REVISTA ÉPOCA
A presidente Dilma Rousseff prometeu e cumpriu: criou mais uma cadeira de ministro em seu governo. O convite foi feito a Guilherme Afif Domingos - e já foi aceito. O novo ministro cuidará das pequenas e microempresas. É possível que, na marcha para 2014, Dilma ainda crie outro ministério para cuidar das empresas médias. Afinal, elas não podem ser discriminadas. E ela precisa correr contra o tempo para reacomodar na máquina pública todos os companheiros que caíram de podre, com a tal faxina que a imprensa a obrigou a fazer.
Dilma é coerente. Cada ministro seu acusado de corrupção era coberto de elogios e juras de companheirismo na hora da demissão. Pouco mais de um ano depois da "devassa", os demitidos estão de volta, a céu aberto, dando as cartas no governo. O final feliz mais obsceno foi com Carlos Lupi, acusado de uma coleção de delitos quando ministro - hoje padrinho sorridente do novo ministro do Trabalho. O melhor de tudo é que, neste Brasil apoplético, Dilma pode comandar uma operação soturna dessas e, ato contínuo, fazer comício em cadeia de rádio e TV no 1º de maio - não importando que o trabalho, em seu governo, tenha sido contrabandeado em moeda eleitoral.
Em seu pronunciamento no Dia do Trabalho, Dilma avisou que o governo será implacável contra a inflação. É mais ou menos como o selvagem da van no Rio de Janeiro declarar que será implacável contra o estupro. Um governo que bate sucessivos recordes de gastos públicos com a máquina - viva o novo ministro! - e com propaganda política de todos os tipos, distribuindo de graça o dinheiro que não tem, emprenhando de impostos os produtos em todas as fases da produção, tocando a sinfonia completa da inflamação dos preços, vem declarar à nação que será implacável com a inflação. A sorte é que essa tal nação está dormindo em berço esplêndido, senão Dilma sairia de seu pronunciamento surrealista de camisa de força.
Sem mencionar a celebração do lº de maio de mãos dadas com o trabalhista Carlos Lupi, aquele que a Comissão de Ética da Presidência mandou interditar - e a presidente respondeu interditando a própria Comissão de Ética, de quem nunca mais se ouviu falar. De fato, ética é um assunto muito espinhoso para ser falado por aí. A faxineira foi precavida: cortou a cabeça dos dois membros da Comissão que denunciaram as tramas de Lupi e reimplantou a cabeça do réu. Pronto. Não há mais perigo de falar de ética no governo.
É bom que o novo ministro Afif saiba muito bem disso. Se o mundo lhe sorriu e ele teve a sorte de entrar para o governo popular, isso se deve em grande medida a mais uma trapaça da ética contra o PT. O ministro que deveria cuidar das empresas - micro e pequenas, grandes e médias, gordas e magras - chama-se Fernando Pimentel, titular da Pasta do Desenvolvimento. Mas ele infelizmente está em reunião há um ano e meio e não pode atender ninguém. Desde que a imprensa burguesa revelou suas consultorias fantasmas à indústria mineira, é mantido por sua amiga Dilma no cargo como uma espécie de amuleto. Que Afif preste bem atenção a isso, se não quiser virar amuleto também.
Nenhum passageiro da Arca de Noé petista deve se preocupar - já está claro que tem para todos. O PCdoB, depois de reveladas as obras completas de Orlando Silva no Ministério do Esporte, continuou firme na Pasta. Ele caiu por causa da farra dos convênios que serviriam entre outras coisas para reforçar o caixa partidário, mas o partido continua como braço oficial do governo para gerir a Copa do Mundo de 2014. É mesmo a decisão correta para supervisionar um monumental programa de obras cheias de evidências de superfaturamento. O orçamento do Maracanã acaba de ser "corrigido" em RS 200 milhões - para cima, naturalmente.
Um Brasil que vê o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva convidar José Maria Marin para inspecionar o estádio Mané Garrincha sabe que esse passeio casual é um autêntico congraçamento entre esquerda e direita. Não se sabe se, nesse caso, Lula entrou em cena como padrinho de Dilma, garoto-propaganda de empreiteiras ou eminência parda da CBF, mas não importa. O importante é a certeza de que os negócios vão bem.
segunda-feira, maio 13, 2013
Ideias não geniais – III - MAILSON DA NÓBREGA
REVISTA VEJA
A primeira é do deputado Nazareno Fonteles (PT-PI), o mesmo da emenda constitucional que subordinaria decisões do STF ao Congresso, violando o princípio basilar da separação entre os poderes. Em 2004 ele apresentou projeto de lei ainda mais espantoso, que estabeleceria o "limite máximo de consumo" e a "poupança fraterna".
Pelo projeto, os brasileiros - inclusive os residentes no exterior - e os estrangeiros que aqui vivem somente poderiam consumir dez vezes o valor da renda per capita mensal, perto de 20.000 reais de hoje. O restante, por sete anos, seria compulsoriamente depositado e devolvido nos catorze anos seguintes. Os recursos seriam emprestados a juros de até 50% dos rendimentos dos depósitos e aplicados em díspares finalidades. De onde os depositantes receberiam os outros 50%? Parece que os "empréstimos" não precisariam ser pagos. Como os "projetos sociais relevantes" obteriam lucros para resgatar a dívida?
À gestão da lei caberia a um conselho de trinta pessoas do governo, de centrais sindicais, de entidades empresariais, de organizações religiosas e até de sem-terra. Ricos e pobres teriam acesso ao limite máximo de consumo. Uns pagariam pelos outros. O limite ao consumo evitaria a exaustão dos recursos não renováveis. Para Fonteles, "os ricos devem viver mais simplesmente. Para evitar a previsível catástrofe ecológica para a qual caminha a humanidade". O Brasil lideraria a construção de "um novo mundo, não apenas ecologicamente sustentável, mas também fraterno". Quanta fantasia!
A segunda ideia é do senador Aécio Neves (PSDB-MG). Ele não propõe sandice similar, mas defende uma ideia irrelevante: o fim da reeleição de presidentes, governadores e prefeitos, aprovada em 1998. Para ele, o mandato de quatro anos é pouco para uma gestão minimamente eficiente. E um ano a mais faria muita diferença? Falou-se em desapego ou em mensagem a futuros candidatos de seu partido ao cargo. Aécio não concorreria novamente se virasse presidente em 2014.
A coincidência do mandato presidencial com os do Congresso aconteceria a cada vinte anos. Durante dezesseis anos, o presidente assumiria tendo de articular-se com parlamentares eleitos em momento distinto. Na experiência internacional, os membros do Executivo e do Legislativo costumam ser eleitos ao mesmo tempo. No parlamentarismo a simultaneidade é obrigatória. A lógica está na necessidade de facilitar a conquista de maiorias parlamentares - nas eleições ou em negociações imediatamente posteriores - sem as quais é mais complicado governar e aprovar medidas fundamentais para a economia e a sociedade. Mudanças importantes como a da reeleição - cada vez mais adotada mundo afora — necessitam ser testadas, consolidar-se ou provar-se inconvenientes. Isso requer tempo. Devem ser revogadas apenas quando não se enraizarem, mas nunca para servir de trunfo em campanhas eleitorais ou para tranquilizar grupos de partido.
Nenhuma instituição política é perfeita, mas a regra da reeleição merece ser preservada por mais tempo. Por ora, tem mais vantagens do que desvantagens. Equivale a um mandato de oito anos com um julgamento dos eleitores no meio do período. Se bem-sucedido, o governante deve ser mantido. E substituído em caso contrário. Dificilmente a ideia de Aécio triunfará. Como ele próprio reconhece, interesses políticos de governadores e prefeitos - dir-se-á também de futuros candidatos a esses cargos - tendem a bloquear o projeto. Em resumo, além de inconveniente, a proposta é politicamente inviável. Não é, decerto, uma ideia genial. Consegue, mesmo assim, não ser tão esdrúxula quanto a da poupança fraterna.
O exotismo e o casuísmo dessas duas propostas não contribuem para construir uma imagem positiva do Congresso. Melhor seria que os parlamentares se mobilizassem em favor de uma agenda relevante para o futuro do país.
Prezado senador - J. R. GUZZO
REVISTA VEJA
É possível que muitos leitores de Veja, pelo que se pode concluir da correspondência que mandam regularmente para a revista, gostassem de enviar ao senador Renan Calheiros a carta escrita abaixo. Tristemente, não têm meios para isso. Poderiam até escrever algo muito parecido, mas jamais receberiam resposta alguma; também não dispõem de uma página ti
na imprensa para tornar público o que gostariam de dizer eles a voz que não podem expressar.
Exmo. Sr.
José Renan Vasconcelos Calheiros
Presidente do Senado Federal. Brasília. DF
Prezado senador,
V. Exa., como presidente do Senado Federal, é talvez o único político num posto desse nível, em todo o mundo, que recebeu da população de seu próprio país um documento assinado por 1.6 milhão de cidadãos pedindo que renuncie ao cargo que ocupa no momento. Mais raro ainda, já seria a segunda vez no curto espaço de seis anos, que teria de passar pela mesma desventura: na primeira, em 2007, renunciou à presidência do Senado para não ser cassado, perder o mandato e ficar sem os seus direitos políticos por oito anos. No mês de maio daquele ano, a revista Veja revelou que uma empreiteira de obras públicas a construtora Mendes Júnior, pagava 12.000 reais por mês à srta. Mônica Veloso com quem V. Exa. teve uma relação sentimental e uma filha, e da qual havia se separado. Na ocasião, V. Exa. garantiu que o dinheiro era seu e que a empreiteira apenas o repassava à srta. Veloso.
Naturalmente, prezado senador, ninguém entendeu nada: por que raios uma construtora de obras públicas estaria pagando despesas pessoais do presidente do Senado Federal? Seguiu-se como muitos ainda se lembram, uma série de investigações que o foram levando, como se dizia antigamente de Anãs para Caifás - ou seja, do ruim para o pior. Ao fim, V. Exa. viu-se atolado por acusações de ter emissoras de rádio em nome de laranjas, emitir notas frias atestando a venda de bois imaginários, favorecer, em troca de remuneração, uma cervejaria em Alagoas etc. Recebeu seis denúncias formais no Senado, e teve de renunciar à presidência, no fim de 2007, para escapar à cassação do seu mandato, num acordo de cavalheiros com seus colegas de casa. Hoje está de volta ao cargo que teve de abandonar no desespero.
Mas o objetivo desta carta não é falar do passado - o que V. Exa. fez já está feito, e não pode mais ser desfeito. O seu futuro, porém, depende exclusivamente do senhor mesmo. Se tomar determinadas decisões, apagará tudo o que ficou para trás e trocará por uma biografia brilhante o que hoje é uma folha corrida. Se continuar na toada de sempre, acabará a vida apenas como Renan Calheiros. O caminho para ganhar a redenção é simples - mas como diz o provérbio chinês todas as grandes obras que existem sob o céu começam com coisas simples. Bastaria que V. Exa. com o plenário lotado e se possível, em rede nacional de televisão, fizesse um discurso mais ou menos assim: "Jamais, enquanto eu for presidente deste Senado, assinarei o projeto de lei aprovado em abril na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados autorizando o Congresso, na prática, a derrubar decisões do Supremo Tribunal Federal. Depois que deixar meu posto atual, lutarei todos os dias da minha vida contra esse projeto e qualquer coisa parecida com ele. Isso não é um discurso. É o anúncio de um fato que vai acontecer". No dia seguinte V. Exa. se verá promovido nos meios de comunicação e na opinião pública a herói da democracia.
