domingo, junho 09, 2013

O telefone no corredor - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 09/06

Dos seis aos 11 anos, morei num apartamento onde havia um único telefone, localizado em um nicho da parede do corredor. Ele era preto, e o nicho era alto, eu não conseguia discar sozinha sem a ajuda de um adulto, mas isso não chegava a ser um grande problema porque naquela idade eu não fazia nem recebia tantas ligações assim pra falar a verdade, quase nenhuma.

Até aqui, nesse primeiro parágrafo, já devo ter deixado alguns adolescentes perplexos. Um único telefone na casa? Para uso coletivo? Preso a uma parede? E você não recebia muitas ligações? Coitada, deve ter sido megatraumático!

Depois dos 11 anos, mudei para outro apartamento com a família. Também só havia um telefone, no corredor, preso à parede por um fio, porém ao menos este ficava em cima de uma mesinha baixa. O problema é que vivi nesse apartamento até os 24 anos, ou seja, uma época em que eu recebia um número significativo de ligações das amigas, de namorados, de colegas de trabalho. Tudo era discutido no corredor, para quem quisesse ouvir. Uma lavanderia.

É bem verdade que, por volta dos 20, meus pais trouxeram do Exterior um aparelho de telefone sem fio, o que já facilitou bastante a vida de todos, era o primeiro passo rumo à privacidade, mas só funcionava dentro de casa – na rua, não pegava. Antes disso, repito: era um único telefone para a família toda. Sem subterfúgios: não havia torpedos, e-mails, nenhum outro jeito de se comunicar com o mundo que não fosse pelo telefone, aquele, o do corredor.

Bom, ninguém impedia que cartas fossem escritas. O correio era bem ágil naquela época.

Na prática, funcionava desse modo: trimmmmm. Alguém atendia. E depois se ouvia um grito: “Martha, é pra ti, um tal de Breno”!

“Um tal de” revelava que quem tinha atendido estava fingindo não dar importância ao fato de que, sendo um homem do outro lado da linha, havia esperança: talvez eu desencalhasse. O grito no corredor entregava que eu estava em casa, só que eu não queria falar com o tal Breno, ao menos não na frente do pai, da mãe, do irmão e da empregada.

“Alô”. Enquanto eu dizia alô, todos evaporavam ao redor, muito educados. Seria perfeito se vivêssemos num castelo com 23 quartos e oito salas, o que não era o caso. “Não, não posso ir ao cinema no sábado, é aniversário da minha avó”.

“Martha, tua avó só faz aniversário em dezembro!!” Essa era minha mãe, que jurava de pés juntos que não escutava nada, nadinha.

“Não, Breno, na outra semana também não vai dar, tenho prova todos os dias no colégio”.

“Vai ficar pra tia, depois não diz que não avisei!” Essa era a empregada.

Nem sempre dava tempo de tapar o bocal do telefone com a mão, para a criatura do outro lado não ouvir os comentários da torcida.

“Se não vai sair com esse pateta, desliga de uma vez que estou esperando o Ayrton ligar para confirmar o jogo”. Esse era meu irmão saindo do banheiro.

“Não, Breno, imagina. Pateta é o nome do cachorro aqui de casa”.

Crianças, vocês não imaginam como era divertido viver na idade da pedra.

O futuro dos peitos - JOÃO UBALDO RIBEIRO

O Estado de S.Paulo - 09/06

Sempre à busca, por profissão e sina, de novidades e maravilhas que lhe possam atrair fregueses e assim garantir seu laborioso e incerto sustento, o escritor, em dias de sorte como hoje, regozija-se por haver achado uma notícia que talvez ainda não tenha chegado à meia dúzia de três ou quatro que o leem. Em si, ela já não causará o impacto que teria há algum tempo, mas enseja alguma meditação sobre o nosso futuro. Trata-se da criação de, digamos, um novo conceito gastronômico, qual seja o de que é bom comer rodeado de garçonetes esvoaçantes, que circulam de patins, usando shorts curtinhos, com os umbigos à mostra até quase lá embaixo e, principalmente, decotes panorâmicos. Se não estiverem servindo às mesas, fazem demonstrações de bambolê e dão cambalhotas em camas elásticas. Apressadamente, o jovem afoito aprovará, mas convém recordar que almoçar dessa forma pode suscitar problemas, pois não são nem um nem dois os casos narrados pelo Brasil afora de mortes pela temida congestão, ocorridas quando o imprudente finado comeu mocotó e foi aos dares e tomares com alguma senhora, ou teve os chamados baixos instintos vigorosamente incitados por visões provocantes.

Sim, mas corro o risco de incorrer novamente no velho vício da digressão e não cuidarei desse problema da congestão, até porque a Anvisa ou similar terminará baixando normas para o consumo de mocotó, tornando obrigatório o registro no Cadastro Nacional de Comedores de Mocotó e o pagamento da taxa de mocotó. Atenho-me ao novo conceito anunciado, para o qual já existe um neologismo em inglês, a palavra breastaurant. É um trocadilho difícil de traduzir e literalmente seria, perdão, "peitorante". Mais diretamente, um restaurante onde o frequentador, além de comer, fica olhando para os peitos das garçonetes. Mas sem tocar neles, é claro. Americano é muito rigoroso quanto à moral e os bons costumes, de maneira que as garçonetes são treinadas para resistir a qualquer paquera. É só para olhar, o ambiente é familiar.

A principal cadeia americana de breastaurants está para se instalar no Brasil, onde talvez a experiência venha a indicar ser mais negócio estabelecer-se uma franquia de bundorantes, mas isso deve ser uma complexa questão mercadológica, acima de meu alcance. Vai demorar, porque americano é doido por peito e, quando fui estudante lá, uma das moças de maior cartaz no campus não devia conseguir ver a ponta dos pés seguramente desde os 14 anos. Aliás, as moças desfilavam de bicicleta com as saias adejando à altura da cabeça, mas quase todas sem decote e usando mangas pelo menos até o meio dos braços. Uma vez, não faz tanto tempo assim, fui fazer uma conferência numa universidade e o auditório era desses em que o palestrante fica diversos níveis abaixo no nível dos assentos, como num estádio. Fiquei sem saber para onde olhar, depois que várias moças, todas com blusas recatadas e quase todas de saia, se sentaram bem à vontade na minha frente - dificulta um pouco a concentração.

Além desse aspecto, talvez os breastaurants brasileiros venham a ser vítimas de um fenômeno que acredito universal. É que todo mundo, ao abancar-se num lugar assim, finge que está à vontade, disfarça o olhar, faz ares distraídos e aparenta não ter nenhum interesse mais duradouro pelo que vai em torno. Um dia me levaram para almoçar no Playboy Club de Chicago. As garçonetes eram coelhinhas, envergando trajes ousadíssimos para a época, corpetes cavados e, claro, decotes modelo Grand Canyon, que de vez em quando deixavam entrever um biquinho de peito ou outro. Mas os frequentadores, de paletó e gravata e com pinta de homens de negócios, faziam de conta que não davam importância às coelhinhas, a não ser para falar sobre seus pedidos. Agindo em Roma como os romanos, falsifiquei a mesma postura blasé, com exceção de um momento ou outro, como quando a garçonete punha alguma coisa em meu prato e se curvava a meu lado esquerdo. Era um pouco difícil afetar indiferença com meio peito enfiado na orelha, mas acho que consegui, pelo menos ninguém se queixou.

Não sei se a moda vai pegar aqui. Se pegar, tenho certeza de que será com adaptações ditadas pela renomada criatividade brasileira. Nesse departamento de peitos, creio que o provável é que a versão nacional opte por um caminho mais condizente com nossa imagem casual, tropical, sensual e safadal. Aqui vai ser logo topless, nada dessa besteira de blusa decotada, que só faz atrapalhar e gasta pano. Creio que, por enquanto, o restaurante cujas garçonetes atendam de peito de fora poderá ser acusado de ultraje ao pudor. Mas isso não dura muito, pois já há precedentes em outros países. No Canadá, por exemplo, onde o verão cai num domingo e sair sem camisa é um evento raro e precioso. Se bem me lembro, uma canadense alegou num tribunal que tinha o mesmo direito de sair sem camisa que os homens e um juiz decidiu que ela estava certa. Gostamos muito de ser adiantados e, se alguma brasileira usar o mesmo argumento, não é impossível que venha a ganhar a causa.

Diante de tal quadro, o futuro dos peitos, tão prestigiados até o passado recente, parece ser a banalização e em breve, com todas as mulheres de peito de fora, ninguém mais dará atenção a eles. Comentaremos os peitos das passantes como quem hoje comenta os olhos ou cabelos. Talvez se criem até linhas de cosméticos especiais com nomes em inglês, como é da prática - Natty Nipple, Tit for Tat, Boobs 'n' Belly, coisas assim. E, na avidez insaciável por novos horizontes, chegará o dia em que dispensaremos também a parte de baixo da roupa e sutiãs, calcinhas e vestidos serão vendidos em sex shops, para os tarados e taradas que desejarem continuar a ter vida sexual.

Na boca dos vizinhos - FERREIRA GULLAR

FOLHA DE SP - 09/06

Digo que meus poemas nascem do espanto, de algo que põe diante de mim um mundo sem explicação


Ao chegar à caixa do supermercado, a moça que ali atendia me falou: "É verdade que o senhor vai parar de escrever poesia? Não faça isso, poeta, por favor!". Não acreditei no que ouvira. Aquela moça, que mal conheço e passa o dia a cobrar pelas compras dos fregueses, sabe quem sou eu e lamenta que eu não vá mais escrever poesia! "Mas quem lhe disse isso", perguntei, e ela: "Li naquele jornalzinho que o pessoal distribui de graça".

Só então me lembrei da entrevista que havia dado a um jornal de bairro e que fora publicada com um título mais ou menos assim: "Gullar diz que não vai mais escrever poesia".

-- Não foi bem isso que eu disse --expliquei à moça da caixa. Afirmei foi que talvez não venha mais a escrever poesia. Não disse que decidi não escrever mais.

Peguei minhas compras e me dirigi para casa, um tanto surpreso com aquela conversa. A moça não apenas deu importância ao que saíra no jornal, como lamentara minha suposta decisão. Jamais pensara que minha poesia interessasse a uma caixa de supermercado. Na minha visão equivocada, às pessoas do povo o que importa são as novelas de televisão. Daí o meu espanto.

Mas o espanto não parou aí. Dias depois, ao atravessar a rua, uma senhora me interpela e me diz que seu filho de dez anos ficara muito triste ao saber que eu ia parar de escrever poesia. "Ele sabe seus poemas de cor." Expliquei-lhe que não foi aquilo o que disse ao repórter. "Diga a seu menino que a poesia sopra onde e quando quer, ninguém manda nisso."

E segui meu caminho, feliz de saber que um garoto de dez anos ama meus poemas. Só me resta agora pedir às Musas que me ajudem e não me deixem parar de fazer poemas.

De qualquer modo, vendo que a notícia se alastrara e que, para minha surpresa, há quem deseje que eu continue a escrever poesia, sinto-me na obrigação de esclarecer o assunto. A coisa é a seguinte: escrever ou não escrever poesia não é coisa que se decida. Logo, não foi o que eu declarei àquela repórter do jornal de bairro.

