FOLHA DE SP - 29/06
RIO DE JANEIRO - Foi no tempo das indiretas. Em janeiro de 1985, Paulo Maluf e Tancredo Neves disputaram a Presidência da República pelo voto dos 660 deputados e senadores que compunham o então Colégio Eleitoral. Maluf era o candidato do governo, ainda militar; Tancredo, da oposição. Pelos manuais vigentes, Maluf teria o voto fisiológico, dos políticos que não admitiam perder a boca; Tancredo, o ideológico, dos que, de fato, queriam a volta à democracia.
Um ano antes, Maluf levaria de barbada --a maioria dos políticos não gostava de desagradar os mili- tares. Só que, naquele ínterim, milhões de brasileiros tinham saído às ruas exigindo eleições diretas. Não conseguiram, mas os políticos sentiram a mudança do vento. No dia da eleição, Tancredo ganhou por 480 a 180, com 26 abstenções. Significando: os fisiológicos se passaram em massa para o seu lado, e os que aceitaram perder com Maluf o fizeram por motivos, quem sabe, ideológicos.
Desde então, entra Sarney, Collor, Itamar, FHC, Lula ou Dilma, e lá estão eles, sacrificando-se pela nação e sempre à disposição do poder, não importa de onde seja emanado. Políticos são como água, tomam a forma que os contêm --mas os nossos assombram pela flexibilidade de suas convicções.
Neste momento, por exemplo, ao som das ruas, eles estão batendo todos os recordes de aceitação da pauta popular. Nos últimos dias, cancelaram os reajustes de passagens de ônibus e de pedágios nas estradas, reduziram tarifas de transporte, destinaram os royalties do petróleo para educação e saúde, derrubaram a PEC 37, consideram acabar com o voto secreto entre eles e, intrépidos, tornaram a corrupção crime hediondo, aumentando as penas e levando à prisão dos políticos condenados.
"Pode o leopardo mudar suas pintas?", perguntou o profeta Jeremias (13:23). Os de Brasília podem.
sábado, junho 29, 2013
Foco na infiltração - ZUENIR VENTURA
O GLOBO - 29/06
Não sei quem lançou a moda, nem onde nem quando, mas o fato é que a palavra “foco” alastrou-se como uma epidemia, isto é, de maneira “viral”, para usar outro modismo vocabular. O termo está em toda parte, passou a frequentar os mais variados ambientes e parece capaz de resolver todos os nossos problemas — ou de criá-los. Diz-se que o governo Dilma não perdeu o rumo, “perdeu o foco”. A seleção venceu não porque jogou melhor, mas porque finalmente “encontrou o foco”, explicou um comentarista na televisão. Os partidos de oposição são contra a proposta de plebiscito porque se trata de uma tentativa de “desviar o foco” da onda de protestos que tomou conta das ruas. Como não podia deixar de ser, a moda chegou também aos jovens manifestantes. Líderes do movimento têm enfatizado a necessidade de prestar atenção, ou melhor, de ‘focar” no risco de desvirtuamento das manifestações causado pela infiltração de vândalos, arruaceiros e demais bandidos encapuzados. Já está virando praxe: as passeatas começam pacíficas, ordeiras, vão engrossando e acabam em arrastões, com quebra-quebra, bombas, saques e conflitos. Seis pessoas já morreram em Minas, SP, Pará e Goiás.
Representantes do Movimento Passe Livre chegam a desconfiar, sem provas, de que a PM de SP esteja infiltrando agentes para incitar a desordem nos protestos, uma hipótese repelida pela polícia. De qualquer modo, segundo eles, os cuidados “foram redobrados”. Por outro lado, já se notam em certos setores da sociedade sinais de preocupação e medo. No Rio, como mostrou ontem a repórter Laura Antunes, houve uma queda de até 50% no faturamento de shoppings, lojas de rua, hotéis e bares nos quatro dias de tumultos na cidade. Clínicas médicas e odontológicas também tiveram prejuízo. O boato espalhado pelas redes sociais de que haverá uma greve geral na segunda-feira já serviu para cancelar reservas em restaurantes da Zona Sul carioca.
Além disso, há o estresse de parte a parte. “O cansaço físico e mental está visível no semblante de cada PM”, registrou a repórter Ana Cláudia Costa. Como exigir serenidade de policiais que há duas semanas estão virando sem folga e sob tensão? Também entre os manifestantes não se sabe até quando vai ser possível manter esse ritmo quase ininterrupto de participação. Talvez por isso já surjam entre eles divergências e dissidências, o que é mais ou menos natural. É uma questão, digamos, de foco. Risco mesmo, capaz de corroer o movimento, é a insistente infiltração dos marginais.
Não sei quem lançou a moda, nem onde nem quando, mas o fato é que a palavra “foco” alastrou-se como uma epidemia, isto é, de maneira “viral”, para usar outro modismo vocabular. O termo está em toda parte, passou a frequentar os mais variados ambientes e parece capaz de resolver todos os nossos problemas — ou de criá-los. Diz-se que o governo Dilma não perdeu o rumo, “perdeu o foco”. A seleção venceu não porque jogou melhor, mas porque finalmente “encontrou o foco”, explicou um comentarista na televisão. Os partidos de oposição são contra a proposta de plebiscito porque se trata de uma tentativa de “desviar o foco” da onda de protestos que tomou conta das ruas. Como não podia deixar de ser, a moda chegou também aos jovens manifestantes. Líderes do movimento têm enfatizado a necessidade de prestar atenção, ou melhor, de ‘focar” no risco de desvirtuamento das manifestações causado pela infiltração de vândalos, arruaceiros e demais bandidos encapuzados. Já está virando praxe: as passeatas começam pacíficas, ordeiras, vão engrossando e acabam em arrastões, com quebra-quebra, bombas, saques e conflitos. Seis pessoas já morreram em Minas, SP, Pará e Goiás.
Representantes do Movimento Passe Livre chegam a desconfiar, sem provas, de que a PM de SP esteja infiltrando agentes para incitar a desordem nos protestos, uma hipótese repelida pela polícia. De qualquer modo, segundo eles, os cuidados “foram redobrados”. Por outro lado, já se notam em certos setores da sociedade sinais de preocupação e medo. No Rio, como mostrou ontem a repórter Laura Antunes, houve uma queda de até 50% no faturamento de shoppings, lojas de rua, hotéis e bares nos quatro dias de tumultos na cidade. Clínicas médicas e odontológicas também tiveram prejuízo. O boato espalhado pelas redes sociais de que haverá uma greve geral na segunda-feira já serviu para cancelar reservas em restaurantes da Zona Sul carioca.
Além disso, há o estresse de parte a parte. “O cansaço físico e mental está visível no semblante de cada PM”, registrou a repórter Ana Cláudia Costa. Como exigir serenidade de policiais que há duas semanas estão virando sem folga e sob tensão? Também entre os manifestantes não se sabe até quando vai ser possível manter esse ritmo quase ininterrupto de participação. Talvez por isso já surjam entre eles divergências e dissidências, o que é mais ou menos natural. É uma questão, digamos, de foco. Risco mesmo, capaz de corroer o movimento, é a insistente infiltração dos marginais.
O verdadeiro pulso da nação - CORA RÓNAI
O GLOBO - 29/06
O melhor ponto de observação para as manifestações são as redes sociais, notadamente o Facebook. Nelas é possível não só acompanhar a reação das pessoas em tempo real, mas também ver a pouca, ou nenhuma, penetração do governo, em suas várias instâncias, na internet - o que talvez explique porque os protestos surpreenderam tanto os políticos, afastados da verdadeira opinião dos seus súditos por camadas de mordomias e de ocupantes de cargos de confiança.
O melhor ponto de observação para as manifestações são as redes sociais, notadamente o Facebook. Nelas é possível não só acompanhar a reação das pessoas em tempo real, mas também ver a pouca, ou nenhuma, penetração do governo, em suas várias instâncias, na internet - o que talvez explique porque os protestos surpreenderam tanto os políticos, afastados da verdadeira opinião dos seus súditos por camadas de mordomias e de ocupantes de cargos de confiança.
Mesmo os políticos com presença mais assídua na rede nem sempre entendem os seus mecanismos.
O senador Roberto Freire, por exemplo, passa a maior parte do tempo que dedica ao Twitter respondendo a ofensas e dando trela a provocações.
Lamento, mas esse ruído - que afasta as pessoas interessadas em conversar e atrai os baderneiros virtuais - não pode ser confundido com diálogo.
A presidente, por sua vez, em plena época de descontentamento geral, passou os dois últimos dias recebendo representantes de movimentos sociais...
ligados ao governo! Ora, não é com eles que ela tem que se entender, como deixa claro a gritaria na rede, e sim com as pessoas que estão de fora das boquinhas.
Os movimentos sociais governistas, que nunca viveram tão bem, estão muito satisfeitos com Dilma e com o PT.
Em pleno ano de 2013, não é assim que se faz. Se a presidente está mesmo a fim de ouvir a população, o melhor a fazer é dar um bordejo pela internet.
Ela nem precisa perder seu precioso tempo navegando os mares da insatisfação pessoalmente; basta pedir um bom clipping a seus assessores. Se fizesse isso, evitaria o gol contra de "rezar para os convertidos", que é como os angloparlantes dizem "chover no molhado".
E o governador? No meio da semana, fez uma reunião com meia dúzia de gatos pingados que pertenceriam, supostamente, ao grupo de manifestantes acampado em frente à sua casa. Saindo do palácio, o tal grupo criou uma página no Facebook modestamente intitulada "Somos o Brasil" e postou um texto melancólico, em que se apresentava como voz das massas e alardeava uma próxima visita a hospital público em companhia do secretário de Saúde. Vergonha alheia total! Ontem à noite, o grupo, que se quer representativo, ostentava pouco mais de cem míseras curtidas.
O governo errou feio, errou rude. Na internet, a ordem dos fatores altera o produto: para dar a impressão de que está ouvindo a sociedade, um governador deve procurar um grupo que a represente, e não uma entidade da qual ninguém jamais ouviu falar. Em outras palavras, deve procurar quem tenha presença representativa na rede, reconhecida e eventualmente respeitada - e não juntar alguns amiguinhos que, depois do encontro, fazem página no FB.
A farsa não demorou a ser desmascarada. Desde que botou a página no ar, a turminha do Cabral não tem feito outra coisa a não ser apagar críticas - ou seja, todos os comentários, sem exceção - e os seus próprios posts. Há muito tempo eu não via um desastre de relações públicas tão explícito.
_ Não acredito em teorias conspiratórias, mas algo de muito estranho aconteceu na minha própria página do Facebook: o post em que eu falava da criação dessa página de amiguinhos sumiu sem deixar vestígios.
Tenho testemunhas: quando o vi pela última vez, ele tinha mais de uma centena de curtidas, dezenas de comentários e vários compartilhamentos. Fui dormir; quando acordei, não estava mais lá.
Gostaria muito que algum representante do Facebook me explicasse o que aconteceu, ou vou ter que concordar com os alarmistas que dizem que a rede está sob censura.
Gays e heterossexuais incuráveis - DRAUZIO VARELLA
FOLHA DE SP - 29/06
Está coberta de razão a sabedoria popular ao dizer que a homossexualidade é mais velha do que andar a pé
Apesar dos anos vividos, ainda me surpreendo com a estupidez humana.
Os crentes dizem que Deus houve por bem limitar-nos a inteligência, para impedir que bisbilhotássemos seus domínios. Se assim agiu, pena não lhe ter ocorrido impor limites para a burrice dos seres que criou à sua imagem e semelhança.
Um grupo de deputados reunidos na Comissão de Direitos Humanos, presidida por um evangélico sem nenhuma aparência de homem fervoroso, aprovou o projeto conhecido como "cura gay", que assegura aos psicólogos o direito de aplicar métodos de tratamento destinados a transformar homo em heterossexuais, e de apregoar aos incautos a cura da homossexualidade, práticas condenadas pelo Conselho Federal de Psicologia e por todas as pessoas com um mínimo de discernimento.
Em todos os povos conhecidos, uma parcela de indivíduos em alguma fase da vida experimentou orgasmo por meio da estimulação dos genitais realizada por uma pessoa do mesmo sexo.
A incidência da homossexualidade varia de acordo com o grupo social. Um estudo clássico dos anos 1950 mostrou que em cerca de 60% das populações pesquisadas o comportamento homossexual é aceito sem restrições. Na África, entre os povos Siwan, e no sudoeste do Pacífico, entre os melanésios, virtualmente todos os homens praticaram sexo com outros homens em algum estágio da vida.
As 40% restantes vivem em países nos quais a homossexualidade é objeto de tabu social. As nações industrializadas se enquadram nesse grupo minoritário.
Embora os dados nem sempre confirmem com exatidão, a homossexualidade masculina parece ser duas a três vezes mais prevalente do que a feminina, em todas as sociedades até hoje avaliadas.
A maioria esmagadora dos indivíduos que experimentam orgasmos com pessoas do mesmo sexo são bissexuais. No Ocidente, homossexualidade pura, caracterizada pela ausência de práticas sexuais com o sexo oposto durante a vida inteira, ocorre em apenas 1% da população.
Comportamento homossexual tem sido descrito em répteis, pássaros e mamíferos, animais que na evolução divergiram há mais de 100 milhões de anos. Uma parte dos machos e fêmeas de todas as espécies de aves estudadas têm relações sexuais com indivíduos do mesmo sexo. Em muitas ocasiões, essas práticas terminam em orgasmo de apenas um ou dois dos parceiros.
Nos mamíferos, a maioria das relações homossexuais entre as fêmeas acontece quando uma parceira monta sobre a outra, comportamento já documentado em pelo menos 70 espécies: ratos, hamsters, coelhos, martas, gado, carneiros, cavalos, antílopes, porcos, macacos, chimpanzés, bonobos, leões etc.
Há mais de um século e meio, Charles Darwin nos ensinou que uma caraterística presente em diversas espécies distintas indica que foi herdada de um ancestral comum, portador do mesmo traço. Podemos garantir que o ancestral que deu origem aos vertebrados tinha dois globos oculares, caraterística herdada por todos os animais com esqueleto.
O paralelismo é óbvio, prezadíssimo leitor: se o comportamento homossexual está documentado em animais tão distintos quanto répteis, aves e mamíferos, é porque a homossexualidade é mais antiga do que a humanidade.
Certamente, já existiam hominídeos homo e bissexuais 5 a 7 milhões de anos atrás, quando nossos ancestrais resolveram descer das árvores nas savanas da África. Está coberta de razão a sabedoria popular ao dizer que a homossexualidade é mais velha do que andar a pé.
Sempre houve e haverá mulheres e homens que desejam pessoas do mesmo sexo, porque essa é uma característica inerente à condição humana. Com persistência e determinação, eles podem controlar o comportamento sexual, mas o desejo não. O desejo é uma força da natureza mais íntima de cada um de nós; é água que corre montanha abaixo.
Os fatores genéticos e as interações sociais envolvidas no comportamento sexual são de tal complexidade que só a ignorância crassa é capaz de propor simplificações.
Eu, que sempre coloquei em dúvida a masculinidade daqueles excessivamente preocupados ou ofendidos com a homossexualidade alheia, gostaria de saber em que porta de botequim os nobres deputados ouviram falar que o homossexual é um doente à espera de tratamento psicológico.
Está coberta de razão a sabedoria popular ao dizer que a homossexualidade é mais velha do que andar a pé
Apesar dos anos vividos, ainda me surpreendo com a estupidez humana.
Os crentes dizem que Deus houve por bem limitar-nos a inteligência, para impedir que bisbilhotássemos seus domínios. Se assim agiu, pena não lhe ter ocorrido impor limites para a burrice dos seres que criou à sua imagem e semelhança.
Um grupo de deputados reunidos na Comissão de Direitos Humanos, presidida por um evangélico sem nenhuma aparência de homem fervoroso, aprovou o projeto conhecido como "cura gay", que assegura aos psicólogos o direito de aplicar métodos de tratamento destinados a transformar homo em heterossexuais, e de apregoar aos incautos a cura da homossexualidade, práticas condenadas pelo Conselho Federal de Psicologia e por todas as pessoas com um mínimo de discernimento.
Em todos os povos conhecidos, uma parcela de indivíduos em alguma fase da vida experimentou orgasmo por meio da estimulação dos genitais realizada por uma pessoa do mesmo sexo.
A incidência da homossexualidade varia de acordo com o grupo social. Um estudo clássico dos anos 1950 mostrou que em cerca de 60% das populações pesquisadas o comportamento homossexual é aceito sem restrições. Na África, entre os povos Siwan, e no sudoeste do Pacífico, entre os melanésios, virtualmente todos os homens praticaram sexo com outros homens em algum estágio da vida.