Isso não vai lhe custar prejuízo nenhum nos seus interesses pessoais. O tal projeto é apenas uma aberração vinda do PT - prevê, por exemplo, que, se o Congresso discordar de uma decisão constitucional do STF poderá convocar um "plebiscito" para resolver a parada, que serão necessários os votos de nove ministros num total de onze para julgar que uma lei é inconstitucional ou que caberá ao Congresso aceitar ou não votos do tribunal que obrigam todos os juízes a obedecer a sua orientação. V. Exa. ficará com a glória de ter matado a cobra antes que ela pudesse morder. Poderia fazer exatamente o mesmo discurso quanto às tentativas de submeter a mídia a "controles sociais" e a outros truques destinados a recriar a censura. Já pensou? V. Exa. seria transformado automaticamente e a custo zero, no grande campeão da liberdade de imprensa no Brasil. Poderia, enfim, liderar qualquer causa em prol da decência. Oportunidades para isso como se vê, não faltam.
É possível que muitos leitores de Veja, pelo que se pode concluir da correspondência que mandam regularmente para a revista, gostassem de enviar ao senador Renan Calheiros a carta escrita abaixo. Tristemente, não têm meios para isso. Poderiam até escrever algo muito parecido, mas jamais receberiam resposta alguma; também não dispõem de uma página ti
na imprensa para tornar público o que gostariam de dizer eles a voz que não podem expressar.
Exmo. Sr.
José Renan Vasconcelos Calheiros
Presidente do Senado Federal. Brasília. DF
Prezado senador,
V. Exa., como presidente do Senado Federal, é talvez o único político num posto desse nível, em todo o mundo, que recebeu da população de seu próprio país um documento assinado por 1.6 milhão de cidadãos pedindo que renuncie ao cargo que ocupa no momento. Mais raro ainda, já seria a segunda vez no curto espaço de seis anos, que teria de passar pela mesma desventura: na primeira, em 2007, renunciou à presidência do Senado para não ser cassado, perder o mandato e ficar sem os seus direitos políticos por oito anos. No mês de maio daquele ano, a revista Veja revelou que uma empreiteira de obras públicas a construtora Mendes Júnior, pagava 12.000 reais por mês à srta. Mônica Veloso com quem V. Exa. teve uma relação sentimental e uma filha, e da qual havia se separado. Na ocasião, V. Exa. garantiu que o dinheiro era seu e que a empreiteira apenas o repassava à srta. Veloso.
Naturalmente, prezado senador, ninguém entendeu nada: por que raios uma construtora de obras públicas estaria pagando despesas pessoais do presidente do Senado Federal? Seguiu-se como muitos ainda se lembram, uma série de investigações que o foram levando, como se dizia antigamente de Anãs para Caifás - ou seja, do ruim para o pior. Ao fim, V. Exa. viu-se atolado por acusações de ter emissoras de rádio em nome de laranjas, emitir notas frias atestando a venda de bois imaginários, favorecer, em troca de remuneração, uma cervejaria em Alagoas etc. Recebeu seis denúncias formais no Senado, e teve de renunciar à presidência, no fim de 2007, para escapar à cassação do seu mandato, num acordo de cavalheiros com seus colegas de casa. Hoje está de volta ao cargo que teve de abandonar no desespero.
Mas o objetivo desta carta não é falar do passado - o que V. Exa. fez já está feito, e não pode mais ser desfeito. O seu futuro, porém, depende exclusivamente do senhor mesmo. Se tomar determinadas decisões, apagará tudo o que ficou para trás e trocará por uma biografia brilhante o que hoje é uma folha corrida. Se continuar na toada de sempre, acabará a vida apenas como Renan Calheiros. O caminho para ganhar a redenção é simples - mas como diz o provérbio chinês todas as grandes obras que existem sob o céu começam com coisas simples. Bastaria que V. Exa. com o plenário lotado e se possível, em rede nacional de televisão, fizesse um discurso mais ou menos assim: "Jamais, enquanto eu for presidente deste Senado, assinarei o projeto de lei aprovado em abril na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados autorizando o Congresso, na prática, a derrubar decisões do Supremo Tribunal Federal. Depois que deixar meu posto atual, lutarei todos os dias da minha vida contra esse projeto e qualquer coisa parecida com ele. Isso não é um discurso. É o anúncio de um fato que vai acontecer". No dia seguinte V. Exa. se verá promovido nos meios de comunicação e na opinião pública a herói da democracia.
Isso não vai lhe custar prejuízo nenhum nos seus interesses pessoais. O tal projeto é apenas uma aberração vinda do PT - prevê, por exemplo, que, se o Congresso discordar de uma decisão constitucional do STF poderá convocar um "plebiscito" para resolver a parada, que serão necessários os votos de nove ministros num total de onze para julgar que uma lei é inconstitucional ou que caberá ao Congresso aceitar ou não votos do tribunal que obrigam todos os juízes a obedecer a sua orientação. V. Exa. ficará com a glória de ter matado a cobra antes que ela pudesse morder. Poderia fazer exatamente o mesmo discurso quanto às tentativas de submeter a mídia a "controles sociais" e a outros truques destinados a recriar a censura. Já pensou? V. Exa. seria transformado automaticamente e a custo zero, no grande campeão da liberdade de imprensa no Brasil. Poderia, enfim, liderar qualquer causa em prol da decência. Oportunidades para isso como se vê, não faltam.
O bandido e o frentista - LUIZ FELIPE PONDÉ
FOLHA DE SP - 13/05
Todos ficam preocupados com o direito dos bandidos. E os direitos de quem trabalha?
A população está entregue às traças, enquanto nos palácios, gente inteligentinha de todo tipo (com o mesmo caráter da aristocracia pré-revolucionária de Versailles) discursa sobre "direitos humanos dos bandidos", toma vinho chileno, paga escola de esquerda da zona oeste de São Paulo que custa 3 mil reais mensais e vai para Nova York brincar de culta.
A inteligência ocidental está podre, mergulhada em seus delírios de reconstrução do mundo a partir de seus três gnomos Marx, Foucault e Bourdieu.
Nós, desta casta de ungidos, desprezamos o povo comum porque pensamos que o que eles pensam é coisa de gente ignorante.
Outro dia fui abordado por um frentista num posto perto da minha casa na zona oeste (perto daquela praça destruída aos domingos pelas bikes --"bicicletas" na língua de pobre). Ele disse: "O senhor não é aquele filósofo da televisão?". E continuou: "Não pense que porque somos proletários, não entendemos o que o senhor fala na televisão".
Quem advinha do que ele queria falar? Este posto sempre foi 24 horas e agora não é mais. Por quê? Disse ele que estavam todos, do dono aos funcionários, cansados de serem assaltados toda noite. Disse ele: "O ladrão vem na sua moto, para, põe a arma na nossa cara, rouba tudo, ameaça nos matar e vai embora. Nada acontece".
E mais: "E fica todo mundo preocupado com o direito dos bandidos. Onde ficam os direitos de quem trabalha todo dia?".
Vou dizer uma blasfêmia, dirão alguns dos meus amigos da casta inteligentinha: se preocupar com direitos dos bandidos é apenas um modo chique de continuar se lixando para o "povo", assim como os coronéis nordestinos sempre se lixaram, a diferença agora é que a indiferença para com o destino das pessoas comuns vem regada a vinho chileno e leituras de Foucault.
A "elite branca letrada" é completamente indiferente para com o destino desse frentista.
Ele pede para que a polícia "acabe com os bandidos para ele poder trabalhar e a mulher e filhos dele não serem mortos". Ingênuo? Simplista? Talvez, mas nem por isso menos verdadeiro na sua demanda "por direitos".
A verdade é que estamos mergulhados num blá-blá-blá pseudocientífico das razões que levam alguém a ser bandido, seja qual for a idade, e enquanto isso esse frentista se ferra.
O que terá acontecido, que de repente a elite letrada e pública ficou tão "sensível ao sofrimento social" e tão indiferente ao sofrimento desta "pequena gente honesta"? Até escuto alguns de nós dizer: "São uns mesquinhos que só pensam nas suas vidinhas". Quem sabe alguns mais anacrônicos arriscariam: "Isso é resquício do pensamento pequeno burguês".
A verdade é que nós estamos pouco nos lixando para o que essa gente que anda de metrô, trem e quatro ônibus sofre. Todo mundo muito "alegrinho" com a PEC das empregadas domésticas, mas entre elas e os bandidos a vítima social são os bandidos.
A pergunta que não quer calar é: por que em países islâmicos, por exemplo, com alto índice de pobreza, não existe criminalidade endêmica? Será que tem a ver com medo da terrível punição corânica?
Dirão os inteligentinhos que a causa da criminalidade é social. Hoje em dia, "causa social" serve para tudo, como um dia foram os astros e noutro a vontade dos deuses.
Não nego que existam componentes sociais de fome e sofrimento na causa do comportamento criminoso, mas ninguém mais leva em conta que a maioria que vira bandido porque não quer trabalhar todo dia como esse frentista.
Ser bandido é, antes de tudo, um problema de caráter. E esse frentista, pobre também, sabe disso muito bem, só quem não sabe é minha casta de inteligentinhos.
O que dirão os inteligentinhos quando esse contingente de verdadeiras vítimas sociais do crime começarem a se organizar e matar os bandidos a sua volta? Pedirão a alguma ONG europeia para proteger os bandidos dessa gente "mesquinha" que só pensa em sua casinha, seus filhinhos e seu dinheirinho?
Acusarão essa gente humilhada e assaltada de não ter "sensibilidade social"? Dirão que soltar bandidos na rua é "justa violência revolucionária"?
Todos ficam preocupados com o direito dos bandidos. E os direitos de quem trabalha?
A população está entregue às traças, enquanto nos palácios, gente inteligentinha de todo tipo (com o mesmo caráter da aristocracia pré-revolucionária de Versailles) discursa sobre "direitos humanos dos bandidos", toma vinho chileno, paga escola de esquerda da zona oeste de São Paulo que custa 3 mil reais mensais e vai para Nova York brincar de culta.
A inteligência ocidental está podre, mergulhada em seus delírios de reconstrução do mundo a partir de seus três gnomos Marx, Foucault e Bourdieu.
Nós, desta casta de ungidos, desprezamos o povo comum porque pensamos que o que eles pensam é coisa de gente ignorante.
Outro dia fui abordado por um frentista num posto perto da minha casa na zona oeste (perto daquela praça destruída aos domingos pelas bikes --"bicicletas" na língua de pobre). Ele disse: "O senhor não é aquele filósofo da televisão?". E continuou: "Não pense que porque somos proletários, não entendemos o que o senhor fala na televisão".
Quem advinha do que ele queria falar? Este posto sempre foi 24 horas e agora não é mais. Por quê? Disse ele que estavam todos, do dono aos funcionários, cansados de serem assaltados toda noite. Disse ele: "O ladrão vem na sua moto, para, põe a arma na nossa cara, rouba tudo, ameaça nos matar e vai embora. Nada acontece".
E mais: "E fica todo mundo preocupado com o direito dos bandidos. Onde ficam os direitos de quem trabalha todo dia?".
Vou dizer uma blasfêmia, dirão alguns dos meus amigos da casta inteligentinha: se preocupar com direitos dos bandidos é apenas um modo chique de continuar se lixando para o "povo", assim como os coronéis nordestinos sempre se lixaram, a diferença agora é que a indiferença para com o destino das pessoas comuns vem regada a vinho chileno e leituras de Foucault.