Na verdade, sempre que termino de escrever um livro de poemas, tenho a impressão de que não vou escrever mais, de que a fonte secou. A primeira vez que isso aconteceu foi com "A Luta Corporal", cujos últimos poemas datam do começo de 1953.

Ao escrever o poema "Roçzeiral", em que desintegrava a linguagem, achei que não iria escrever mais. Naquela vez, pelo menos havia uma razão efetiva, já que, ao desintegrar o discurso poético, tornava inviável seguir escrevendo. Mas a coisa se repetiu, anos depois, quando publiquei "Barulhos", quando publiquei "Muitas Vozes" e, recentemente, ao dar por concluído "Em Alguma Parte Alguma".

Creio que isso se deve ao fato de que não planejo nada, muito menos meus livros de poemas. De repente, descubro um tema novo, um veio que passo a explorar até esgotá-lo. Isso demora anos, porque, também, ao concluir cada poema, tenho a impressão de que o veio se esgotou.

Sim, pois do contrário, não daria por findo o poema. Mas chega um momento em que o veio se esgota mesmo, percebo que não há mais nada a retirar dali. Dou o livro por concluído e aí vem a sensação de que não escreverei mais. Sim, porque se não descobrir outro veio, não terei o que escrever. E enquanto não o descubro, essa sensação se mantém até que, de repente, um belo dia, a poesia volta a me iluminar.

Os fatos têm mostrado que acabo por descobrir um veio novo e volto a escrever. Pelo menos foi o que aconteceu até então. Sucede que o último poema do meu último livro "Em Alguma Parte Alguma" data de novembro de 2009, e até hoje, três anos e sete meses depois, não voltei a fazer nenhum poema.

Nunca fiquei tanto tempo sem escrever poesia. E não me sinto motivado a escrever. Sempre digo que meus poemas nascem do espanto, ou seja, de algo que põe diante de mim um mundo sem explicação. É essa perplexidade que me faz escrever. Pode ser que, aos 82 anos de idade, já nada mais me espante na vida.

Mal escrevo essas palavras e chega Maria, empregada minha há mais de 20 anos, que nunca leu um poema meu e nunca tocou nesse assunto durante todos esses anos, e me diz:

-- Seu Gullar, é verdade que o senhor resolveu não escrever mais poesia? É o que o pessoal anda dizendo por aí.

Você x Outro - LUIS FERNANDO VERISSIMO

O ESTADÃO - 09/06

O dramaturgo inglês Tom Stoppard disse certa vez que escrevia peças porque escrever diálogos é a única maneira respeitável de você se contradizer.

Imagine você e o Outro sobre um palco.Você e o seu contraditório. Você e seu interlocutor, sem o qual não haveria nem o diálogo nem a peça.Os dois começaram a se desentender antes mesmo de entrar em cena. Um, você, querendo explicar para a plateia de saída que vocês representam os dois lados do autor, o que diz e o que se contradiz.

O Outro querendo que o espectador deduza que os dois representam a mesma pessoa, porque, na sua opinião, dar muitas explicações para a plateia subverte a relação de cumplicidade misturada com hostilidade que deve existir entre palco e público, e nada destrói este clima mais depressa do que o público descobrir que está entendendo tudo. Você e o Outro decidiram ser perfeitamente claros, mesmo com o perigo de frustrar o público. Então vamos lá. Você e o Outro sobre um palco.

VOCÊ - Branco

OUTRO - Preto.

VOCÊ - Por que não cinza?

OUTRO - Lá vem você com essa sua absurda mania de conciliação. Essa volúpia pelo entendimento. Essa tara pelo meio termo!

VOCÊ - Se não fosse isso, nós não estaríamos aqui. Foi minha moderação que nos manteve vivos e longe de brigas. Foi minha ponderação que nos preservou. Se eu fosse atrás de você...

OUTRO - Nós teríamos vivido de verdade! Pouco, mas com um brilho intenso. Teríamos dito tudo que nos viesse à cabeça. Distinguido o pão do queijo com audácia. Posto pingos destemidos em todos os “is”. Dado nome e sobrenome a todos os bois!

VOCÊ - Em vez disso, fomos civilizados. Isto é, contidos e cordatos.

OUTRO - E temos os tiques nervosos para provar.

VOCÊ - Você preferiria ter dito a piada que magoaria o amigo? A verdade que destruiria o amor? O insulto que nos levaria ao Pronto Socorro, setor de traumatismo?

OUTRO - Preferiria. Para poder dizer que não me calei. Para poder dizer “eu disse!”

VOCÊ - Ainda bem que não é você que manda em nós.

OUTRO - Não, é você. Sempre fazemos o que você determina. Ou não fazemos. Não dizemos. Não vivemos! Estou dentro de você, fazendo, dizendo e vivendo só em pensamento. Se ao menos eu pudesse sair aos sábados...

VOCÊ - Para que, para nos matar? Pior, para nos envergonhar?

OUTRO - Melhor se envergonhar pelo dito e o feito do que pelo não dito e o adiado. Você sabe que cada soco que um homem não dá encurta a sua vida em 17 dias? E cada vez que um homem pensa em sair dançando um bolero sozinho e se controla, seu fígado diminui e sua próstata aumenta? E cada...

VOCÊ - Bobagem. Ainda bem que eu sou o verdadeiro nós.

OUTRO - Não, eu sou o verdadeiro você.

VOCÊ - Você só é nós em pensamento. Você é a minha abstração.

OUTRO - Sou tudo o que em nós é autêntico e não reprimido. Ou seja: você é a minha falsificação.

VOCÊ - Você não é uma pessoa, é uma impulsão.

OUTRO - Você não é uma pessoa, é uma interrupção.

VOCÊ - Mas quem aparece sou eu.

OUTRO - Então o que eu estou fazendo neste palco, e ainda por cima de malha justa?

VOCÊ - Você só está aqui como uma velha tradição teatral, o interlocutor. Um artifício cênico, para o autor não falar sozinho.

OUTRO - Quer dizer que eu só entrei em cena para dizer...

VOCÊ - Preto. E eu, branco.

OUTRO - Por que?

VOCÊ - Para mostrar à plateia que todo homem é a soma, ou a mescla, das suas contradições. Que no fim o destino comum de todos, cremados ou não cremados, não é ser branco ou preto, é ser cinza.

OUTRO - Mostrar a quem?

VOCÊ - À pla... Onde está a plateia?!

OUTRO - Foram todos embora.

VOCÊ - Será porque não entenderam o diálogo?

OUTRO - Acho que foi porque entenderam.

Sobre a realidade - MARCELO GLEISER

FOLHA DE SP - 09/06

Um dos aspectos mais extraordinários da ciência é como ela nos permite ampliar nossa visão do real


Costumamos achar que sabemos o que é o mundo real, esse que vemos à nossa volta. Basta abrir os olhos, apurar os ouvidos, e temos esse retrato do que é a realidade, baseado na nossa percepção sensorial. Mas será que é só isso? Será que o que vemos e ouvimos pode ser chamado de realidade? Um dos aspectos mais extraordinários da ciência é como ela nos permite ampliar nossa visão do real. E um dos aspectos mais paradoxais é que quanto mais aprendemos sobre o mundo, menos clara nos é a natureza da realidade.

Platão, na Grécia Antiga, já antecipara o problema. Em sua alegoria da caverna, ele imagina um grupo de "escravos" acorrentados em uma caverna desde o nascimento. A percepção da realidade deles se restringe à parede da caverna, que é tudo que podem ver. Para eles, o que aparece na parede é o mundo real. Sem que os presos soubessem, atrás deles um grupo de filósofos fizera uma fogueira que lançava luz na parede. Em frente ao fogo, os filósofos seguravam objetos e os escravos viam as sombras projetadas na parede, achando que os objetos eram reais. Obviamente, a projeção não correspondia ao objeto: por exemplo, uma bola aparecia como um círculo. O ponto de Platão é que nossa percepção sensorial cria uma noção falsa do real. Como disse a raposa ao Pequeno Príncipe, "o essencial é invisível aos olhos".

Na história da física, o que chamamos de realidade também muda. Antes de Copérnico, o Cosmo tinha a Terra no centro e o Sol e planetas girando à sua volta. O Universo era fechado na forma de uma esfera e Deus e sua corte habitavam a esfera mais externa. Quando Newton propôs sua teoria da gravitação, percebeu que o Cosmo não poderia ser finito. Apenas um Cosmo infinito, onde as estrelas estavam separadas e equilibradas (precariamente), seria estável. De repente, a realidade muda e o homem se vê num Universo infinito, envolto em trevas. Qual o lugar do homem nesse novo Universo? Para complicar, as ideias de Newton levaram a um determinismo radical em que o futuro poderia ser calculado, ao menos em princípio, a partir do presente. Se isso fosse verdade, não haveria mais o livre arbítrio; todas as ações estariam predeterminadas pela precisa maquinaria cósmica. A liberdade que achamos ter seria uma ilusão.

Felizmente, esse determinismo não durou muito. No início do século 20, a física quântica pôs fim à noção de que podemos usar a física como oráculo. O princípio de incerteza de Heisenberg mostrou que não podemos medir a posição e a velocidade de uma partícula conjuntamente, o que torna a determinação precisa de seu futuro impossível.

Ademais, o mundo quântico nos mostra que a própria natureza da realidade é elusiva: não vemos um elétron ou um fóton, sua existência é medida com detectores, aferida indiretamente. O mundo do muito pequeno, que tanto define nossas vidas através das tecnologias digitais que usamos, é um mundo inacessível aos sentidos. Não podemos nem mesmo atribuir existência a uma partícula antes de a detectarmos: a realidade é definida pelo modo como interagimos com ela.

Isso cria um novo modo de ver o mundo: sempre existirão aspectos da realidade que são desconhecidos. Mas o surpreendente é que existem outros que são inacessíveis.

Belorizontem - HUMBERTO WERNECK

O Estado de S.Paulo - 09/06

Sem pretensão a cenário de Hemingway, a Belo Horizonte dos anos 60 era, a seu modo, uma festa móvel, pois a cada sábado a rapaziada vagueava de balada em balada, em todas encontrando a mesma fauna com que topara nas anteriores. Naquela madrugada havíamos passado, meu amigo e eu, por duas ou três, e, insaciáveis, batalhávamos uma saideira. Nada; a família mineira parecia imersa num sono unânime. Estávamos a pique de nos recolher também quando, no alto de um jardim, divisamos uma varanda acesa, e nela um promissor burburinho. É aqui, disse eu, e tomamos a escadinha sinuosa que levava à casa. Mal botei os pés na varanda e vem de lá um amigo de meu pai, a me envolver num abraço sísmico: um consolo, disse ele, receber a minha solidariedade num momento tão penoso!

Momento penoso foi o nosso, quando as névoas do álcool nos deixaram ver que nossos passos trôpegos nos haviam conduzido a um velório tão incipiente que a defunta ainda nem chegara à sala. Não fazia o menor sentido estarmos ali. Para o filho da falecida, porém, pouco importava: ao longo dos anos que lhe restaram, não podia me ver sem, comovido, desenrolar o carretel de sua gratidão.

