações no PP, via Mário Negromonte e Pedro Correa, e entre petistas, como Vander Loubet.

Eu, não O ex-presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, reage à tentativa de circunscrever o caso à sua gestão e lembra que o primeiro a vetar João Augusto Henriques na diretoria internacional da empresa foi ele.

com ANDRÉIA SADI e BRUNO BOGHOSSIAN

tiroteio
"Do exagerado tamanho do bico do tucano já tínhamos conhecimento. A surpresa é a boca 30% maior do que o imaginado."
DO DEPUTADO ESTADUAL ENIO TATTO (PT), primeiro-secretário da Assembleia de São Paulo, sobre a investigação de formação de cartel no governo do Estado.

contraponto


Entre dois poderes
Em uma apresentação da CPI do Tráfico de Pessoas da Câmara, em maio, o promotor de Justiça Ariomar José Figueiredo da Silva se empolgou e transformou a sala da comissão em um tribunal. Acostumado a falar diante de um grupo de jurados, acabou se confundindo ao se dirigir aos deputados:

--É por isso, senhores do júri...

--Nós não estamos ainda, por ora, julgando nada -- interrompeu o deputado Arnaldo Jordy (PPS-PA).

--Foi um ato falho, ato falho! Isso vem de 20 anos de atuação! -- justificou o promotor.

Travas ao crescimento - CELSO MING

O Estado de S.Paulo - 13/08

O governo não pode se queixar do pessimismo do mercado e dos analistas se suas projeções econômicas continuam absurdamente irrealistas.

O Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias, por exemplo, prevê para 2014 avanço do PIB de 4,5% e inflação de 4,5%. São parâmetros-chave para definir a arrecadação e a capacidade de gasto porque os impostos são cobrados sobre produção e sobre preço.

Os analistas do mercado trabalham com números muito diferentes, como pode-se aferir pelo Relatório Focus, do Banco Central. Para 2014, a mediana do mercado é uma evolução do PIB de apenas 2,5% (veja o Confira) e uma inflação de 5,85%. Se o governo começa a trabalhar com margens tão fora da realidade, como é que se pode confiar na consistência futura das contas públicas?

Há inúmeros fatores conspirando contra um crescimento mais expressivo da economia nos próximos anos. Mas vamos ficar com três dos mais importantes. O primeiro é a falta de mão de obra conjugada com seu aumento de custo. O Brasil tem hoje uma desocupação de apenas 6%, situação próxima do pleno emprego, embora o avanço médio anual do PIB dos últimos três anos (incluído 2013) seja inferior a 2%. Isso significa que a mão de obra, especialmente a qualificada, é fator escasso, que tende a conter um crescimento do PIB superior a 3%. Em consequência dessa relativa falta de mão de obra, os salários vêm subindo acima do avanço da produtividade, como o Banco Central vem apontando nos Relatórios de Inflação e nas Atas do Copom. Se for atendido o pleito das centrais sindicais, de jornada de trabalho de 40 horas semanais, matéria a ser discutida nos próximos meses no Congresso, a questão trabalho deverá se tornar obstáculo ainda mais relevante para um avanço acentuado da atividade econômica.

O segundo fator que conspira contra mais dinamismo no PIB é a precariedade da infraestrutura brasileira. É uma deficiência que começa a ser atacada com mais coragem pelo governo. Para este semestre, por exemplo, está programada uma série de licitações. Haverá os adiamentos e as travas já conhecidas na Justiça e nos despachos de licenciamento ambiental, mas espera-se uma agilidade maior daqui para a frente. No entanto, essas coisas não se modificam rapidamente. Entre a elaboração de um projeto de infraestrutura e sua maturação passam anos e anos. Enfim, ninguém pode contar com melhora substancial nesse campo a ponto de desemperrar a produção. Os problemas de transporte e de logística, fornecimento de energia elétrica e deficiências de comunicação ainda serão enormes obstáculos.

O terceiro limitador é a questão tributária. A carga, da ordem de 37% do PIB, já é reconhecidamente alta demais. No entanto, mais do que isso, conspiram contra maior avanço do PIB a complexidade, as ambiguidades da legislação e as exasperantes mudanças nas regras da tributação. A insegurança nesse campo é enorme. A todo momento, qualquer empresa está sujeita a interpretações esquisitas que implicam aumentos inesperados de custos.

O risco é do jogo. Mas essas travas freiam o avanço do País.

Manifestações, segundo tempo - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 13/08

Até a eleição de 2014, vai ser muito difícil saber do destino, das causas e das consequências de junho


NA FRANÇA, setembro é o mês da "rentrée sociale". Depois das férias de verão, vêm a volta ao trabalho, a volta às aulas ("rentrée scolaire") e a volta [do protesto] social. "Rentrée sociale" é quase intraduzível não apenas pela dificuldade idiomática mas também porque não temos algo semelhante às férias quase coletivas da França nem a tradição de protesto social.

Teremos "rentrée sociale" de agosto a setembro, após as férias dos estudantes, grupo maior das grandes passeatas de junho? Há manifestações "grandes" marcadas de amanhã até 7 de setembro, ao menos.