A "elite branca letrada" é completamente indiferente para com o destino desse frentista.
Ele pede para que a polícia "acabe com os bandidos para ele poder trabalhar e a mulher e filhos dele não serem mortos". Ingênuo? Simplista? Talvez, mas nem por isso menos verdadeiro na sua demanda "por direitos".
A verdade é que estamos mergulhados num blá-blá-blá pseudocientífico das razões que levam alguém a ser bandido, seja qual for a idade, e enquanto isso esse frentista se ferra.
O que terá acontecido, que de repente a elite letrada e pública ficou tão "sensível ao sofrimento social" e tão indiferente ao sofrimento desta "pequena gente honesta"? Até escuto alguns de nós dizer: "São uns mesquinhos que só pensam nas suas vidinhas". Quem sabe alguns mais anacrônicos arriscariam: "Isso é resquício do pensamento pequeno burguês".
A verdade é que nós estamos pouco nos lixando para o que essa gente que anda de metrô, trem e quatro ônibus sofre. Todo mundo muito "alegrinho" com a PEC das empregadas domésticas, mas entre elas e os bandidos a vítima social são os bandidos.
A pergunta que não quer calar é: por que em países islâmicos, por exemplo, com alto índice de pobreza, não existe criminalidade endêmica? Será que tem a ver com medo da terrível punição corânica?
Dirão os inteligentinhos que a causa da criminalidade é social. Hoje em dia, "causa social" serve para tudo, como um dia foram os astros e noutro a vontade dos deuses.
Não nego que existam componentes sociais de fome e sofrimento na causa do comportamento criminoso, mas ninguém mais leva em conta que a maioria que vira bandido porque não quer trabalhar todo dia como esse frentista.
Ser bandido é, antes de tudo, um problema de caráter. E esse frentista, pobre também, sabe disso muito bem, só quem não sabe é minha casta de inteligentinhos.
O que dirão os inteligentinhos quando esse contingente de verdadeiras vítimas sociais do crime começarem a se organizar e matar os bandidos a sua volta? Pedirão a alguma ONG europeia para proteger os bandidos dessa gente "mesquinha" que só pensa em sua casinha, seus filhinhos e seu dinheirinho?
Acusarão essa gente humilhada e assaltada de não ter "sensibilidade social"? Dirão que soltar bandidos na rua é "justa violência revolucionária"?
Procura-se encanador - JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO
O Estado de S.Paulo - 13/05
A força de Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados despencou em 2013. O Basômetro mostra uma taxa média de apoio ao governo de raquíticos 55% - uma taxa impensável até 2012. A presidente fechou seus dois primeiros anos de mandato com o voto de 78% dos mesmos deputados. A perda de um em cada três apoiadores é inédita durante o reinado petista.
Nem durante a crise do mensalão o ex-presidente Lula teve menos do que dois terços dos votos na Câmara. Os números mostram que a articulação da presidente no Congresso nunca foi tão ruim. Três teorias põem a culpa em diferentes "mordomos".
A mais popular atira a responsabilidade sobre as auxiliares mais próximas de Dilma, as ministras Ideli Salvatti e Gleisi Hoffmann. Outros vão um passo além, e atribuem a culpa à própria presidente, com sua mania de ensinar caminho a motorista.
A terceira e mais sofisticada hipótese vê nisso o esgotamento do presidencialismo de coalizão em que o Brasil está metido desde a redemocratização. A cooptação explícita de apoios de todos os lados e por todos os preços teria chegado ao limite. Seria o fim da política como a conhecemos. A tese elegeu até anticristo.
É o dublê de ministro de Dilma e vice de Alckmin. Orando a dois santos ao mesmo tempo, Guilherme Afif seria o símbolo de tudo o que está errado no sistema político brasileiro - e, assim, o profeta do apocalipse político-partidário. Menos.
Pode haver explicação mais prosaica para o fiasco de Dilma na Câmara. Levantamento de Daniel Bramatti e Diego Rabatone, do Estadão Dados, mostra que o governo Dilma já assinou 12 mil convênios vinculados a emendas parlamentares. Com isso, a presidente gastou a bagatela de R$ 1,380 bilhão do meu, do seu, do nosso nas bases eleitorais dos nobres deputados e senadores.
Recebem congressistas de todas as legendas (oposição também), mas emplacam proporcionalmente mais os parlamentares das siglas que apenas alugam seus votos ao governo, como PP, PR e PTB. Os partidos casados com o governo no civil e no religioso, como PT e PMDB, têm uma média por parlamentar um pouco menor - mas, obviamente, superior ao que recebem os oposicionistas.
É assim que as coisas funcionam para manter o Congresso feliz, e o apoio ao governo na faixa dos 75% de votos ou mais. Desde sempre. Quem chora mais, pode mais. E por que a crise agora? Aparentemente, o desembolso dos recursos para os convênios perdeu ritmo em 2013. Os que foram assinados este ano receberam menos de R$ 1 milhão, contra R$ 230 milhões dos de 2012.
Cabalisticamente, os anos ímpares são pródigos nas liberações de verbas de interesse dos parlamentares. É na véspera dos anos eleitorais, sem o constrangimento da legislação que aparenta impedir o toma lá dá cá, que as torneiras federais costumam jorrar dinheiro para os convênios e emendas dos deputados. Entupimentos em anos ímpares são mais graves, portanto.
Assim, se Dilma achar logo um bom encanador para redobrar o fluxo de recursos para os convênios de interesse dos representantes do eleitor, é possível que a crise de articulação parlamentar desapareça tão rapidamente quanto surgiu. Ou não.
Há sinais insistentes de que a popularidade presidencial bateu no teto. Se assim for, Dilma pode se ver à beira de uma curva declinante na opinião pública. Aliados de ocasião, como o PSD de Afif e Gilberto Kassab, põem um pé na sua canoa, mas deixam o outro no barco tucano - para o caso de precisarem dar meia-volta.
Dilma e o PSDB aceitam porque dependem dos minutos de propaganda na TV que os rentistas político-partidários alugam a quem pagar mais e representar a melhor perspectiva de poder. Simples assim.
A força de Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados despencou em 2013. O Basômetro mostra uma taxa média de apoio ao governo de raquíticos 55% - uma taxa impensável até 2012. A presidente fechou seus dois primeiros anos de mandato com o voto de 78% dos mesmos deputados. A perda de um em cada três apoiadores é inédita durante o reinado petista.
Nem durante a crise do mensalão o ex-presidente Lula teve menos do que dois terços dos votos na Câmara. Os números mostram que a articulação da presidente no Congresso nunca foi tão ruim. Três teorias põem a culpa em diferentes "mordomos".
A mais popular atira a responsabilidade sobre as auxiliares mais próximas de Dilma, as ministras Ideli Salvatti e Gleisi Hoffmann. Outros vão um passo além, e atribuem a culpa à própria presidente, com sua mania de ensinar caminho a motorista.
A terceira e mais sofisticada hipótese vê nisso o esgotamento do presidencialismo de coalizão em que o Brasil está metido desde a redemocratização. A cooptação explícita de apoios de todos os lados e por todos os preços teria chegado ao limite. Seria o fim da política como a conhecemos. A tese elegeu até anticristo.
É o dublê de ministro de Dilma e vice de Alckmin. Orando a dois santos ao mesmo tempo, Guilherme Afif seria o símbolo de tudo o que está errado no sistema político brasileiro - e, assim, o profeta do apocalipse político-partidário. Menos.
Pode haver explicação mais prosaica para o fiasco de Dilma na Câmara. Levantamento de Daniel Bramatti e Diego Rabatone, do Estadão Dados, mostra que o governo Dilma já assinou 12 mil convênios vinculados a emendas parlamentares. Com isso, a presidente gastou a bagatela de R$ 1,380 bilhão do meu, do seu, do nosso nas bases eleitorais dos nobres deputados e senadores.
Recebem congressistas de todas as legendas (oposição também), mas emplacam proporcionalmente mais os parlamentares das siglas que apenas alugam seus votos ao governo, como PP, PR e PTB. Os partidos casados com o governo no civil e no religioso, como PT e PMDB, têm uma média por parlamentar um pouco menor - mas, obviamente, superior ao que recebem os oposicionistas.
É assim que as coisas funcionam para manter o Congresso feliz, e o apoio ao governo na faixa dos 75% de votos ou mais. Desde sempre. Quem chora mais, pode mais. E por que a crise agora? Aparentemente, o desembolso dos recursos para os convênios perdeu ritmo em 2013. Os que foram assinados este ano receberam menos de R$ 1 milhão, contra R$ 230 milhões dos de 2012.
Cabalisticamente, os anos ímpares são pródigos nas liberações de verbas de interesse dos parlamentares. É na véspera dos anos eleitorais, sem o constrangimento da legislação que aparenta impedir o toma lá dá cá, que as torneiras federais costumam jorrar dinheiro para os convênios e emendas dos deputados. Entupimentos em anos ímpares são mais graves, portanto.
Assim, se Dilma achar logo um bom encanador para redobrar o fluxo de recursos para os convênios de interesse dos representantes do eleitor, é possível que a crise de articulação parlamentar desapareça tão rapidamente quanto surgiu. Ou não.
Há sinais insistentes de que a popularidade presidencial bateu no teto. Se assim for, Dilma pode se ver à beira de uma curva declinante na opinião pública. Aliados de ocasião, como o PSD de Afif e Gilberto Kassab, põem um pé na sua canoa, mas deixam o outro no barco tucano - para o caso de precisarem dar meia-volta.
Dilma e o PSDB aceitam porque dependem dos minutos de propaganda na TV que os rentistas político-partidários alugam a quem pagar mais e representar a melhor perspectiva de poder. Simples assim.
Juro real zero - FABIO GIAMBIAGI
O GLOBO - 13/05
A leitura de Schopenhauer é sempre uma boa ajuda para quem pretende adentrar no terreno da retórica, para encarar a batalha das ideias através do exercício da controvérsia. Entre as suas máximas imperdíveis, em "Como vencer um debate sem precisar ter razão", ele prega a tática de recorrer a um discurso incompreensível, para "desconcertar e aturdir o adversário com um caudal de palavras sem sentido".
Algo assim ocorreu no Brasil durante anos com o debate sobre o tema dos juros. Criticar o setor financeiro não é exclusividade brasileira, e as raízes dessa crítica envolvem muitas vezes um forte conteúdo moral. Basta lembrar as palavras de Lutero em "Os senhores da Igreja": "Quem extrai, rouba e furta o alimento de outro é realmente um homicida, como quem mata uma pessoa de fome ou a arruína por completo. É o que faz o usurário. Entretanto, senta-se tranquilamente em sua poltrona quando, com justiça, deveria estar suspenso na forca e ser devorado por tantos corvos quanto fossem os florins por ele roubados, supondo que tenha carne suficiente para que tamanha multidão de corvos pudesse perfurá-lo e reparti-lo entre si... Não há sobre a Terra maior inimigo do ser humano, depois do demônio, do que um avarento sugador de dinheiro... Um usurário, obcecado por seu dinheiro, deseja que todo mundo pereça de fome e sede, miséria e necessidade." E essas palavras foram escritas em 1524! Vale a menção apenas para lembrar que a crítica aos juros não é monopólio nosso.