As 40% restantes vivem em países nos quais a homossexualidade é objeto de tabu social. As nações industrializadas se enquadram nesse grupo minoritário.
Embora os dados nem sempre confirmem com exatidão, a homossexualidade masculina parece ser duas a três vezes mais prevalente do que a feminina, em todas as sociedades até hoje avaliadas.
A maioria esmagadora dos indivíduos que experimentam orgasmos com pessoas do mesmo sexo são bissexuais. No Ocidente, homossexualidade pura, caracterizada pela ausência de práticas sexuais com o sexo oposto durante a vida inteira, ocorre em apenas 1% da população.
Comportamento homossexual tem sido descrito em répteis, pássaros e mamíferos, animais que na evolução divergiram há mais de 100 milhões de anos. Uma parte dos machos e fêmeas de todas as espécies de aves estudadas têm relações sexuais com indivíduos do mesmo sexo. Em muitas ocasiões, essas práticas terminam em orgasmo de apenas um ou dois dos parceiros.
Nos mamíferos, a maioria das relações homossexuais entre as fêmeas acontece quando uma parceira monta sobre a outra, comportamento já documentado em pelo menos 70 espécies: ratos, hamsters, coelhos, martas, gado, carneiros, cavalos, antílopes, porcos, macacos, chimpanzés, bonobos, leões etc.
Há mais de um século e meio, Charles Darwin nos ensinou que uma caraterística presente em diversas espécies distintas indica que foi herdada de um ancestral comum, portador do mesmo traço. Podemos garantir que o ancestral que deu origem aos vertebrados tinha dois globos oculares, caraterística herdada por todos os animais com esqueleto.
O paralelismo é óbvio, prezadíssimo leitor: se o comportamento homossexual está documentado em animais tão distintos quanto répteis, aves e mamíferos, é porque a homossexualidade é mais antiga do que a humanidade.
Certamente, já existiam hominídeos homo e bissexuais 5 a 7 milhões de anos atrás, quando nossos ancestrais resolveram descer das árvores nas savanas da África. Está coberta de razão a sabedoria popular ao dizer que a homossexualidade é mais velha do que andar a pé.
Sempre houve e haverá mulheres e homens que desejam pessoas do mesmo sexo, porque essa é uma característica inerente à condição humana. Com persistência e determinação, eles podem controlar o comportamento sexual, mas o desejo não. O desejo é uma força da natureza mais íntima de cada um de nós; é água que corre montanha abaixo.
Os fatores genéticos e as interações sociais envolvidas no comportamento sexual são de tal complexidade que só a ignorância crassa é capaz de propor simplificações.
Eu, que sempre coloquei em dúvida a masculinidade daqueles excessivamente preocupados ou ofendidos com a homossexualidade alheia, gostaria de saber em que porta de botequim os nobres deputados ouviram falar que o homossexual é um doente à espera de tratamento psicológico.
Não é o jogo do século - TOSTÃO
FOLHA DE SP - 29/06
Juca Kfouri gosta de dizer que foi meu motorista na Copa da África do Sul. Nesses dias, fui sua baby-sitter, como ele mesmo disse. No hospital, me encontrei com alguns brilhantes e experientes médicos, que foram meus alunos na Faculdade de Medicina.
O tempo passa. Tive várias atividades profissionais. Gostei de todas, principalmente a de baby-sitter do Juca.
Os torcedores que vão aos estádios ver o Brasil jogar estão orgulhosos de cantar o hino nacional e de torcer pela seleção. Temia-se o contrário. Enquanto isso, os torcedores que não foram ao campo, mesmo os indiferentes aos protestos e os que gostam de futebol, parecem não ligar para a Copa das Confederações.
A Fifa nunca imaginaria tudo o que está acontecendo no "país do futebol". Ela achava que os brasileiros eram alienados. A Fifa está tensa e preocupada com a possibilidade de os protestos continuarem até o Mundial e se tornarem mais seletivos, contra os enormes gastos públicos para a Copa. Se isso ocorrer, o Mundial corre riscos.
Gosto de ver a Espanha atuar, pelo jogo limpo, bonito e quase sempre eficiente, mas não acho que é uma equipe excepcional, mesmo com tantas conquistas. A Espanha não tem um bom lateral-direito nem um ótimo atacante.
Barcelona e Real Madrid são melhores que a seleção da Espanha por causa, principalmente, de Messi e Cristiano Ronaldo. Já a defesa do time espanhol é superior à do Barcelona, por ter Sergio Ramos ao lado de Piqué, ainda mais quando Puyol não joga. Se Puyol estivesse bem, Sergio Ramos seria lateral-direito.
Daniel Alves é muito melhor que Arbeloa, no apoio. Na seleção, Daniel Alves marca mais e apoia menos que no Barcelona. Daí, a decepção com suas atuações.
Além de Júlio César, que tinha de ser titular, outro jogador que conquistou a posição, nos amistosos e na Copa das Confederações, foi Luiz Gustavo. Não foi surpresa.
Ele, reserva do Bayern, joga bem quando entra. Desarma muito e tem um passe rápido. Volante que recebe a bola e demora um dia para ajeitar o corpo e pensar no que vai fazer facilita a marcação.
Ganhar da Espanha em uma final aumenta a confiança do time brasileiro. Mas sem oba-oba. Na Copa das Confederações anterior, a Espanha foi eliminada pelos EUA, que é inferior ao Brasil, e depois foi campeã mundial.
Uma das razões que aumentam as chances do Brasil é a importância que jogadores, comissão técnica e parte da imprensa dão ao título. Na entrevista com Neymar, um repórter, antes de perguntar, disse que é o jogo do século.
Juca Kfouri gosta de dizer que foi meu motorista na Copa da África do Sul. Nesses dias, fui sua baby-sitter, como ele mesmo disse. No hospital, me encontrei com alguns brilhantes e experientes médicos, que foram meus alunos na Faculdade de Medicina.
O tempo passa. Tive várias atividades profissionais. Gostei de todas, principalmente a de baby-sitter do Juca.
Os torcedores que vão aos estádios ver o Brasil jogar estão orgulhosos de cantar o hino nacional e de torcer pela seleção. Temia-se o contrário. Enquanto isso, os torcedores que não foram ao campo, mesmo os indiferentes aos protestos e os que gostam de futebol, parecem não ligar para a Copa das Confederações.
A Fifa nunca imaginaria tudo o que está acontecendo no "país do futebol". Ela achava que os brasileiros eram alienados. A Fifa está tensa e preocupada com a possibilidade de os protestos continuarem até o Mundial e se tornarem mais seletivos, contra os enormes gastos públicos para a Copa. Se isso ocorrer, o Mundial corre riscos.
Gosto de ver a Espanha atuar, pelo jogo limpo, bonito e quase sempre eficiente, mas não acho que é uma equipe excepcional, mesmo com tantas conquistas. A Espanha não tem um bom lateral-direito nem um ótimo atacante.
Barcelona e Real Madrid são melhores que a seleção da Espanha por causa, principalmente, de Messi e Cristiano Ronaldo. Já a defesa do time espanhol é superior à do Barcelona, por ter Sergio Ramos ao lado de Piqué, ainda mais quando Puyol não joga. Se Puyol estivesse bem, Sergio Ramos seria lateral-direito.
Daniel Alves é muito melhor que Arbeloa, no apoio. Na seleção, Daniel Alves marca mais e apoia menos que no Barcelona. Daí, a decepção com suas atuações.
Além de Júlio César, que tinha de ser titular, outro jogador que conquistou a posição, nos amistosos e na Copa das Confederações, foi Luiz Gustavo. Não foi surpresa.
Ele, reserva do Bayern, joga bem quando entra. Desarma muito e tem um passe rápido. Volante que recebe a bola e demora um dia para ajeitar o corpo e pensar no que vai fazer facilita a marcação.
Ganhar da Espanha em uma final aumenta a confiança do time brasileiro. Mas sem oba-oba. Na Copa das Confederações anterior, a Espanha foi eliminada pelos EUA, que é inferior ao Brasil, e depois foi campeã mundial.
Uma das razões que aumentam as chances do Brasil é a importância que jogadores, comissão técnica e parte da imprensa dão ao título. Na entrevista com Neymar, um repórter, antes de perguntar, disse que é o jogo do século.
Plebiscito em Marte - GUILHERME FIÚZA
O GLOBO - 29/06
A presidente disse que os anseios das ruas eram os mesmos do seu governo. É preciso coragem para soltar um disparate desses sem gaguejar
Os parasitas da nação estão em festa. Os efeitos dos protestos de rua estão tomando o melhor caminho possível (para eles): constituinte, plebiscito, pré-sal... Os parasitas estão gargalhando em seus gabinetes. Sempre souberam que embromariam a multidão, mas não esperavam que fosse assim tão fácil.Ao fim da primeira semana de manifestações, Dilma foi à TV. Nas ruas, os protestos contra o aumento das passagens de ônibus mostravam o óbvio: a volta da inflação enfim tirara os brasileiros de casa. O transporte era só o item mais visível da escalada de preços em todos os setores. A vida ficou mais apertada – e a paciência acabou. Como todos sabem (ou deveriam saber), o governo popular abandonou a meta de inflação para irrigar sua formidável máquina de duas dezenas de ministérios. Mas na TV, Dilma parecia uma porta-voz dos revoltosos.
A presidente disse que os anseios das ruas eram os mesmos do seu governo. É preciso coragem para soltar um disparate desses sem gaguejar. O tal governo que anseia por mudanças governa o país há dez anos. E Dilma não deu uma palavra sobre gastos públicos – ou, em português, sobre a orgia orçamentária que seu partido preside no Estado brasileiro. Pregou a melhoria dos serviços públicos (supostamente os do Brasil), no momento em que seu governo bate mais um recorde de despesas – como sempre reduzindo os investimentos e aumentando o custeio (a verba dos companheiros). É preciso muita desinibição.
O projeto parasitário é desinibido porque a opinião pública é trouxa. E o pronunciamento da presidente foi engolido pelos brasileiros, incapazes de relacionar a inflação e a queda dos serviços com a administração perdulária e inepta da grande gestora.
Se o movimento que encanta o país fosse minimamente lúcido, cercaria o Palácio do Planalto depois desse pronunciamento. Poderia anunciar, pacificamente, que só sairia de lá com a extinção de pelo menos cinco ministérios inúteis, mantidos para alimentar correligionários. Ou com o compromisso da presidente de voltar a respeitar a meta de inflação. Ou denunciando o escândalo da “contabilidade criativa”, pelo qual o governo do PT passou a fraudar seu próprio balanço – seguindo a escola Kirchner-Chávez –, escondendo dívidas para poder gastar mais com cargos e propaganda.
Será que os heróis das ruas não percebem que é isso o que mais infla o custo de vida (e as passagens de ônibus)?
Não, não percebem. Uma líder do movimento declarou ao “Jornal Nacional” que a próxima prioridade era a reforma agrária... Aí os parasitas estouraram o champanhe. Era a senha para mandarem Dilma tirar da cartola uma constituinte: reforma política! (mesmo balão de ensaio usado por Lula quando estourou o mensalão). E o truque colou. Tiraram a constituinte de cena, mas deixaram o Brasil entretido no debate lunático sobre um plebiscito do crioulo doido. De brinde, Dilma prometeu transformar a “corrupção dolosa” em crime hediondo. Eles venceram de novo.
Enquanto gritam por cidadania, educação, dinheiro do pré-sal e felicidade geral, os revoltosos urbanos estão absolvendo Rosemary Noronha – a protegida de Lula e Dilma na invasão fisiológica das agências reguladoras (responsáveis pelos serviços que a presidente promete melhorar...). Estão absolvendo as quadrilhas que dominaram o PAC – reveladas pela CPI do Cachoeira, que Dilma abafou e nenhum manifestante reclamou. Estão chancelando todos os denunciados na época da faxina imaginária que continuam dando as cartas no governo, como o ministro do Desenvolvimento Fernando Pimentel. Os revoltosos estão sancionando a sucção e cantando o Hino Nacional.
Fica então uma sugestão de pergunta para o plebiscito: o Brasil prefere ser roubado por corrupção dolosa ou indolor?
A presidente disse que os anseios das ruas eram os mesmos do seu governo. É preciso coragem para soltar um disparate desses sem gaguejar
Os parasitas da nação estão em festa. Os efeitos dos protestos de rua estão tomando o melhor caminho possível (para eles): constituinte, plebiscito, pré-sal... Os parasitas estão gargalhando em seus gabinetes. Sempre souberam que embromariam a multidão, mas não esperavam que fosse assim tão fácil.Ao fim da primeira semana de manifestações, Dilma foi à TV. Nas ruas, os protestos contra o aumento das passagens de ônibus mostravam o óbvio: a volta da inflação enfim tirara os brasileiros de casa. O transporte era só o item mais visível da escalada de preços em todos os setores. A vida ficou mais apertada – e a paciência acabou. Como todos sabem (ou deveriam saber), o governo popular abandonou a meta de inflação para irrigar sua formidável máquina de duas dezenas de ministérios. Mas na TV, Dilma parecia uma porta-voz dos revoltosos.
A presidente disse que os anseios das ruas eram os mesmos do seu governo. É preciso coragem para soltar um disparate desses sem gaguejar. O tal governo que anseia por mudanças governa o país há dez anos. E Dilma não deu uma palavra sobre gastos públicos – ou, em português, sobre a orgia orçamentária que seu partido preside no Estado brasileiro. Pregou a melhoria dos serviços públicos (supostamente os do Brasil), no momento em que seu governo bate mais um recorde de despesas – como sempre reduzindo os investimentos e aumentando o custeio (a verba dos companheiros). É preciso muita desinibição.
O projeto parasitário é desinibido porque a opinião pública é trouxa. E o pronunciamento da presidente foi engolido pelos brasileiros, incapazes de relacionar a inflação e a queda dos serviços com a administração perdulária e inepta da grande gestora.
Se o movimento que encanta o país fosse minimamente lúcido, cercaria o Palácio do Planalto depois desse pronunciamento. Poderia anunciar, pacificamente, que só sairia de lá com a extinção de pelo menos cinco ministérios inúteis, mantidos para alimentar correligionários. Ou com o compromisso da presidente de voltar a respeitar a meta de inflação. Ou denunciando o escândalo da “contabilidade criativa”, pelo qual o governo do PT passou a fraudar seu próprio balanço – seguindo a escola Kirchner-Chávez –, escondendo dívidas para poder gastar mais com cargos e propaganda.
Será que os heróis das ruas não percebem que é isso o que mais infla o custo de vida (e as passagens de ônibus)?
Não, não percebem. Uma líder do movimento declarou ao “Jornal Nacional” que a próxima prioridade era a reforma agrária... Aí os parasitas estouraram o champanhe. Era a senha para mandarem Dilma tirar da cartola uma constituinte: reforma política! (mesmo balão de ensaio usado por Lula quando estourou o mensalão). E o truque colou. Tiraram a constituinte de cena, mas deixaram o Brasil entretido no debate lunático sobre um plebiscito do crioulo doido. De brinde, Dilma prometeu transformar a “corrupção dolosa” em crime hediondo. Eles venceram de novo.
Enquanto gritam por cidadania, educação, dinheiro do pré-sal e felicidade geral, os revoltosos urbanos estão absolvendo Rosemary Noronha – a protegida de Lula e Dilma na invasão fisiológica das agências reguladoras (responsáveis pelos serviços que a presidente promete melhorar...). Estão absolvendo as quadrilhas que dominaram o PAC – reveladas pela CPI do Cachoeira, que Dilma abafou e nenhum manifestante reclamou. Estão chancelando todos os denunciados na época da faxina imaginária que continuam dando as cartas no governo, como o ministro do Desenvolvimento Fernando Pimentel. Os revoltosos estão sancionando a sucção e cantando o Hino Nacional.
Fica então uma sugestão de pergunta para o plebiscito: o Brasil prefere ser roubado por corrupção dolosa ou indolor?
VOTO DIRETO - MÔNICA BERGAMO
FOLHA DE SP - 29/06
O ex-prefeito Gilberto Kassab não se entusiasma com a ideia de plebiscito. "A princípio, não sou a favor", diz ele, que preside o PSD (Partido Social Democrático), que tem uma bancada de 54 deputados federais.
RECICLAGEM
Kassab, no entanto, endossa a ideia de se discutir a reforma política. "É importante debater para encontrar a melhor maneira de atualizar a legislação."
MÃO AMIGA
A TV Mirante, que pertence à família Sarney e retransmite a Globo no Maranhão, deu apoio ao lançamento no Estado da campanha Não Aceito Corrupção. O canal, segundo a procuradora Themis Carvalho, veiculará de graça os vídeos da iniciativa do Movimento do Ministério Público Democrático. "Eles estão nos dando uma força muito grande", diz ela.