A pergunta é especulativa ou mal posta. Especulativa pelo motivo óbvio. Mal posta porque os protestos de junho parecem ter suscitado autodescobertas sociais e políticas. Não está em questão apenas uma re-volta da estudantada.

Em junho, a maioria dos manifestantes e simpatizantes não sabia que queria ir às ruas, que aprovaria as "manifs" e desaprovaria governantes em massa. O povo era "infeliz e não sabia", na frase do cientista político André Singer em coluna nesta Folha.

Depois da detonação maior do protesto, a coisa mudou. Grupos de manifestantes reconheceram suas diferenças políticas e sociais e até se estranharam. Grupos de interesse muito específico passaram a fazer manifestações quase diárias. Movimentos sociais da periferia fizeram "manifs" mas margens da cidade rica. Centrais sindicais e outras organizações mais antigas e politizadas tentaram espanar a poeira da sua burocratização.

Enfim, parte da massa amorfa de junho coalhou em novos blocos. Grupos tradicionais querem aproveitar o momento. Governo e oposição partidária calculam como lidar com os "seus" manifestantes.

Todos viram que o sistema político pode balançar. Quase ninguém parecia saber bem o que estava fazendo (para não dizer que havia burrice mesmo). Mas muita gente viu que "causou", como diz a gíria.

A incógnita maior é a maioria menos engajada, para quem junho pode ter sido apenas um destampatório, uma explosão similar à dos antigos quebra-quebras de bonde e ônibus do século passado. Não quer dizer que tenham ficado indiferentes ou intocados pelos gritos de junho. No entanto, podem não estar dispostos a voltar para a rua, mas para a inércia do repouso.

A maioria menos engajada talvez esteja à espera dos discursos de quem convoca novos protestos, de sua capacidade de organização e de criar um projeto político de fôlego.

A princípio, gatilhos e motivos de irritação não faltam, da crescente preocupação com o emprego a escândalos, como o metrô tucano ou os finalmentes do mensalão.

O que não se pode dizer é que "acabou". Dois meses é um tempo ínfimo em política maior. As pessoas aprendem com os protestos; recusam, aceitam ou criam identidades políticas, refazem o cálculo dos seus interesses. Sempre o fizeram, e podem fazê-lo de modo ainda mais intenso agora, com tantos meios de comunicação disponíveis, tanta oportunidade de se afirmarem e reivindicarem reconhecimento público (ou apenas narcísico, de "sub da sub da subcelebridade").

Até pelo menos a eleição do ano que vem, e olhe lá, vai ser muito difícil estimar causas e consequências de junho.

Novo curto-circuito - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 13/08

O erro do Ministério das Minas e Energia nas hidrelétricas do Rio Madeira é apenas um dos exemplos das falhas que rondam o setor de energia. Por não ter sido planejada a compatibilização de equipamentos de segurança, as usinas não poderão transmitir a energia que estarão aptas para gerar até o fim do ano, do contrário, as turbinas podem queimar.

O problema foi detectado, conta o repórter Daniel Rittner, do "Valor Econômico", em 2010. Desde então, nenhuma autoridade achou que fosse necessário contar o que acontece ao distinto público. As hidrelétricas foram viabilizadas com financiamento subsidiado e participação de estatais para manter em pé os consórcios, mesmo assim, o governo preferiu fazer uma conspiração do silêncio. Ministério das Minas e Energia, empresas, Operador Nacional do Sistema, Agência Nacional de Energia Elétrica, todos omitiram que, por erro de planejamento, não será possível escoar a energia a ser gerada por Santo Antônio e Jirau além de 1.100 Megawatts, porque o risco é de as usinas queimarem. Esconder a informação dessa falha já é um erro em si. Empresários do setor se diziam ontem apanhados de surpresa por mais esse imbróglio. O trio elétrico MME-Aneel-ONS e os consórcios conseguiram esconder do país o que o país tinha direito de saber.

As duas hidrelétricas foram licitadas com a capacidade de gerar, juntas, 6.400 MW. Depois, Jirau fez uma mudança no projeto elevando o número de turbinas e essa potência aumentou. Muito mais aumentou o preço. As duas custariam pouco mais de R$ 20 bilhões, segundo os números do leilão em maio de 2008. Em 2011, o custo das duas já tinha ido para R$ 28 bi e está terminando num valor superior a R$ 30 bi.

Santo Antônio já está iniciando a geração de algumas das 44 turbinas sem que haja como escoar a energia pela falta de linhas de transmissão. E o problema é que quando chegar no fim do ano, data de conclusão das obras, ainda será preciso resolver esse novo problema.

Soube-se dele só agora porque a ata da reunião de junho do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico informa que a Aneel registrou "preocupação" com a carta recebida do ONS no qual o problema é relatado. "Os sistemas de supervisão e controle das usinas e do complexo de transmissão não são compatíveis", informa o "Valor".

É um espanto de incúria administrativa e uma deliberada omissão de informação relevante. Procurada pelo jornal, a agência reguladora nada quis dizer. Temos uma agência que pensa que não é sua obrigação pronunciar-se sobre um fato espantoso como esse. O ONS admitiu que o problema existe, mas que "um atraso acabou ajudando o outro". Como há atraso da entrada de funcionamento das usinas e das linhas de transmissão, vai se tentar resolver o que deveria ter sido pensado desde o início: que os sistemas de segurança sejam compatíveis.