A ideia de que os juros são apropriados exclusivamente pelos bancos, porém, deixa de considerar o fato de que, no que se refere ao grosso dos ativos financeiros do país, eles são apenas intermediários entre o governo que vende títulos e o cidadão que constituiu uma certa poupança ao longo da vida. É inquestionável que os juros dos primeiros 15 anos da estabilização foram muito elevados e que a prevalência de taxas de juros naqueles níveis até o começo do governo Dilma era uma anomalia que era preciso atacar. Ao mesmo tempo, porém, é preciso considerar que, se o Brasil tem um sistema financeiro relativamente desenvolvido, é porque no país existe a confiança de que o dinheiro deixado no banco renderá algo em termos reais, premiando o ato de poupança e evitando que o cidadão busque outras formas de fazer render o seu dinheiro. O contraste entre essa realidade de país estável - construída ao longo de anos - e as estripulias adotadas em outros países da América Latina - um paradigma mundial de intervencionismo - explicam por que aqui poupa-se para ter uma renda segura na aposentadoria e faz-se isso em R$, enquanto em outros países o sistema de seguridade social está em frangalhos, a aposentadoria complementar acabou nas mãos do governo, e o mecanismo tradicional da poupança é o dólar.
É verdade que os juros desabaram nos últimos anos no mundo inteiro, e portanto o nosso Banco Central (BC) teria que ser parte desse movimento, sob riscos de atrair o que a presidente Dilma qualificou de uma "tsunami monetária" de capital especulativo para o país, mas é preciso atentar para dois fatos. O primeiro é que, com Selic de 7,5%, uma aplicação que renda 95 % do CDI (normal para o tipo de aplicação da classe média) gera um retorno mensal nominal de 0,57 %. Se a isso aplicarmos uma alíquota de Imposto de Renda de 20% - incidente sobre aplicações de 6 a 12 meses -, teremos um rendimento anual de 5,6%, próximo do que se espera que seja a inflação este ano. O juro real, nesse caso, é zero - com risco de ser negativo.
O segundo fato a ressaltar é que a inflação no Brasil cedeu em 2012, mas caiu também em boa parte do mundo. Nossa inflação não apenas é maior que a dos EUA ou da Alemanha, mas ultrapassa a do Chile, da Colômbia, do México, do Peru, da Coreia, da China e da Rússia, para citar só alguns casos.
Hugo Moyano, o secretário-geral da CGT argentina em 2010, disse naquele ano em um programa de rádio que "un poquito de inflación no es malo para un país". Foi com base em atitudes desse tipo que a Argentina e a Venezuela tornaram-se líderes mundiais em matéria de inflação. Nós temos que evitar isso. É razoável que o BC tenha reduzido os juros em 2012, mas, com a inflação pressionada, é preciso entender que eles precisam aumentar.
Algo assim ocorreu no Brasil durante anos com o debate sobre o tema dos juros. Criticar o setor financeiro não é exclusividade brasileira, e as raízes dessa crítica envolvem muitas vezes um forte conteúdo moral. Basta lembrar as palavras de Lutero em "Os senhores da Igreja": "Quem extrai, rouba e furta o alimento de outro é realmente um homicida, como quem mata uma pessoa de fome ou a arruína por completo. É o que faz o usurário. Entretanto, senta-se tranquilamente em sua poltrona quando, com justiça, deveria estar suspenso na forca e ser devorado por tantos corvos quanto fossem os florins por ele roubados, supondo que tenha carne suficiente para que tamanha multidão de corvos pudesse perfurá-lo e reparti-lo entre si... Não há sobre a Terra maior inimigo do ser humano, depois do demônio, do que um avarento sugador de dinheiro... Um usurário, obcecado por seu dinheiro, deseja que todo mundo pereça de fome e sede, miséria e necessidade." E essas palavras foram escritas em 1524! Vale a menção apenas para lembrar que a crítica aos juros não é monopólio nosso.
A ideia de que os juros são apropriados exclusivamente pelos bancos, porém, deixa de considerar o fato de que, no que se refere ao grosso dos ativos financeiros do país, eles são apenas intermediários entre o governo que vende títulos e o cidadão que constituiu uma certa poupança ao longo da vida. É inquestionável que os juros dos primeiros 15 anos da estabilização foram muito elevados e que a prevalência de taxas de juros naqueles níveis até o começo do governo Dilma era uma anomalia que era preciso atacar. Ao mesmo tempo, porém, é preciso considerar que, se o Brasil tem um sistema financeiro relativamente desenvolvido, é porque no país existe a confiança de que o dinheiro deixado no banco renderá algo em termos reais, premiando o ato de poupança e evitando que o cidadão busque outras formas de fazer render o seu dinheiro. O contraste entre essa realidade de país estável - construída ao longo de anos - e as estripulias adotadas em outros países da América Latina - um paradigma mundial de intervencionismo - explicam por que aqui poupa-se para ter uma renda segura na aposentadoria e faz-se isso em R$, enquanto em outros países o sistema de seguridade social está em frangalhos, a aposentadoria complementar acabou nas mãos do governo, e o mecanismo tradicional da poupança é o dólar.
É verdade que os juros desabaram nos últimos anos no mundo inteiro, e portanto o nosso Banco Central (BC) teria que ser parte desse movimento, sob riscos de atrair o que a presidente Dilma qualificou de uma "tsunami monetária" de capital especulativo para o país, mas é preciso atentar para dois fatos. O primeiro é que, com Selic de 7,5%, uma aplicação que renda 95 % do CDI (normal para o tipo de aplicação da classe média) gera um retorno mensal nominal de 0,57 %. Se a isso aplicarmos uma alíquota de Imposto de Renda de 20% - incidente sobre aplicações de 6 a 12 meses -, teremos um rendimento anual de 5,6%, próximo do que se espera que seja a inflação este ano. O juro real, nesse caso, é zero - com risco de ser negativo.
O segundo fato a ressaltar é que a inflação no Brasil cedeu em 2012, mas caiu também em boa parte do mundo. Nossa inflação não apenas é maior que a dos EUA ou da Alemanha, mas ultrapassa a do Chile, da Colômbia, do México, do Peru, da Coreia, da China e da Rússia, para citar só alguns casos.
Hugo Moyano, o secretário-geral da CGT argentina em 2010, disse naquele ano em um programa de rádio que "un poquito de inflación no es malo para un país". Foi com base em atitudes desse tipo que a Argentina e a Venezuela tornaram-se líderes mundiais em matéria de inflação. Nós temos que evitar isso. É razoável que o BC tenha reduzido os juros em 2012, mas, com a inflação pressionada, é preciso entender que eles precisam aumentar.
Capitalismo à brasileira - CLAUDIO ADILSON GONÇALVEZ
ESTADÃO - 13/05
Quem são os maiores inimigos do capitalismo? Se o leitor pensou nos comunistas, está enganado. Pode parecer paradoxal, mas a resposta correta é: os capitalistas. Pelo menos essa é a opinião - que endosso integralmente - dos respeitados economistas Raghuram G. Rajan e Luigi Zingales, que, em 2003, escreveram o primoroso livro Saving capitalism from the capitalists (Salvando o capitalismo dos capitalistas, na tradução, em 2004, para o português).
Os retumbantes fracassos das experiências históricas de substituição da economia de mercado pela propriedade estatal dos meios de produção acabaram de vez com a possibilidade de proliferação do comunismo no mundo contemporâneo. Tal regime se restringe, hoje, aos Estados totalitários de Cuba e da Coreia do Norte.
Mas, como mostram Rajan e Zingales, a verdadeira ameaça ao livre mercado está no poder político adquirido por grandes corporações que influenciam as decisões governamentais para seu próprio benefício. Os capitalistas são ardorosos defensores da livre concorrência e da abertura dos mercados enquanto ainda não se estabeleceram. Uma vez dentro do jogo, são ávidos por políticas protecionistas, barreiras à entrada de concorrentes, juros subsidiados e muitos outros favores concedidos à custa da população em geral.
Apesar de seus muitos defeitos, a economia de mercado, que só pode operar com sucesso em regimes democráticos, é talvez a instituição econômica mais salutar que a humanidade concebeu. Mercados verdadeiramente competitivos beneficiam o consumidor em termos de qualidade e menores preços dos bens e serviços. Além disso, favorecem o empreendedorismo, desde que o país seja dotado de sistema financeiro eficiente que, por meio do crédito, transforme novas ideias em empresas inovadoras e produtivas.
No entanto, a crença nos mercados perfeitos, com a mão invisível sempre propiciando o máximo bem-estar econômico, também é utópica. A economia de mercado não pode prescindir da mão visível do governo. Para evitar subinvestimento, os recursos públicos podem e devem apoiar atividades nas quais o sistema de preços, em virtude das chamadas falhas de mercado, não conduz à alocação eficiente de recursos. Estamos falando de atividades tais como educação básica, pesquisa e desenvolvimento científico, transportes coletivos urbanos, saúde, especialmente a preventiva, saneamento básico, entre outras. Nessas áreas, há nítidos benefícios sociais cujo valor econômico não é possível de ser incorporado aos preços de mercado para remunerar o investidor.
Mas não é só para sanar as falhas de mercado que o governo precisa atuar. Os mercados não podem vicejar sem que o poder público fortaleça as instituições que garantam o seu funcionamento livre e seguro. É preciso uma legislação clara que defina o direito de propriedade e o respeito absoluto aos contratos, Poder Judiciário probo e eficiente e agências reguladoras independentes e atuantes, para impedir principalmente abusos em atividades econômicas caracterizadas por monopólios ou oligopólios naturais (energia, telecomunicações, aviação civil, entre outras).
Além disso, quanto mais se evitar que o controle dos meios de produção se concentre em poucas mãos e assegurar que os que os controlam o façam com respeito ao interesse dos cidadãos (regulação adequada, leis de defesa da concorrência e órgãos que assegurem o seu cumprimento) e quanto maior for o grau de abertura da economia para o exterior, menor será o risco de o poder econômico dominar também o poder político.
Ademais, e acima de tudo, é preciso impedir que interesses privados organizados controlem as decisões governamentais em detrimento do interesse público. Quando o governo interfere demasiadamente na economia, mantém sob sua responsabilidade atividades que podem ser mais bem desempenhadas pelo setor privado e distribui de forma arbitrária privilégios e benefícios com recursos dos contribuintes, o resultado é a criação, no seio do setor público, do balcão de negócios. É o capitalismo de Estado, que, no limite, destruirá o livre mercado e privará a sociedade de todos os benefícios que o mesmo poderia propiciar.
Mas como a atual política econômica brasileira se posiciona em relação a esses princípios que estamos enunciando? Parece claro que a ação governamental caminha em sentido oposto a tudo o que defendemos aqui e isso suscita preocupações.
O grau de intervenção do governo na economia chega a ser assustador. Controlam-se de forma arbitrária os preços dos combustíveis e da energia elétrica, sem nenhuma preocupação com a saúde financeira das empresas que exploram tais atividades. Impõem-se exigências de conteúdo nacional mínimo para fornecedores de plataformas e equipamentos para exploração de petróleo e gás, pouco importando se a indústria brasileira está capacitada ou não para atender à demanda em condições adequadas de qualidade, preço e prazo de entrega. Desonerações tributárias são concedidas ou retiradas na medida em que os estoques aumentam ou diminuem em determinados setores de atividade, especialmente bens duráveis como veículos e eletrodomésticos. Ou pior: tais desonerações são utilizadas equivocadamente como política anti-inflacionária, como argumentei em meu último artigo neste espaço.
Na mesma linha, o governo vem diminuindo o grau de abertura da economia, com medidas protecionistas que acabam prejudicando a própria indústria nacional, pois dificultam seu acesso a bens de capital e a matérias-primas importadas de melhor qualidade e custo mais baixo.