***

Nos primórdios da televisão em Belo Horizonte, o programa de entrevistas recebia naquela noite um punhado de figurões municipais, enfileirados num sofá de courvin de pés palito. O tema eram mazelas várias da nossa capital, sobre as quais, em dado momento, se quis ouvir um antigo prefeito, o doutor... vamos chamá-lo de Olegário. Ia o homem em meio a uma frase, quando, inteiriçando-se no sofá, emborcou sobre o colo do vizinho. Saltaram todos para socorrer o homem, àquela altura já inerte, pois morrera ao vivo, sob o olhar boquiaberto de uma câmera, até que o diretor de TV cortasse a transmissão e pusesse em nossas telas um chuvisco, um formigante nada.

Meia hora depois, volta a imagem, mostrando o mesmo cenário, os mesmos figurões, agora menos apertados no sofá. O entrevistador, compungido, faz um rápido informe antes de reiniciar o debate no ponto em que fora interrompido:

- Como dizia o saudoso doutor

Olegário...

***

Ao cabo de meses de luta contra insidiosa moléstia (os obituários fugiam da palavra câncer), o doutor Pena finalmente esticara as venerandas canelas, e a família já tomava providências para o velório, que teria lugar ali mesmo, na residência do falecido. Filhos e genros tratavam de empacotar o finado em sua definitiva indumentária, quando, aberto o guarda-roupa, de lá saltou um problema: nenhum dos jaquetões do patriarca tinha um único botão. E àquela altura da madrugada não havia como remediar a falta, sem o que não se poderia dizer que o doutor abotoara o paletó. Estavam todos entregues à perplexidade quando um dos filhos, iluminado por certeira suspeita, deixou precipitadamente o quarto - para retornar em minutos, trazendo pela orelha um dos netos do defunto, e, com ele, uma caixinha repleta de craques do futebol de botão.

***

Aquele não foi o único atrapalho da acidentada madrugada em que o doutor Pena passou desta para outra, não se sabe se melhor ou pior. Pelas 11 da noite, Marilza, a cozinheira da casa, se recolhera a seu quarto, que ficava sobre a garagem. Exausta, pois tivera um dia de ininterrupta assistência não apenas culinária à caudalosa família.

Às 3 horas, emergindo de viscosos pesadelos, ela acordou, empapada de maus presságios, abriu a janela, que dava para a entrada do carro - e eis que o pesadelo prosseguia: caminhando na sua direção, lá vinham uns homens de preto, a carregar enorme volume. Alguma coisa que eu comi - quis acreditar Marilza, batendo a janela.

Como voltasse a acordar uma hora mais tarde, resolveu fazer um café para o pessoal. Ao entrar na copa, deu de cara com uns homens, os mesmos do pesadelo!, que desciam a escada com o tal volume, de inequívoco conteúdo. Só faltava a moça, varada de pavor, deixar cair a bandeja com o bule e as xícaras.

Não faltou.

400 gols de talento - TOSTÃO

FOLHA DE SP - 09/06

Alex, 35, é mais um dos veteranos que voltam para brilhar e ensinar aos treinadores e jogadores que técnica é diferente de habilidade e que não basta ser rápido, driblador e habilidoso para ser craque.

O passe e o gol, na vitória do Coritiba sobre o Fluminense, foram mais duas demonstrações de sua exuberante técnica. Alex não se destacou na seleção principalmente porque competia com Ronaldinho, Rivaldo e outros. Se jogasse hoje, como quando era mais jovem, seria titular.

A França pode repetir a marcação inglesa, com menos disciplina, com oito a nove jogadores bem distribuídos entre a intermediária e o meio-campo.

O Brasil teve muitas dificuldades para driblar e trocar passes em pequenos espaços. Em compensação, havia muitos espaços nas costas dos defensores. Faltaram talento e sincronia entre o jogador que passava a bola e o que partida para receber na frente. Além disso, o ótimo goleiro inglês, fora do gol, atento, chegava antes do atacante.

Fred joga de costas para o gol, de pivô, ou dentro da área, para finalizar, por ter pouca velocidade, raramente recebe a bola nas costas dos zagueiros.

Como a seleção atua com dois volantes, um meia de cada lado (Oscar e Hulk ou Lucas) e Neymar perto de Fred, não existe um meia de ligação centralizado.

Paulinho tem de fazer dupla função, de marcar como um volante e avançar como um meia. Ele faz isso muito bem no Corinthians. Na seleção, é mais difícil, pois os laterais avançam mais que os do Corinthians.

Felipão gosta do jogo compartimentado, com um centroavante fixo, um volante mais atrás, outro com um pouco mais de liberdade e com um lateral que ataca mais que o outro. Daí, a dúvida entre Marcelo e Filipe Luís.

Marcelo é muito melhor. Seria mais eficiente se os dois laterais e os dois volantes marcassem e avançassem, alternados e sincronizados. Essa é uma das qualidades do Bayern e de grandes equipes.

Nesta semana, assisti, pela TV, a vários treinos da seleção, com as opiniões e informações precisas de PVC, da ESPN Brasil. Vi que o time treinou bastante a marcação por pressão. Ótimo, desde que todos participem. Quando os volantes avançam para tomar a bola, os zagueiros não podem ficar atrás, deixando um grande espaço entre os dois setores, como tem ocorrido.

Vi ainda treinos de posicionamento e movimentação da defesa, com os dois volantes protegendo os quatro defensores. Faltou um meia de cada lado. Se os dois não voltarem para marcar, os defensores, principalmente os laterais, ficarão perdidos.

Na Copa de 1970, Zagallo fazia o mesmo treino, todos os dias. Só que eram três jogadores de meio-campo (Clodoaldo, Gerson e Rivellino), em vez de dois, à frente dos zagueiros. O futebol mudou, mas nem tanto.

O IOF e o aprendiz de feiticeiro - AFFONSO CELSO PASTORE

O Estado de S.Paulo - 09/06

O governo deu uma guinada de 180 graus com relação aos controles de capitais. Em outubro de 2010, havia elevado o IOF sobre ingressos de renda fixa para 6%. O objetivo era evitar que o "tsunami monetário" decorrente dos programas não convencionais de expansão monetária colocados em ação pelos Estados Unidos levasse ao "derretimento do real". Agora não há mais preocupações com os efeitos da "guerra cambial", e sim com a insuficiência dos ingressos de capitais, que podem acentuar a tendência à depreciação do real.

Há atualmente em marcha duas importantes mudanças na economia mundial. A primeira é o quadro de recuperação sustentável do crescimento econômico dos EUA, que ocorre em meio à desaceleração do crescimento dos países emergentes e da Europa, fazendo antever uma redução do programa de compra de ativos por parte do Federal Reserve, em intensidade ainda incerta, mas com claros reflexos na valorização do dólar. A segunda são os sinais de uma moderada desaceleração do crescimento econômico da China, que ao que tudo indica é aceita pelo novo governo, elevando a probabilidade de manutenção do processo de queda dos preços internacionais de commodities. A valorização do dólar, combinada com a perda de relações de troca proveniente da queda dos preços de commodities, são forças que enfraquecem o real. Nenhuma dessas duas forças tem características de transitoriedade, a sua consequência sobre o real também não é transitória. Ou seja, há forças que levarão o real a um novo nível mais depreciado do que se encontra atualmente.

Mas essas não são as únicas forças. O déficit brasileiro nas contas correntes vem crescendo, e já se elevou de US$ 54 bilhões ao final de 2012 para perto de US$ 70 bilhões nos 12 meses encerrados em maio, equivalente a 3% do PIB. Pela primeira vez em muitos anos esse déficit, que continua crescendo, é inferior ao ingresso de investimentos estrangeiros diretos, o que obriga que o Brasil use o ingresso de investimentos em carteira - de renda variável e de renda fixa - para financiar o déficit nas contas correntes. Há um descompasso entre o déficit nas contas correntes, que é crescente, e os ingressos de capitais, o que, aliado às péssimas perspectivas de ingressos em ações, recomenda que se estimulem os ingressos em renda fixa. A remoção do IOF era um movimento natural e esperado na direção de atrair mais de capitais, ajudando na solução do problema.

Em um quadro como este não se pode - e nem se deve - evitar que o câmbio encontre o novo nível - mais depreciado - compatível com as novas condições. O único alívio possível é a suavização desse ajuste, fazendo com que a depreciação do câmbio nominal se transfira predominantemente para o câmbio real, e não para os preços. A condição para que isso ocorra, evitando uma elevação ainda mais acentuada da taxa de juros, é abandonando a política fiscal fortemente expansionista atual, aderindo à austeridade fiscal. Isso reduziria a absorção total doméstica em relação ao PIB e permitiria que a depreciação do câmbio nominal se transferisse predominantemente para o câmbio real, produzindo o ajuste nas contas externas. Mas, se o governo insistir na manutenção de uma política fiscal expansionista, o peso passa a ser suportado somente pela política monetária que, se não for usada na medida necessária levará a uma depreciação mais acentuada do câmbio nominal e a uma inflação mais elevada.

A remoção do IOF não é a solução final para este problema, mas apenas um passo. Ela pode, junto com as intervenções nos mercados à vista e futuro de câmbio, ser usada para suavizar o processo de depreciação. O que não pode ser esquecido, no entanto, é que o câmbio é o preço de um ativo, que, da mesma forma como todos os demais ativos financeiros, é extremamente sensível às expectativas quanto aos fundamentos futuros. Se o cenário internacional referente ao dólar e aos preços de commodities mudou, espera-se que o real se deprecie, e essa expectativa leva efetivamente à sua depreciação, que pode apenas ser suavizada, mas não evitada. Se o governo tiver força suficiente para garantir uma trajetória mais suave de depreciação, condicionará o curso das expectativas no tempo, colhendo como resultado uma depreciação mais suave. Mas, para isso, teria de sinalizar claramente este seu objetivo, sem quaisquer indicações dúbias, deixando claro que tem os instrumentos necessários para isso e que não hesitará em usá-los.

Quando anunciou a isenção do IOF, no entanto, o governo deu declarações em direção contrária, afirmando que "no passado já tivemos flutuações muito sujas, e agora o câmbio seria mais livre para flutuar", ou de que "tudo o que poderia ser feito já foi feito, não havendo mais nada a ser feito". Talvez quisesse ingenuamente transmitir a mensagem de que havia novamente aderido ao "tripé" da política econômica, abandonando a "nova matriz", esperando que isso elevasse a credibilidade nos resultados de suas ações. Mas as expectativas não se formam olhando para o rótulo do remédio dentro do vidro, e sim para o seu conteúdo, e o que ele de fato transmitiu foi a mensagem de que poderiam ocorrer depreciações mais fortes sem a interferência do governo. No dia do anúncio da remoção do IOF, cresceu a incerteza sobre a velocidade da depreciação cambial, que se traduziu na expectativa de uma depreciação maior a curto prazo e no aumento da demanda por hedge cambial, fazendo com que a expectativa se transformasse em realidade.

Da mesma forma como no filme do aprendiz de feiticeiro, as vassouras adquirem vida trazendo mais e mais água, no atual caso a mágica do governo levou ao aumento da demanda por hedge cambial, produzindo no dia da publicação da queda do IOF uma enorme volatilidade no mercado de câmbio. O mercado financeiro não se esquece do fato de que há no governo ministros que gostariam de ver uma depreciação cambial mais forte, principalmente diante da elevação da taxa de juros. Diante disto, é natural que se pergunte se a trapalhada na comunicação do governo sobre a "inexistência de outras formas de conter o câmbio", ou sobre o fato de que "agora ele não é mais uma flutuação tão suja quanto anteriormente", não seja um sinal de que desejaria uma depreciação maior.