MEU PROFESSOR
Calou fundo no PMDB a iniciativa de Dilma Rousseff de enviar o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, para uma conversa com Fernando Henrique Cardoso. O ex-presidente foi consultado com antecedência sobre o plebiscito, o que evidenciou ainda mais o desprezo com que Dilma tratou o peemedebista e vice-presidente da República Michel Temer.
MASSA
Um senador do PMDB pergunta, de forma irônica, quantos parlamentares do Congresso são hoje influenciados por FHC. E também quantos movimentos sociais seguem a liderança dele.
COMPANHEIROS
Lula recebeu anteontem o líder sindical norte-americano Bob King, que visita o Brasil em uma cruzada mundial pelo direito de sindicalização dos trabalhadores da Nissan. O presidente do UAW (United Auto Workers) diz ter o apoio do ex-presidente contra a montadora japonesa, que patrocina a Copa de 2014 e tem o brasileiro Carlos Ghosn como CEO mundial.
COMPANHEIROS 2
A convite da UAW, o ator Danny Glover, astro de "Máquina Mortífera", chegou ao Brasil ontem para participar de manifestação em frente à fábrica da montadora em São José dos Pinhais (PR).
ATRITO
Luiz Moreira, membro do Conselho Nacional do Ministério Público, entregou ao STF (Supremo Tribunal Federal) detalhes das informações que está cobrando do procurador-geral da República, Roberto Gurgel. Ele quer saber os gastos do MP com carros e tablets. Gurgel pediu a suspensão da solicitação. O ministro Teori Zavascki negou. E pediu dados agora entregues por Moreira.
ATRITO 2
O procurador-geral alegava no pedido ao STF que o conselheiro não poderia apresentar o pleito. E que ele "está determinado a, seja da forma que for, desmoralizar a instituição" e também o próprio Gurgel. Moreira nega essa intenção.
NA DIREÇÃO
Com o fim de "Salve Jorge", Caco Ciocler vai dirigir "No Exit - Entre Quatro Paredes", texto de Jean Paul Sartre. A peça estreia em 12 de julho no Sesc Santo André. Estão no elenco Chris Couto e Sabrina Greve.
NA DIREÇÃO 2
Na sequência, o ator embarca para a Alemanha para as filmagens do documentário sobre Aracy Guimarães Rosa. Vai contar a história da mulher do escritor Guimarães Rosa, que salvou judeus dos campos nazistas ajudando-os a viajar para o Brasil.
DE PERTINHO
Gilberto Gil lançará na próxima quinta, durante a Flip (Feira Literária Internacional de Paraty), o livro "Gilberto Bem Perto", da editora Nova Fronteira.
Escrita a quatro mãos pelo músico e pela jornalista Regina Zappa, a obra registra os principais momentos da vida do artista. Vai da infância na Bahia até a passagem pelo Ministério da Cultura, no governo Lula. Traz ainda fotografias inéditas.
SENHOR FREUD
O Museu de Arte de São Paulo inaugurou a exposição "Lucian Freud", com pinturas e gravuras do artista homônimo, neto do psicanalista Sigmund Freud, e fotos de David Dawson. A presidente do Masp, Beatriz Pimenta Camargo, a atriz portuguesa Maria de Medeiros, a fotógrafa Dadá Cardoso, Isabella Lenzi, conselheira cultural do consulado de Portugal, e o curador Richard Riley estiveram no vernissage.
BATERISTA DAS LETRAS
João Barone, do Paralamas do Sucesso, lançou seu novo livro "O Brasil e Sua Guerra Quase Desconhecida". O apresentador Fred Lessa, o advogado Maurício Manfredini e a jornalista Beatriz Valle foram à Livraria da Vila do JK Iguatemi garantir a dedicatória.
CURTO-CIRCUITO
O Theatro Municipal de SP vendeu, em um mês, 2.500 assinaturas para sua temporada lírica.
A modelo Isabeli Fontana levou a mãe, Maribel, para doar sangue, na campanha da Fundação Pró-Sangue.
É hoje a festa junina na cracolândia, a partir das 14h, na alameda Dino Bueno (centro). Organizada pelo projeto Aquele Abraço.
A estilista Sonia Pinto comemora os quatro anos de seu espaço e lança peças de inverno, em Higienópolis, hoje, a partir das 12h.
Ivete Sangalo e Paulo Gustavo vão apresentar, pelo segundo ano consecutivo, o Prêmio Multishow. Será no dia 3 de setembro.
RECICLAGEM
Kassab, no entanto, endossa a ideia de se discutir a reforma política. "É importante debater para encontrar a melhor maneira de atualizar a legislação."
MÃO AMIGA
A TV Mirante, que pertence à família Sarney e retransmite a Globo no Maranhão, deu apoio ao lançamento no Estado da campanha Não Aceito Corrupção. O canal, segundo a procuradora Themis Carvalho, veiculará de graça os vídeos da iniciativa do Movimento do Ministério Público Democrático. "Eles estão nos dando uma força muito grande", diz ela.
MEU PROFESSOR
Calou fundo no PMDB a iniciativa de Dilma Rousseff de enviar o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, para uma conversa com Fernando Henrique Cardoso. O ex-presidente foi consultado com antecedência sobre o plebiscito, o que evidenciou ainda mais o desprezo com que Dilma tratou o peemedebista e vice-presidente da República Michel Temer.
MASSA
Um senador do PMDB pergunta, de forma irônica, quantos parlamentares do Congresso são hoje influenciados por FHC. E também quantos movimentos sociais seguem a liderança dele.
COMPANHEIROS
Lula recebeu anteontem o líder sindical norte-americano Bob King, que visita o Brasil em uma cruzada mundial pelo direito de sindicalização dos trabalhadores da Nissan. O presidente do UAW (United Auto Workers) diz ter o apoio do ex-presidente contra a montadora japonesa, que patrocina a Copa de 2014 e tem o brasileiro Carlos Ghosn como CEO mundial.
COMPANHEIROS 2
A convite da UAW, o ator Danny Glover, astro de "Máquina Mortífera", chegou ao Brasil ontem para participar de manifestação em frente à fábrica da montadora em São José dos Pinhais (PR).
ATRITO
Luiz Moreira, membro do Conselho Nacional do Ministério Público, entregou ao STF (Supremo Tribunal Federal) detalhes das informações que está cobrando do procurador-geral da República, Roberto Gurgel. Ele quer saber os gastos do MP com carros e tablets. Gurgel pediu a suspensão da solicitação. O ministro Teori Zavascki negou. E pediu dados agora entregues por Moreira.
ATRITO 2
O procurador-geral alegava no pedido ao STF que o conselheiro não poderia apresentar o pleito. E que ele "está determinado a, seja da forma que for, desmoralizar a instituição" e também o próprio Gurgel. Moreira nega essa intenção.
NA DIREÇÃO
Com o fim de "Salve Jorge", Caco Ciocler vai dirigir "No Exit - Entre Quatro Paredes", texto de Jean Paul Sartre. A peça estreia em 12 de julho no Sesc Santo André. Estão no elenco Chris Couto e Sabrina Greve.
NA DIREÇÃO 2
Na sequência, o ator embarca para a Alemanha para as filmagens do documentário sobre Aracy Guimarães Rosa. Vai contar a história da mulher do escritor Guimarães Rosa, que salvou judeus dos campos nazistas ajudando-os a viajar para o Brasil.
DE PERTINHO
Gilberto Gil lançará na próxima quinta, durante a Flip (Feira Literária Internacional de Paraty), o livro "Gilberto Bem Perto", da editora Nova Fronteira.
Escrita a quatro mãos pelo músico e pela jornalista Regina Zappa, a obra registra os principais momentos da vida do artista. Vai da infância na Bahia até a passagem pelo Ministério da Cultura, no governo Lula. Traz ainda fotografias inéditas.
SENHOR FREUD
O Museu de Arte de São Paulo inaugurou a exposição "Lucian Freud", com pinturas e gravuras do artista homônimo, neto do psicanalista Sigmund Freud, e fotos de David Dawson. A presidente do Masp, Beatriz Pimenta Camargo, a atriz portuguesa Maria de Medeiros, a fotógrafa Dadá Cardoso, Isabella Lenzi, conselheira cultural do consulado de Portugal, e o curador Richard Riley estiveram no vernissage.
BATERISTA DAS LETRAS
João Barone, do Paralamas do Sucesso, lançou seu novo livro "O Brasil e Sua Guerra Quase Desconhecida". O apresentador Fred Lessa, o advogado Maurício Manfredini e a jornalista Beatriz Valle foram à Livraria da Vila do JK Iguatemi garantir a dedicatória.
CURTO-CIRCUITO
O Theatro Municipal de SP vendeu, em um mês, 2.500 assinaturas para sua temporada lírica.
A modelo Isabeli Fontana levou a mãe, Maribel, para doar sangue, na campanha da Fundação Pró-Sangue.
É hoje a festa junina na cracolândia, a partir das 14h, na alameda Dino Bueno (centro). Organizada pelo projeto Aquele Abraço.
A estilista Sonia Pinto comemora os quatro anos de seu espaço e lança peças de inverno, em Higienópolis, hoje, a partir das 12h.
Ivete Sangalo e Paulo Gustavo vão apresentar, pelo segundo ano consecutivo, o Prêmio Multishow. Será no dia 3 de setembro.
Ueba! Copa das Confudeurações! - JOSÉ SIMÃO
FOLHA DE SP - 29/06
E eu amo a Shakira, mas o cabelo tá parecendo macarrão parafuso! Pensei que fosse a Elba Ramalho!
Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Copa das Confudeurações! Oba! Agora vamos pegar a Espanha! Os espanhóis estão exaustos de tanta putaria que fizeram!
E o SporTV: "Os espanhóis não estão aguentando o calor". O calor das bacurinhas! Rarará!
Agora vamos entuchar os espanhóis de caipirinha e quenga. A tática é essa! Por isso que a Shakira veio pro Brasil. Pra botar coleira no Piqué!
E eu amo a Shakira, mas o cabelo tá parecendo macarrão parafuso! Pensei que fosse a Elba Ramalho! Rarará!
E eu não tenho inveja nem da fama, nem da grana da Shakira. Tenho inveja da barriguinha da Shakira! Essa não precisa encolher a barriga na hora de transar!
E atenção! Corrupção agora é crime hediondo. Então votar no Maluf é apologia ao hediondo? Rarará!
E pressionado pelas ruas, Sarney lança PEC reduzindo maioridade penal para 85 anos! PEC 85! Rarará!
E as manifestações? Uma amiga minha tava fugindo das bombas da polícia, entrou correndo num bar, pediu água e o cara: "COM GÁS OU SEM GÁS?". Rarará!
E o Feliciano? O namorado do Frota! Olha esta: "Alexandre Frota declara no Morning Show' que namorou com o Feliciano."! Oba! Agora não é mais "Fora", é "Frota". É "Frota, Feliciano!".
E os cartazes do "Fora, Feliciano"! "Já fui mozarela de búfala, mas graças ao pastor Feliciano hoje eu sou um queijo curado." Rarará!
E esta: "Curam-se gays: enrustidos, religiosos e de armário embutido!". E o melhor cartaz contra a cura gay: "Não me curem! Não tenho roupa pra ser hétero". Vai pra Colombo, vai pra Vila Romana!
E torno a repetir: agora temos que lutar contra o foro privilegiado para políticos. Fora o Foro! Mais um trava-línguas.
E o Gigante? Notícias do Gigante? O Gigante acordou. E quebrou tudo! BH virou a faixa de Gaza!
E acaba de sair a autobiografia do Kid Bengala: "O Gigante Acordou". E as pessoas não param de me perguntar: "E o que vai acontecer a partir de agora?". Sei lá! Pergunta no Posto Ipiranga! Rarará!
E não se muda o Brasil com rancor, mas com humor. Viva o humor! Abaixo o rancor! Nóis sofre, mas nóis goza!
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!
E eu amo a Shakira, mas o cabelo tá parecendo macarrão parafuso! Pensei que fosse a Elba Ramalho!
Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Copa das Confudeurações! Oba! Agora vamos pegar a Espanha! Os espanhóis estão exaustos de tanta putaria que fizeram!
E o SporTV: "Os espanhóis não estão aguentando o calor". O calor das bacurinhas! Rarará!
Agora vamos entuchar os espanhóis de caipirinha e quenga. A tática é essa! Por isso que a Shakira veio pro Brasil. Pra botar coleira no Piqué!
E eu amo a Shakira, mas o cabelo tá parecendo macarrão parafuso! Pensei que fosse a Elba Ramalho! Rarará!
E eu não tenho inveja nem da fama, nem da grana da Shakira. Tenho inveja da barriguinha da Shakira! Essa não precisa encolher a barriga na hora de transar!
E atenção! Corrupção agora é crime hediondo. Então votar no Maluf é apologia ao hediondo? Rarará!
E pressionado pelas ruas, Sarney lança PEC reduzindo maioridade penal para 85 anos! PEC 85! Rarará!
E as manifestações? Uma amiga minha tava fugindo das bombas da polícia, entrou correndo num bar, pediu água e o cara: "COM GÁS OU SEM GÁS?". Rarará!
E o Feliciano? O namorado do Frota! Olha esta: "Alexandre Frota declara no Morning Show' que namorou com o Feliciano."! Oba! Agora não é mais "Fora", é "Frota". É "Frota, Feliciano!".
E os cartazes do "Fora, Feliciano"! "Já fui mozarela de búfala, mas graças ao pastor Feliciano hoje eu sou um queijo curado." Rarará!
E esta: "Curam-se gays: enrustidos, religiosos e de armário embutido!". E o melhor cartaz contra a cura gay: "Não me curem! Não tenho roupa pra ser hétero". Vai pra Colombo, vai pra Vila Romana!
E torno a repetir: agora temos que lutar contra o foro privilegiado para políticos. Fora o Foro! Mais um trava-línguas.
E o Gigante? Notícias do Gigante? O Gigante acordou. E quebrou tudo! BH virou a faixa de Gaza!
E acaba de sair a autobiografia do Kid Bengala: "O Gigante Acordou". E as pessoas não param de me perguntar: "E o que vai acontecer a partir de agora?". Sei lá! Pergunta no Posto Ipiranga! Rarará!
E não se muda o Brasil com rancor, mas com humor. Viva o humor! Abaixo o rancor! Nóis sofre, mas nóis goza!
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!
Meu coração não precisa de partido - CACÁ DIEGUES
O GLOBO - 29/06
O movimento sem nome ainda não acabou, mas, aconteça o que acontecer, já é um movimento vitorioso. Desde o dia 6 de junho, as manifestações se sucedem pelo país afora, com mais ou menos gente. Elas já alcançaram certamente seu apogeu, mas nem por isso esgotaram seus temas.
Com os jovens do movimento, como escreveu Arthur Dapieve, “a libido voltou à política”. Exatamente o oposto do que os políticos fizeram com as duas. Para os de direita, aquilo que chamamos genericamente de povo é sempre ignorante e incapaz, serve apenas para elegê-los. Para os de esquerda, o povo é apenas um número em suas análises de classe, uma multidão. Para uns e outros, ele só existe quando eleitor.
No Ocidente, o pensamento político tem sido uma caricatura do fundamentalismo iluminista, a ideia de que é possível entender nosso comportamento privado ou público apenas pelos instrumentos que a razão nos dá. Consagramos ser possivel reduzir a complexidade humana a mecanismos que geram um futuro inevitável e aí, enquanto esperamos pelo inevitável, o inesperado nos surpreende.
Precisamos fazer política pensando nas pessoas, e não apenas em cidadãos sem rostos. A felicidade de cada um deve ser o fim supremo de todos os gestos públicos, não importa sob que regime — embora só a democracia nos possa dar plenas condições para essa prática. Se criticamos o transporte urbano, não é em busca de votos para um partido, mas porque desejamos que as pessoas, dentro de sua capacidade econômica, viajem bem, com conforto e paz de espírito.
As moças e rapazes que estão indo às ruas com tanto humor podem ser comparados a heróis de outras revoluções históricas. A revolução americana, que consagrou textualmente o direito à busca da felicidade, começou com uma esperteza lúdica de colonos da Nova Inglaterra, que se disfarçaram de indígenas para jogar o chá inglês ao mar, em protesto contra os impostos praticados pelo Império Britânico. A alegria indignada é a arma mais moderna das revoluções.