Hoje é difícil encontrar um setor importante da atividade econômica do País que não tenha recebido alguma intervenção arbitrária do governo ou que não tem sido ameaçado de vir a recebê-la. Os exemplos mais contundentes são petróleo, energia elétrica, mineração e setor financeiro. Como esperar a retomada do investimento nesse ambiente de tamanha incerteza?
Enfim, o capitalismo brasileiro precisa aprender a respeitar a economia de livre mercado.
Quem são os maiores inimigos do capitalismo? Se o leitor pensou nos comunistas, está enganado. Pode parecer paradoxal, mas a resposta correta é: os capitalistas. Pelo menos essa é a opinião - que endosso integralmente - dos respeitados economistas Raghuram G. Rajan e Luigi Zingales, que, em 2003, escreveram o primoroso livro Saving capitalism from the capitalists (Salvando o capitalismo dos capitalistas, na tradução, em 2004, para o português).
Os retumbantes fracassos das experiências históricas de substituição da economia de mercado pela propriedade estatal dos meios de produção acabaram de vez com a possibilidade de proliferação do comunismo no mundo contemporâneo. Tal regime se restringe, hoje, aos Estados totalitários de Cuba e da Coreia do Norte.
Mas, como mostram Rajan e Zingales, a verdadeira ameaça ao livre mercado está no poder político adquirido por grandes corporações que influenciam as decisões governamentais para seu próprio benefício. Os capitalistas são ardorosos defensores da livre concorrência e da abertura dos mercados enquanto ainda não se estabeleceram. Uma vez dentro do jogo, são ávidos por políticas protecionistas, barreiras à entrada de concorrentes, juros subsidiados e muitos outros favores concedidos à custa da população em geral.
Apesar de seus muitos defeitos, a economia de mercado, que só pode operar com sucesso em regimes democráticos, é talvez a instituição econômica mais salutar que a humanidade concebeu. Mercados verdadeiramente competitivos beneficiam o consumidor em termos de qualidade e menores preços dos bens e serviços. Além disso, favorecem o empreendedorismo, desde que o país seja dotado de sistema financeiro eficiente que, por meio do crédito, transforme novas ideias em empresas inovadoras e produtivas.
No entanto, a crença nos mercados perfeitos, com a mão invisível sempre propiciando o máximo bem-estar econômico, também é utópica. A economia de mercado não pode prescindir da mão visível do governo. Para evitar subinvestimento, os recursos públicos podem e devem apoiar atividades nas quais o sistema de preços, em virtude das chamadas falhas de mercado, não conduz à alocação eficiente de recursos. Estamos falando de atividades tais como educação básica, pesquisa e desenvolvimento científico, transportes coletivos urbanos, saúde, especialmente a preventiva, saneamento básico, entre outras. Nessas áreas, há nítidos benefícios sociais cujo valor econômico não é possível de ser incorporado aos preços de mercado para remunerar o investidor.
Mas não é só para sanar as falhas de mercado que o governo precisa atuar. Os mercados não podem vicejar sem que o poder público fortaleça as instituições que garantam o seu funcionamento livre e seguro. É preciso uma legislação clara que defina o direito de propriedade e o respeito absoluto aos contratos, Poder Judiciário probo e eficiente e agências reguladoras independentes e atuantes, para impedir principalmente abusos em atividades econômicas caracterizadas por monopólios ou oligopólios naturais (energia, telecomunicações, aviação civil, entre outras).
Além disso, quanto mais se evitar que o controle dos meios de produção se concentre em poucas mãos e assegurar que os que os controlam o façam com respeito ao interesse dos cidadãos (regulação adequada, leis de defesa da concorrência e órgãos que assegurem o seu cumprimento) e quanto maior for o grau de abertura da economia para o exterior, menor será o risco de o poder econômico dominar também o poder político.
Ademais, e acima de tudo, é preciso impedir que interesses privados organizados controlem as decisões governamentais em detrimento do interesse público. Quando o governo interfere demasiadamente na economia, mantém sob sua responsabilidade atividades que podem ser mais bem desempenhadas pelo setor privado e distribui de forma arbitrária privilégios e benefícios com recursos dos contribuintes, o resultado é a criação, no seio do setor público, do balcão de negócios. É o capitalismo de Estado, que, no limite, destruirá o livre mercado e privará a sociedade de todos os benefícios que o mesmo poderia propiciar.
Mas como a atual política econômica brasileira se posiciona em relação a esses princípios que estamos enunciando? Parece claro que a ação governamental caminha em sentido oposto a tudo o que defendemos aqui e isso suscita preocupações.
O grau de intervenção do governo na economia chega a ser assustador. Controlam-se de forma arbitrária os preços dos combustíveis e da energia elétrica, sem nenhuma preocupação com a saúde financeira das empresas que exploram tais atividades. Impõem-se exigências de conteúdo nacional mínimo para fornecedores de plataformas e equipamentos para exploração de petróleo e gás, pouco importando se a indústria brasileira está capacitada ou não para atender à demanda em condições adequadas de qualidade, preço e prazo de entrega. Desonerações tributárias são concedidas ou retiradas na medida em que os estoques aumentam ou diminuem em determinados setores de atividade, especialmente bens duráveis como veículos e eletrodomésticos. Ou pior: tais desonerações são utilizadas equivocadamente como política anti-inflacionária, como argumentei em meu último artigo neste espaço.
Na mesma linha, o governo vem diminuindo o grau de abertura da economia, com medidas protecionistas que acabam prejudicando a própria indústria nacional, pois dificultam seu acesso a bens de capital e a matérias-primas importadas de melhor qualidade e custo mais baixo.
Hoje é difícil encontrar um setor importante da atividade econômica do País que não tenha recebido alguma intervenção arbitrária do governo ou que não tem sido ameaçado de vir a recebê-la. Os exemplos mais contundentes são petróleo, energia elétrica, mineração e setor financeiro. Como esperar a retomada do investimento nesse ambiente de tamanha incerteza?
Enfim, o capitalismo brasileiro precisa aprender a respeitar a economia de livre mercado.
A ameaça do desarranjo fiscal - RAUL VELLOSO
O GLOBO - 13/05
Passados nove meses desde o anúncio do grande pacote que corresponde à terceira fase do programa federal de concessões rodoviárias, e após inúmeras reuniões com representantes do setor privado, o governo finalmente anunciou que adotaria a taxa interna de retorno (TIR) de 7,2% ao ano para os empreendimentos ainda não licitados. Essa taxa serve, basicamente, para calcular a tarifa máxima que aceitará considerar nas propostas. Vencerá aquele que oferecer a menor tarifa abaixo desse limite superior. Antes, vinha batendo o pé na incompreensível marca de 5,5% ao ano, quando se deu conta de que o leilão da BR-040 (Juiz de Fora-Brasília), entre outros, fracassaria por falta de candidatos.
Agora o programa finalmente deslancha? Houve, sem dúvida, importante avanço no processo. Só que, segundo noticiado após a entrevista oficial, empresas da área esperavam algo entre 8 e 10% ao ano, como taxa mínima para cobrir o alto risco desse tipo de negócio.
Vê-se que o governo continua brincando com fogo nesse assunto e noutros correlatos. Conforme demonstrei com parceiros em livro lançado no Fórum Nacional Especial de setembro de 2012 (o PDF deste pode ser solicitado pelo e-mail: raul_velloso@uol.com.br), investir em infraestrutura é a principal saída para, literalmente, tirar o país do buraco. E a única saída é recorrer às concessões privadas, já que o Estado tem espaço zero para gastar em infraestrutura. São décadas de investimento pífio e total descaso com a área, a ponto de o Brasil aparecer muito atrás na recente classificação de qualidade de meios de transporte, que vale a pena detalhar.
Segundo noticiado pelo "Financial Times" em 1º de abril, estudo do World Economic Forum classificou o Brasil, numa amostra de 144 países, em que quanto mais alto pior, como o 107º mais mal avaliado, para o conjunto dos modais de transporte. Qualquer brasileiro que vai ao exterior fica envergonhado quando compara nossa precária infraestrutura com as dos demais e percebe um dos fatores básicos que explicam, junto com a elevadíssima carga tributária, a nossa ridícula posição no ranking mundial de competitividade. Por modal, a classificação ficou assim: Brasil - rodovias: 123; ferrovias, 100; portos, 135; aeroportos, 134. Enquanto isso, para a China os números análogos seriam, respectivamente, 54, 22, 59 e 70. A média, lá, deu 69. Chocante a diferença...
Meus críticos dizem que o problema reside na escolha que a classe política fez no Brasil de concentrar os gastos públicos em previdência, pessoal e transferências, para resgatar a dívida social. Muito se tem feito nessa área, sem dúvida, mas o único programa federal que realmente é imune a maiores críticas é o Bolsa Família, criado originalmente pelo senador Cristovam Buarque, de Brasília, e que ocupa apenas 2,6% do gasto total. Enquanto isso, o investimento, mesmo inchado pela equivocada inclusão dos subsídios ao Minha Casa Minha Vida, não chega a 6% do total.
Volto amanhã ao Fórum Nacional (edição de maio) para bater nessa tecla e mostrar por que é arriscado investir num país, como o nosso, que acabou de pular uma gigantesca fogueira ao praticamente equacionar o problema de insolvência pública, mas começa a trilhar o caminho de volta ao desarranjo fiscal e à perspectiva de taxas pífias de crescimento econômico. Parece estar se inspirando nos deploráveis exemplos de Argentina e Venezuela, sem falar em outros de menor peso no continente.
Disponibilizarei o texto que escrevi com Paulo Freitas, Marcelo Caetano e José Oswaldo Rodrigues no mesmo endereço eletrônico acima, mas aproveito para chamar a atenção para o principal resultado do estudo. Se não fizermos reformas urgentes, a manutenção das tendências atuais (regras legais, procedimentos etc.) na presença das projeções demográficas catastróficas que estão à nossa frente, os gastos federais com previdência, pessoal e assistência social, que hoje abocanham 75% do total, mais do que dobrarão em 2040, quando medidos em porcentagem do PIB.
Mesmo elaboradas com modelos rigorosos, projeções dependem obviamente das hipóteses. Tudo isso pode ser checado no trabalho. Além de mostrar os números em si, o texto lista propostas detalhadas de reformas nas três áreas, para equacionar o problema. Aqui é fundamental lembrar que tudo leva tempo, e que as medidas precisam ser adotadas hoje para ter efeito muitos anos depois.
Nesses termos, é chocante observar a hesitação do governo em temas correlatos, como o das concessões de infraestrutura. Como, diante de quadro tão dramático, prender-se a picuinhas como a de exigir uma taxa de retorno que pareça implicar tarifas irrealisticamente baixas, só para colher os dividendos políticos a elas associados?
Outra evidência da necessidade imperiosa de mudar de atitude é o dramático engarrafamento de trânsito que se verifica hoje no país, especialmente em estradas e portos, que impede o escoamento da safra recorde de grãos, que não temos as menores condições de escoar. De nada adianta transferir tantos recursos a pessoas no Orçamento público se não formos capazes de evitar que toneladas de milho e soja apodreçam ao ar livre nas áreas de produção ou nos engarrafamentos.
Agora o programa finalmente deslancha? Houve, sem dúvida, importante avanço no processo. Só que, segundo noticiado após a entrevista oficial, empresas da área esperavam algo entre 8 e 10% ao ano, como taxa mínima para cobrir o alto risco desse tipo de negócio.