Se essa sinalização não for corrigida, espera-se a continuidade da volatilidade cambial e, neste caso, a única ação possível seria uma elevação adicional da taxa de juros. Não somente devido aos efeitos sobre a inflação, como também como o único instrumento que levaria a um arrefecimento da demanda por hedge, reduzindo a volatilidade e a depreciação cambial.

Namorados! Vou dar um chifre! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 09/06

E avisa pro Malafaia, ops, MALAFEIA, que casamento gay é opcional, casa quem quer. Ele tá muito nervoso!


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República!

E já começou a clássica pergunta: "O que você vai dar no Dia dos Namorados?". Um chifre! Vou dar um chifre. E o que você vai dar pra sua namorada? Vou dar duas! Vou dar duro! Então são três opções de presente: dar duas, dar duro e dar um chifre! Rarará!

E a melhor opção pra presente é a daquela loja de Campos de Jordão: "Flores & Pinto". Nessa ordem. Ou então leva pra aquela promoção no motel da Dutra: "Você dá quatro, a quinta é por nossa conta". Vai dar overbooking! Rarará!

E uma amiga minha vai passar o Dia dos Namorados em estado de coma. Coma-me, pelo amor de Deus!

E a Mulher Melancia tem que ter vários namorados. Porque melancia é uma coisa que ninguém consegue comer sozinho!

E essas manchetes de todo os anos desde 1500: "PMDB se rebela". E bota fogo no colchão? PMDB se rebela e exige 300 toalhas brancas, frigobar lotado, dez caixas de Moët et Chandon e indicação de três filhos pro BBB14.

E como diz um amigo: o PMDB é o partido mais quenga da política desde os tempos de Salomé! Rarará.

PMDB quer dizer "Pegamos Ministérios De Baciada"!

E avisa pro Malafaia, ops, MALAFEIA, que casamento gay é opcional, casa quem quer. Ele tá muito nervoso! É melhor ele se casar com o Feliciano. Ao som da marcha-rancho "As Pastorinhas". Malafeia e Infeliciano, as Pastorinhas!

E essa piada pronta: "Casagrande é assaltado perto da sede do Corinthians". Não tão poupando nem corintiano. Agora tá preocupante!

E como disse o chargista Flavio: "agora, direto com nosso correspondente de guerra direto das ruas do Brasil". O Brasil não tem mais repórter de rua, tem correspondente de guerra! Rarará! É mole? É mole mas sobe!

Os Predestinados! É que em Fortaleza tem um obstetra e urgencista chamado: KITT ROLA! Olha, eu já vi kit de primeiros socorros, kit enchente, kit pro Dia dos Namorados mas kit rola só no Ceará! Rarará.

E estreou um programa na GNT: "Meu Filho Come Mal", pela nutricionista Gabriela KAPIM. Rarará.

E um amigo foi fazer exames no laboratório São Carlos e o médico solicitante: Pedro Pinto Firmeza! Ueba! Esse não dá moleza! Rarará. Nóis sofre mas nóis goza! Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

Texto e contexto - LUIS FERNANDO VERISSÍMO

O GLOBO - 09/06
Na peça "Ricardo II", de Shakespeare, há uma fala famosa que é muito citada como um hino patriótico à Inglaterra.
Quem a diz é o duque John de Gount, tio do rei Ricardo II e pai de Henry Bolingbroke, desafeto exilado do rei, que acabará derrubando do trono. John de Gount, à beira da morte, exalta as riquezas e as glórias do seu país ("este outro Eden", "esta pedra preciosa posta no mar prateado", a salvo "da inveja de terras menos felizes", "este lote abençoado, este chão, este reino, esta Inglaterra") num tom de entusiasmo crescente que empolga até quem não é inglês - se lido até a metade. O resto da fala, raramente citada, é um lamento pelo declínio desta maravilha, cuja grandeza o rei está dilapidando. "Esta Inglaterra acostumada a conquistar, hoje é vergonhosamente derrotada por si mesma", diz Gount, que termina desejando que "o escândalo desapareça junto com a minha vida, alegrando minha morte iminente".

Já contei (umas cem vezes) que vi o Millôr Fernandes levantar uma plateia num encontro literário em Passo Fundo com a leitura de um texto de candente defesa da democracia e dos direitos humanos, e depois da ovação revelar que acabara de ler o discurso de posse do general Médici na Presidência da República, quando se inaugurava o período mais escuro da ditadura. Um período em que com frequência o discurso do poder contrastava com a realidade à sua volta, e o texto era desmentido pelo contexto. A aula do Millôr foi sobre a força autônoma da retórica, capaz de mobilizar uma multidão que ignora seu contexto.

Mas pior do que isto é quando o contexto é conhecido e mesmo assim as palavras compõem outra realidade, e empolgam e mobilizam do mesmo jeito. A história brasileira está cheia de exemplos do triunfo da oratória bacharelista sobre a realidade do momento, do dito sem a menor relação com o feito. Para ser justo com o Médici e o autor do seu discurso, é preciso reconhecer que em todo discurso de posse presidencial há um desencontro parecido entre intenção e realidade.

Quem não se lembra do discurso de posse do Collor? Shakespeare tem outros exemplos de textos em que uma parte se vira contra a outra, como a exaltação que vira lamento de John de Gount.

O mais notório é a fala de Marco Antonio sobre o corpo de César assassinado, que começa dando razão aos assassinos e termina incitando a massa a matá-los. Em outro trecho da peça alguém diz que se deve ter muito, mas muito cuidado com os bons oradores. 

Pessimismo em alta - SUELY CALDAS

O ESTADO DE S. PAULO - 09/06

A possibilidade de rebaixamento da nota de risco do Brasil é pá de cal no cadente otimismo dos investidores em relação à economia brasileira, que nos últimos dois anos murcha em ritmo acelerado diante da confusa condução da política econômica e da crescente piora dos indicadores macroeconômicos. Quando a mesma agência Standard 8c Poor?s - que hoje ameaça rebaixar - elevou o Brasil à posição de "grau de investimento" em 30 de abril de 2008, agentes econômicos vibraram, a Bovespa disparou, chegando a 66 mil pontos (hoje oscila em 52 mil), e o ex-presidente Lula comemorou: "É o aval de que passamos a ser donos do nosso nariz".

Hoje a agência cita um conjunto de fatores que contribuíram para a decisão de mudar de "estável" para "negativa" a expectativa com a saúde da economia brasileira, mas deu ênfase a alguns: resultados medíocres do Produto Interno Bruto (PIB); inflação em alta; expansão dos gastos do governo; exportações em queda; investimentos privados em declínio; e crescimento da dívida pública. Em resumo, investidores estrangeiros que aplicam suas poupanças no Brasil têm a confiança abalada e o movimento seguinte é desviar seu investimento para países que oferecem mais segurança. A falta de confiança na forma como

0 governo do PT conduz a política econômica extrapola as fronteiras estrangeiras e tem se instalado aqui mesmo em nosso território, com o capital privado reticente, recuado, intimidado diante da instabilidade de regras que mudam com sucessivas intervenções do governo e golpeiam decisões de investir na produção.

O ativismo desenfreado e, muitas vezes, desarvorado do governo Dilma acaba por produzir um cenário confuso, de percepção de riscos difusos e impressionante aceleração no ritmode piora dos fundamentos da e conomia e dos indicadores macroeconômicos. A começar pelo PIB, crescentemente decepcionante, a resistente e espaçosa inflação, o setor externo em galopante déficit, investimentos que não decolam, gastos públicos inexplicavelmente frouxos e a dívida pública em expansão. Com enorme frequência, as más notícias surgem e dominam o cenário, o pessimismo avança e,por serem mais fortes e abundantes, ofuscam as boas notícias.

E há boas notícias: o Brasil vai produzir este ano 184,3 milhões de toneladas de grãos, a maior safra da história; em abril, a produção industrial interrompeu alonga curva de queda e cresceu 1,8% em relação a março; a nova regulação dos portos tem tudo para gerar investimentos; o governo retira

o IOF de 6% para estrangeiros aplicarem em renda fixa; foi um sucesso o leilão de novas áreas para exploração de petróleo. Mas as boas notícias desaparecem, são diluídas pela abundância das más: a inflação resiste em junho e pode ultrapassar o teto da meta de 6,5%;

o déficit público é o segundo maior da história; o PIB cresce só o,6% e expectativas pioram com a estagnação do consumo das famílias; o governo expande em R$ 30 bilhões a dívida pública com capitalizações do BNDES e da Valec; déficit externo é recorde e chega a 3% do PIB; o governo muda as regras para evitar fracasso na privatização de rodovias; o Brasil perde a liderança para a África em atração de investimento externo. Há outras, mas paramos com a mais recente: nota de risco do Brasil ameaçada de rebaixamento.

"Não se mexe em time que está ganhando" é a máxima infalível que, desde sempre, funciona bem em futebol Foi o que aconteceu com a última rodada de licitação de novas áreas de expio-ração de petróleo, realizada em 14 de maio último. O sucesso do leilão, o retorno ao país de grandes empresas estrangeiras, foi resultado da simples

e sábia decisão de manter as mesmas regras que prevalecem desde as primeiras licitações do governo FHC. Já o oposto aconteceu com as licitações de rodovias - as regras mudaram mais de uma vez porque o governo insiste em fixar e engessar a taxa de retorno do investimento em vez de deixar que a disputa entre os concorrentes se encarregue de derrubar a taxa. Diante da falta de interesse do investidor, a solução é mudar as regras para tentar atraí-lo, tarefa até agora sem sucesso. No caso dos aeroportos, novamente, a insistência em manter a Infraero como majoritária no negócio adiou o leilão dos terminais do Galeão e de Confins, ameaçados de não concluir as obras a tempo da Copa do Mundo.

A imagem sumiu - Quando Lula escolheu Dilma Rousseff para suceder-lhe, vendeu ao País a imagem da "mãe do PAC" a mulher que sabe planejar, cobrar resultados, gerenciar o País, fazer acontecer o investimento público e privado. Mais mal do que bem, e até onde a emperrada máquina pública permite, ela cumpriu esse papel quando ministra da Casa Civil Trazia a experiência de ter articulado um plano para evitar o racionamento de energia no Rio Grande do Sul na crise do apa-gão em 2001. E na gestão Lula criou outro plano para acelerar investimentos públicos e privados - o PAG.

Mas, ao chegar ao topo do poder, Dilma não conseguiu dar corpo a essa imagem. No início ela priorizou estimular o consumo e a geração de emprego, acreditando que o crescimento econômico e o investimento viriam a reboque. Não vieram. Desonerações fiscais, farto crédito subsidiado do BNDES, do Banco do Brasil e da Caixa Econômica não evitaram o fiasco: em 2011 o PIB cresceu 2,7%, recuou para 0,9% em 2012 e as previsões para 2013 não passam de 2,5%, em contraste com países emergentes, inclusive os da América Latina, que têm crescido a taxas bem mais elevadas nos últimos anos. Apesar disso, o desemprego continua baixo e o consumo só agora declina, mas as famílias se endividaram e a inadimplência cresceu.