Em 1964, 68, 84 ou 92, a voz da rua reivindicava a troca da política então vigente por outra. Hoje ela se manifesta contra a política. Nossos oradores, em passeatas ou tribunas, eram admirados, conhecíamos as ideias de cada um deles, seguíamos seus eventuais partidos. Hoje as manifestações não têm líderes, ninguém faz discurso, cada um se expressa através do cartaz de cartolina que imaginar. Um deles, que vi na Rio Branco, dizia: “Meu coração não precisa de partido.”
A democracia representativa está em crise no mundo todo e não podia ser diferente no Brasil. Mas, como a democracia direta é a mãe do autoritarismo populista, precisamos encontrar um novo modelo de democracia participativa. Essas manifestações podem estar indicando um rumo nessa direção, mesmo que erradamente confundidas com a violência.
Ninguém aprova a violência praticada nelas, repeti-lo é quase uma platitude. Mas é preciso se dar conta da infiltração que o movimento vem sofrendo de quem não tem nada a ver com ele. Além de criminosos vulgares, há também os que desejam manipular as manifestações, direcioná-las para fins que não são os seus. Tenho visto muitos vídeos na rede que nos mostram a ação e os equipamentos usados por infiltrados integralistas, neonazistas e skinheads, com suas suásticas, socos ingleses e manifestos guerreiros.
Esses vídeos também nos revelam o arcaísmo cívico que é a existência de uma Polícia Militar no Brasil. Como diz Tulio Vianna, no blog da revista “Fórum”, ela é um contingente de soldados treinados para a guerra e abandonados na “frente de batalha”, a tratar como inimigos os cidadãos que devem proteger. Nossa Polícia Militar foi criada por D. João VI para proteger o rei do populacho da colônia. Se não acabarmos com ela, levaremos, quem sabe, mais um século para mudar sua ideologia.
Gosto muito de saber que a presidente e os políticos se manifestam sobre e até concordam com algumas das causas do movimento sem nome. O que é muito diferente, por exemplo, de Kadafi e Assad, que responderam aos protestos em seus países provocando uma guerra civil. Ou de um Erdogan arrogante que não aceita preservar uma praça para atender seu povo. Embora não creia que os políticos tradicionais sejam capazes de entender direito o que se passa ou que estejam mesmo dispostos a abandonar seus maus hábitos, torço para que o diálogo continue e dê certo.
Como torço pela selecão brasileira, nessa e em todas as Copas, em nome da alegria e do amor ao futebol, que não pode ser sufocado por razões mesquinhas e malfeitos dos outros. Construir um estádio como o Mané Garrincha, numa cidade em que a última final de campeonato teve menos de 2 mil espectadores, é uma insensatez e um desperdício que nos faz desconfiar de quem o praticou. Além de desrespeito ao brasileiro exemplar que deu o nome ao estádio. Mas torcer por um time é um gesto de pertencimento e confraternização, uma coisa da qual o país precisa muito. Domingo vou vestir minha camisa canarinho com o número 10 às costas e pongar no bonde que leva a rapaziada pro Maracanã.
O movimento sem nome ainda não acabou, mas, aconteça o que acontecer, já é um movimento vitorioso. Desde o dia 6 de junho, as manifestações se sucedem pelo país afora, com mais ou menos gente. Elas já alcançaram certamente seu apogeu, mas nem por isso esgotaram seus temas.
Com os jovens do movimento, como escreveu Arthur Dapieve, “a libido voltou à política”. Exatamente o oposto do que os políticos fizeram com as duas. Para os de direita, aquilo que chamamos genericamente de povo é sempre ignorante e incapaz, serve apenas para elegê-los. Para os de esquerda, o povo é apenas um número em suas análises de classe, uma multidão. Para uns e outros, ele só existe quando eleitor.
No Ocidente, o pensamento político tem sido uma caricatura do fundamentalismo iluminista, a ideia de que é possível entender nosso comportamento privado ou público apenas pelos instrumentos que a razão nos dá. Consagramos ser possivel reduzir a complexidade humana a mecanismos que geram um futuro inevitável e aí, enquanto esperamos pelo inevitável, o inesperado nos surpreende.
Precisamos fazer política pensando nas pessoas, e não apenas em cidadãos sem rostos. A felicidade de cada um deve ser o fim supremo de todos os gestos públicos, não importa sob que regime — embora só a democracia nos possa dar plenas condições para essa prática. Se criticamos o transporte urbano, não é em busca de votos para um partido, mas porque desejamos que as pessoas, dentro de sua capacidade econômica, viajem bem, com conforto e paz de espírito.
As moças e rapazes que estão indo às ruas com tanto humor podem ser comparados a heróis de outras revoluções históricas. A revolução americana, que consagrou textualmente o direito à busca da felicidade, começou com uma esperteza lúdica de colonos da Nova Inglaterra, que se disfarçaram de indígenas para jogar o chá inglês ao mar, em protesto contra os impostos praticados pelo Império Britânico. A alegria indignada é a arma mais moderna das revoluções.
Em 1964, 68, 84 ou 92, a voz da rua reivindicava a troca da política então vigente por outra. Hoje ela se manifesta contra a política. Nossos oradores, em passeatas ou tribunas, eram admirados, conhecíamos as ideias de cada um deles, seguíamos seus eventuais partidos. Hoje as manifestações não têm líderes, ninguém faz discurso, cada um se expressa através do cartaz de cartolina que imaginar. Um deles, que vi na Rio Branco, dizia: “Meu coração não precisa de partido.”
A democracia representativa está em crise no mundo todo e não podia ser diferente no Brasil. Mas, como a democracia direta é a mãe do autoritarismo populista, precisamos encontrar um novo modelo de democracia participativa. Essas manifestações podem estar indicando um rumo nessa direção, mesmo que erradamente confundidas com a violência.
Ninguém aprova a violência praticada nelas, repeti-lo é quase uma platitude. Mas é preciso se dar conta da infiltração que o movimento vem sofrendo de quem não tem nada a ver com ele. Além de criminosos vulgares, há também os que desejam manipular as manifestações, direcioná-las para fins que não são os seus. Tenho visto muitos vídeos na rede que nos mostram a ação e os equipamentos usados por infiltrados integralistas, neonazistas e skinheads, com suas suásticas, socos ingleses e manifestos guerreiros.
Esses vídeos também nos revelam o arcaísmo cívico que é a existência de uma Polícia Militar no Brasil. Como diz Tulio Vianna, no blog da revista “Fórum”, ela é um contingente de soldados treinados para a guerra e abandonados na “frente de batalha”, a tratar como inimigos os cidadãos que devem proteger. Nossa Polícia Militar foi criada por D. João VI para proteger o rei do populacho da colônia. Se não acabarmos com ela, levaremos, quem sabe, mais um século para mudar sua ideologia.
Gosto muito de saber que a presidente e os políticos se manifestam sobre e até concordam com algumas das causas do movimento sem nome. O que é muito diferente, por exemplo, de Kadafi e Assad, que responderam aos protestos em seus países provocando uma guerra civil. Ou de um Erdogan arrogante que não aceita preservar uma praça para atender seu povo. Embora não creia que os políticos tradicionais sejam capazes de entender direito o que se passa ou que estejam mesmo dispostos a abandonar seus maus hábitos, torço para que o diálogo continue e dê certo.
Como torço pela selecão brasileira, nessa e em todas as Copas, em nome da alegria e do amor ao futebol, que não pode ser sufocado por razões mesquinhas e malfeitos dos outros. Construir um estádio como o Mané Garrincha, numa cidade em que a última final de campeonato teve menos de 2 mil espectadores, é uma insensatez e um desperdício que nos faz desconfiar de quem o praticou. Além de desrespeito ao brasileiro exemplar que deu o nome ao estádio. Mas torcer por um time é um gesto de pertencimento e confraternização, uma coisa da qual o país precisa muito. Domingo vou vestir minha camisa canarinho com o número 10 às costas e pongar no bonde que leva a rapaziada pro Maracanã.
Pacto antivaia - VERA MAGALHÃES - PAINEL
FOLHA DE SP - 29/06
Dilma Rousseff conversou com Sérgio Cabral ontem, antes de desistir de ir à final da Copa das Confederações amanhã, no Maracanã. Ambos concordaram que não haveria clima para irem ao estádio, sob pena de se repetir a sonora vaia do jogo de abertura, em Brasília. A presidente e o governador do Rio combinaram que as medalhas para o vencedor da partida entre Brasil e Espanha serão entregues pelo presidente da Fifa, Joseph Blatter, e pelo ministro Aldo Rebelo (Esporte).
Sem caxirola
Dilma foi aconselhada por vários interlocutores a não ir ao Rio, entre eles o governador de Pernambuco e seu possível rival, Eduardo Campos (PSB).
No muro
O prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB), não tinha decidido ontem se vai encarar a torcida.
Erosão 1
Em menor grau que o Datafolha, pesquisa realizada para o PSDB após as manifestações em todo o país já mostrava queda na avaliação de Dilma. Em abril, a presidente tinha 58% de ótimo e bom nesse levantamento, percentual que caiu para 37% nas últimas semanas.
Erosão 2
Perguntados se Dilma merece continuar na Presidência, 66% dos entrevistados diziam que sim em abril, ante 49% em junho. A sangria da popularidade da petista se deu principalmente entre quem ganha mais de três salários mínimos.
Aqui não
O PSB não vai integrar a frente partidária convocada pelo PT para a reforma política. O líder do partido na Câmara, Beto Albuquerque (RS), desautorizou o vice-presidente Roberto Amaral, que foi à reunião de ontem e se propôs a sediar encontro na quarta-feira.
Eu sozinho
"O PSB não vai se agarrar a frente alguma. Vamos defender na reforma política nossas próprias posições'', diz o deputado gaúcho, com aval de Eduardo Campos. A bancada do Senado seguirá essa orientação.
Como assim?
Para petistas, a irritação de Lula com o governo tem nome e sobrenome: Fernando Henrique Cardoso. Segundo pessoas próximas, o ex-presidente soube pela Folha que o tucano foi consultado sobre a ideia, depois abortada, de constituinte para a reforma política.
Na faca
Além de anunciar cortes no custeio do governo, Geraldo Alckmin (PSDB) avisou a secretários que só vai autorizar aumento de gastos este ano para as áreas de saúde, educação e transportes. O tucano está preocupado com a queda das receitas e o crescimento das despesas de sua gestão.
14-Bis
O helicóptero Sikorsky que Alckmin decidiu vender tem quase de 20 anos de uso, seu motor já não aguenta a carga necessária e consome muito dinheiro em manutenção, contam integrantes do Palácio dos Bandeirantes. Por isso, não serve mais para o governo.
Poder divino
De um aliado de Fernando Haddad (PT), sobre a pressão sofrida pelo prefeito para reduzir a tarifa de ônibus: "Só faltou o Papa Francisco ligar e falar: meu filho, baixe essa tarifa, pelo amor de Deus'".
Só love
A sintonia entre Alckmin e Haddad continua em alta. Ao voltar de Brasília após a reunião de Dilma com governadores e prefeitos, o tucano elogiou, em conversas com aliados, a postura do prefeito durante o encontro com a presidente.
Visita à Folha
Jaques Wagner (PT), governador da Bahia, visitou ontem a Folha. Estava acompanhado de Paulo Roberto Britto Guimarães, superintendente de Desenvolvimento Econômico, e Sonia Carneiro, chefe da Representação do Estado em Brasília.
com ANDRÉIA SADI e BRUNO BOGHOSSIAN
tiroteio
"A reunião ministerial será uma grande chance de ministros que nunca viram a presidente pedirem um autógrafo."
DO DEPUTADO NILSON LEITÃO (PSDB-MT), líder da minoria na Câmara, sobre o excesso de pastas e a falta de acesso de muitos ministros a Dilma Rousseff.
contraponto
Questão de hierarquia
Dilma Rousseff recebeu ontem, pela primeira vez, representantes do movimento LGBT, no Palácio do Planalto. Acompanhada das ministras Eleonora Menicucci (Mulheres) e Maria do Rosário (Direitos Humanos), assistiu a apresentação de cada um dos líderes das entidades.
Até que chegou a vez de Toni Reis, da ABLGT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais). Secretário de educação da entidade, Toni se apresentou de maneira bem-humorada:
--Presidente, eu sou o Mercadante da ABLGT!
Após vários dias de tensão, Dilma caiu na gargalhada.
Dilma Rousseff conversou com Sérgio Cabral ontem, antes de desistir de ir à final da Copa das Confederações amanhã, no Maracanã. Ambos concordaram que não haveria clima para irem ao estádio, sob pena de se repetir a sonora vaia do jogo de abertura, em Brasília. A presidente e o governador do Rio combinaram que as medalhas para o vencedor da partida entre Brasil e Espanha serão entregues pelo presidente da Fifa, Joseph Blatter, e pelo ministro Aldo Rebelo (Esporte).
Sem caxirola
Dilma foi aconselhada por vários interlocutores a não ir ao Rio, entre eles o governador de Pernambuco e seu possível rival, Eduardo Campos (PSB).
No muro
O prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB), não tinha decidido ontem se vai encarar a torcida.
Erosão 1
Em menor grau que o Datafolha, pesquisa realizada para o PSDB após as manifestações em todo o país já mostrava queda na avaliação de Dilma. Em abril, a presidente tinha 58% de ótimo e bom nesse levantamento, percentual que caiu para 37% nas últimas semanas.
Erosão 2
Perguntados se Dilma merece continuar na Presidência, 66% dos entrevistados diziam que sim em abril, ante 49% em junho. A sangria da popularidade da petista se deu principalmente entre quem ganha mais de três salários mínimos.
Aqui não
O PSB não vai integrar a frente partidária convocada pelo PT para a reforma política. O líder do partido na Câmara, Beto Albuquerque (RS), desautorizou o vice-presidente Roberto Amaral, que foi à reunião de ontem e se propôs a sediar encontro na quarta-feira.
Eu sozinho
"O PSB não vai se agarrar a frente alguma. Vamos defender na reforma política nossas próprias posições'', diz o deputado gaúcho, com aval de Eduardo Campos. A bancada do Senado seguirá essa orientação.
Como assim?
Para petistas, a irritação de Lula com o governo tem nome e sobrenome: Fernando Henrique Cardoso. Segundo pessoas próximas, o ex-presidente soube pela Folha que o tucano foi consultado sobre a ideia, depois abortada, de constituinte para a reforma política.
Na faca
Além de anunciar cortes no custeio do governo, Geraldo Alckmin (PSDB) avisou a secretários que só vai autorizar aumento de gastos este ano para as áreas de saúde, educação e transportes. O tucano está preocupado com a queda das receitas e o crescimento das despesas de sua gestão.
14-Bis
O helicóptero Sikorsky que Alckmin decidiu vender tem quase de 20 anos de uso, seu motor já não aguenta a carga necessária e consome muito dinheiro em manutenção, contam integrantes do Palácio dos Bandeirantes. Por isso, não serve mais para o governo.
Poder divino
De um aliado de Fernando Haddad (PT), sobre a pressão sofrida pelo prefeito para reduzir a tarifa de ônibus: "Só faltou o Papa Francisco ligar e falar: meu filho, baixe essa tarifa, pelo amor de Deus'".
Só love
A sintonia entre Alckmin e Haddad continua em alta. Ao voltar de Brasília após a reunião de Dilma com governadores e prefeitos, o tucano elogiou, em conversas com aliados, a postura do prefeito durante o encontro com a presidente.
Visita à Folha
Jaques Wagner (PT), governador da Bahia, visitou ontem a Folha. Estava acompanhado de Paulo Roberto Britto Guimarães, superintendente de Desenvolvimento Econômico, e Sonia Carneiro, chefe da Representação do Estado em Brasília.
com ANDRÉIA SADI e BRUNO BOGHOSSIAN
tiroteio
"A reunião ministerial será uma grande chance de ministros que nunca viram a presidente pedirem um autógrafo."
DO DEPUTADO NILSON LEITÃO (PSDB-MT), líder da minoria na Câmara, sobre o excesso de pastas e a falta de acesso de muitos ministros a Dilma Rousseff.
contraponto
Questão de hierarquia
Dilma Rousseff recebeu ontem, pela primeira vez, representantes do movimento LGBT, no Palácio do Planalto. Acompanhada das ministras Eleonora Menicucci (Mulheres) e Maria do Rosário (Direitos Humanos), assistiu a apresentação de cada um dos líderes das entidades.
Até que chegou a vez de Toni Reis, da ABLGT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais). Secretário de educação da entidade, Toni se apresentou de maneira bem-humorada:
--Presidente, eu sou o Mercadante da ABLGT!
Após vários dias de tensão, Dilma caiu na gargalhada.
Cabo de guerra - ILIMAR FRANCO
O GLOBO - 29/06
O governo Dilma e a Câmara vão medir forças. O Planalto vai enviar sua proposta de plebiscito e vai insistir nela. Já os deputados terão de decidir entre viabilizar ou engavetar a consulta popular. No governo, é sabido que a maioria dos líderes é contra, a despeito do apoio público. A avaliação da presidente é que o importante foi retomar a ofensiva política e o diálogo com a sociedade.