O setor de energia está sempre preparado para culpar as licenças ambientais por qualquer atraso que ocorra. Em relação a essas duas hidrelétricas houve tudo: erro nos projetos e processos, saída de empreendedores do consórcio de Jirau, brigas entre os grupos de Jirau e Santo Antônio, eclosão de protestos de trabalhadores no canteiro de Jirau. A revolta de trabalhadores foi contida com o uso da Força Nacional, o que é uma ironia. No governo de um partido que se chama "dos trabalhadores", usam-se recursos públicos e a Força Nacional em um conflito entre capital e trabalho.

Quanto vai custar esse atraso? Quem é o responsável pelo erro de planejamento? Por que isso foi escondido? O governo deve ao país muitas informações sobre esse nebuloso caso, do qual só se sabe quem vai pagar a conta: o contribuinte.

A terceirização e as centrais sindicais - JOSÉ PASTORE

ESTADÃO - 13/08

As centrais sindicais vêm desferindo uma campanha sistemática contra o Projeto de Lei (PL) n.º 4.330/2004, que busca disciplinar a contratação de serviços terceirizados. O argumento básico é que o projeto vai revogar direitos dos trabalhadores e precarizar ainda mais as relações do trabalho.

Tais bandeiras têm grande apelo popular. São fáceis de serem comunicadas. E, assim entendidas, criam grave insegurança entre os trabalhadores. Como todo slogan, elas mexem mais com o emocional do que com o racional. Ao examinar o PL 4.330 com isenção, porém, verifica-se o contrário. O projeto busca exatamente "desprecarizar" o que ainda está precarizado. Trata-se de um projeto de proteção, e não de desproteção dos trabalhadores. Alinho, aqui, os principais mecanismos que garantem a proteção:

Como terceirização é uma atividade de parceria entre contratante e contratada, o PL coloca os dois lados como reais parceiros. A contratante será corresponsável pelo pagamento de todas as verbas trabalhistas e previdenciárias dos empregados da contratada referentes ao contrato firmado;

Além disso, os contratos de prestação de serviços contarão com um fundo de garantia (4% a 6% do valor do contrato) para fazer frente ao pagamento das verbas trabalhistas e previdenciárias aos empregados da contratada no caso de eventual dificuldade. Os recursos desse fundo só serão liberados à contratada após a comprovação de que todas as obrigações com seus empregados foram devidamente cumpridas;

A contratante será diretamente responsável por criar um ambiente de trabalho que garanta condições de higiene e segurança para todos os empregados da contratada, respeitadas as normas regulamentadoras nesse campo;

A contratante terá responsabilidade direta de atender os empregados da contratada nos seus ambulatórios, assim como será obrigada a oferecer a estes as facilidades de alimentação e transporte que destina aos seus próprios empregados;

A contratada terá de ser uma empresa especializada na prestação do serviço, não podendo ser do tipo "faz-tudo", como ocorre hoje. O PL estabelece uma importante distinção entre terceirização (permitida) e intermediação de mão de obra (proibida).

É falso, portanto, o argumento de que a nova lei, se aprovada, precarizará mais a contratação de serviços terceirizados. Nenhuma das exigências acima mencionadas existe na situação atual. A contratante não é definida como parceira da contratada nem tem o conjunto de responsabilidades que passará a ter com o novo diploma legal. E nenhum direito trabalhista será revogado.

Com todo respeito que tenho pelo importante papel das centrais sindicais no processo de modernização das relações do trabalho no Brasil, não entendo como elas podem passar uma mensagem distorcida para os trabalhadores. Sei que os seus dirigentes vêm acompanhando a evolução do PL 4.330/2004 passo a passo e, por isso, estão a par dos avanços ali incluídos. Sua insatisfação com uma eventual fragmentação das bases sindicais (que no meu entender inexiste) não pode ser motivo para desfigurarem as propostas de melhoria do projeto aos olhos de seus filiados.

Lamentavelmente, a grande imprensa tampouco se interessou em detalhar para o grande público o esforço que os parlamentares vêm fazendo no sentido de melhorar substancialmente a situação dos trabalhadores que participam dos processos de terceirização de serviços. O PL 4.330/2004, se aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, onde está agora, terá um curso longo, tendo de passar pelo plenário daquela Casa e, em seguida, pelo Senado Federal. Por isso, a desinformação reinante não pode continuar. Trabalhadores, empresários, magistrados, advogados, auditores fiscais e outros profissionais precisam conhecer bem o que está sendo discutido. É isso que me levou a escrever este artigo.

O governo se moveu - ANTÔNIO DELFIM NETO

VALOR ECONÔMICO - 13/08

Nada indica melhor as incertezas do mundo e o desespero por uma boa notícia do que as esperanças levantadas por um fato aleatório: um superávit comercial da China de US$ 18 bilhões, acompanhado por um aumento de 11% das suas importações de julho de 2013 sobre o seu homólogo de 2012.