E o talento para planejar projetos, estimular o capital privado e fazer acontecer o investimento? A força ideológica das privatizações envergonhadas do PT atrapalhou, emperrou e adiou investimentos, mas não só. Quando a ficha caiu e o governo, finalmente, reconheceu ser necessário atrair capitais privados, faltaram planejamento e projetos viáveis, competentes, atraentes. Muitas licitações estão previstas para acontecer até o final do ano. Serão bem-sucedidas? Tomara. Mas esse rebaixamento de risco do Brasil vai prejudicar.

Insuficiência energética - PANORAMA ECONÔMICO


O GLOBO - 09/06

A carência de matéria-prima no setor de energia é a principal causa do rombo na balança comercial. A importação de gás natural subiu 77% no ano. As compras externas de petróleo e derivados cresceram 11% e as exportações caíram 43%. A exportação da Petrobras recuou 55% e a importação subiu 26%. Desde que o ex-presidente Lula anunciou a autossuficiência energética do país, ela nunca esteve tão distante.

De janeiro a maio deste ano, a balança comercial do país acumula déficit de US$ 5,4 bilhões. Foram US$ 93,2 bilhões exportados contra US$ 98,6 bi de importação. Segundo o CBIE (Centro Brasileiro de Infraestrutura), a conta de petróleo e derivados abriu um buraco de US$ 11 bilhões nesse período. Foram US$ 19,3 bi importados, contra apenas US$ 8,3 bi de exportação. Parte desse rombo é explicado pelo atraso na contabilidade das importações, cerca de US$ 4,5 bi, que deveriam ter entrado nas estatísticas de 2012, mas ficaram para este ano. Mas, como se pode ver pelos números, isso não explica todo o déficit.

O problema maior está na queda forte das exportações, que é reflexo da redução de 9% na produção de petróleo, de janeiro a abril. Várias plataformas da Petrobras ficaram muito tempo sem manutenção e tiveram que parar ao mesmo tempo. O consumo de gás natural também aumentou muito com o uso das usinas termelétricas, acionadas para poupar água dos reservatórios das hidrelétricas. A importação de gás natural chegou a US$ 2,5 bilhões de janeiro a abril, segundo a ANP.

O gráfico abaixo mostra a balança comercial do setor de energia. O país importa mais petróleo do que exporta. A mesma coisa acontece com gás natural e com os derivados, em especial óleo diesel, gasolina, nafta petroquímico e querosene de aviação. A Petrobras se consolidou como a principal empresa importadora e caiu para segundo lugar nas exportações, bem atrás da Vale. Enquanto a mineradora exportou US$ 7,6 bilhões de janeiro a abril, a petrolífera não chegou à metade desse valor: US$ 3,6 bilhões.

Rio: exportação de petróleo cai 57%

Quando o assunto é petróleo, o que acontece no Rio de Janeiro merece atenção, porque o estado é um grande produtor. Estudo da Firjan mostra que, nos primeiros quatro meses do ano, a balança comercial do Rio teve déficit de US$ 921 milhões, por conta da redução de 40% das exportações e do aumento de 29% nas importações. A queda de 57% nas vendas externas de petróleo em relação ao mesmo período de 2012 pesou no dado geral. João Paulo Alcantara Gomes, gerente do Centro Internacional de Negócios da Firjan, cogita duas hipóteses para a exportação menor do combustível. "Exportamos menos, porque estamos consumindo mais, é uma possibilidade. A produção menor também pode explicar; prioriza-se o mercado interno e sobra menos para o externo", diz. Em abril, os Estados Unidos retomaram o título de principal destino das exportações fluminenses, que estava com a China.

Gasolina cresce mais que etanol

De janeiro a março, o consumo de gasolina cresceu 2%, segundo a ANP. No mesmo período, o de etanol subiu 1,5%. Com isso, aumentou a diferença no consumo entre o combustível sujo e o limpo. Foram vendidos 50,5 milhões de bep (barril de petróleo equivalente) de gasolina, contra 8,8 milhões de etanol.

Europa em crise importa menos

A crise na Europa também prejudica nossas exportações. Para a Holanda, porta de entrada no continente, houve queda de 8,5% de janeiro a abril, com retração de US$ 400 milhões. Para a Alemanha, queda de 17%, também de US$ 400 milhões. Para a Itália, retração de 16%; Espanha, queda de 11,6%; Bélgica, -6,5%; e França, -5,68%. Ao todo, o Brasil exportou US$ 1,6 bi a menos aos europeus.

Mudou pouco - CELSO MING

ESTADÃO - 09/06

Algo mudou na política econômica. Mas será suficiente? O momento pede um choque positivo na economia. Ele virá? Afinal, o que já mudou?

Apesar de ainda estar sozinho nessa cruzada, o Banco Central, antes tão leniente com a inflação, agora decidiu partir para o ataque.

Na semana passada, o governo zerou o IOF cobrado na entrada de dólares para aplicações em renda fixa. Por trás da decisão, há uma mudança do jogo. Antes, a enxurrada de dólares Brasil adentro era vista com suspeita porque, em muitos casos, vinha ligada à especulação com juros que, de quebra, provocavam a valorização do real (baixa do dólar) que derrubou a indústria. Agora, os dólares são bem-vindos porque vêm ajudar a cobrir o rombo das contas externas.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciara, há duas semanas, que mudou a ênfase. Antes, a principal preocupação da política econômica foi puxar o consumo para que a produção e o investimento fossem atrás e, assim, houvesse mais crescimento. Mudou, anunciou Mantega, o alvo do governo; a prioridade deixou de ser o consumo das famílias e passou a ser o investimento.

Pergunta: Esses indícios mostram que o governo Dilma está disposto a uma política fiscal mais responsável e menos baseada em transferências de renda; a uma política monetária (política de juros) mais restritiva; e a propiciar maior equilíbrio nas contas externas?

O melhor que a presidente Dilma poderia fazer seria divulgar sua própria Carta ao Povo Brasileiro, a declaração solene assinada em 2002 pelo presidente Lula, em que se comprometeu a dar solidez aos fundamentos da economia, especialmente, por meio de uma política fiscal responsável e uma política de juros comprometida com o combate à inflação.

Embora venha tomando decisões de cunho mais ortodoxo, ainda não está claro que o governo esteja decidido a enveredar em direção a uma política econômica mais segura. O maior objetivo da presidente Dilma é chegar a outubro de 2014 com grande folga nas preferências eleitorais. Por enquanto, a percepção do governo é de que o caminho mais curto é evitar sacrifícios e esperar que a retomada dos investimentos produza frutos.

No entanto, a prioridade aos investimentos e uma política monetária mais apertada não entregam resultados imediatos. Provavelmente, não antes das eleições, como pretendido.

Também conspira contra isso uma política econômica de resultados pífios e perigosos, como os apresentados até aqui: crescimento econômico medíocre; inflação no teto da meta que corrói o poder aquisitivo e um rombo alarmante nas contas externas (déficit em transações correntes de 3,0% do PIB).

Por isso, se puder, o governo tentará evitar o uso de corretivos de custos sociais e políticos mais altos. Acionará os bombeiros onde houver foco de incêndio e procurará restabelecer um mínimo de confiança. E deixará para 2015 a aplicação de eventuais terapias de choque.

O risco é de que essa estratégia meia-boca não aguente o tranco que vem aí. O Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) prepara o desarme de sua política monetária expansionista; os capitais que antes fugiam tendem a procurar ancoragem lá mesmo nos Estados Unidos ou a voar para lá e, assim, fica bem mais difícil garantir financiamento para um rombo externo crescente.

Difícil travessia - PEDRO MALAN

O ESTADO DE S. PAULO - 09/06

Em artigo publicado neste espaço (14/3/2010) citei textos escritos por Antonio Palocci e Paulo Bernardo, que registraram seu reconhecimento da herança positiva que o governo Lula havia recebido do governo anterior.

Segue o parágrafo que, à época, escrevi sobre os dois depoimentos: "O respeito aos fatos, claramente expresso por Bernardo e Palocci, se contasse com o respaldo das vozes mais sensatas de seu partido e do movimento lulista, representaria um avanço considerável em direção a um debate público mais sério e de melhor qualidade sobre o País e seu futuro. Um debate voltado para 'o que fazer' com vistas a assegurar a gradual consolidação do muito que já alcançamos como País e, principalmente, como - e com que tipo de lideranças - avançar mais, e melhor, no processo de mudança e de continuidade que nos trouxe até aqui".

A presidente Dilma, em seu discurso de posse, também teve um momento de generosidade para com governos anteriores, algo que Lula nunca se permitiu. E escreveu bela carta pública ao presidente FHC por ocasião de seus 80 anos, exatos dois anos atrás.

Não pretendia mais voltar a este tema após estes gestos.

Mas o prematuro lançamento da campanha pela reeleição da presidente, com quase dois anos de antecedência, e, ao que tudo indica, o que vem por aí, a julgar pelas comemorações pelos "últimos dez anos", sugerem que voltarão à tona variantes retóricas do "nunca antes na história deste país". E, de novo, a tentativa de reescrever a história e estabelecer a data da primeira posse de Lula, em 2003, como o marco zero de uma suposta Nova Era.

A ideia de que, no mundo da política, o que importa é a versão,e não o fato, tem ampla disseminação entre nós. A aceitação dessa "máxima" tem implicações nada triviais para o debate público, em particular durante períodos eleitorais nos quais, como nas guerras, a verdade figura entre as primeiras vítimas.

Pois veja o eventual leitor: se o que realmente importa não são tanto os fatos, mas as versões sobre os mesmos, por vezes muito distintas e conflitantes,segue-se que as versões que tendem a predominar - pelo menos no prazo relevante para o calendário eleitoral - são aquelas mais constantemente repetidas, aquelas mais bem financiadas por esquemas profissionais dos departamentos de agitação, propaganda e marquetagem política.

Há quem diga que tudo isso é apenas efeito do calor da hora, expressão das vastas emoções que fazem parte natural de processos eleitorais em sociedades de massa. Para estes, passadas as eleições, e qualquer que seja o seu resultado, o País continuaria - à nossa pragmática maneira - a avançar em seus complexos processos de continuidade e mudança.

A propósito, meu último artigo neste espaço (Marcados descompassos) termina expressando a esperança de que o País possa melhorar a qualidade do debate público informado sobre crescimento, emprego e renda, com foco na imperiosa necessidade de aumentar, em muito, a produtividade e a competitividade internacional de suas empresas e a eficiência operacional do governo na gestão da coisa pública - aí incluídos os investimentos em infraestrutura...

Pois bem, a respeito desta última área, vale reler a longa entrevista concedida a este jornal seis meses atrás (2/1/2013) pelo presidente da Empresa de Planejamento e Logística (EPL), há muitos e muitos anos o homem-chave e de confiança de nossa presidente neste campo.

Disse ele: "Se a gente pegar os planos nacionais de logística de transporte e de logística portuária e outros estudos do governo, teremos de investir perto de R$ 400 bilhões em cinco anos. Vamos dizer que tenho de investir outros R$20 bilhões para não gerar novo passivo e ser preventivo. Então a necessidade de investimento seria de R$ 100 bilhões por ano. Resolvendo isso, posso dizer que em cinco anos não teríamos mais problemas de infraestrutura". Deixo ao leitor avaliar, com base em sua experiência, quão crível é essa última assertiva.