A resistência
Não é à toa que a resistência maior ao plebiscito é na Câmara. Os deputados serão os mais atingidos pelas mudanças. Eles trabalharam nos últimos 30 meses para serem reeleitos por este sistema. A adoção do voto majoritário (distrital ou distritão), que elimina o voto de legenda e a redistribuição das sobras, deixaria sem mandato 12,2% da Câmara, 63 dos atuais deputados. Perderiam seus mandatos 12 do PT, sete do DEM, seis do PSDB, cinco do PMDB e quatro do PSB, entre outros. Os petistas teriam muito mais a perder. Os analistas são unânimes: o financiamento público e a lista fechada, pilares de sua proposta, dificilmente seriam aprovadas pelo voto da população.
"Plebiscito é coisa de lunáticos ou de gente muito mal-intencionada e que não está nem aí para os reais problemas do país. É farsa ou golpe"
Instituto Teotônio Vilela (PSDB) Sobre a população decidir pelo voto a reforma política
A expectativa
Na reunião ministerial de segunda-feira, a presidente Dilma deve anunciar corte de gastos de custeio de seu governo. Os ministros dizem que as medidas são guardadas a sete chaves. O objetivo é surpreender para causar impacto.
Surfando na onda
Em resposta às ruas, o presidente do Senado, Renan Calheiros, pretende votar, na terça-feira, a criminalização da homofobia, a ficha limpa para os servidores públicos, e a criação do Sistema de Combate à Tortura.
Decidiu, ainda, na esteira do plebiscito, onde o povo vai decidir, engavetar o projeto que restringe a criação de partidos.
Dois pra lá, dois pra cá
Sobre as manifestações que tomaram conta do país, a presidente Dilma fez um paralelo com as na Europa, sobretudo Espanha e França. Avaliou que, lá, a população luta por ter perdido direitos e, aqui, porque os brasileiros querem ampliá-los.
Cadê o povão?
Na reunião com os líderes, quinta-feira, a presidente Dilma reclamou do público da Copa das Confederações. Segundo ela: elitizado. "Não vi nos estádios um só negro, nem em Salvador", comentou. Dilma disse, aos deputados, esperar que o público da Copa do Mundo seja mais equilibrado e que o ingresso social consiga fazer os mais pobres terem acesso aos jogos.
O mundo de olho no Brasil
A Internacional Democrata de Centro, que reúne os partidos de centro-direita do mundo, pediu informações detalhadas dos recentes protestos que tomaram as ruas do país para um de seus vice-presidentes, o vereador Cesar Maia (DEM).
Receita para mobilidade urbana
O Sindifisco fez as contas e concluiu que a cobrança de IPVA de jatinhos, helicópteros e lanchas geraria receita anual de R$ 2,6 bilhões para investir em transporte público. Há uma PEC tramitando na Câmara instituindo a cobrança.
A FAVOR DO REFERENDO, o líder do PP, Arthur Lira, pede para registrar que não estava no encontro da rebelião, na casa do presidente da Câmara.
A resistência
Não é à toa que a resistência maior ao plebiscito é na Câmara. Os deputados serão os mais atingidos pelas mudanças. Eles trabalharam nos últimos 30 meses para serem reeleitos por este sistema. A adoção do voto majoritário (distrital ou distritão), que elimina o voto de legenda e a redistribuição das sobras, deixaria sem mandato 12,2% da Câmara, 63 dos atuais deputados. Perderiam seus mandatos 12 do PT, sete do DEM, seis do PSDB, cinco do PMDB e quatro do PSB, entre outros. Os petistas teriam muito mais a perder. Os analistas são unânimes: o financiamento público e a lista fechada, pilares de sua proposta, dificilmente seriam aprovadas pelo voto da população.
"Plebiscito é coisa de lunáticos ou de gente muito mal-intencionada e que não está nem aí para os reais problemas do país. É farsa ou golpe"
Instituto Teotônio Vilela (PSDB) Sobre a população decidir pelo voto a reforma política
A expectativa
Na reunião ministerial de segunda-feira, a presidente Dilma deve anunciar corte de gastos de custeio de seu governo. Os ministros dizem que as medidas são guardadas a sete chaves. O objetivo é surpreender para causar impacto.
Surfando na onda
Em resposta às ruas, o presidente do Senado, Renan Calheiros, pretende votar, na terça-feira, a criminalização da homofobia, a ficha limpa para os servidores públicos, e a criação do Sistema de Combate à Tortura.
Decidiu, ainda, na esteira do plebiscito, onde o povo vai decidir, engavetar o projeto que restringe a criação de partidos.
Dois pra lá, dois pra cá
Sobre as manifestações que tomaram conta do país, a presidente Dilma fez um paralelo com as na Europa, sobretudo Espanha e França. Avaliou que, lá, a população luta por ter perdido direitos e, aqui, porque os brasileiros querem ampliá-los.
Cadê o povão?
Na reunião com os líderes, quinta-feira, a presidente Dilma reclamou do público da Copa das Confederações. Segundo ela: elitizado. "Não vi nos estádios um só negro, nem em Salvador", comentou. Dilma disse, aos deputados, esperar que o público da Copa do Mundo seja mais equilibrado e que o ingresso social consiga fazer os mais pobres terem acesso aos jogos.
O mundo de olho no Brasil
A Internacional Democrata de Centro, que reúne os partidos de centro-direita do mundo, pediu informações detalhadas dos recentes protestos que tomaram as ruas do país para um de seus vice-presidentes, o vereador Cesar Maia (DEM).
Receita para mobilidade urbana
O Sindifisco fez as contas e concluiu que a cobrança de IPVA de jatinhos, helicópteros e lanchas geraria receita anual de R$ 2,6 bilhões para investir em transporte público. Há uma PEC tramitando na Câmara instituindo a cobrança.
A FAVOR DO REFERENDO, o líder do PP, Arthur Lira, pede para registrar que não estava no encontro da rebelião, na casa do presidente da Câmara.
O que disseram as ruas? - SÉRGIO AMARAL
O ESTADO DE S. PAULO - 29/06
Nos Cadernos do Cárcere, Gramsci faz uma curiosa comparação: os fenômenos políticos são por vezes como as doenças de pele, podem aparecer de um dia para o outro, mas são o resultado de um longo processo de transformações orgânicas. As manifestações de rua estão de volta. Ocorreram nos EUA (Ocupe Wall Street), na Grécia e na Espanha (contra a política de austeridade), na França (contra o casamento gay) no Egito (sob a influência da Primavera Árabe) e em tantos outros países e pelas mais distintas razões. São a expressão de um processo mais amplo de enfraquecimento do Estado-nação sob o efeito pinça das pressões que vêm de cima -em decorrência da globalização dos fluxos econômicos - e das demandas que vêm de baixo -como resultado do fortalecimento da sociedade civil. A noção mesmo de Estado-nação sofre expressiva revisão, com considerável impacto sobre a fisionomia da democracia.
Em termos simplistas e até mesmo caricatos, o cidadão quer pagar menos impostos, mas exige mais e melhores serviços; não se contenta em ser representado, mas quer participar das decisões; e assume, mediante novas formas de organização da sociedade, um conjunto de atribuições que eram antes privativas do Estado. O terceiro setor vem desempenhando papel relevante na defesa de causas legítimas, como a igualdade entre homens e mulheres, a defesa do meio ambiente e a proteção dos direitos humanos, temas que se incorporaram à agenda dos países e dos foros internacionais.
Era difícil prever que as ruas das principais cidades brasileiras viessem a ser tomadas por manifestações espontâneas e tão numerosas. Entre nós, as passeatas anunciam a chegada da crise econômica ao cotidiano das pessoas e das empresas -o baixo crescimento, o endividamento, a inadimplência e a inflação. Mas expressam também o repúdio à corrupção e a revolta contra o desperdício. Basta ouvir o que os manifestantes gritam na rua e ler o que dizem seus cartazes para entender o que significam. É um desabafo,
ainda difuso, contra as privações do cotidiano e uma frustração crescente com um sistema político que não é capaz de dar curso às demandas da sociedade e transformar reclamos justificados em decisões acertadas.
À sua maneira, as passeatas explicitam a falta de legitimidade das instituições. Os sindicatos perderam boa parte da relevância que já tiveram. Os partidos políticos não se mostram capazes de representar e conciliar os interesses da sociedade. Os governos hesitam diante da rapidez e magnitude das transformações.
Essas manifestações são ainda, predominantemente, uma iniciativa da classe média. As camadas de renda mais baixa estiveram, pelo menos até agora, mais atentas ao processo de distribuição de renda e aos programas sociais que as beneficiem. Nesse sentido, as passeatas organizadas pelo Movimento Passe Livre (MPL) deixam uma indagação no ar, que está em saber como a mensagem das ruas foi ou será filtrada para os grupos de baixa renda.
Até agora o governo não logrou cumprir com promessas que já havia feito: o crescimento continua a derrapar, a inflação sobe, os investimentos na infraestrutura ainda não decolaram. Os agentes econômicos parecem ter perdido a confiança no País, não investem ou emigram. Saúde, educação, transportes e segurança continuam precários, enquanto os gastos para a Copa do Mundo são percebidos como injustificados ou abusivos se comparados com as reais necessidades da população. Em São Paulo, como noticiado pela imprensa, os usuários dos transportes aumentaram 16%, enquanto a frota de ônibus encolheu.
A representação parlamentar enredou-se no mensalão, emitiu sinais confusos no trato dos direitos humanos, mobilizou-se por causas equivocadas, como no caso da PEC 37, que visava a tolher o papel do Ministério Público nas investigações. O cidadão,hoje mais consciente e participativo, não se considera representado por aqueles em quem votou.
A mensagem das ruas é ainda difusa. Falta-lhe por vezes foco. Mas foram assim também as primeiras manifestações do Movimento Verde,que chegou a propor a paralisação do crescimento. Com o tempo as propostas amadureceram e se tornaram convincentes.
O MPL mostrou maturidade. Corretamente evitou ser confundido com arruaceiros e assaltantes. Quis deliberadamente afastar-se da companhia oportunista de partidos políticos. Percebeu claramente que sua força não está na violência ou na desordem, mas na conquista da opinião pública e na capacidade de colocar seus temas na agenda prioritária de partidos políticos e governantes.
As manifestações não vão desaparecer, tampouco perenizar-se. Poderão ser suspensas quando o objetivo for atingido, como ocorreu agora em relação ao preço das passagens. Ou amainar quando a resposta parecer convincente. Mas deverão voltar às ruas caso não melhore a qualidade das políticas públicas na área social ou persista a impunidade em casos notórios de corrupção. A esse respeito, uma eventual reversão na condenação dos réus do mensalão terá um efeito explosivo.
As passeatas não são um fato novo. Mas ganharam em capacidade de organização e de divulgação com o avanço das tecnologias da comunicação. Estão-se tornando mais frequentes e consequentes. Numa era de afirmação da democracia em escala mundial, em que golpes e revoluções têm espaço cada vez mais reduzido, os movimentos sociais e suas manifestações se afirmam como instrumento crucial para a transformação da sociedade.
Os gritos da rua são um sinal de alerta. Como bem assinala Manuel Castells, "o eco dos movimentos sociais é bem mais forte do que os próprios movimentos, assim como as suas consequências nas instituições e no mundo dos negócios".
Em termos simplistas e até mesmo caricatos, o cidadão quer pagar menos impostos, mas exige mais e melhores serviços; não se contenta em ser representado, mas quer participar das decisões; e assume, mediante novas formas de organização da sociedade, um conjunto de atribuições que eram antes privativas do Estado. O terceiro setor vem desempenhando papel relevante na defesa de causas legítimas, como a igualdade entre homens e mulheres, a defesa do meio ambiente e a proteção dos direitos humanos, temas que se incorporaram à agenda dos países e dos foros internacionais.
Era difícil prever que as ruas das principais cidades brasileiras viessem a ser tomadas por manifestações espontâneas e tão numerosas. Entre nós, as passeatas anunciam a chegada da crise econômica ao cotidiano das pessoas e das empresas -o baixo crescimento, o endividamento, a inadimplência e a inflação. Mas expressam também o repúdio à corrupção e a revolta contra o desperdício. Basta ouvir o que os manifestantes gritam na rua e ler o que dizem seus cartazes para entender o que significam. É um desabafo,
ainda difuso, contra as privações do cotidiano e uma frustração crescente com um sistema político que não é capaz de dar curso às demandas da sociedade e transformar reclamos justificados em decisões acertadas.
À sua maneira, as passeatas explicitam a falta de legitimidade das instituições. Os sindicatos perderam boa parte da relevância que já tiveram. Os partidos políticos não se mostram capazes de representar e conciliar os interesses da sociedade. Os governos hesitam diante da rapidez e magnitude das transformações.
Essas manifestações são ainda, predominantemente, uma iniciativa da classe média. As camadas de renda mais baixa estiveram, pelo menos até agora, mais atentas ao processo de distribuição de renda e aos programas sociais que as beneficiem. Nesse sentido, as passeatas organizadas pelo Movimento Passe Livre (MPL) deixam uma indagação no ar, que está em saber como a mensagem das ruas foi ou será filtrada para os grupos de baixa renda.
Até agora o governo não logrou cumprir com promessas que já havia feito: o crescimento continua a derrapar, a inflação sobe, os investimentos na infraestrutura ainda não decolaram. Os agentes econômicos parecem ter perdido a confiança no País, não investem ou emigram. Saúde, educação, transportes e segurança continuam precários, enquanto os gastos para a Copa do Mundo são percebidos como injustificados ou abusivos se comparados com as reais necessidades da população. Em São Paulo, como noticiado pela imprensa, os usuários dos transportes aumentaram 16%, enquanto a frota de ônibus encolheu.
A representação parlamentar enredou-se no mensalão, emitiu sinais confusos no trato dos direitos humanos, mobilizou-se por causas equivocadas, como no caso da PEC 37, que visava a tolher o papel do Ministério Público nas investigações. O cidadão,hoje mais consciente e participativo, não se considera representado por aqueles em quem votou.
A mensagem das ruas é ainda difusa. Falta-lhe por vezes foco. Mas foram assim também as primeiras manifestações do Movimento Verde,que chegou a propor a paralisação do crescimento. Com o tempo as propostas amadureceram e se tornaram convincentes.
O MPL mostrou maturidade. Corretamente evitou ser confundido com arruaceiros e assaltantes. Quis deliberadamente afastar-se da companhia oportunista de partidos políticos. Percebeu claramente que sua força não está na violência ou na desordem, mas na conquista da opinião pública e na capacidade de colocar seus temas na agenda prioritária de partidos políticos e governantes.
As manifestações não vão desaparecer, tampouco perenizar-se. Poderão ser suspensas quando o objetivo for atingido, como ocorreu agora em relação ao preço das passagens. Ou amainar quando a resposta parecer convincente. Mas deverão voltar às ruas caso não melhore a qualidade das políticas públicas na área social ou persista a impunidade em casos notórios de corrupção. A esse respeito, uma eventual reversão na condenação dos réus do mensalão terá um efeito explosivo.
As passeatas não são um fato novo. Mas ganharam em capacidade de organização e de divulgação com o avanço das tecnologias da comunicação. Estão-se tornando mais frequentes e consequentes. Numa era de afirmação da democracia em escala mundial, em que golpes e revoluções têm espaço cada vez mais reduzido, os movimentos sociais e suas manifestações se afirmam como instrumento crucial para a transformação da sociedade.
Os gritos da rua são um sinal de alerta. Como bem assinala Manuel Castells, "o eco dos movimentos sociais é bem mais forte do que os próprios movimentos, assim como as suas consequências nas instituições e no mundo dos negócios".
Tropeços da governança - WALTER CENEVIVA
FOLHA DE SP - 29/06
O caminho para a efetividade do voto democrático não é fácil, mas é sempre melhor que o das ditaduras
Governança não foi palavra de emprego comum na língua portuguesa, até alguns anos atrás. Passou a ser usada no direito empresarial para definir a estrutura de comando da empresa. Daí foi transposta, nos estudos de ciência política e aceita para caracterizar o próprio governo ou a ação de governar.
Em inglês, o tradicional "Black's Law Dictionary" não incluíra "governance" no rol dos vocábulos aceitos pelo direito norte-americano ou inglês até os anos 70. Já o dicionário moderno de Bryan A. Garner, em 1995, aceita o termo. É o modo de dirigir um governo ou uma empresa, assim como em nosso país, do "Dicionário Jurídico" de Maria Helena Diniz.