Depois de meses de dúvidas sobre a economia chinesa, seu desequilíbrio interno e as dificuldades de seu sistema bancário, uma observação - apenas uma - antecipou o dia quando a noite ainda nasce. Como por milagre produziu a "volta do apetite de risco" dos mercados internacionais. No Brasil, vitimado por um pessimismo devastador, a Bovespa reagiu: subiu 3,12% e - vejam que efeito misterioso tem uma observação aleatória chinesa - até a ação da OGX ON subiu 9,25% (para R$ 0,59!).

Diante de tão forte demonstração da qualidade das "expectativas racionais" dos mercados financeiros e de sua volatilidade, não é possível deixar de perguntar de onde vem o radical desânimo que se abateu sobre o empresariado nacional. É verdade que fatos são fatos e não podem deixar de sê-lo. Estamos crescendo pouco, temos uma inflação desconfortável e um déficit em conta corrente que merece atenção. São menos resultados da conjuntura externa, ou de "erros" de política econômica inconsequente, e mais efeitos indesejados de uma política consciente de redução das desigualdades.

Não há a menor dúvida que poderia ser melhor se, por exemplo, não tivéssemos usado as empresas estatais como instrumentos de controle da inflação. O controle de preços dos combustíveis tem efeitos deletérios: 1) produz uma alocação defeituosa dos fatores de produção, que reduz a produtividade de todo o sistema econômico; 2) destrói o setor de etanol que atendendo a um forte apelo e estímulo do governo, investiu na sua produção; 3) aumenta o congestionamento urbano e a poluição; 4) prejudica a própria Petrobras (e seus acionistas) que tem usos alternativos mais eficientes para seus recursos; e, por último, e mais importante 5) destrói a crença do setor privado na coerência e na seriedade do governo. Não há nada mais destruidor da confiança do setor privado nas autoridades do que promessas de longo prazo quebradas por ações oportunísticas no curto prazo.

O atual pessimismo, entretanto, não encontra correspondência nos dados da conjuntura social e econômica. Com relação à política fiscal, é claro que ela continua expansiva, mas a relação dívida bruta/Produto Interno Bruto é ligeiramente menor do que 60% e os déficits fiscais dos últimos anos têm ficado abaixo de 3% do PIB. A situação não é confortável, mas está longe de representar uma tragédia.

Com relação à taxa de inflação, parece que o Banco Central deixou de aceitar passivamente a dominância fiscal. Instituiu seu próprio indicador de "déficit estrutural" para balizar a taxa de juros e dá claros sinais de que, se não for ajudado por uma política fiscal adequada, vai elevá-la até onde achar necessário. A observação de julho (IPCA de 0,03%) confirmou o que o governo sempre disse: nunca houve qualquer ameaça de perda de controle da taxa de inflação acumulada em 12 meses. Ela retornou ao teto da "banda" e, mais importante, houve uma redução do índice de difusão.

Aqui, também, o apocalipse não está na esquina, apesar de a situação ser constrangedora. Somos um dos cinco países (excluídos a Argentina e a Venezuela) dos acompanhados pela revista "The Economist" que apresentam taxa de inflação nos últimos 12 meses acima de 6%.

Os recentes ajustes na política cambial mostram que as autoridades acordaram para o problema criado pelo estímulo espetacular ao aumento dos salários nominais desde 2003 (muito acima da produtividade do trabalho) combinado com uma desastrosa política de valorização cambial promovida pela maior taxa de juro real do universo. Até muito recentemente a taxa de câmbio real do Brasil foi a mais valorizada do mundo. Colhemos os seus efeitos na acumulação de um déficit em conta corrente de mais de US$ 250 bilhões entre 2009 e 2013! É o resultado não intencional da política equivocada de valorizar o câmbio no combate à inflação, que destruiu o nosso sofisticado setor industrial.

Mas há boas notícias. Pelos recentes pronunciamentos do ministro da Fazenda, Guido Mantega, é visível que o governo está mudando. Absorveu: 1) a desagradável ideia que empréstimo interno do Tesouro não é recurso novo e que não há mais espaço para ação fiscal. O que lhe resta é cooptar o setor privado com leilões bem projetados para a realização dos investimentos em infraestrutura; 2) que não há mais condição de usar expedientes imaginosos na luta contra a inflação. Ela é o resultado indesejado da sua própria ação; e 3) que uma política realista de câmbio é um dos caminhos para a indispensável reconstrução industrial. É visível a melhora na interlocução entre o governo e o setor privado de infraestrutura.

Não é possível deixar de reconhecer, por outro lado, que todo aquele passivo teve como compensação um substancial ativo: a construção de uma sociedade mais civilizada e mais igualitária. É tempo, portanto, de dissipar as desconfianças e as incertezas implícitas na relação conflituosa entre o governo e o setor privado, que hoje é o principal ingrediente do sistemático adiamento dos investimentos. O governo deu o primeiro passo. É a vez do setor privado.