Perguntado como seriam os próximos passos, disse o presidente da EPL: "Vamos avaliar todos os estudos preparados até agora e quantificar qual o investimento prioritário. A ideia é levar isso para o Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte (Conit), que será formado pelo governo e pela iniciativa privada. Ele vai validar quais as ações prioritárias que faltam ser adotadas. A partir da validação do Conit, a EPL vai começar a preparar os projetos para execução. Aí, mais uma vez, voltamos ao Conit, que aprova ou não. Em 2013, também vamos fazer uma ampla pesquisa em todas as rodovias, ferrovias e portos para saber tudo o que é movimentado no País.Vamos simular como a rede se comporta. E aí identificar com mais precisão as prioridades". Deixo ao leitor avaliar quão eficaz é esse processo.

O presidente da EPL diz ainda: "A gente está fazendo 10 mil km de ferrovias, duplicando 5 mil km de rodovias, são R$ 50 bilhões para portos. O PAC tem R$ 20 bilhões para mobilidade urbana". E defende o trem de alta velocidade: "Precisamos resolver todos os problemas e um deles é como as pessoas se deslocam no eixo Rio-São Paulo".

Deixo ao leitor avaliar o conjunto dos três últimos parágrafos à luz de sua vivência.

A entrevista foi concedida a este jornal quase seis meses atrás. Mas não se passaram somente estes meses. Passaram se 10 anos, 5 meses e 10 dias desde que um mesmo governo está no poder, como quer a propaganda eleitoral oficial.

Desde junho de 2003 tenho o exorbitante privilégio de escrever nesta página, deste excelente jornal, que teve, tem e terá papel histórico no diálogo do País consigo mesmo. A generosidade de seus editores permitiu a publicação de cerca de 100 artigos ao longo destes 10 anos.

O encorajamento de leitores me faz persistir.

Mais uma vez devem tentar estabelecer 2003 como marco zero de uma suposta Nova Era

A força das raízes - HENRIQUE MEIRELLES

FOLHA DE SP - 09/06

O Brasil iniciou de forma duríssima um programa de estabilização no primeiro semestre de 2003, que rapidamente ganhou a confiança da sociedade e do mercado.

O país voltou a crescer e, em julho de 2004, entrou numa sucessão de 51 meses de expansão econômica só interrompida pela crise de 2008, voltando a crescer desde então.

Nesse período, o Brasil usufruiu o que chamo de bônus da estabilização, que abriu grande espaço para o aumento do crédito e a absorção gradual de um número enorme de desempregados numa economia em expansão.

Esgotado esse período, com o desemprego já baixo e o crédito em fase de moderação de crescimento, entramos na época da produtividade.

É um assunto discutido extensivamente na mídia, na academia e entre analistas. Todos concordam com o diagnóstico e com soluções conhecidas, como os investimentos em infraestrutura e em educação, as reformas tributária e trabalhista etc.

Mas devemos olhar também outra questão importante: a nossa tradição ibérica.

Portugal e Espanha, grandes potências marítimas, dividiram o mundo não europeu ao meio no final do século 15 com o Tratado de Tordesilhas.

A Espanha, em alguns anos, descobriu reservas abundantes de ouro no México e de prata e de ouro no Peru. Em poucas décadas, extraiu uma quantidade de ouro três ve- zes superior ao total então existente na Europa antes da expedição de Colombo. E, como ouro e prata eram as moedas correntes na época, a Espanha tornou-se a grande potência mundial.

Aspecto relevante ao Brasil de hoje é entendermos o que a Espanha fez (e não fez) com essa riqueza. O Estado espanhol logo criou uma enorme burocracia para controlar a produção, a distribuição e a comercialização desses metais até o ponto em que a atividade produtiva perdeu relevância e a economia espanhola passou a girar em torno da administração e do controle da riqueza extraída das Américas. Processo muito semelhante ocorreu em Portugal.

Enquanto isso, os países do norte da Europa, sem acesso àquela riqueza bruta, tiveram de criar condições para gerar recursos por meio do empreendedorismo e do desenvolvimento comercial, que alguns séculos depois levaram essas nações à industrialização.

A grande lição a tirar dessas experiências históricas é que o caminho para o crescimento passa pela maior eficiência do Estado nas suas funções básicas de prover serviços fundamentais e de criar regras estáveis que promovam a livre competição, desenvolvam os mercados e assegurem liberdade para a sociedade empreender, trabalhar e buscar produtividade.

O governo perdeu o rumo - JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS

ESTADÃO - 09/06

Uma sucessão de más notícias fez o governo perder o rumo. O PIB do primeiro trimestre foi péssimo, mais do que confirmando nossa análise neste espaço ("2013 não começou bem I e II", publicados respectivamente, em 20/01 e 17/02). Ao mesmo tempo, as pesquisas mostraram claramente que a inflação e especialmente o custo da alimentação entraram firme na vida e na preocupação das famílias, algo grave para um governo, antes de tudo, empenhado na reeleição.

Por outro lado, aceleraram-se os sinais de piora do setor externo, tanto na balança comercial como na conta corrente, o que colocou pressão sobre o real, gerando uma forte tendência de desvalorização.

A menor arrecadação, por seu turno, torna o expansionismo fiscal, mais claro e complicado. Finalmente, o Congresso, pelo menos por um momento, recusou-se a aprovar tudo o que o Executivo queria.

Esses eventos aconteceram em /meio a uma cada vez mais clara recuperação da economia global. Os últimos dados dos EUA (incluindo a divulgação de um volume de emprego bastante decente, gerado no mês de maio), do Japão e de vários emergentes reporiam essa visão. A valorização do dólar (que reforça a pressão para o enfraquecimento do real) e a extrema sensibilidade dos mercados a qualquer sinal, vindo do Fed, de mudanças na política: ; monetária são indicativos da aceitação pela maior parte do mercado que a economia americana está da vez mais próxima de uma fase de crescimento, algo que já tratamos por várias vezes.

Resta ainda, é verdade, o receio de que a economia chinesa possa fraquejar, não conseguindo segurar os 7,5% de crescimento do PIB em 2013. Embora esta seja uma possibilidade, não é nosso cenário base. Nele, o rebalanceamento da economia chinesa na direção de ganhos de salário real, do consumo e de mais investimentos em qualidade da água, do ar e da energia alternativa deverão continuar. A proposta de compra da Smithfield (empresa americana líder na produção de suínos) feita pela Shuanghui é um grande indicador da importância de melhorias substanciais na qualidade da alimentação demandada pela população e tão relevante nesta fase do crescimento chinês,

Em resumo, os problemas e o enfraquecimento do crescimento brasileiro não podem ser debitados ao exterior. São produtos de uma estratégia que fracassou, agravando questões que vêm se acumulando.

De fato, após o vale-tudo que foi a campanha de 2010, os excessos econômicos produziram uma piora na situação macroeconômica que se tornou clara, Com pressões inflacionárias e outros desequilíbrios, que levaram a um crescimento modesto em 2011. A estratégia do governo, então, foi de relançar a economia a partir dos estímulos 110 consumo e da tentativa de avançar investimentos a partir da liderança do Estado, incluindo empresas estatais.

Dezesseis pacotes depois e um crescimento pífio em 2012 (0,9%), pode-se dizer que a estratégia fracassou. A demanda de consumo, ao invés de crescer, desacelerou; as exportações enfraqueceram e as importações seguem ocupando espaços cada vez maiores no mercado; o investimento público pouco avançou, os custos subiram muito e os atrasos são recorrentes (a transposição do São Francisco e a ferrovia Transnordestina são os exemplos mais acabados desses atrasos). A Petrobrás tem vivido um momento difícil com a estagnação da produção; a Eletrobrás está com o seu fluxo de caixa totalmente comprometido e não terá como funcionar direito se o Tesouro não a socorrer. Os ditos campeões nacionais não adicionaram nada de relevante para o crescimento. O PIB de 2011-2013 será um pouco maior que 2% e, por melhor, que seja 2014, a média do governo Dilma será da mesma magnitude.

Hoje, certas coisas estão absolutamente claras. Três anos de crescimento próximo de 2% não representam um evento fortuito, mas uma tendência mais estrutural, passado o efeito dos grandes ganhos de preços de commodities.

Em segundo lugar, nosso problema não está na demanda, mas sim, na falta de competitividade da produção nacional. Alterar essa situação vai exigir um programa estruturai de longo folego e duração. Tal programa ainda não existe. Discursos salvacionistas serão solenemente ignorados pelos fatos.

Em terceiro lugar, a situação macroeconômica está desarranjada, a começar pela inflação que se mantém firme no topo da meta. O IPCA de maio mostrou que 230 dos 365 componentes do índice subiram mais que 10% nos últimos doze meses!

Isto levou o Banco Central a elevar os juros e sinalizar que vem mais por aí. Entretanto, ao mesmo tempo, as autoridades permitiram uma nova desvalorização do real, para a faixa de R$ 2,15 por dólar, o que vai pressionar a inflação, pelo menos, via alimentos. De fato, na semana terminada na última quinta-feira, o milho tinha subido 1,9% e a soja 3,8%. Para completar o quadro, o Tesouro resolveu injetar R$ 15 bilhões na infausta Valec (!!!)

A alta de juros e da inflação, a desvalorização do real e a política fiscal expansionista não se casam.

 Corremos o risco de acabar por piorar um pouco mais o crescimento, a inflação, o setor externo e a dívida do governo.

Mais uma vez, o ativismo e o movimento estão tentando substituir a reflexão, com baixa taxa de sucesso.

Papel da educação - SAMUEL PESSÔA

FOLHA DE SP - 09/06

Experiências históricas mostram a importância da educação no processo de desenvolvimento dos países


Meu colega Marcelo Miterhof, que ocupa este espaço às quintas-feiras, abordou o importante tema da relação entre crescimento e educação.

Marcelo tem uma visão de que a "educação é mais resultado do que requisito ao crescimento". Se a educação fosse tão importante assim, a Rússia seria "altamente desenvolvida, pois o comunismo fez um dos mais impressionantes esforços de educação e ciência vistos".

Minha impressão é que os fatos não se ajustam bem à leitura de Marcelo. As experiências históricas em geral apontam que as sociedades que se desenvolveram apresentavam no início do processo de desenvolvimento excesso de educação.

Um exemplo claríssimo é o caso americano. O grau de analfabetismo na Nova Inglaterra em meados do século 18 era de 10%! Na Virgínia, 30%. O Brasil somente atingiu esses níveis de analfabetismo na segunda metade do século 20.

Outro exemplo de defasagem ocorreu no desenvolvimento japonês. A taxa de matrícula no ensino fundamental do Japão na virada do século 19 para o século 20 era de 90%. O Brasil atingiu níveis equivalentes na década de 90 do século 20.

Mas sempre fica a dúvida. E a Argentina ou Rússia, países que fizeram grande esforço em universalizar o ensino fundamental há muito tempo? Por que não são desenvolvidos? De fato, educação não é tudo. Diria que é quase tudo. Para termos uma ideia, tomemos os exemplos de Argentina e Rússia.