A razão para incursionar por essa pesquisa se liga ao fato jurídico-político de que o ato de governar o país corresponde a dirigir a máquina estatal com qualidade e competência, marcadas por equilíbrio e imparcialidade. Afasta a má governança.
A alternância livre do poder político é essencial. A dignidade do equilíbrio depende, porém, de que conchavos, imediatamente posteriores à definição dos vitoriosos, não leve a recomposições e trocas espúrias, com adesões de segmentos do legislativo às posições do Executivo e, vez por outra, à "compreensão" pelo Judiciário de dubiedades dos vitoriosos em pleitos sucessivos.
As eleições brasileiras --do nível federal, ao estadual e ao municipal -- não deixam o eleitor tranquilo com o resultado das urnas ante as alterações decorrentes dos quocientes partidários. É frequente que o eleitor veja seu escolhido, com número superior de sufrágios, mas ser preterido por força dos coeficientes partidários.
A reavaliação das regras eleitorais é subordinada, quanto aos preceitos gerais, pelos arts. 18 a 30 da Constituição Federal e no referente aos partidos políticos, pelo art. 17. Os limites impostos à elegibilidade são sujeitos às normas do art. 14, aí incluído o voto secreto. Os preceitos da Carta Magna são regulados, especialmente pelo Código Eleitoral. Nesse campo há certo desencanto do povo, pois terminada a eleição (em todos os níveis) as promessas são passadas para o segundo plano e os "acertos", marcados por trocas de favores em que são poucos os aptos para atirar pedras ao telhado dos vizinhos.
Sabe-se que o aprimoramento do sistema não tem condição fácil de ser encaminhada. Sabe-se também que o presente momento não parece conveniente para o completo reexame das garantias da contagem justa nas eleições, a benefício do povo.
O progresso resultante do pleito eletrônico, legitimando quanto aos números, as escolhas (dos menores municípios à republica) deve ser completado, no campo de garantia da licitude do número de votos, para mais além dos conchavos pós-eleitorais.
Falou-se muito em plebiscito, referendo e iniciativa popular como procedimentos constitucionais para a efetividade da soberania do povo (art. 14 da Constituição, regulamentado pela Lei n. 9.709 de 1998). São úteis, mas devem ser objeto de longo esclarecimento do povo, para colher os efeitos benéficos que deles podem resultar.
O caminho para a efetividade do voto democrático não é fácil, mas é sempre melhor que o das ditaduras, quando subsistem apenas as manifestações dos detentores do poder, sejam eles quais forem.
O caminho para a efetividade do voto democrático não é fácil, mas é sempre melhor que o das ditaduras
Governança não foi palavra de emprego comum na língua portuguesa, até alguns anos atrás. Passou a ser usada no direito empresarial para definir a estrutura de comando da empresa. Daí foi transposta, nos estudos de ciência política e aceita para caracterizar o próprio governo ou a ação de governar.
Em inglês, o tradicional "Black's Law Dictionary" não incluíra "governance" no rol dos vocábulos aceitos pelo direito norte-americano ou inglês até os anos 70. Já o dicionário moderno de Bryan A. Garner, em 1995, aceita o termo. É o modo de dirigir um governo ou uma empresa, assim como em nosso país, do "Dicionário Jurídico" de Maria Helena Diniz.
A razão para incursionar por essa pesquisa se liga ao fato jurídico-político de que o ato de governar o país corresponde a dirigir a máquina estatal com qualidade e competência, marcadas por equilíbrio e imparcialidade. Afasta a má governança.
A alternância livre do poder político é essencial. A dignidade do equilíbrio depende, porém, de que conchavos, imediatamente posteriores à definição dos vitoriosos, não leve a recomposições e trocas espúrias, com adesões de segmentos do legislativo às posições do Executivo e, vez por outra, à "compreensão" pelo Judiciário de dubiedades dos vitoriosos em pleitos sucessivos.
As eleições brasileiras --do nível federal, ao estadual e ao municipal -- não deixam o eleitor tranquilo com o resultado das urnas ante as alterações decorrentes dos quocientes partidários. É frequente que o eleitor veja seu escolhido, com número superior de sufrágios, mas ser preterido por força dos coeficientes partidários.
A reavaliação das regras eleitorais é subordinada, quanto aos preceitos gerais, pelos arts. 18 a 30 da Constituição Federal e no referente aos partidos políticos, pelo art. 17. Os limites impostos à elegibilidade são sujeitos às normas do art. 14, aí incluído o voto secreto. Os preceitos da Carta Magna são regulados, especialmente pelo Código Eleitoral. Nesse campo há certo desencanto do povo, pois terminada a eleição (em todos os níveis) as promessas são passadas para o segundo plano e os "acertos", marcados por trocas de favores em que são poucos os aptos para atirar pedras ao telhado dos vizinhos.
Sabe-se que o aprimoramento do sistema não tem condição fácil de ser encaminhada. Sabe-se também que o presente momento não parece conveniente para o completo reexame das garantias da contagem justa nas eleições, a benefício do povo.
O progresso resultante do pleito eletrônico, legitimando quanto aos números, as escolhas (dos menores municípios à republica) deve ser completado, no campo de garantia da licitude do número de votos, para mais além dos conchavos pós-eleitorais.
Falou-se muito em plebiscito, referendo e iniciativa popular como procedimentos constitucionais para a efetividade da soberania do povo (art. 14 da Constituição, regulamentado pela Lei n. 9.709 de 1998). São úteis, mas devem ser objeto de longo esclarecimento do povo, para colher os efeitos benéficos que deles podem resultar.
O caminho para a efetividade do voto democrático não é fácil, mas é sempre melhor que o das ditaduras, quando subsistem apenas as manifestações dos detentores do poder, sejam eles quais forem.
O real, a rua e o governo - EDMAR BACHA
O GLOBO - 29/06
O Real completa 19 anos em meio a enormes manifestações populares nas ruas brasileiras. O estopim para os protestos foram os reajustes em junho dos preços das passagens dos ônibus no Rio e em São Paulo, normalmente feitos em janeiro ou fevereiro. O objetivo do governo federal com o adiamento dos reajustes foi tentar impedir que a alta dos preços superasse no início do ano o teto de 6,5% da meta de inflação. Apesar de ter vindo acompanhado de controles do governo sobre os preços da energia e da gasolina, de nada valeu aquele adiamento, pois o teto da meta de inflação estourou de qualquer jeito em março.
Durante a preparação do Plano Real, há 19 anos, eram intensas as pressões sobre o ministro da Fazenda e sua equipe para congelar os preços quando da introdução da nova moeda. A equipe econômica resistiu com sucesso a essas pressões arguindo com o fracasso do Plano Cruzado, que foi baseado no congelamento de preços e salários.
O real pôde então ser criado como uma moeda na qual os preços refletiam livremente seus custos e não a vontade dos governantes de mantê-los artificialmente baixos.
O atual governo parece haver esquecido essa lição, ao tentar inutilmente reprimir a inflação com controles de preços e desonerações fiscais. O ministro da Fazenda inventou uma tal de "nova matriz macroeconômica" que supostamente permitiria fazer a quadratura do círculo, evitando que os preços subissem apesar da expansão descontrolada do crédito e dos gastos do governo. A presidente da República, por sua vez, somente permitiu que o Banco Central aumentasse tardiamente os juros quando as pesquisas de opinião pública mostraram sua popularidade em rápido declínio por causa da inflação alta, colocando em risco sua reeleição.
A repressão pelo governo dos preços administrados vem minando a saúde financeira da Petrobras, da Eletrobras e das demais concessionárias de serviços públicos. Apesar disso, o povo nas ruas pede "passe livre" e isso não somente para os transportes públicos. Por enquanto, a resposta dos governos foi cancelar os reajustes dos preços dos ônibus e metrôs.
Mas de sua tribuna na presidência do Senado, Renan Calheiros apresenta um projeto de lei para dar, Brasil afora, passe livre nos ônibus para os estudantes.
A demagogia ameaça correr solta em Brasília.
Sempre antenados, os investidores tratam de se livrar das ações das concessionárias de serviços públicos, ao antecipar que doravante será difícil manter os reajustes de preços programados.
Nesse ambiente conturbado, cabe perguntar o que acontecerá com os leilões de concessão de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos programados para o fim do ano. Será que grupos empresariais sérios se candidatarão a adquirir concessões que já vêm com o rótulo da "modicidade tarifária", quando a demanda das ruas é por tarifas menores do que as atuais? Esse encolhimento dos investidores ajuda o dólar a disparar e se agrega à alta dos juros para piorar as perspectivas da economia.
A consequência provável é que os pibinhos que se vêm se manifestando desde 2011 continuarão a mostrar sua cara feia neste e no próximo ano. Não é só a cara, o nome também é feio: trata-se da estagflação, uma combinação de estagnação com inflação.
O governo colhe os frutos de se ter comportado como o proverbial aprendiz de feiticeiro. Brincou com a inflação que tanto custou a ser contida há 19 anos, ao promover uma expansão descontrolada do crédito dos bancos públicos e dos gastos governamentais, ao postergar os reajustes dos preços controlados e ao não deixar o Banco Central atuar a tempo para conter a alta dos preços. Agora terá que lidar não só com as novas demandas populares mas também com a estagflação que ronda a economia.
Resta-nos torcer para que o despertar do Brasil que se manifesta nas ruas de todo o país produza tempos melhores para todos nós.
É câmbio ou é salário? - CELSO MING
O ESTADÃO - 29/06
Alta do dólar é perda de salário. Para quem não tem intimidade com economia, parece difícil entender que o câmbio, ou seja, o preço da moeda nacional em relação a outra, corresponde também ao poder de compra do salário. "Se meu salário é em reais e está fixado no meu contrato de trabalho, por que varia de acordo com a cotação do dólar"? - é o que tanta gente pergunta, especialmente agora que o câmbio segue aos solavancos.
Talvez fique mais fácil entender essa relação se, em vez de salário, tomarmos o conceito de renda, que corresponde ao valor da produção, o mesmo que Produto Interno Bruto (PIB). Esse bolo é distribuído pela população, em fatias maiores ou menores, dependendo da condição de cada um. Se o câmbio está valorizado, ou seja, se em reais se compram mais dólares, a renda também é puxada para cima, isto é, o salário ganha maior poder de compra em moeda estrangeira. Do ponto de vista da produção, salário mais valorizado devido à alta do dólar implica mais custos de produção (salário mais alto em dólares). E, do ponto de vista do comércio exterior, salário elevado compra mais mercadorias importadas. Por isso, o câmbio valorizado pressiona a balança comercial: a população come parte do que seria exportado, o que derruba as receitas com exportações e aumenta as importações.
Numa situação de crise econômica, sobretudo quando essa crise atinge as contas do País com o exterior, é preciso conter os salários. Um jeito impraticável de fazer isso é o governo baixar um decreto que reduza, digamos em 20%, todos os salários, proventos, honorários, aluguéis, dividendos, enfim, tudo o que for considerado renda. É mais prático, simplesmente, desvalorizar a moeda: o dólar estava a R$ 2,15 e passa a R$ 2,40.
A manobra é semelhante ao que ocorre quando o governo quer poupar energia elétrica no verão. Seria complicado garantir o cumprimento de um decreto assim: a partir de amanhã, todos vão se levantar e dormir uma hora mais cedo. É claro, não funcionaria. É mais prático decretar o horário de verão com o adiantamento nos relógios em uma hora.
Antes da criação do euro, os alemães perceberam que não podiam contar mais com a capacidade de determinar a política cambial, porque a moeda passaria a ser comum aos 17 membros, como é hoje. Com isso, viram que não podiam aumentar suas exportações com manobras de desvalorização da moeda nacional. O que fizeram? Para garantir sua competitividade dentro e fora do bloco, os alemães fizeram no governo Gerhard Schroeder um acordo nacional, que envolveu políticos e sindicatos, determinando a redução dos salários. Foi como diminuíram os custos de produção sem recorrer à desvalorização cambial. Uma das maiores queixas dos demais sócios da área do euro é que os alemães jogam duro ao aceitar sacrifícios insuportáveis que depois querem impor aos vizinhos.
No Brasil, fazemos o contrário. Em razão de vários fatores (inclusive da valorização do real diante das outras moedas fortes), os salários vêm aumentado muito acima da produtividade do trabalho. O resultado (entre outras questões) é mais consumo, menos investimento e uma indústria cada vez mais anêmica.
O fator câmbio.
A melhora da dívida líquida em reais do setor público em maio não foi o resultado da melhora das condições fiscais (que englobam receitas e despesas do setor público). Foi, mais que tudo, consequência do impacto da alta do dólar (desvalorização do real) sobre os créditos (que estão em dólares) das reservas em reais. Ao final de maio, as reservas estavam a US$ 374,4 bilhões.
Sombra chinesa - MÍRIAM LEITÃO
O GLOBO - 29/06
O presidente do Banco Central da China, Zhow Xiaochuan, apareceu pela primeira vez desde o início dos distúrbios no mercado financeiro para dizer que "a China vai garantir o dinheiro suficiente para a economia" e que vai usar "todas as ferramentas e métodos" para superar a crise que assombrou o mundo nos últimos dias: uma escassez de dinheiro que fez disparar o interbancário chinês.
Esse novo risco assusta por todos os motivos: a economia chinesa é pouco compreendida e muito relevante para o mundo. Os juros do interbancário - mercado de empréstimos entre os bancos - triplicaram. Com a atuação do BC da China, eles caíram um pouco, mas o custo dos empréstimos ainda está o dobro do que eram.
Os bancos chineses desconfiam uns dos outros. Isso é que levou ao travamento desse mercado e à elevação dos juros. Expressões como "congelamento do crédito", "colapso do crédito" e até "corrida bancária" aparecem em relatórios de bancos e consultorias internacionais, embora tudo esteja no campo das probabilidades.
A falta de transparência chinesa pode provocar temores exagerados, mas, de qualquer maneira, há dados que sustentam o pessimismo.
A injeção de crédito foi um dos pilares de sustentação da economia chinesa depois da crise de 2008.
Segundo o Departamento de Estudos Econômicos do Bradesco, a relação crédito/PIB no país saltou de 125% para 200% nesse período. A desconfiança, agora, é que durante esse boom muitos empréstimos tenham negligenciado riscos. A centralização da economia nas mãos do governo torna qualquer análise nebulosa. A maior parte do crédito que gira pela economia chinesa vem dos bancos públicos.
As decisões sobre os empréstimos são políticas, e isso fez com que se criasse um mercado paralelo de empréstimos. Quem consegue dinheiro barato acaba emprestando a quem não consegue, cobrando uma taxa maior.
Como esse é um mercado sem regulação, ou seja, está "na sombra", os bancos não sabem quais estão expostos aos riscos. Todos desconfiam, e isso faz os juros subirem.
Na segunda-feira, esse receio fez com que a bolsa chinesa tivesse a maior queda diária em três anos, com um tombo de 5,3%. O índice Hang Seng das principais empresas listadas na bolsa de Hong Kong voltou ao nível mais baixo desde abril de 2009.
Os juros cobrados pelos bancos para emprestar entre si - no interbancário - subiu para 13% na semana passada, a máxima histórica em uma das modalidades de crédito. Depois, caíram um pouco, graças à intervenção do BC.
Juros mais altos no interbancário por um período prolongado acabam chegando à economia real porque contaminam o crédito para consumo e investimentos.
Podem acentuar a redução do ritmo de crescimento chinês.
Engana-se quem pensa que tudo é distante. A economia brasileira está exposta à economia chinesa através do comércio, do mercado de commodities.
Qualquer espirro lá afeta a Vale e muda os dados das contas externas brasileiras, que já estão com um déficit de 3,2% do PIB na conta corrente. O mundo inteiro ficou mais dependente da China e acompanha com lupa o período de transição para um novo patamar de crescimento em que ela está.
O que pioraria tudo seria um evento de crédito.
Numa economia tão estatizada e com tanto poder de intervenção, a tendência é sempre achar que o governo evitará tudo. Não é tão simples. É uma economia híbrida, tanto que o interbancário deu o salto que deu. O presidente do BC disse que os mercados financeiros têm sido muito sensíveis e "reagem rapidamente a qualquer sinal que detectam".
Disse que eles ajudam a encontrar os problemas e resolvê-los. Ou seja, o presidente do BC chinês admite que há problemas.
Um diálogo oriental sobre protestos - MARCOS CARAMURU DE PAIVA
FOLHA DE SP - 29/06
Há muitos pleitos objetivos que podem ser atendidos. Alguns já foram. Outros terão respostas erradas
Há dias, um chinês me fez a pergunta: esses protestos no Brasil têm algo do episódio da praça da Paz Celestial, em 88, você não acha? Na praça da Paz Celestial, o que se viu foi um grupo de estudantes, num momento de pressão de preços, protestando contra a corrupção. Não é o mesmo entre vocês?