Onde está a oposição? - ONYX LORENZONI

ZERO HORA - 13/08

Para cada voz da oposição que se levanta, há quatro governistas para revidar


De início, é preciso entender que a oposição é numericamente muito menor. Dos 513 deputados federais, apenas 90 são de oposição. Logo 82,5% da Câmara é governista e somente 17,5% dos deputados são de oposição.
Na bancada gaúcha, a situação é ainda pior. Dos 31 deputados, somos apenas dois na oposição. O Basômetro demonstra que somente dois deputados têm menos que 50% de governismo. E que, entre 50% e 75%, há apenas mais três. A imensa maioria limita-se a dizer amém para praticamente tudo o que o governo lhe impõe. Resultado do governismo desenfreado que lamentavelmente faz parte da história política do Brasil e agora também do Rio Grande do Sul.
A visão geral é de que a oposição se opõe. Logo, seu papel seria ir contra tudo, o tempo todo. É uma visão incompleta da democracia. A oposição é uma proposta alternativa, uma visão diferente.
Essa imagem negativa da oposição tem raízes históricas. Por longos anos, a atuação política do PT na oposição foi ser contra tudo. Foi contra Tancredo Neves e a Constituição, contra o Plano Real, a reeleição, o câmbio flutuante, as metas de inflação, a lei de responsabilidade fiscal, e os programas sociais de FHC, que aglutinados viraram o Bolsa Família. Não é de se surpreender que, para muitos, oposição é “ser do contra”.
A oposição atua em todos os espaços que possui, na tribuna do plenário, nas comissões, na mídia, na articulação com a comunidade. Mas é preciso lembrar que para cada voz da oposição que se levanta, há quatro governistas para revidar.
Algumas medidas populares têm ocultado grandes prejuízos (menos óbvios) para o nosso país. Muito foi combatido e há muito por combater. Nós praticamente não crescemos (como fizeram países latino-americanos e do Brics); a inflação voltou ao nosso cotidiano; nossa produção é comprometida por uma infraestrutura sucateada e sufocada pelos impostos; em vez de enfrentar o caos da saúde o governo quer importar médicos cubanos; isso sem falar nos ataques ao STF, ao Ministério Público e à imprensa.
E isso não é tudo. Passamos por uma centralização crescente no governo federal. Ela é o fermento da corrupção e mãe da “burrocracia”. Vimos o governo destroçar o pacto federativo e transformar nossos prefeitos em pedintes sem um orçamento que lhes permita governar. Vimos o governo comprar apoio com 39 ministérios e desperdiçar nosso dinheiro em bilionários estádios de futebol. Vemos o governo praticamente quebrar a Petrobras e esbanjar em publicidade como nunca se imaginou possível.
Não é este o Brasil que nós queremos. A oposição seguirá batalhando para que a vida dos brasileiros seja boa de verdade e não apenas uma peça de propaganda oficial.

O ocaso da rainha Cristina - CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SP - 13/08

Resultado das primárias dá a entender que é quase impossível que a presidente possa obter a re-reeleição


A hipótese de re-reeleição de Cristina Kirchner parece ter sido sepultada pelos resultados das primárias realizadas domingo.

É verdade que a FpV (Frente para a Vitória, a coligação inventada pelo kirchnerismo) obteve a maioria relativa dos votos, mas, mesmo que a vitória se repita na eleição para valer, em outubro, não será o suficiente para alcançar os 2/3 em cada Casa do Congresso necessários para reformar a Constituição de forma a autorizar uma segunda reeleição.

É sintomático que, na retórica usualmente triunfalista do kirchnerismo, um de seus expoentes, o intelectual Ricardo Forster, tenha jogado "para depois de 2015" o debate sobre a reforma da Constituição.

É o ano em que termina o mandato de Cristina. Para obter um novo período, ela precisaria de uma vitória esmagadora nas eleições de outubro, que renovam metade da Câmara e um terço do Senado.

As primárias realizadas no domingo eram tidas como uma grande pesquisa de opinião pública para a votação de outubro.

Se foi assim, Cristina perdeu, mesmo nas contas de um colunista do "Página 12", o jornal que a apoia incondicionalmente: "O governo obteve menos votos do que os calculados, na maioria dos distritos e no total geral", escreveu Mario Wainfeld.

Acrescentou: "O resultado conseguido pela Frente para a Vitória e seus aliados de ferro esteve abaixo de 30%, que é um piso baixo para a sua história e suas pretensões".

Se é esse o ânimo entre os simpáticos à presidente, é natural que no polo contrário haja euforia. O jornal "Clarín", a principal oposição ao governo, brada: "O kirchnerismo sofreu ontem a pior derrota eleitoral na década que está no poder, e que, a dois anos do fim do segundo mandato de Cristina Kirchner, parece antecipar o final de um ciclo político".

De fato, é razoável supor que se trata do início do fim do ciclo mais longo de um único sobrenome na Presidência da Argentina.

Os Kirchner completarão 12 anos no poder, os quatro primeiros (2003/07) com Néstor, os oito seguintes com Cristina.

Nem o general Juan Domingo Perón, o patrono do casal, chegou a tanto. Em seus três períodos, totalizou dez anos de governo, tantos quanto Carlos Menem, que governou de 1989 a 1999.

É óbvio que, em democracia, só se consegue durar tanto no poder mostrando serviço, o que os Kirchner fizeram: içaram a Argentina da mais grave crise econômico-social de sua história.

Se, agora, o ciclo chega ao fim, é porque Cristina brigou com gente demais simultaneamente, dos ruralistas a seu vice no primeiro mandato, do "Clarín" ao líder sindical Hugo Moyano.