Segundo a base de dados do departamento de economia da Universidade da Pensilvânia conhecida com Penn World Table (PWT), o produto anual do trabalhador brasileiro em 2010 foi de US$ 15,4 mil a preços de 2005. Para a Argentina e a Rússia, a PWT reporta, respectivamente, US$ 24,8 mil e 27,3 mil.

Esses valores de produtividade foram calculados corrigindo para diferenças sistemáticas de custo de vida que há entre as economias, de sorte que os números representam o mesmo poder de compra nos diversos países.

Exercício de decomposição simples sugere que, se o Brasil tivesse o mesmo nível de educação da Argentina, nossa produtividade seria 19% maior, US$ 18,4 mil. Se o Brasil tivesse o nível de educação da Rússia, nosso número seria 43% maior: US$ 22 mil.

Esses números não pequenos pois o exercício considera que o canal entre educação e crescimento é a elevação direta da produtividade do trabalho e seu impacto sobre a acumulação de capital. Há inúmeros outros efeitos --sobre a criminalidade etc.-- que não foram considerados.

Finalmente um exercício revelador da importância da educação como pré-requisito para garantir ciclos longos de crescimento é verificar o impacto que uma medida de "excesso" educacional em 1960 teve sobre o desempenho das economias nos cinquenta anos subsequentes.

A medida de "excesso" educacional em 1960 será obtida a partir da relação em 1960 que observamos entre nível de produtividade do trabalho e escolaridade da população.

Há forte correlação positiva entre essas duas variáveis em um ponto no tempo. A dificuldade é que a educação pode ser causa da renda elevada ou ser consequência da renda elevada. Construirei uma medida de excesso educacional em 1960 a partir dessa relação observada para 104 países. Há países como a Coreia que apresentavam em 1960 desvio positivo ou excesso de educação, isto é, muita educação para pouca renda. Outros, como o caso brasileiro, apresentavam em 1960 desvio negativo, pouca educação para muita renda.

O resultado é que o excesso de educação em 1960 "explica" boa parcela do crescimento das 104 economias nos cinquenta anos subsequentes. A relação estatística entre crescimento médio de 1960 a 2010 com o excesso (ou carência) de educação em 1960 sugere que, se o Brasil tivesse em 1960 o mesmo excesso educacional da Coreia, nossa renda per capita seria hoje 61% maior.

Para termos uma ideia da importância da educação, se ao longo dos 60 anos o Brasil tivesse a mesma taxa de investimento da Coreia (dez ponto percentuais do PIB maior), o mesmo exercício do parágrafo acima sugere que nossa renda per capita seria 40% maior.

Certamente termos aceitado enfrentar uma transição demográfica entre 1930 e 1980 investindo 1% em educação básica foi o maior erro coletivo que cometemos no século 20.

A linha justa - ILIMAR FRANCO

O GLOBO - 09/06

A ministra Ideli Salvatti discorda do líder do governo Arlindo Chinaglia (PT) de que o Planalto só tem 150 aliados fiéis na Câmara. Avalia que não dá para contar com 100% dos aliados o tempo todo. E que, tendo uma base ampla, um governo aprova suas propostas ora com o apoio de uma parte ora com o de outra. "Se a gente só tivesse 150 aliados fiéis, não tinha aprovado tudo", afirma.

Letra morta
O TSE liquidou com a lei da fidelidade partidária. Desde 2007, o tribunal recebeu 51 casos de deputados federais e três de senadores que mudaram de partido. Das 51 ações, 39 delas foram arquivadas, beneficiando o parlamentar infiel. No caso dos senadores, todos saíram ganhando, mantendo seus mandatos. Estão tramitando no TSE outras 12 ações de deputados, sem prazo para conclusão. Apenas um deputado até hoje teve o mandato cassado pelo tribunal por infidelidade partidária. Foi Walter Brito (PB), que trocou o DEM pelo PRB. A fidelidade virou lei a partir de resposta do TSE à consulta do DEM.



"Nós estamos bombando. Não há nada grave na economia. Passou a tempestade" 
Fernando Pimentel Ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio

Fazendo a corte
Jogando com o PT nacional, o presidente do PSD, Gilberto Kassab, está oferecendo seu partido ao ministro Fernando Bezerra (Integração Nacional), em choque com o PSB de Eduardo Campos.

Subiu no telhado
O governo está virando o jogo e espera derrubar a proposta que extingue a multa de 10% do FGTS nas demissões sem justa causa. Para sensibilizar os aliados, os operadores políticos do Planalto estão alegando que o corte da receita da multa, R$ 2,2 bilhões anuais, vai prejudicar o Minha Casa Minha Vida, gerido pelo ministro Aguinaldo Ribeiro (Cidades).

A voz da experiência
Um político aliado, que está há muito tempo na estrada, prevê: se a presidente Dilma chegar bem às eleições, ela terá quantos palanques quiser no Rio; mas, se o quadro não for de tranquilidade, o PT degola a candidatura Lindbergh Farias.

Quanta transparência

Um ex-ministro relata que no governo Lula fez pedido de informações para diversas instituições públicas, inclusive do Poder Judiciário, sobre o valor de diárias pagas em viagens. A consulta foi feita para definir as diárias que seriam pagas pelo Poder Executivo. Os tribunais superiores abriram seus números. A única instituição que se recusou a dar informações foi o TCU.

Caminho sem volta
O governador Eduardo Campos (PSB-PE), relatando a um político do Nordeste por que vai ser candidato a presidente: o PSB não tem tamanho no Congresso para que ele assuma qualquer posição relevante no Senado.

Justificativa impositiva
O deputado Alessandro Molon (PT-RJ) trabalha emenda que, mesmo aprovado o Orçamento Impositivo, permite ao Executivo não pagar emendas em situações de crise financeira, desde que mande ao Congresso explicação do quadro.

Cresce no DEM
o número de lideranças regionais que estão buscando alternativas novas, que não passam pelo PSDB, nas eleições estaduais.

Mina de recursos - VERA MAGALHÃES - PAINEL

FOLHA DE SP - 09/06

O Planalto ainda não definiu o destino dos royalties da mineração, que dobrarão de 2% para 4% pelo novo código do setor, a ser enviado ao Congresso no dia 18. Os ministérios da Fazenda e da Educação disputam a aplicação dos recursos. Aloizio Mercadante trabalha para que, assim como no caso do petróleo do pré-sal, a compensação paga pelas empresas seja destinada à Educação, enquanto Guido Mantega e Arno Augustin defendem que o dinheiro fique com o Tesouro.

Salomônica 
Uma das ideias estudadas pelo Planalto para solucionar a queda de braço é que os 2% já cobrados fiquem com o Tesouro, e o percentual excedente seja destinado à educação.

Bipolar 1 
Enquanto o ministro dos Transportes, César Borges, reclama do rigor do TCU (Tribunal de Contas da União) na fiscalização de obras, Gleisi Hoffmann vive lua de mel com o tribunal.

Bipolar 2 
A titular da Casa Civil tem elogiado a disposição do órgão em acompanhar os estudos de concessões para ajudar a evitar problemas e atrasos. Ela foi ao tribunal pessoalmente apresentar as propostas aos ministros.

Aqui, não 
Após vazamento da última reunião de articulação política entre ministros e líderes do PT, Dilma Rousseff vetou que encontros com pauta eleitoral ocorram no Palácio do Planalto.

Precoce 
Causaram estranheza na cúpula do Banco do Brasil declarações de Benito Gama sobre sua nova função antes mesmo de ser empossado na vice-presidência.

Sede ao pote 
O petebista disse que a vice de governo no BB será turbinada com investimentos em grandes projetos, como novos aeroportos.

Bis 
Será no dia 27, em São Paulo, o lançamento da candidatura de Rui Falcão a um novo mandato na presidência nacional do PT. O ex-presidente Lula, que apoia a reeleição do deputado estadual, foi convidado para o evento.

Hegemonia 
Falcão tem o apoio de quase todas as principais tendências internas, como Construindo um Novo Brasil, Movimento PT, PT de Lutas e de Massa e Novo Rumo. A Mensagem ao Partido deve ter candidato próprio.

Alpiste 
Do líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (RJ), sobre a entrevista de Arlindo Chinaglia (PT-SP) dizendo que só 150 deputados são fiéis ao Planalto e que o PMDB às vezes atrapalha: "Ninguém pega passarinho gritando xô".

Na paz... 
Walter Feldmann (PSDB), que atuou como ponte da campanha de José Serra em 2012 com líderes religiosos, desempenha o mesmo papel na articulação da Rede, de Marina Silva.

... do Senhor 
O deputado participou na sexta-feira de café da manhã com pastores evangélicos na Feira Literária Cristã. Ele disse que foi ao evento como "amigo dos amigos evangélicos".

Baixa 
O governo paulista pode perder seu secretário de Saúde, Giovanni Guido Cerri. O médico quer deixar a administração para dedicar seu tempo à direção da Faculdade de Medicina da USP e a seu consultório particular.

Raio-X 
Cerri ainda não procurou Geraldo Alckmin (PSDB), mas a cúpula do Palácio dos Bandeirantes já detectou a insatisfação.

Reserva 
José Américo (PT), presidente da Câmara de São Paulo, vai assumir a prefeitura da capital paulista pela primeira vez. Ele fica no cargo na terça e na quarta, com a viagem de Fernando Haddad e da vice Nádia Campeão a Paris, para a apresentação da Expo 2020.

tiroteio
"Se o STF declarar inconstitucionais os novos tribunais, terá de extinguir os órgãos de controle do Judiciário. Não faz sentido."
DO PRESIDENTE DA OAB, MARCUS VINICIUS FURTADO, sobre a promulgação dos quatro novos TRFs, criados da mesma forma que o CNJ e o CNMP.

contraponto

Sapato dado não se olha a forma
Famoso por usar sandálias no Congresso, o deputado Domingos Dutra (PT-MA) foi barrado por seguranças do Supremo Tribunal Federal, na última quarta-feira.

Ao se deparar com a confusão, Paulinho da Força (PDT-SP) conseguiu convencer um dos seguranças da corte a "alugar" seus sapatos para o colega maranhense. Como os calçados ficaram largos e quase escorregavam dos pés de Dutra, seus passos faziam ecoar um "pof, pof" no plenário do Supremo. Paulinho fez graça.

--Desse jeito, a sessão vai ser suspensa por barulho estranho e constante na plateia!

Retrato do momento - TEREZA CRUVINEL

CORREIO BRAZILIENSE - 09/06
Para seguir como favorita, Dilma precisa manter acesa a chama de satisfação da maioria do eleitorado. E isso, agora, passa a depender também das condições da economia
A testa apoiada na mão direita, os olhos cerrados em sinal de cansaço, os lábios formando um ríctus da irritação. O teor do bilhete pendente na mão direita deve ter sido apenas gota d"água, na torrente de problemas dos últimas dias, que levou a sempre contida e litúrgica presidente Dilma Rousseff a permitir o registro da imagem, durante cerimônia sobre mudanças climáticas na quarta-feira passada. Nenhuma outra fotografia, depois de sua posse, revelou tanto estresse. Nosso sistema límbico não falha, denuncia os sentimentos pelas expressões faciais. Mas a foto e as agruras decorrem de um momento ainda distante da prova de fogo de 2014. Analistas e protagonistas não devem subestimar a conjuntura nem fazer apostas fatalistas em seu agravamento e consequências políticas.