Vê-se que o governo continua brincando com fogo nesse assunto e noutros correlatos. Conforme demonstrei com parceiros em livro lançado no Fórum Nacional Especial de setembro de 2012 (o PDF deste pode ser solicitado pelo e-mail: raul_velloso@uol.com.br), investir em infraestrutura é a principal saída para, literalmente, tirar o país do buraco. E a única saída é recorrer às concessões privadas, já que o Estado tem espaço zero para gastar em infraestrutura. São décadas de investimento pífio e total descaso com a área, a ponto de o Brasil aparecer muito atrás na recente classificação de qualidade de meios de transporte, que vale a pena detalhar.
Segundo noticiado pelo "Financial Times" em 1º de abril, estudo do World Economic Forum classificou o Brasil, numa amostra de 144 países, em que quanto mais alto pior, como o 107º mais mal avaliado, para o conjunto dos modais de transporte. Qualquer brasileiro que vai ao exterior fica envergonhado quando compara nossa precária infraestrutura com as dos demais e percebe um dos fatores básicos que explicam, junto com a elevadíssima carga tributária, a nossa ridícula posição no ranking mundial de competitividade. Por modal, a classificação ficou assim: Brasil - rodovias: 123; ferrovias, 100; portos, 135; aeroportos, 134. Enquanto isso, para a China os números análogos seriam, respectivamente, 54, 22, 59 e 70. A média, lá, deu 69. Chocante a diferença...
Meus críticos dizem que o problema reside na escolha que a classe política fez no Brasil de concentrar os gastos públicos em previdência, pessoal e transferências, para resgatar a dívida social. Muito se tem feito nessa área, sem dúvida, mas o único programa federal que realmente é imune a maiores críticas é o Bolsa Família, criado originalmente pelo senador Cristovam Buarque, de Brasília, e que ocupa apenas 2,6% do gasto total. Enquanto isso, o investimento, mesmo inchado pela equivocada inclusão dos subsídios ao Minha Casa Minha Vida, não chega a 6% do total.
Volto amanhã ao Fórum Nacional (edição de maio) para bater nessa tecla e mostrar por que é arriscado investir num país, como o nosso, que acabou de pular uma gigantesca fogueira ao praticamente equacionar o problema de insolvência pública, mas começa a trilhar o caminho de volta ao desarranjo fiscal e à perspectiva de taxas pífias de crescimento econômico. Parece estar se inspirando nos deploráveis exemplos de Argentina e Venezuela, sem falar em outros de menor peso no continente.
Disponibilizarei o texto que escrevi com Paulo Freitas, Marcelo Caetano e José Oswaldo Rodrigues no mesmo endereço eletrônico acima, mas aproveito para chamar a atenção para o principal resultado do estudo. Se não fizermos reformas urgentes, a manutenção das tendências atuais (regras legais, procedimentos etc.) na presença das projeções demográficas catastróficas que estão à nossa frente, os gastos federais com previdência, pessoal e assistência social, que hoje abocanham 75% do total, mais do que dobrarão em 2040, quando medidos em porcentagem do PIB.
Mesmo elaboradas com modelos rigorosos, projeções dependem obviamente das hipóteses. Tudo isso pode ser checado no trabalho. Além de mostrar os números em si, o texto lista propostas detalhadas de reformas nas três áreas, para equacionar o problema. Aqui é fundamental lembrar que tudo leva tempo, e que as medidas precisam ser adotadas hoje para ter efeito muitos anos depois.
Nesses termos, é chocante observar a hesitação do governo em temas correlatos, como o das concessões de infraestrutura. Como, diante de quadro tão dramático, prender-se a picuinhas como a de exigir uma taxa de retorno que pareça implicar tarifas irrealisticamente baixas, só para colher os dividendos políticos a elas associados?
Outra evidência da necessidade imperiosa de mudar de atitude é o dramático engarrafamento de trânsito que se verifica hoje no país, especialmente em estradas e portos, que impede o escoamento da safra recorde de grãos, que não temos as menores condições de escoar. De nada adianta transferir tantos recursos a pessoas no Orçamento público se não formos capazes de evitar que toneladas de milho e soja apodreçam ao ar livre nas áreas de produção ou nos engarrafamentos.
2015 - VINICIUS MOTA
FOLHA DE SP - 13/05
SÃO PAULO - A dinâmica da etapa hiperfinanceira do capitalismo global, que entra na sua quarta década de vigência, tem produzido crises periódicas e violentas. Brasil e México foram vítimas da primeira onda, no início da década de 1980.
A economia mexicana seria atingida de novo mais de dez anos depois. Seguiram-se abalos no sudeste da Ásia, na Rússia e, já no raiar do século 21, na Argentina.
A afluência chinesa produziu um curto período de graça, interrompido no final de 2008 pelo choque nos Estados Unidos e na Europa.
Ao longo desse ciclo, resolver uma crise significou plantar as sementes de outra no futuro. A conversão das dívidas habitacionais das famílias americanas em títulos, capazes de originar outros papéis negociáveis no circuito da finança global, tirou o país da letargia nos anos 80. Mas foi a base da derrocada décadas depois.
Uma das consequências prováveis do modo como a crise atual está sendo resolvida será um abalo, cedo ou tarde, nas chamadas economias emergentes. A valorização de preços associados a nações como o Brasil dá mostras de ter esbarrado em limites sólidos.
O avanço das commodities metálicas, energéticas e agrícolas se dissipa na forma de inflação, que acomete brasileiros, chineses e quase todos os povos emergentes de maneira semelhante. Nessas nações, o preço dos imóveis galopou, numa onda mais ou menos sincrônica.
Desacelera-se o motor chinês, que, em conjunto com os juros nulos e os deficit monumentais dos ricos, sustenta a estabilidade modorrenta neste pós-crise. Não está à vista abalo no curto prazo, mas a piora constante de indicadores já ficou difícil de reverter. Um ajuste brusco de contas pode estar encubado até 2015.
Em vez de aumentar suas defesas para uma provável tempestade, o Brasil está se tornando mais vulnerável nas finanças.
Conhecemos esse filme.
SÃO PAULO - A dinâmica da etapa hiperfinanceira do capitalismo global, que entra na sua quarta década de vigência, tem produzido crises periódicas e violentas. Brasil e México foram vítimas da primeira onda, no início da década de 1980.
A economia mexicana seria atingida de novo mais de dez anos depois. Seguiram-se abalos no sudeste da Ásia, na Rússia e, já no raiar do século 21, na Argentina.
A afluência chinesa produziu um curto período de graça, interrompido no final de 2008 pelo choque nos Estados Unidos e na Europa.
Ao longo desse ciclo, resolver uma crise significou plantar as sementes de outra no futuro. A conversão das dívidas habitacionais das famílias americanas em títulos, capazes de originar outros papéis negociáveis no circuito da finança global, tirou o país da letargia nos anos 80. Mas foi a base da derrocada décadas depois.
Uma das consequências prováveis do modo como a crise atual está sendo resolvida será um abalo, cedo ou tarde, nas chamadas economias emergentes. A valorização de preços associados a nações como o Brasil dá mostras de ter esbarrado em limites sólidos.
O avanço das commodities metálicas, energéticas e agrícolas se dissipa na forma de inflação, que acomete brasileiros, chineses e quase todos os povos emergentes de maneira semelhante. Nessas nações, o preço dos imóveis galopou, numa onda mais ou menos sincrônica.
Desacelera-se o motor chinês, que, em conjunto com os juros nulos e os deficit monumentais dos ricos, sustenta a estabilidade modorrenta neste pós-crise. Não está à vista abalo no curto prazo, mas a piora constante de indicadores já ficou difícil de reverter. Um ajuste brusco de contas pode estar encubado até 2015.
Em vez de aumentar suas defesas para uma provável tempestade, o Brasil está se tornando mais vulnerável nas finanças.
Conhecemos esse filme.
As teses de cada um - DENISE ROTHENBURG
CORREIO BRAZILIENSE - 13/05
Nos bastidores, há quem diga que esse enfrentamento entre a base e Dilma é para ver se o PT troca a atual presidente por Lula na campanha de 2014
Nos próximos dias, o mundo da política poderá averiguar as suspeitas de muitos integrantes da base diante da queda de braço entre governo e partidos. A primeira delas é a de que tudo o que tem sido feito pelos aliados no sentido de impor dissabores ao governo tem o objetivo de deixar claro ao PT que não é com Dilma Rousseff que grande parte das agremiações governistas deseja seguir em 2014. Portanto, estaria na hora de deixá-la constrangida, ao ponto de “pedir para sair”.
Os políticos veem Dilma como quem cumpre uma missão e não tem essa vaidade de concorrer a mais um mandato. Para completar, ela não tem o jeitão de Lula, tão afável que fazia o jogo do PT e os aliados ficavam sorrindo, achando que o então presidente funcionava como um meio-campo, distribuindo jogo para os todos os partidos. Dilma, na avaliação de muitos, não faz nem o jogo do PT nem o dos demais agregados ao governo. Daí, a ideia de balançar a árvore para ver se ela despenca diante da paralisia nas votações.
O programa que os petistas levaram ao ar na semana passada deixa claro que o nome é Dilma, mas sabe como é político. Quando deseja corroborar a própria tese, tudo vira desculpa. Nesse sentido, o fato de o marqueteiro João Santana ter colocado Dilma e Lula num jogral em que os dois quase se fundiam ajudou a reforçar a tese de que a candidatura de Dilma ainda balança nas hostes do partido. Isso porque, ao colocar um e outro no mesmo patamar, os petistas abrem a hipótese de seguir com Lula logo ali, apesar de o próprio ex-presidente ter dito com todas as letras que Dilma é o nome do partido para daqui a um ano.
O “volta, Lula” que soa nos bastidores tem a vantagem política de fazer retrair a pré-campanha do presidente do PSB, Eduardo Campos, e acalmar os ânimos dos que desejam seguir com ele, mas não é tão fácil assim como pensam alguns. Afinal, Dilma tem uma popularidade estrondosa. Maior que a do próprio Lula, conforme apontam as pesquisas. Hoje, ela agrega fatias do eleitorado que o PT ainda não havia alcançado. Logo, tirar dela a possibilidade de concorrer a um segundo mandato não é tarefa simples.
Além disso, há outros problemas. Dilma foi chamada em 2005 para a Casa Civil e acabou virando candidata porque estava completamente fora do chamado mensalão. A imagem da presidente é considerada sinônimo de credibilidade, sem máculas do ponto de vista ético. Lula, embora seja sinônimo de voto certo, teria que passar a campanha dando explicações sobre tudo aquilo que tentam lhe imputar ao longo dos últimos oito anos — temas que vão desde o mensalão até o caso envolvendo a ex-chefe do escritório da Presidência da República em São Paulo Rosemary Noronha.
Cabe ao PT decidir se prossegue com Dilma ou opta por Lula, o ex-presidente que, conforme asseguram os mais fiéis escudeiros, não pretende disputar um terceiro mandato nessas condições de que “afastou” Dilma. A emenda, obviamente, corre o risco de sair pior do que o soneto. Mas é certo que ele voltará à cena de forma mais intensa ao longo dos próximos dias. Nem que seja para acalmar os afoitos.
Enquanto isso, no meio diplomático...
Os diplomatas começam a achar que o Brasil tem um “copresidente”. É assim que muitos deles se referem ao antecessor de Dilma. Essa visão foi reforçada depois que os brasileiros cancelaram a visita do presidente do Egito, Mouhamed Mursi, ao Congresso Nacional. Tudo para não deixar Lula esperando. É... Depois o PT quer que todos acreditem na recandidatura de Dilma, sem retorno algum.