Essa percepção esteve muito presente na avaliação do grande vencedor das primárias, Sergio Massa (com quem, aliás, Cristina também se desentendeu, depois de tê-lo içado a chefe de gabinete): "Os que nos acompanharam [nas primárias] disseram basta' ao confronto na Argentina".

Só a eleição legislativa de outubro começará a dizer se Massa será de fato a cara de um eventual novo ciclo.

Um vazio diplomático - RUBENS BARBOSA

O GLOBO - 13/08

Em Assunção recorda-se a Tríplice Aliança (Argentina, Brasil e Uruguai), repetida agora na punição ao Paraguai pelo Mercosul



Em momento delicado para as relações com os parceiros do Mercosul, assume no Paraguai, no próximo dia 15, um novo presidente: Horácio Cartes.

O relacionamento com o Paraguai é exemplo de desacertos na área externa e mostra como a ideologização pode ser contrária ao interesse nacional. É longa a sequência de equívocos. O aumento na sobretaxa paga ao Paraguai pela energia de Itaipu, com custo de bilhões de dólares para a sociedade brasileira. Perseguição impiedosa aos brasiguaios, apesar de a imensa maioria daquela comunidade ter nascido no Paraguai e possuir cidadania guarani, sem maior reação de Brasília. Quando o Congresso paraguaio, por imensa maioria e de acordo com as regras definidas em sua Constituição, destituiu Lugo por “mau desempenho de suas funções”, a decisão foi referendada pela Corte Suprema e pelo próprio ex-presidente. O Brasil e seus vizinhos do Mercosul, no entanto, alegando violação da cláusula democrática, resolveram que nem as instituições, nem o povo paraguaio — que em sua maioria apoiou a decisão — sabiam o que era legítimo ou sequer melhor para eles, suspenderam o país do bloco e retiraram seus embaixadores do Paraguai.

O vazio político-diplomático deixado por esse episódio não causou um mal maior porque o setor privado brasileiro e paraguaio se articulou e avançou uma agenda de interesse reciproco. A Fiesp promoveu em São Paulo seminário sobre oportunidades de negócios e planeja encontros entre empresas dos dois países, um grande seminário e uma semana do Paraguai, depois da posse do novo presidente.

Nos últimos anos, o Brasil definiu uma série de parcerias estratégicas com outros países. Poucas, no entanto, podem ser mais relevantes do que a com o Paraguai: 350 mil brasileiros lá vivem e trabalham; 20% de toda energia consumida na região mais industrializada de nosso pais dependem da potência gerada por Itaipu, inclusive a não consumida pelo Paraguai.

Não resisto em fazer referência à opinião do então ministro do exterior, Barão do Rio Branco, sobre as relações Brasil-Paraguai. De forma lapidar, definiu qual deveria ser o tom das relações bilaterais, em 1903, em um contexto que ainda tinha bem presentes os acontecimentos militares e as disputas na Bacia do Prata: “O Brasil é e será sempre amigo do Paraguai quaisquer que sejam seus governantes.” É importante resgatar essa percepção, no momento que altos funcionários do governo de Assunção recordam a formação da Tríplice Aliança (Argentina, Brasil e Uruguai) contra o Paraguai no conflito do século XIX, repetida, por coincidência, agora na questionável punição ao Paraguai pelo Mercosul.

Cem anos depois, o ensinamento foi esquecido em nome de afinidades ideológicas e de uma agenda que não favorece o Brasil. O relacionamento com os países da América do Sul será o maior problema que o Itamaraty deverá enfrentar nos próximos anos.

Página virada - DORA KRAMER

O Estado de S.Paulo - 13/08

A mesma pesquisa do Datafolha que registrou recuperação de cinco pontos porcentuais na avaliação positiva da presidente Dilma Rousseff, mostrou que o Congresso continua mal na foto. Com toda a "agenda positiva", acrescentou nove pontos ao seu sempre bem fornido índice de reprovação.

Isso não significa que deputados e senadores deixarão de lado a "agenda impositiva" ao Palácio do Planalto nem que passarão a gostar da presidente, muito menos que ela vá se arriscar tão cedo a menosprezá-los.

Uma coisa é a conversa entre Executivo e Legislativo. Outra bem diferente é a relação deste último com a sociedade, em processo acelerado e constante de desgaste por motivos que nada têm a ver com o estado das coisas na economia.

A questão ali é de má conduta. Digamos que o uso indevido de aviões da FAB, das verbas de representação para despesas particulares e a proposta de dispensa do compromisso com a ética no juramento de posse nos mandatos - para citar peripécias conhecidas após os protestos de junho - não tenham ajudado na melhoria da opinião do público sobre suas excelências.

Se a rejeição da PEC 37, a aprovação do projeto que torna a corrupção crime hediondo e o arquivamento da proposta da chamada "cura gay" não amenizaram a rejeição, vai piorar muito se o Legislativo resolver preservar os mandatos dos parlamentares condenados pelo Supremo Tribunal Federal.

Todo mundo se lembra da celeuma criada pela Câmara e o Senado quando o STF votou pela cassação automática dos deputados José Genoino, João Paulo Cunha, Valdemar Costa Neto e Pedro Henry assim que transitadas em julgado as sentenças do mensalão.