A pergunta causou-me certa perplexidade. Comparar momentos históricos tão distantes em países com regimes políticos tão diferentes pareceu-me, no mínimo, ousado. Nós, no Brasil, vivemos com o debate. Pagamos por isso: vivenciamos as ineficiências de gestão que regimes democráticos trazem naturalmente consigo. O problema é que as ineficiências aqui passaram do ponto.
A China tem um regime que lhe permite imprimir à gestão pública toda a eficiência --ou pelo menos a celeridade-- que o unipartidarismo proporciona. Não se lhe pode tirar o mérito. Há países unipartidários que não conseguem produzir bons governos. Mas daí a fazer a comparação é salto muito grande.
Resisti à tentação de uma resposta que encerrasse a conversa, por desprovida de fundamento. Pedi ao meu interlocutor que fosse mais específico. Ele prosseguiu: em 88, inicialmente, o governo achou que a manifestação moralmente correta dos estudantes fosse algo positivo.
Em seguida, a coisa foi ficando mais complexa. Os trabalhadores se juntaram, e os protestos se multiplicaram. A população passou a dar comida e água aos manifestantes. Até estudantes protestavam.
Mas, de repente, disse-me, houve a percepção de que os riscos se tornaram grandes demais. E veio o que o mundo assistiu. Os últimos repórteres da televisão que noticiaram os manifestos fizeram-no em lágrimas.
Zhao Ziyang, secretário geral do Partido, alguém pré-disposto à conciliação, perdeu o cargo. Ascendeu Jiang Zemin, reformador, bom dirigente, que, oito anos após deixar a Presidência, ainda comanda, de longe, boa parte do mundo político. O resto, acrescentou, você sabe bem.
O resto nos diferencia extraordinariamente.
Neste momento em que muitos tentam identificar que antecedentes há para os fatos recentes --Paris 68, a Turquia atual, Ocupe Wall Street-- pareceu-me interessante narrar uma visão descolada das referências ocidentais. Há, no inconsciente coletivo, algo que conecta fatos que diferem diametralmente nos seus desdobramentos.
Quanto à nossa realidade, creio que a geração mais jovem entenderá melhor o que está ocorrendo. Há muitos pleitos objetivos e razoáveis que podem ser atendidos rapidamente. Alguns já foram. Outros terão respostas erradas. Outros suscitarão decisões atropeladas, com menos reflexão do que demandariam em circunstâncias normais. Vamos esperar que, no cômputo geral, o resultado agregue valor.
As máscaras e o refrão "sem partido" são como se as ruas dissessem: estamos aqui, as demandas são muitas. Viemos desestruturar uma ordem que não é mais satisfatória. Não nos cabe achar caminhos. Vocês, políticos, que o façam, com decência. Estaremos vigilantes. Pedir coerência aos fatos e às vozes é enfoque velho. E propor saídas verdadeiramente satisfatórias, no curto prazo, uma impossibilidade.
Há muitos pleitos objetivos que podem ser atendidos. Alguns já foram. Outros terão respostas erradas
Há dias, um chinês me fez a pergunta: esses protestos no Brasil têm algo do episódio da praça da Paz Celestial, em 88, você não acha? Na praça da Paz Celestial, o que se viu foi um grupo de estudantes, num momento de pressão de preços, protestando contra a corrupção. Não é o mesmo entre vocês?
A pergunta causou-me certa perplexidade. Comparar momentos históricos tão distantes em países com regimes políticos tão diferentes pareceu-me, no mínimo, ousado. Nós, no Brasil, vivemos com o debate. Pagamos por isso: vivenciamos as ineficiências de gestão que regimes democráticos trazem naturalmente consigo. O problema é que as ineficiências aqui passaram do ponto.
A China tem um regime que lhe permite imprimir à gestão pública toda a eficiência --ou pelo menos a celeridade-- que o unipartidarismo proporciona. Não se lhe pode tirar o mérito. Há países unipartidários que não conseguem produzir bons governos. Mas daí a fazer a comparação é salto muito grande.
Resisti à tentação de uma resposta que encerrasse a conversa, por desprovida de fundamento. Pedi ao meu interlocutor que fosse mais específico. Ele prosseguiu: em 88, inicialmente, o governo achou que a manifestação moralmente correta dos estudantes fosse algo positivo.
Em seguida, a coisa foi ficando mais complexa. Os trabalhadores se juntaram, e os protestos se multiplicaram. A população passou a dar comida e água aos manifestantes. Até estudantes protestavam.
Mas, de repente, disse-me, houve a percepção de que os riscos se tornaram grandes demais. E veio o que o mundo assistiu. Os últimos repórteres da televisão que noticiaram os manifestos fizeram-no em lágrimas.
Zhao Ziyang, secretário geral do Partido, alguém pré-disposto à conciliação, perdeu o cargo. Ascendeu Jiang Zemin, reformador, bom dirigente, que, oito anos após deixar a Presidência, ainda comanda, de longe, boa parte do mundo político. O resto, acrescentou, você sabe bem.
O resto nos diferencia extraordinariamente.
Neste momento em que muitos tentam identificar que antecedentes há para os fatos recentes --Paris 68, a Turquia atual, Ocupe Wall Street-- pareceu-me interessante narrar uma visão descolada das referências ocidentais. Há, no inconsciente coletivo, algo que conecta fatos que diferem diametralmente nos seus desdobramentos.
Quanto à nossa realidade, creio que a geração mais jovem entenderá melhor o que está ocorrendo. Há muitos pleitos objetivos e razoáveis que podem ser atendidos rapidamente. Alguns já foram. Outros terão respostas erradas. Outros suscitarão decisões atropeladas, com menos reflexão do que demandariam em circunstâncias normais. Vamos esperar que, no cômputo geral, o resultado agregue valor.
As máscaras e o refrão "sem partido" são como se as ruas dissessem: estamos aqui, as demandas são muitas. Viemos desestruturar uma ordem que não é mais satisfatória. Não nos cabe achar caminhos. Vocês, políticos, que o façam, com decência. Estaremos vigilantes. Pedir coerência aos fatos e às vozes é enfoque velho. E propor saídas verdadeiramente satisfatórias, no curto prazo, uma impossibilidade.
O golpe do PT - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 29/06
É claro que a reforma política é fundamental para avançarmos no processo democrático, e não é à toa que há anos buscam-se fórmulas para aperfeiçoar nosso sistema político-partidário, responsável principal pelas distorções na atividade política.
Quando os manifestantes nas ruas dizem que não se sentem representados pelos partidos políticos, e criticam a defasagem entre representante e representado, estão falando principalmente da reforma política.
Mas há apenas uma razão para que o tema tenha se tornado o centro dos debates: uma manobra diversionista do governo para tentar assumir o comando da situação, transferindo para o Congresso a maior parte da culpa pela situação que as manifestações criticam.
O governo prefere apresentar o plebiscito sobre a reforma política como a solução para todos os males do país e insistir em que as eventuais novas regras passem já a valer na eleição de 2014, mesmo sabendo que dificilmente haverá condições de ser realizado a tempo, se não pela dificuldade de se chegar a um consenso sobre sua montagem, no mínimo por questões de logística.
A presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Ministra Cármen Lúcia, convocou para terça-feira uma reunião com todos os presidentes dos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) para começar a organizar a logística para um possível plebiscito.
Ao mesmo tempo, a diretoria de Tecnologia do TSE já começou a estudar qual a maneira mais rápida de montar uma consulta popular nas urnas eletrônicas. Só depois dessas reuniões, o TSE terá condições de estimar o tempo previsto para implementar o plebiscito, e até mesmo sua viabilidade, já que o sistema binário (de sim ou não) pode não ser suficiente para a definição de temas tão complexos quanto o sistema eleitoral e partidário.
Mas já há movimentos dentro do governo no sentido de que o prazo mínimo de um ano para mudanças nas regras eleitorais, definido pela Constituição, seja reduzido se assim o povo decidir no plebiscito. Ora, isso é uma tentativa de golpe antidemocrático que pode abrir caminho para outras decisões através de consultas populares, transformando- nos em um arremedo de república bolivariana.
A questão certamente acabará no Supremo, por inconstitucional.
A insistência na pressa tem boas razões. O sonho de consumo do PT seria mudar as regras do jogo com a aprovação das candidaturas em listas fechadas, em que o eleitor vota apenas na legenda, enquanto a direção partidária indica os candidatos eleitos.
Como o partido com maior apelo de legenda, o PT teoricamente seria o de maior votação.
Mas, se as mudanças não acontecerem dentro do cronograma estabelecido pelo Palácio do Planalto, será fácil culpar o Congresso pela inviabilização da reforma política, ou o TSE.
Já no 3º Congresso do PT, em 2007, o documento final - que Reinaldo Azevedo, da "Veja", desencavou - defende exatamente os pontos anunciados pela presidente Dilma em seu discurso diante dos governadores e prefeitos.
Ela própria admitiu que gostaria que do plebiscito saíssem o voto em lista e o financiamento público de campanha. Até mesmo a Constituinte exclusiva, que acabou sendo abortada, está entre as reivindicações do PT desde 2007. "Para que isso seja possível, a reforma política deve assumir um estatuto de movimento e luta social, ganhando as ruas com um sentido de conquista e ampliação de direitos políticos e democráticos", diz o documento do PT.
Para os petistas, "a reforma política não pode ser um debate restrito ao Congresso Nacional, que já demonstrou ser incapaz de aprovar medidas que prejudiquem os interesses estabelecidos dos seus integrantes".
A ideia de levar a reforma para uma Constituinte exclusiva tem como objetivo impedir que "setores conservadores" do Congresso introduzam medidas como o voto distrital e o voto facultativo, "de sentido claramente conservador", segundo o PT.
De acordo com o mesmo documento, "a implantação, no Brasil, do financiamento público exclusivo de campanhas, combinado com o voto em listas preordenadas, permitirá contemplar a representação de gênero, raça e etnia".
Portanto, a presidente Dilma está fazendo nada menos que o jogo do seu partido político, com o agravante de ser candidata à Presidência da República na eleição cujas regras pretende alterar.
Quando os manifestantes nas ruas dizem que não se sentem representados pelos partidos políticos, e criticam a defasagem entre representante e representado, estão falando principalmente da reforma política.
Mas há apenas uma razão para que o tema tenha se tornado o centro dos debates: uma manobra diversionista do governo para tentar assumir o comando da situação, transferindo para o Congresso a maior parte da culpa pela situação que as manifestações criticam.
O governo prefere apresentar o plebiscito sobre a reforma política como a solução para todos os males do país e insistir em que as eventuais novas regras passem já a valer na eleição de 2014, mesmo sabendo que dificilmente haverá condições de ser realizado a tempo, se não pela dificuldade de se chegar a um consenso sobre sua montagem, no mínimo por questões de logística.
A presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Ministra Cármen Lúcia, convocou para terça-feira uma reunião com todos os presidentes dos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) para começar a organizar a logística para um possível plebiscito.
Ao mesmo tempo, a diretoria de Tecnologia do TSE já começou a estudar qual a maneira mais rápida de montar uma consulta popular nas urnas eletrônicas. Só depois dessas reuniões, o TSE terá condições de estimar o tempo previsto para implementar o plebiscito, e até mesmo sua viabilidade, já que o sistema binário (de sim ou não) pode não ser suficiente para a definição de temas tão complexos quanto o sistema eleitoral e partidário.
Mas já há movimentos dentro do governo no sentido de que o prazo mínimo de um ano para mudanças nas regras eleitorais, definido pela Constituição, seja reduzido se assim o povo decidir no plebiscito. Ora, isso é uma tentativa de golpe antidemocrático que pode abrir caminho para outras decisões através de consultas populares, transformando- nos em um arremedo de república bolivariana.
A questão certamente acabará no Supremo, por inconstitucional.
A insistência na pressa tem boas razões. O sonho de consumo do PT seria mudar as regras do jogo com a aprovação das candidaturas em listas fechadas, em que o eleitor vota apenas na legenda, enquanto a direção partidária indica os candidatos eleitos.
Como o partido com maior apelo de legenda, o PT teoricamente seria o de maior votação.
Mas, se as mudanças não acontecerem dentro do cronograma estabelecido pelo Palácio do Planalto, será fácil culpar o Congresso pela inviabilização da reforma política, ou o TSE.
Já no 3º Congresso do PT, em 2007, o documento final - que Reinaldo Azevedo, da "Veja", desencavou - defende exatamente os pontos anunciados pela presidente Dilma em seu discurso diante dos governadores e prefeitos.
Ela própria admitiu que gostaria que do plebiscito saíssem o voto em lista e o financiamento público de campanha. Até mesmo a Constituinte exclusiva, que acabou sendo abortada, está entre as reivindicações do PT desde 2007. "Para que isso seja possível, a reforma política deve assumir um estatuto de movimento e luta social, ganhando as ruas com um sentido de conquista e ampliação de direitos políticos e democráticos", diz o documento do PT.
Para os petistas, "a reforma política não pode ser um debate restrito ao Congresso Nacional, que já demonstrou ser incapaz de aprovar medidas que prejudiquem os interesses estabelecidos dos seus integrantes".
A ideia de levar a reforma para uma Constituinte exclusiva tem como objetivo impedir que "setores conservadores" do Congresso introduzam medidas como o voto distrital e o voto facultativo, "de sentido claramente conservador", segundo o PT.
De acordo com o mesmo documento, "a implantação, no Brasil, do financiamento público exclusivo de campanhas, combinado com o voto em listas preordenadas, permitirá contemplar a representação de gênero, raça e etnia".
Portanto, a presidente Dilma está fazendo nada menos que o jogo do seu partido político, com o agravante de ser candidata à Presidência da República na eleição cujas regras pretende alterar.
Só há uma cura: a política - KÁTIA ABREU
FOLHA DE SP - 29/06
O Legislativo, por ser mais transparente, é alvo da insatisfação. Mas o Judiciário também tem de ouvir as ruas
Para os males da Polis, a política é sempre o remédio, mesmo quando é também a doença.
Só se cura a política, seja qual for o estágio da anomalia, com mais política.
A voz das ruas, em regra invocada como sintoma de rejeição à política, nada mais é que o grito primal da política.
Mesmo os que fazem da antipolítica estandarte servem-se da mais antiga e desonesta das formas de ação política: o falso moralismo. Veem o mar revolto e lançam sua rede na expectativa não de acalmá-lo, mas de fisgar alguns cardumes.
É preciso cuidado com os rufiões da revolta alheia. A antipolítica, que criminaliza a política para comandá-la, deságua sempre em ditadura --ou seja, nada mais do que a política em sua manifestação mais odiosa e atrasada.
O Brasil já viveu algumas vezes essa experiência; já cansou-se da dobradinha formada por populismo e autoritarismo, cuja consequência é viciar e desmoralizar as instituições. O Brasil sabe que por aí não há soluções, senão mais e mais problemas.
O que as ruas nos dizem é que é necessário um basta à demagogia e à desonestidade, que resultam naquilo que os protestos expressam: a má qualidade dos serviços públicos --nos transportes, na saúde, na educação, na segurança, na justiça--, a corrupção dos agentes públicos, os temores com a alta da inflação.
Não se pede revolução, mas decência.
Fala-se em insatisfação difusa. Espremendo-se, porém, os slogans, chega-se ao vilão da história: o Estado --aí compreendidos os três Poderes, que de fato merecem o que estão recebendo.
Afinal, falamos de um Congresso dissociado da vontade popular, de líderes políticos contestados por seus representados, de serviços públicos de má qualidade e de uma Justiça morosa.
O Legislativo fica sempre com a maior carga, não por ser o pior, mas o mais transparente. E é o menos problemático, já que, de quatro em quatro anos, renova sua composição nas urnas.
O Executivo renova apenas seu comando --Presidência, governos estaduais e prefeituras--, mas não seu estamento burocrático, em grande parte aparelhado pelos partidos políticos.
O Poder Judiciário, por sua vez, renova-se muito lentamente, dada a vitaliciedade dos seus cargos.
Parece-me, portanto, evidente que também este Poder tem de ouvir a voz das ruas. Não para ser reverente a gritos contingentes, mas para se submeter a seu valor permanente, que é a observância do Estado Democrático de Direito.
Enquanto os parlamentares e os chefes de executivos têm seus nomes e fotos publicados diariamente nos jornais e são apontados nas ruas, os membros do Judiciário são desconhecidos da população.
Não fosse a cobertura intensa do julgamento do processo do mensalão, aliás, o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) saborearia o anonimato.