E no Congresso Nacional...
A aposta dos partidos é a de que hoje não se vota a Medida Provisória dos Portos. Tudo para a MP cair. No foco, ainda a crise entre Eduardo Cunha e Anthony Garotinho. O Dia das Mães ontem deu uma pausa, mas hoje volta a guerra. E Dilma que tente dormir com um barulho desses...
Nos bastidores, há quem diga que esse enfrentamento entre a base e Dilma é para ver se o PT troca a atual presidente por Lula na campanha de 2014
Nos próximos dias, o mundo da política poderá averiguar as suspeitas de muitos integrantes da base diante da queda de braço entre governo e partidos. A primeira delas é a de que tudo o que tem sido feito pelos aliados no sentido de impor dissabores ao governo tem o objetivo de deixar claro ao PT que não é com Dilma Rousseff que grande parte das agremiações governistas deseja seguir em 2014. Portanto, estaria na hora de deixá-la constrangida, ao ponto de “pedir para sair”.
Os políticos veem Dilma como quem cumpre uma missão e não tem essa vaidade de concorrer a mais um mandato. Para completar, ela não tem o jeitão de Lula, tão afável que fazia o jogo do PT e os aliados ficavam sorrindo, achando que o então presidente funcionava como um meio-campo, distribuindo jogo para os todos os partidos. Dilma, na avaliação de muitos, não faz nem o jogo do PT nem o dos demais agregados ao governo. Daí, a ideia de balançar a árvore para ver se ela despenca diante da paralisia nas votações.
O programa que os petistas levaram ao ar na semana passada deixa claro que o nome é Dilma, mas sabe como é político. Quando deseja corroborar a própria tese, tudo vira desculpa. Nesse sentido, o fato de o marqueteiro João Santana ter colocado Dilma e Lula num jogral em que os dois quase se fundiam ajudou a reforçar a tese de que a candidatura de Dilma ainda balança nas hostes do partido. Isso porque, ao colocar um e outro no mesmo patamar, os petistas abrem a hipótese de seguir com Lula logo ali, apesar de o próprio ex-presidente ter dito com todas as letras que Dilma é o nome do partido para daqui a um ano.
O “volta, Lula” que soa nos bastidores tem a vantagem política de fazer retrair a pré-campanha do presidente do PSB, Eduardo Campos, e acalmar os ânimos dos que desejam seguir com ele, mas não é tão fácil assim como pensam alguns. Afinal, Dilma tem uma popularidade estrondosa. Maior que a do próprio Lula, conforme apontam as pesquisas. Hoje, ela agrega fatias do eleitorado que o PT ainda não havia alcançado. Logo, tirar dela a possibilidade de concorrer a um segundo mandato não é tarefa simples.
Além disso, há outros problemas. Dilma foi chamada em 2005 para a Casa Civil e acabou virando candidata porque estava completamente fora do chamado mensalão. A imagem da presidente é considerada sinônimo de credibilidade, sem máculas do ponto de vista ético. Lula, embora seja sinônimo de voto certo, teria que passar a campanha dando explicações sobre tudo aquilo que tentam lhe imputar ao longo dos últimos oito anos — temas que vão desde o mensalão até o caso envolvendo a ex-chefe do escritório da Presidência da República em São Paulo Rosemary Noronha.
Cabe ao PT decidir se prossegue com Dilma ou opta por Lula, o ex-presidente que, conforme asseguram os mais fiéis escudeiros, não pretende disputar um terceiro mandato nessas condições de que “afastou” Dilma. A emenda, obviamente, corre o risco de sair pior do que o soneto. Mas é certo que ele voltará à cena de forma mais intensa ao longo dos próximos dias. Nem que seja para acalmar os afoitos.
Enquanto isso, no meio diplomático...
Os diplomatas começam a achar que o Brasil tem um “copresidente”. É assim que muitos deles se referem ao antecessor de Dilma. Essa visão foi reforçada depois que os brasileiros cancelaram a visita do presidente do Egito, Mouhamed Mursi, ao Congresso Nacional. Tudo para não deixar Lula esperando. É... Depois o PT quer que todos acreditem na recandidatura de Dilma, sem retorno algum.
E no Congresso Nacional...
A aposta dos partidos é a de que hoje não se vota a Medida Provisória dos Portos. Tudo para a MP cair. No foco, ainda a crise entre Eduardo Cunha e Anthony Garotinho. O Dia das Mães ontem deu uma pausa, mas hoje volta a guerra. E Dilma que tente dormir com um barulho desses...
Fazendo o diabo! - RICARDO NOBLAT
O GLOBO - 13/05
"O bicho vai pegar em 2013"
Gilberto Carvalho, ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República
Se é possível você se opor ao PT durante toda a sua carreira política, tornar-se vice-governador de São Paulo na chapa do governador eleito pelo PSDB, para depois, às vésperas de novas eleições, passar para o lado do PT em troca de um ministério criado de última hora somente para abrigá-lo, tudo o que se faça no seu ramo daqui para a frente deverá ser visto como algo natural. Absolutamente natural.
AFIF DOMINGOS acumula desde a semana passada a função de vice-governador de São Paulo com a de ministro da Secretaria da Micro e Pequena Empresa. Servirá ao mesmo tempo a dois governos comandados por partidos que são ferozes desafetos. Para não ser forçado a assumir o governo de São Paulo caso Geraldo Alckmin viaje ao exterior, Afif será obrigado também a deixar o país. A não ser que assuma.
POR QUE AFIF não renuncia ao cargo de vice-governador? Resposta dele: porque nada o obriga a isso. A vergonha deveria obrigá-lo, mas Afif não a leva em consideração. Seguirá desfrutando as vantagens e benefícios que lhe oferece o cargo de vice-governador? Ou abrirá mão deles em favor das vantagens e benefícios que lhe garantirá o cargo de ministro?
COMO VICE-GOVERNADOR, Afif tem acesso a informações sigilosas sobre São Paulo, o mais rico e poderoso estado do país e joia da coroa da oposição. Quem garante que não as compartilhará com Dilma Rous-
seff, sua nova patroa? Afinal, ela é a presidente da República. Deve ser uma pessoa bem informada. Estão em jogo os superiores interesses do país!
LULA FOI DURAMENTE criticado por ter inventado ministérios e cargos só para distribuí-los com aliados de ocasião. Afirma-se que nenhum presidente loteou mais seu governo do que Lula. Com licença: e Dilma? O que a diferencia de Lula nesse quesito? No seu primeiro ano de governo, Dilma afastou ministros e partidos suspeitos de corrupção. Para se reeleger, chamou-os de volta.
SEM FAZER ALARDE, dedica-se nos últimos meses a tapar todas as brechas por onde possa entrar oxigênio suficiente para fortalecer seus eventuais adversários nas eleições do próximo ano. Ou pelo menos para mantê-los vivos. O PSD de Afif poderá vir a apoiá-la presenteando-a com seu tempo de propaganda no rádio e na TV? Solta logo um ministério para adoçar a boca dele.
UM MILIONÁRIO DO Mato Grosso do Sul encantou-se com a retórica e os belos olhos azuis de Eduardo Campos, governador de Pernambuco e aspirante a candidato a presidente pelo PSB? Manda o vice-presidente da República oferecer a legenda do PMDB para que ele concorra ao governo do seu estado. Certamente deve dinheiro e favores ao BNDES. Não desejará sofrer um aperto.
O GOVERNADOR DE Santa Catarina flerta com Eduardo? Flertava. Dilma recebeu-o outro dia. E na presença do ex-prefeito Gilberto Kassab, de São Paulo, garantiu-lhe ajuda para que governe bem. "Tudo que lhe darei servirá de desculpa para que você me apoie" ensinou Dilma com a refinada sutileza que dita seus gestos. "Não é preciso. Eu a apoiarei de todo jeito" respondeu o governador.
O APERTO DE MÃO trocado por Lula e Paulo Maluf nos jardins da mansão de Maluf ficou como o mais notável símbolo da eleição de Fernando Haddad para prefeito de São Paulo. Símbolo da conversão reafirmada do PT a política do vale-tudo pelo poder. Até aqui, a entrega a Afif de um ministério sem a contrapartida do seu afastamento do governo de São Paulo é o mais sério candidato a símbolo da reeleição de Dilma.
"O bicho vai pegar em 2013"
Gilberto Carvalho, ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República
Se é possível você se opor ao PT durante toda a sua carreira política, tornar-se vice-governador de São Paulo na chapa do governador eleito pelo PSDB, para depois, às vésperas de novas eleições, passar para o lado do PT em troca de um ministério criado de última hora somente para abrigá-lo, tudo o que se faça no seu ramo daqui para a frente deverá ser visto como algo natural. Absolutamente natural.
AFIF DOMINGOS acumula desde a semana passada a função de vice-governador de São Paulo com a de ministro da Secretaria da Micro e Pequena Empresa. Servirá ao mesmo tempo a dois governos comandados por partidos que são ferozes desafetos. Para não ser forçado a assumir o governo de São Paulo caso Geraldo Alckmin viaje ao exterior, Afif será obrigado também a deixar o país. A não ser que assuma.
POR QUE AFIF não renuncia ao cargo de vice-governador? Resposta dele: porque nada o obriga a isso. A vergonha deveria obrigá-lo, mas Afif não a leva em consideração. Seguirá desfrutando as vantagens e benefícios que lhe oferece o cargo de vice-governador? Ou abrirá mão deles em favor das vantagens e benefícios que lhe garantirá o cargo de ministro?
COMO VICE-GOVERNADOR, Afif tem acesso a informações sigilosas sobre São Paulo, o mais rico e poderoso estado do país e joia da coroa da oposição. Quem garante que não as compartilhará com Dilma Rous-
seff, sua nova patroa? Afinal, ela é a presidente da República. Deve ser uma pessoa bem informada. Estão em jogo os superiores interesses do país!
LULA FOI DURAMENTE criticado por ter inventado ministérios e cargos só para distribuí-los com aliados de ocasião. Afirma-se que nenhum presidente loteou mais seu governo do que Lula. Com licença: e Dilma? O que a diferencia de Lula nesse quesito? No seu primeiro ano de governo, Dilma afastou ministros e partidos suspeitos de corrupção. Para se reeleger, chamou-os de volta.
SEM FAZER ALARDE, dedica-se nos últimos meses a tapar todas as brechas por onde possa entrar oxigênio suficiente para fortalecer seus eventuais adversários nas eleições do próximo ano. Ou pelo menos para mantê-los vivos. O PSD de Afif poderá vir a apoiá-la presenteando-a com seu tempo de propaganda no rádio e na TV? Solta logo um ministério para adoçar a boca dele.
UM MILIONÁRIO DO Mato Grosso do Sul encantou-se com a retórica e os belos olhos azuis de Eduardo Campos, governador de Pernambuco e aspirante a candidato a presidente pelo PSB? Manda o vice-presidente da República oferecer a legenda do PMDB para que ele concorra ao governo do seu estado. Certamente deve dinheiro e favores ao BNDES. Não desejará sofrer um aperto.
O GOVERNADOR DE Santa Catarina flerta com Eduardo? Flertava. Dilma recebeu-o outro dia. E na presença do ex-prefeito Gilberto Kassab, de São Paulo, garantiu-lhe ajuda para que governe bem. "Tudo que lhe darei servirá de desculpa para que você me apoie" ensinou Dilma com a refinada sutileza que dita seus gestos. "Não é preciso. Eu a apoiarei de todo jeito" respondeu o governador.