Houve quem admitisse até a hipótese de escondê-los nas dependências do Parlamento. Uma discussão inútil. E não só porque os dois mais novos ministros da Corte, Luís Roberto Barroso e Teori Zavascki, alteraram o entendimento da maioria anterior. Ao julgar e condenar o senador Ivo Cassol na semana passada, ambos consideraram que a palavra final sobre os mandatos cabe ao Legislativo.

A inutilidade do debate tem uma razão mais simples: não se admite a hipótese, nem por voto secreto e maioria absoluta, de a Câmara decidir que o deputado Natan Donadon - condenado a mais de 13 anos de prisão e preso há pouco menos de dois meses -, possa continuar no exercício do mandato.

O relator do processo, deputado Sergio Sveiter, marcou para ontem a entrega de seu parecer à Comissão de Constituição e Justiça, mas não quis adiantar o conteúdo. Como se houvesse a menor condição de ser contrário à cassação do deputado que cumpre pena no presídio da Papuda (Brasília) em regime fechado.

No mínimo acabaria perdendo o mandato por excesso de faltas, embora não se tenha notícia de nada parecido desde que os deputados Felipe Cheidde e Mário Bouchardet foram cassados, em 1989, por faltarem a um terço das sessões legislativas.

De lá para cá valeu a regra da vista grossa. Mas, com o deputado na prisão, não haverá CCJ, plenário, votação secreta ou falta de quorum que salve seu mandato.

Por analogia, destino semelhante terão os outros cujas sentenças ainda estão para ser executadas. De onde tanto faz como tanto fez se a última palavra cabe ou não aos deputados e senadores. A menos que o Congresso decida desmoralizar a Justiça e despertar a ira das ruas em nome de coisa nenhuma, essa sim é uma página virada.

Avesso. Até maio o PMDB ameaçava romper a aliança com Dilma em 2014 se o PT não apoiasse o vice de Sérgio Cabral na eleição para governador do Rio e insistisse na candidatura de Lindbergh Farias.

Passados os eletrizantes meses de junho e julho, agosto começa com Cabral pedindo ao PT que esqueça esse assunto de rompimento e a direção nacional do PMDB dando o dito pelo não dito.

Chega de propaganda sectária - CARLOS MELO E EUGÊNIO BUCCI

FOLHA DE SP - 13/08

O desafio não poderá ser resolvido por uma presidente só e solitária. Ele apenas será equacionado com diálogo entre correntes diversas


"Só o governante que respeita as leis de sua gente e a divina justiça dos costumes mantém sua força porque mantém sua medida humana. Em mim só manda um rei: o que constrói pontes e destrói muralhas." (Sófocles)

Assim como a liberdade exige as ruas e as praças, a política exige o diálogo. Falamos aqui do diálogo de verdade, da vontade de buscar entendimentos, não de proselitismos ou de persuasões maliciosas.

A máquina de comunicação do governo federal, com farto dispêndio de recursos públicos, não pode ser entendida como esforço de diálogo algum, pois não cultiva a capacidade rara de ouvir.

Quando muito, constitui um martelar de ideias prontas e respostas fechadas: o sectarismo ideológico em forma de propaganda. Onde abunda o marketing insensível (pois existe o bom marketing), falta diálogo franco, aberto e desarmado.

Os problemas do Brasil não serão sanados com platitudes publicitárias. Menos ainda com dramatizações em defesa de um governo que, de resto, ninguém quer derrubar.

As regras do jogo não estão ameaçadas. Portanto, uma retórica sofismática e emocional em torno de reconhecidas conquistas não faz sentido. Os dotes de comunicador popular que sobram em Lula e que faltam impiedosamente em Dilma já não dão conta do recado e soam insinceros: o buraco é mais embaixo e a saída se dará pelo alto.

Não obstante, foi nos fármacos da marquetagem que a presidente da República buscou remédio para sua primeira reação às manifestações de junho. Recapitulemos. As ruas expressaram um descontentamento amplo e profundo com a ineficiência do Estado brasileiro. De início, a máquina pública se refugiou na indiferença burocrática. Depois, as autoridades, a presidencial e outras, foram se arriscar na linguagem do espetáculo. Deu errado.

O pronunciamento da presidente, tentativa de jogar para a plateia, não funcionou. Prometeu realizar, sem a participação do Congresso, uma reforma política. Apostou tudo numa saída quase mágica: um discurso fatal, uma bala de prata da oratória.

Não deu certo, claro. Faltaram-lhe o engenho, a arte, o diálogo. Não apenas com manifestantes, mas com partidos e instituições; diálogo com a sociedade civil, seja ela organizada em moldes tradicionais, seja com novos atores.

Ir à TV não basta, mostrou o malogrado discurso presidencial. Sem querer, Dilma assumiu a responsabilidade não apenas pelo quinhão de crise que lhe cabia, mas por várias outras crises que não eram da sua esfera. Inadvertidamente, adotou uma postura autocrática, centralizadora, quase bonapartista.

O que conseguiu foi ferir o brio do Congresso Nacional. Não que parlamentares e partidos estejam isentos de responsabilidades. Todos, ou quase todos, são responsáveis ou cúmplices, mas o desprezo pela institucionalidade e a falta de interlocução com a sociedade não nos conduzirão a bom termo.