O primeiro semestre está terminando com problemas agudos nas frentes econômica, social e política. Ao longo da semana passada, o dólar disparou, as bolsas caíram e a inflação, embora exibindo recuo em maio (0,37% contra 0,55% em abril), encostou no teto da meta em 12 meses (6,5%). A ata do Copom, da reunião que elevou os juros para 8%, fez várias advertências sobre a renitência da inflação. Maio terminou com o IBGE divulgando um crescimento de apenas 0,6% no primeiro trimestre, menor que o esperado, embora tenha havido crescimento de 1,9% em relação ao mesmo período de 2011. Na balança comercial, deficit de US$ 5,392 bilhões desde janeiro. E para completar, pela primeira vez desde 2002, uma agência de risco, a mesma que em 2008 conferiu ao Brasil o festejado "grau de investimento" (S&P), fez apreciação negativa sobre a economia brasileira. O governo não nega o inegável, mas aposta que o vento ruim na economia vai começar a virar.

Na área social, houve a anárquica onda de saques dos benefícios do Bolsa Família, provocados pela mal explicada antecipação dos depósitos pela Caixa e pela ainda não esclarecida onda de boatos sobre o fim do programa. A questão indígena ressurgiu forte, com ocupação de obras e conflitos na desocupação de fazendas. A violenta ação policial terminou com um índio morto e um ferido. Muito feio, na hora em que o brasileiro Paulo Vannucchi é eleito para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos. O aumento de tarifas de ônibus deflagrou ações de vandalismo em São Paulo e outras cidades. Ao Nordeste que sofre com a seca, Dilma anunciará um plano para a agricultura do semiárido. Apesar de tudo isso, dizem auxiliares dela, não há desemprego nem encolhimento da renda. O sentimento de melhora de vida continua alto. O governo tem lá suas pesquisas.

Na política, as dificuldades econômicas dão discurso para o principal candidato de oposição, o tucano Aécio Neves. Dilma enfrenta problemas com a base aliada no Congresso, que ameaça derrubar seus vetos à Lei dos Portos e aprovar o orçamento impositivo. A antecipação da campanha atiçou as disputas estaduais na coalizão. Mas, enquanto a aprovação ao governo e a popularidade da presidente se mantiverem altos, ninguém vai saltar do barco. Dos nove partidos que a apoiaram em 2010, todos já se comprometeram com ela para 2014, exceto o PSB do provável concorrente Eduardo Campos.

Há muito jogo pela frente, mas, para seguir como favorita, Dilma precisa manter acesa a chama de satisfação da maioria do eleitorado. E isso, agora, passa a depender também das condições da economia, uma variável de controle relativo.

Vida real

Garantidos os direitos plenos das domésticas, a maior demanda das mulheres que trabalham e criam filhos é por creches públicas. A partir de 2016, a creche e a pré-escola, a partir dos quatro anos, serão obrigação do Estado, estabelece a lei geral da Educação (LDBE). Dilma prometeu criar 6 mil creches até o ano que vem. Segundo o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, foram planejadas 5.665, das quais 1.031 já foram entregues, l.872 estão com mais de 80% das obras concluídas e serão entregues em 2014. Outras 630 estão mais atrasadas. Dilma, que acompanha o cronograma por um tablet do MEC, providenciou recursos para mais 3 mil, que já foram licitadas por pregão eletrônico. Um projeto técnico comum permitirá que sejam construídas em até sete meses. Essa é uma corrida que tem a ver com o voto. O mais claro adversário em 2014, Aécio Neves, já começou a cobrar a promessa.

Na Bahia, quem diria

Na política, o impossível não existe mesmo. O governador da Bahia, Jaques Wagner, viabilizou o compromisso de apoio do PTB a Dilma-2014, indicando o presidente em exercício do partido de Roberto Jefferson, Benito Gama, para uma vice-presidência do Banco do Brasil. E, lá no calor baiano, já se discute a hipótese de uma aliança entre o PT e o prefeito de Salvador, ACM Neto. No programa de TV do DEM que foi ao ar na quinta-feira, ele não atacou Dilma. Resumo de Wagner: "O que ACM Neto disse é que não fecha a porta. E eu, do outro lado, disse: ótimo. Se ele quiser vir, eu vou dizer o quê? Que acho ruim?"

O tucanato botou o dinheiro para trabalhar - ELIO GASPARI

O GLOBO - 09/06

A repórter Vera Magalhães publicou uma informação que encheu de júbilo o comissariado petista.

Fernando Henrique Cardoso, dois de seus ex-ministros e mais seis sócios criaram uma empresa que investirá num empreendimento imobiliário. Chama-se Sarlat e tem R$ 1,9 milhão de capital, com R$ 222 mil dele.

O ex-presidente explicou: "É difícil encontrar investimento em renda fixa que dê alguma coisa".

Investimento em renda fixa é aquele em que o sujeito fica em casa e seu dinheiro rende os juros fixados pelo Banco Central. Durante o tucanato, esse tipo de aplicação rendeu, na média, 26,6% ao ano, com um pico de 45%. Hoje, a Selic paga 8%.

Em 1995, quem botava dinheiro em fundos de renda fixa nos Estados Unidos faturava 10,9%. Em Pindorama, naquele ano, renderam 18% em valores reais.

FHC tem toda razão: "É difícil encontrar investimento em renda fixa que dê alguma coisa". Portanto, é melhor botar o dinheiro para trabalhar.

Os tucanos da Sarlat mostraram que confiam no país e patrocinaram uma linda peça de propaganda para a doutora Dilma.

NA ARENA

No domingo passado o ministro Joaquim Barbosa estava no Maracanã. Assistiu ao jogo Brasil x Inglaterra com o filho no camarote do apresentador Luciano Huck e de sua mulher, Angélica.

Um curioso viu a fila de pessoas que esperavam uma oportunidade para se deixarem fotografar a seu lado e contou pelo menos 20 torcedores.

EREMILDO, O IDIOTA

Eremildo é um idiota e está inteiramente de acordo com o que disse o advogado de Thor Batista depois que ele foi condenado a pagar uma multa de R$ 1 milhão e a prestar dois anos de serviços comunitários por ter atropelado Wanderson dos Santos, matando-o:

"Ele só foi punido porque é rico."

O idiota acredita que a recíproca é verdadeira: Wanderson, de 30 anos, só morreu porque era pobre. Ajudante de caminhoneiro, pedalava sua bicicleta numa noite de sábado na rodovia Washington Luís.

RECORDAR É VIVER

"Eu estou começando a achar que os problemas deste país não são produto da inflação, como geralmente se acredita, mas em velhos problemas de monopólio, mau marketing, especulação e uma banca imediatista. Com certeza, a inflação tem alguma coisa a ver com isso."

Quem escreveu esse texto, em 1945, foi Adolf Berle Jr., um dos grandes teóricos do capitalismo moderno. Ele acabara de chegar ao Brasil como embaixador dos Estados Unidos e surpreendera-se ao ver que não havia quem lhe dissesse qual era o PIB brasileiro.

Em 1945 a inflação estava em torno de 7%.

REGISTRO

Em 2007, quando foi decidido que a Copa do Mundo de 2014 seria disputada no Brasil, a doutora Dilma estava na Casa Civil, convencida de que o problema dos aeroportos não era a primeira prioridade para o evento.

Ela acreditava, e nunca deixou de acreditar, que o problema tráfego aéreo seria resolvido com a construção de puxadinhos nos aeroportos existentes. Todas as declarações oficiais informando as obras de expansão real dos aeroportos tiveram um componente de ficção. Se os puxadinhos funcionarem, a gerentona leva. Se não, paga.

GEOMETRIA

O doutor Luís Roberto Barroso, novo ministro do STF, informou ao Senado que, a seu ver, as condenações do mensalão foram "um ponto fora da curva" na jurisprudência da corte. Trata-se de uma observação gráfica. Resta saber se Barroso aproximará a curva do ponto ou se ajudará a puxá-lo de volta.

O PODER DA CURVA

O Judiciário brasileiro livrou a cara dos estudantes de medicina da USP que em 1999 participaram do trote que resultou na morte do estudante Edison Tsung Chi Hsueh. Eles se chamam Frederico Carlos Jana Neto, Ari de Azevedo Marques Neto, Guilherme Novita Garcia e Luís Eduardo Passarelli Tirico. O Supremo Tribunal Federal encerrou o litígio por cinco votos contra três (Joaquim Barbosa, Marco Aurélio Mello e Teori Zavascki). O caso está encerrado e, como diria o ministro Barroso, foi um ponto dentro da curva. Vale a pena lembrar que a China não esquece quando seus nacionais ou mesmo seus descendentes são tratados de forma que considera discriminatória. Ainda bem. Todo mundo fez seu serviço, a polícia, o Ministério Público e a imprensa, mas são enormes os poderes da curva.

A PRIVATARIA PETISTA CHEGOU À FIOCRUZ

A pesquisa científica brasileira tem duas joias na sua coroa, a Embrapa e a Fiocruz. Uma cuida de agricultura, e a outra, da saúde pública. Infelizmente, pela segunda vez em menos de dois anos, a instituição fundada por Oswaldo Cruz pula do catálogo das citações científicas para o noticiário dos negócios.

Em 2011 seus diretores firmaram (sem licitação) um contrato de R$ 365 milhões com a empresa portuguesa Alert para receber um sistema de gestão eletrônica de dados. Seu credenciamento foi justificado com a certificação de uma instituição internacional que, expressamente, vedava o uso de seu nome para "validação" de empresas ou programas. Ao apito, o contrato foi suspenso temporariamente, mas teve no ministro Alexandre Padilha um explicador da iniciativa. Passou o tempo, o cancelamento tornou-se definitivo e, para tranquilidade dos interessados, não se falou mais no assunto.

Agora a Fiocruz volta ao palco. Desde 1991 seus 5.000 servidores e seus familiares estão associados ao plano da instituição, o FioSaúde. Como quase todos os planos de funcionários públicos ou de empresas estatais, ele é deficitário. Em 2012 o buraco ficou em torno de R$ 4 milhões.

Quando um cidadão pensa num plano de saúde da Fiocruz, associa-o à excelência do conhecimento das pessoas que lá trabalham. Como o plano é deficitário, alguma coisa está errada. Desde sua criação a FioSaúde foi dirigida por servidores da Fiocruz. No ano passado o comissariado entregou sua diretoria-executiva ao doutor José Antonio Diniz de Oliveira, que vinha da Axismed, uma empresa de produtos de gestão de planos que, em 2011, prestava serviços à operadora da Funasa. A diretora-presidente da firma vinha a ser sua mulher. Posteriormente ela deixou a empresa e fundou uma associação de prestadores de serviços, na qual é a superintendente-executiva.

Em janeiro deste ano o doutor Diniz rescindiu o contrato com a empresa que geria o FioSaúde, e contratou quem? A Axismed. Em março a FioSaúde transferiu para a mesma empresa a gestão do seu programa próprio de tratamento de pacientes crônicos e na semana passada cancelou o serviço de visitas hospitalares.

Se a Fiocruz precisa da porta giratória para administrar a gestão da saúde de seus funcionários, não entende de medicina, ou não sabe fazer contas. Nesse caso, com um orçamento de R$ 2,4 bilhões, o nome do doutor Oswaldo Cruz está em perigo.