A impunidade é a expressão mais perversa da injustiça. E não se trata de fenômeno recente. Registre-se que este debate se mantém, há mais de um século, atualíssimo.
Mudou alguma coisa? As ruas sabem que não.
A política vai mal, o povo não se sente representado pelos partidos --e isso precisa mudar. Mas, no Brasil de hoje, nenhum Poder está em condições de puxar a orelha do outro.
Não podemos, no entanto, encarar a nossa história, a nossa formação, como um fatalismo. Podemos e devemos mudar essa escrita.
O passado não existe para oprimir a nossa inteligência, mas para nos instruir rumo ao futuro, para nos advertir sobre os erros que já foram cometidos.
Todos navegam nas mesmas águas, turvas e poluídas. O saneamento requer humildade, bom senso e ação conjunta, para que o parágrafo único, do artigo 1º da Constituição -"todo o poder emana do povo"- seja honrado.
O Legislativo, por ser mais transparente, é alvo da insatisfação. Mas o Judiciário também tem de ouvir as ruas
Para os males da Polis, a política é sempre o remédio, mesmo quando é também a doença.
Só se cura a política, seja qual for o estágio da anomalia, com mais política.
A voz das ruas, em regra invocada como sintoma de rejeição à política, nada mais é que o grito primal da política.
Mesmo os que fazem da antipolítica estandarte servem-se da mais antiga e desonesta das formas de ação política: o falso moralismo. Veem o mar revolto e lançam sua rede na expectativa não de acalmá-lo, mas de fisgar alguns cardumes.
É preciso cuidado com os rufiões da revolta alheia. A antipolítica, que criminaliza a política para comandá-la, deságua sempre em ditadura --ou seja, nada mais do que a política em sua manifestação mais odiosa e atrasada.
O Brasil já viveu algumas vezes essa experiência; já cansou-se da dobradinha formada por populismo e autoritarismo, cuja consequência é viciar e desmoralizar as instituições. O Brasil sabe que por aí não há soluções, senão mais e mais problemas.
O que as ruas nos dizem é que é necessário um basta à demagogia e à desonestidade, que resultam naquilo que os protestos expressam: a má qualidade dos serviços públicos --nos transportes, na saúde, na educação, na segurança, na justiça--, a corrupção dos agentes públicos, os temores com a alta da inflação.
Não se pede revolução, mas decência.
Fala-se em insatisfação difusa. Espremendo-se, porém, os slogans, chega-se ao vilão da história: o Estado --aí compreendidos os três Poderes, que de fato merecem o que estão recebendo.
Afinal, falamos de um Congresso dissociado da vontade popular, de líderes políticos contestados por seus representados, de serviços públicos de má qualidade e de uma Justiça morosa.
O Legislativo fica sempre com a maior carga, não por ser o pior, mas o mais transparente. E é o menos problemático, já que, de quatro em quatro anos, renova sua composição nas urnas.
O Executivo renova apenas seu comando --Presidência, governos estaduais e prefeituras--, mas não seu estamento burocrático, em grande parte aparelhado pelos partidos políticos.
O Poder Judiciário, por sua vez, renova-se muito lentamente, dada a vitaliciedade dos seus cargos.
Parece-me, portanto, evidente que também este Poder tem de ouvir a voz das ruas. Não para ser reverente a gritos contingentes, mas para se submeter a seu valor permanente, que é a observância do Estado Democrático de Direito.
Enquanto os parlamentares e os chefes de executivos têm seus nomes e fotos publicados diariamente nos jornais e são apontados nas ruas, os membros do Judiciário são desconhecidos da população.
Não fosse a cobertura intensa do julgamento do processo do mensalão, aliás, o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) saborearia o anonimato.
A impunidade é a expressão mais perversa da injustiça. E não se trata de fenômeno recente. Registre-se que este debate se mantém, há mais de um século, atualíssimo.
Mudou alguma coisa? As ruas sabem que não.
A política vai mal, o povo não se sente representado pelos partidos --e isso precisa mudar. Mas, no Brasil de hoje, nenhum Poder está em condições de puxar a orelha do outro.
Não podemos, no entanto, encarar a nossa história, a nossa formação, como um fatalismo. Podemos e devemos mudar essa escrita.
O passado não existe para oprimir a nossa inteligência, mas para nos instruir rumo ao futuro, para nos advertir sobre os erros que já foram cometidos.
Todos navegam nas mesmas águas, turvas e poluídas. O saneamento requer humildade, bom senso e ação conjunta, para que o parágrafo único, do artigo 1º da Constituição -"todo o poder emana do povo"- seja honrado.
Manifestações no Brasil: quais as razões? - MOISÉS FARAH JR.
GAZETA DO POVO - PR - 29/06
O início das manifestações populares no Brasil, desde o meio de junho, deixou perplexas as autoridades da União, estados e municípios. De um protesto contra o aumento da passagem dos ônibus, a população incorporou temas pouco discutidos. Em que cenário surgiram os questionamentos por parte da população? São vários, mas alguns desses assuntos diretamente refletem na vida das pessoas.
O cenário econômico internacional revela que nossos problemas internos não são causados por fatores vindos de fora; o cenário interno revela aumento da inflação, baixo crescimento da economia sem perspectivas de melhora no curto e médio prazo, perda de poder aquisitivo face a reajustes automáticos de serviços públicos privatizados (pedágio, transporte coletivo, telecomunicações, energia) e serviços prestados ao povo sem o padrão Fifa; para a Copa de 2014, houve gastos questionáveis para construir estádios particulares sem a transparência adequada e necessária. A Fifa, uma entidade privada internacional, impõe (e o governo aceita) exigências que ignoram nossa soberania.
Além disso, há uma sensação de que os condenados pelo mensalão não irão ficar atrás das grades. Aumenta a corrupção porque a impunidade assegura meios de os políticos corruptos escaparem da prisão. A PEC 37, já derrubada, defendia que o Ministério Público não tivesse mais o poder investigativo (contra corrupção, desvio de recursos, obras superfaturadas etc.), e pergunta-se: quem se beneficiaria com a exclusão do MP das investigações?
Há um silêncio sepulcral por parte dos governantes (nas três esferas) quando a população questiona algum gasto público não esclarecido quanto ao seu objetivo ou necessidade. Nenhuma discussão sobre a adoção de medidas econômicas que podem afetar a política fiscal, em que mais gastos são autorizados sem contrapartida de receita. Não se propõe uma reforma tributária com menos impostos, gastos com maior retorno econômico e social, com um substancial corte de despesas da União, estados e municípios.
No dia 21, a presidente da República falou para a nação em cadeia nacional de rádio e televisão, buscando dar respostas aos anseios da população. Atitude louvável, mas o que o povo questiona já não deveria ser de conhecimento de todas as autoridades? A presidente pode dar as respostas junto com os demais poderes. Que cada poder assuma suas atribuições de fato, cortando os próprios privilégios. Hoje, o político cassado volta para sua casa legislativa, o condenado pelo Supremo não está na cadeia e à população cabe somente a tarefa de pagar impostos.
O Brasil precisa mudar, e muito. E que comece pelo poder político, que é a reforma mais urgente de que a nação precisa. A reforma política de verdade deve contemplar fidelidade partidária, voto distrital, mandato do partido e não do político, fim da reeleição para todos os níveis, vereador como trabalho voluntário e não remunerado, cargos comissionados representando no máximo 2% do total de servidores, e fim do aparelhamento do Estado com indicações políticas. O que é necessário para mudar o país de agora e do futuro não são medidas pontuais para baixar o preço da passagem, mas medidas profundas, estruturais, de curto, médio e longo prazo.
O início das manifestações populares no Brasil, desde o meio de junho, deixou perplexas as autoridades da União, estados e municípios. De um protesto contra o aumento da passagem dos ônibus, a população incorporou temas pouco discutidos. Em que cenário surgiram os questionamentos por parte da população? São vários, mas alguns desses assuntos diretamente refletem na vida das pessoas.
O cenário econômico internacional revela que nossos problemas internos não são causados por fatores vindos de fora; o cenário interno revela aumento da inflação, baixo crescimento da economia sem perspectivas de melhora no curto e médio prazo, perda de poder aquisitivo face a reajustes automáticos de serviços públicos privatizados (pedágio, transporte coletivo, telecomunicações, energia) e serviços prestados ao povo sem o padrão Fifa; para a Copa de 2014, houve gastos questionáveis para construir estádios particulares sem a transparência adequada e necessária. A Fifa, uma entidade privada internacional, impõe (e o governo aceita) exigências que ignoram nossa soberania.
Além disso, há uma sensação de que os condenados pelo mensalão não irão ficar atrás das grades. Aumenta a corrupção porque a impunidade assegura meios de os políticos corruptos escaparem da prisão. A PEC 37, já derrubada, defendia que o Ministério Público não tivesse mais o poder investigativo (contra corrupção, desvio de recursos, obras superfaturadas etc.), e pergunta-se: quem se beneficiaria com a exclusão do MP das investigações?
Há um silêncio sepulcral por parte dos governantes (nas três esferas) quando a população questiona algum gasto público não esclarecido quanto ao seu objetivo ou necessidade. Nenhuma discussão sobre a adoção de medidas econômicas que podem afetar a política fiscal, em que mais gastos são autorizados sem contrapartida de receita. Não se propõe uma reforma tributária com menos impostos, gastos com maior retorno econômico e social, com um substancial corte de despesas da União, estados e municípios.
No dia 21, a presidente da República falou para a nação em cadeia nacional de rádio e televisão, buscando dar respostas aos anseios da população. Atitude louvável, mas o que o povo questiona já não deveria ser de conhecimento de todas as autoridades? A presidente pode dar as respostas junto com os demais poderes. Que cada poder assuma suas atribuições de fato, cortando os próprios privilégios. Hoje, o político cassado volta para sua casa legislativa, o condenado pelo Supremo não está na cadeia e à população cabe somente a tarefa de pagar impostos.
O Brasil precisa mudar, e muito. E que comece pelo poder político, que é a reforma mais urgente de que a nação precisa. A reforma política de verdade deve contemplar fidelidade partidária, voto distrital, mandato do partido e não do político, fim da reeleição para todos os níveis, vereador como trabalho voluntário e não remunerado, cargos comissionados representando no máximo 2% do total de servidores, e fim do aparelhamento do Estado com indicações políticas. O que é necessário para mudar o país de agora e do futuro não são medidas pontuais para baixar o preço da passagem, mas medidas profundas, estruturais, de curto, médio e longo prazo.
A hora do rush - ALBERTO DINES
GAZETA DO POVO - PR - 29/06
São legítimas as pendências no Congresso a respeito da forma de atender às exigências dos manifestantes. O grito das ruas deve ser traduzido em ações rápidas, legais, eficazes. Perigosas, altamente provocadoras, são algumas astúcias que a base aliada pretende utilizar para diminuir a dimensão das mudanças reclamadas. Como se a revolta já estivesse amainada, os ânimos aplacados e o roteiro eleitoral apto a prosseguir intocado.
As reivindicações não são descabidas: ao exigir melhores condições de transporte urbano, educação e saúde, exigia-se em simultâneo uma drástica revisão nos gastos públicos. Para compensar as perdas com a manutenção das tarifas de transporte, o governador Geraldo Alckmin antecipou-se e eliminou uma secretaria rigorosamente inútil. Terá de ir adiante; há muita gordura para ser cortada e tornar a máquina pública mais eficiente.
As aberrações administrativas na esfera federal, muito mais visíveis, deveriam ter sido identificadas logo nos primeiros pronunciamentos da presidente da República: o número assombroso de 39 ministérios para um atendimento público precaríssimo já deveria estar sendo examinado. O bispo Marcelo Crivella na pasta da Pesca não é a única extravagância funcional. Os partidos que apoiam o governo já deveriam ter sido advertidos que a presidente Dilma e o PT não podem arcar sozinhos com todos os prejuízos desta crise, as fidelidades doravante já não poderão ser compradas de forma tão aviltante.
Ao longo dessas quase quatro semanas de estresse escancarou-se a inutilidade dos ministérios dos Transportes e das Cidades. Seus ocupantes se autoexcluíram do processo decisório, sequer apareceram para mostrar quem são.
Um único ministério das infraestruturas absorveria as atuais pastas de Minas e Energia, Transporte, Portos e Aeroportos. Com o nome de Ministério da Justiça e Cidadania, poderiam ser absorvidas as secretarias de Direitos Humanos, Igualdade Racial e Políticas para Mulheres. A existência de um ministério específico não garante a satisfação das necessidades de determinado setor. Qual a justificativa para separar Pesca e Aquicultura de Agricultura, Pecuária e Abastecimento? Por que razão micro e pequenas empresas não podem ser uma repartição do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio? Educação não se encaixa em Ciência, Tecnologia e Inovação? Quanto se ganharia em recursos, espaço, equipamentos, mordomias e, sobretudo, eficácia com um drástico enxugamento no primeiro escalão?
Depois do seu encontro com a presidente da República, um dos líderes do vitorioso Movimento do Passe Livre revelou sua decepção ante o despreparo do governo na questão da mobilidade urbana. Não deu detalhes; supõe-se que não faltem projetos financiados por empreiteiras para obras faraônicas e sistemas modais sofisticados.
É certo, porém, que nenhum departamento de qualquer esfera pública jamais resolveu encarar o desafio da desconcentração dos horários nas grandes e médias cidades. A infernal tensão da hora do rush – uma das principais motivadoras dos protestos – talvez pudesse ser aliviada com uma cidade funcionando em tempos e turnos diferenciados. Sim? Não? Talvez: em uma cidade mobilizada em torno do seu bem-estar, a hora do rush pode transcorrer sem traumas.
São legítimas as pendências no Congresso a respeito da forma de atender às exigências dos manifestantes. O grito das ruas deve ser traduzido em ações rápidas, legais, eficazes. Perigosas, altamente provocadoras, são algumas astúcias que a base aliada pretende utilizar para diminuir a dimensão das mudanças reclamadas. Como se a revolta já estivesse amainada, os ânimos aplacados e o roteiro eleitoral apto a prosseguir intocado.
As reivindicações não são descabidas: ao exigir melhores condições de transporte urbano, educação e saúde, exigia-se em simultâneo uma drástica revisão nos gastos públicos. Para compensar as perdas com a manutenção das tarifas de transporte, o governador Geraldo Alckmin antecipou-se e eliminou uma secretaria rigorosamente inútil. Terá de ir adiante; há muita gordura para ser cortada e tornar a máquina pública mais eficiente.
As aberrações administrativas na esfera federal, muito mais visíveis, deveriam ter sido identificadas logo nos primeiros pronunciamentos da presidente da República: o número assombroso de 39 ministérios para um atendimento público precaríssimo já deveria estar sendo examinado. O bispo Marcelo Crivella na pasta da Pesca não é a única extravagância funcional. Os partidos que apoiam o governo já deveriam ter sido advertidos que a presidente Dilma e o PT não podem arcar sozinhos com todos os prejuízos desta crise, as fidelidades doravante já não poderão ser compradas de forma tão aviltante.
Ao longo dessas quase quatro semanas de estresse escancarou-se a inutilidade dos ministérios dos Transportes e das Cidades. Seus ocupantes se autoexcluíram do processo decisório, sequer apareceram para mostrar quem são.
Um único ministério das infraestruturas absorveria as atuais pastas de Minas e Energia, Transporte, Portos e Aeroportos. Com o nome de Ministério da Justiça e Cidadania, poderiam ser absorvidas as secretarias de Direitos Humanos, Igualdade Racial e Políticas para Mulheres. A existência de um ministério específico não garante a satisfação das necessidades de determinado setor. Qual a justificativa para separar Pesca e Aquicultura de Agricultura, Pecuária e Abastecimento? Por que razão micro e pequenas empresas não podem ser uma repartição do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio? Educação não se encaixa em Ciência, Tecnologia e Inovação? Quanto se ganharia em recursos, espaço, equipamentos, mordomias e, sobretudo, eficácia com um drástico enxugamento no primeiro escalão?
Depois do seu encontro com a presidente da República, um dos líderes do vitorioso Movimento do Passe Livre revelou sua decepção ante o despreparo do governo na questão da mobilidade urbana. Não deu detalhes; supõe-se que não faltem projetos financiados por empreiteiras para obras faraônicas e sistemas modais sofisticados.
É certo, porém, que nenhum departamento de qualquer esfera pública jamais resolveu encarar o desafio da desconcentração dos horários nas grandes e médias cidades. A infernal tensão da hora do rush – uma das principais motivadoras dos protestos – talvez pudesse ser aliviada com uma cidade funcionando em tempos e turnos diferenciados. Sim? Não? Talvez: em uma cidade mobilizada em torno do seu bem-estar, a hora do rush pode transcorrer sem traumas.