O monólogo pode degradar em solilóquio. O desafio tem isso de fascinante: não poderá ser resolvido por um lado só, por um só partido, por uma presidente só e solitária. Ou será equacionado com diálogo entre correntes diversas, com vistas ao aprimoramento institucional, ou não será vencido. A polarização do debate deu seus cachos, mas já cansou.

O país precisa de pontes, não de muralhas. Precisa de denominadores comuns, mais do que de confrontos; conversas de boa-fé, não ameaças. Posições ideológicas diferentes não precisam buscar a eliminação uma da outra. Podem encontrar caminhos comuns para o estabelecimento de uma agenda nova, comprometida com uma democracia mais inclusiva e próspera.

Não precisamos ir longe: este artigo só foi possível graças ao diálogo entre pontos de vista distintos.

Diálogo não arranca pedaço. Numa escala maior, poderia render benefícios muito mais duradouros ao país e à nossa gente.

Os riscos do mensalão - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 13/08
A mudança da pauta do recomeço do julgamento do mensalão tem a ver com a impossibilidade de o Ministro Teori Zavascki estar presente à primeira sessão, amanhã, devido ao falecimento de sua mulher, mas atende também a uma preocupação do presidente do STFJoaquim Barbosa, de ganhar tempo para colocar em votação a admissibilidade dos embargos infringentes. Há uma divisão no plenário quanto ao tema.
A definição do plenário será decisiva para o decorrer do julgamento, pois, se a maioria considerar que ainda são aceitáveis, dois itens serão julgados novamente: formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. A posição do presidente do STF é a de que os embargos infringentes deixaram de existir nas ações originárias dos Tribunais Superiores depois da lei 8.038/90, que regulamentou os processos naqueles tribunais segundo a Constituição de 1988, sem prevê-los.

Em artigo aqui mesmo no GLOBO, a ministra Ellen Gracie, ex-presidente do STF, escreveu que "nos termos do § 1º, do art. 2º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro: A lei posterior revoga a anterior (&) quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior".

O mais recente ministro indicado para o Supremo, Luís Roberto Barroso, disse na sabatina no Senado que, na "teoria", o Regimento Interno do STF, que prevê os embargos infringentes, perdeu o status de lei com a Constituição de 1988, que "vedou essa competência normativa primária", e o regimento passou a ter competência limitada.

A tendência de Gilmar MendesMarco Aurélio Mello e Luiz Fux é seguir esse entendimento. Também os ministros Teori Zavascki e Rosa Weber, que vieram do Superior Tribunal de Justiça, devem ter o mesmo entendimento, embora não o tenham revelado, pois o STJ, por ter sido criado depois da Constituição, não prevê os embargos infringentes em ações originárias.

Mas a posição do decano Celso de Mello tem peso, e ele já a antecipou no próprio julgamento do mensalão, registrada no acórdão: "Não obstante a superveniente edição da lei 8.038/90, ainda subsiste, com força de lei, a regra consubstanciada no artigo 333, parágrafo I, do Regimento Interno do STF, plenamente compatível com a nova ordem ritual estabelecida para os processos penais originários instaurados perante o STF".

Celso de Mello considera que os embargos infringentes auxiliarão "a concretização, no âmbito do STF, do postulado do duplo reexame, que torna pleno o respeito ao direito consagrado". A decisão ganhou importância depois que, no julgamento do senador Ivo Cassol, os novos ministros Teori Zavascki e Luís Roberto Barroso juntaram-se aos outros quatro ministros que, no julgamento do mensalão, consideraram que não houve formação de quadrilha.

Já escrevi aqui que, num sistema de Justiça equilibrado, com um esquema penitenciário sem distorções como aquelas que temos no Brasil, não haveria nenhum problema em que as penas do ex-ministro José Dirceu e de outros fossem reduzidas numa eventual revisão de julgamento sobre o crime de formação de quadrilha, ou lavagem de dinheiro, por exemplo.

De qualquer maneira, a condenação dos réus do mensalão já está dada. Só aceitar uma pena que o coloque em regime fechado, como a que está condenado, seria apenas uma vingança política. Mas a triste realidade brasileira é que a transformação da condenação em regime semiaberto significa na prática uma manobra para que o réu de colarinho branco acabe escapando da cadeia, pois não existem no país prisões albergues suficientes.

Os condenados a regime semiaberto acabam mesmo em prisão domiciliar, com todas as regalias inerentes. Outro temor é que o próprio Dirceu e outros réus se aproveitem de uma decisão de que não houve formação de quadrilha para alegar que o julgamento todo tem que ser revisto, pois a base da denúncia da Procuradoria Geral foi que Dirceu chefiou uma quadrilha de dentro do Palácio do Planalto.

Mesmo que corrupção ativa e formação de quadrilha sejam crimes autônomos, o nexo da acusação pode vir a ser contestado, no mínimo para ganhar tempo com novos recursos. Só não há, aparentemente, perigo de prescrição, pois, de acordo com o artigo 109 do Código Penal, a prescrição da pena, se superior a quatro anos e não excedente a oito, acontece em 12 anos. Mas, no Brasil, nunca se sabe...