O APERTO DE MÃO trocado por Lula e Paulo Maluf nos jardins da mansão de Maluf ficou como o mais notável símbolo da eleição de Fernando Haddad para prefeito de São Paulo. Símbolo da conversão reafirmada do PT a política do vale-tudo pelo poder. Até aqui, a entrega a Afif de um ministério sem a contrapartida do seu afastamento do governo de São Paulo é o mais sério candidato a símbolo da reeleição de Dilma.
Visão míope - VALDO CRUZ
FOLHA DE SP - 13/05
BRASÍLIA - A cúpula do governo Dilma tem uma visão míope sobre a batalha da MP dos Portos. Credita, corretamente, a responsabilidade pela confusão no Congresso a um conflito de interesses empresariais, mas rejeita, equivocadamente, críticas de que sua articulação política esteja falhando no processo.
De fato, a medida provisória que abre o setor de portos gerou uma guerra comercial. Empresários com concessões em portos públicos operam para travar a aprovação da MP. Contam com o apoio de deputados na tarefa de afundar a proposta.
Dentro do governo, comenta-se que essa é uma parceria para render frutos nas eleições. Congressistas estariam trabalhando a favor de empresários contrários à MP com a promessa de financiamento eleitoral.
Não há como provar tais acusações, que são feitas sem provas. Mas essa é uma prática bem comum dentro do Congresso. Parlamentares defendem interesses empresariais em troca de recursos de campanha.
Por outro lado, há algo de errado na articulação política que o Palácio do Planalto não quer admitir. Afinal, era para ser diferente. Neste ano, Dilma se entregou ao balcão de negócios partidário. Distribuiu ministérios e acatou pedidos do PMDB, PDT, PR e do novo aliado PSD.
Mesmo assim, foi alvo na semana passada de uma rebelião na Câmara, que põe em risco sua reforma portuária. Sinal de que as benesses distribuídas às cúpulas partidárias não estão chegando à base.
Deputados e senadores aliados se queixam de não serem chamados para viagens presidenciais, de não serem convidados por ministros para cerimônias em seus Estados e querem a grana de suas emendas.
O Planalto insiste que o conflito de interesses é o que trava a MP e que, se ela for debatida no plenário, será aprovada. A conferir. Como seguro morreu de velho, a ordem palaciana é melhorar o atendimento aos aliados. Nesta semana descobriremos o que rendeu mais frutos.
BRASÍLIA - A cúpula do governo Dilma tem uma visão míope sobre a batalha da MP dos Portos. Credita, corretamente, a responsabilidade pela confusão no Congresso a um conflito de interesses empresariais, mas rejeita, equivocadamente, críticas de que sua articulação política esteja falhando no processo.
De fato, a medida provisória que abre o setor de portos gerou uma guerra comercial. Empresários com concessões em portos públicos operam para travar a aprovação da MP. Contam com o apoio de deputados na tarefa de afundar a proposta.
Dentro do governo, comenta-se que essa é uma parceria para render frutos nas eleições. Congressistas estariam trabalhando a favor de empresários contrários à MP com a promessa de financiamento eleitoral.
Não há como provar tais acusações, que são feitas sem provas. Mas essa é uma prática bem comum dentro do Congresso. Parlamentares defendem interesses empresariais em troca de recursos de campanha.
Por outro lado, há algo de errado na articulação política que o Palácio do Planalto não quer admitir. Afinal, era para ser diferente. Neste ano, Dilma se entregou ao balcão de negócios partidário. Distribuiu ministérios e acatou pedidos do PMDB, PDT, PR e do novo aliado PSD.
Mesmo assim, foi alvo na semana passada de uma rebelião na Câmara, que põe em risco sua reforma portuária. Sinal de que as benesses distribuídas às cúpulas partidárias não estão chegando à base.
Deputados e senadores aliados se queixam de não serem chamados para viagens presidenciais, de não serem convidados por ministros para cerimônias em seus Estados e querem a grana de suas emendas.
O Planalto insiste que o conflito de interesses é o que trava a MP e que, se ela for debatida no plenário, será aprovada. A conferir. Como seguro morreu de velho, a ordem palaciana é melhorar o atendimento aos aliados. Nesta semana descobriremos o que rendeu mais frutos.
Apequenando o futuro - PAULO BROSSARD
ZERO HORA - 13/05
Um ministério macro, com 39 membros, é o triste retrato de uma política micro, que vai apequenando o futuro de nosso país
Interrogado por jornalista sobre a nomeação do vice-governador de São Paulo para ministro da Micro e Pequena Empresa, respondi que não me parecia houvesse o impedimento que se alega, tendo em vista que ele não é titular de cargo nem exerce função, aliás, nem tem função a exercer; não passa de mera expectativa do poder. Havendo impedimento do presidente (doença, viagem ao exterior) o vice é chamado a assumir a presidência transitoriamente; ocorrendo a vacatura da presidência (renúncia, morte) o, até então, vice assume a presidência como tal até o fim do mandato. Houve tempo em que o vice-presidente presidia o Senado, embora não fosse senador. A propósito, houve entre nós episódio ilustrativo que está na memória de todos. Impedido de assumir a presidência da República, por uma crise que levou o presidente eleito Tancredo Neves a ser hospitalizado e operado na véspera da posse, o vice-presidente José Sarney assumiu a presidência enquanto perdurasse o impedimento do presidente e vindo esse a falecer, o vice-presidente, sem solução de continuidade, deixou de ser vice no exercício da presidência para passar a ser o presidente, em caráter definitivo. Aliás, mutatis mutandis foi o que aconteceu quando do impeachment do presidente Collor e que com seu afastamento Itamar Franco assumiu a presidência por ser o vice-presidente, mas decretado o impeachment com a vacância presidencial passou ele a condição de presidente e exerceu-a até o derradeiro dia do mandato. De modo que me parece simples a situação do atual secretário com galas de Ministro da Micro e Pequena Empresa, em caso de impedimento do atual governador do Estado de São Paulo ou de vacância do cargo, ao atual ministro caberá escolher o rumo e conforme for ele terá de deixar de ser o 39º Ministro da República, ou deixar de ser o vice-governador de seu Estado.
Existe até um precedente. Na fase crepuscular do segundo governo Vargas, curiosamente, o chefe de governo voltou os olhos para o início de seu governo e nele divisou o governador José Américo, que fora Ministro da Viação de 1930 a 1934; passados vinte anos, em 1953, sendo governador da Paraíba, nomeado outra vez, no ministério permaneceu até 1954; ocorrendo então o termo do governo Vargas nas circunstâncias conhecidas, José Américo retornou ao governo do seu Estado. Estas lembranças podem ser interessantes, mas não irrelevantes para a situação.
O caso estava anunciado fazia muito, agora ele está consumado. O vice-governador do Estado de São Paulo foi nomeado secretário de Micro e Pequena Empresa, com status do ministro; com isso a senhora presidente acumula mais um elo no extenso rosário de legendas que lhe dão apoio parlamentar, 17 ou 18, salvo engano, e adiciona o que realmente importa, 1 minuto e 39 segundos ao tempo de televisão quando da campanha eleitoral da reeleição. Tudo sob a luz da maior publicidade.
O que me parece relevante é que o provimento de um cargo de ministro da República seja utilizado como moeda de troca, usado por titular do poder Executivo para contar com o apoio de mais um partido e o conforto que lhe possa dar o 18º elo de uma cadeia jamais vista em nosso país e suponho seja qualquer outro.
Este é o efeito da reeleição. Na segunda metade do primeiro ano, a senhora presidente deixa de ser a presidente de todos os brasileiros, para ser a candidata da maioria ou não do eleitorado, usando e abusando dos imensos poderes da presidência, para permanecer na chefia do Estado, a todo o preço, sem excluir o diabo, se é que o diabo tem preço.
Um ministério macro, com 39 membros, é o triste retrato de uma política micro, que vai apequenando o futuro de nosso país.
Um ministério macro, com 39 membros, é o triste retrato de uma política micro, que vai apequenando o futuro de nosso país
Interrogado por jornalista sobre a nomeação do vice-governador de São Paulo para ministro da Micro e Pequena Empresa, respondi que não me parecia houvesse o impedimento que se alega, tendo em vista que ele não é titular de cargo nem exerce função, aliás, nem tem função a exercer; não passa de mera expectativa do poder. Havendo impedimento do presidente (doença, viagem ao exterior) o vice é chamado a assumir a presidência transitoriamente; ocorrendo a vacatura da presidência (renúncia, morte) o, até então, vice assume a presidência como tal até o fim do mandato. Houve tempo em que o vice-presidente presidia o Senado, embora não fosse senador. A propósito, houve entre nós episódio ilustrativo que está na memória de todos. Impedido de assumir a presidência da República, por uma crise que levou o presidente eleito Tancredo Neves a ser hospitalizado e operado na véspera da posse, o vice-presidente José Sarney assumiu a presidência enquanto perdurasse o impedimento do presidente e vindo esse a falecer, o vice-presidente, sem solução de continuidade, deixou de ser vice no exercício da presidência para passar a ser o presidente, em caráter definitivo. Aliás, mutatis mutandis foi o que aconteceu quando do impeachment do presidente Collor e que com seu afastamento Itamar Franco assumiu a presidência por ser o vice-presidente, mas decretado o impeachment com a vacância presidencial passou ele a condição de presidente e exerceu-a até o derradeiro dia do mandato. De modo que me parece simples a situação do atual secretário com galas de Ministro da Micro e Pequena Empresa, em caso de impedimento do atual governador do Estado de São Paulo ou de vacância do cargo, ao atual ministro caberá escolher o rumo e conforme for ele terá de deixar de ser o 39º Ministro da República, ou deixar de ser o vice-governador de seu Estado.
Existe até um precedente. Na fase crepuscular do segundo governo Vargas, curiosamente, o chefe de governo voltou os olhos para o início de seu governo e nele divisou o governador José Américo, que fora Ministro da Viação de 1930 a 1934; passados vinte anos, em 1953, sendo governador da Paraíba, nomeado outra vez, no ministério permaneceu até 1954; ocorrendo então o termo do governo Vargas nas circunstâncias conhecidas, José Américo retornou ao governo do seu Estado. Estas lembranças podem ser interessantes, mas não irrelevantes para a situação.
O caso estava anunciado fazia muito, agora ele está consumado. O vice-governador do Estado de São Paulo foi nomeado secretário de Micro e Pequena Empresa, com status do ministro; com isso a senhora presidente acumula mais um elo no extenso rosário de legendas que lhe dão apoio parlamentar, 17 ou 18, salvo engano, e adiciona o que realmente importa, 1 minuto e 39 segundos ao tempo de televisão quando da campanha eleitoral da reeleição. Tudo sob a luz da maior publicidade.
O que me parece relevante é que o provimento de um cargo de ministro da República seja utilizado como moeda de troca, usado por titular do poder Executivo para contar com o apoio de mais um partido e o conforto que lhe possa dar o 18º elo de uma cadeia jamais vista em nosso país e suponho seja qualquer outro.
Este é o efeito da reeleição. Na segunda metade do primeiro ano, a senhora presidente deixa de ser a presidente de todos os brasileiros, para ser a candidata da maioria ou não do eleitorado, usando e abusando dos imensos poderes da presidência, para permanecer na chefia do Estado, a todo o preço, sem excluir o diabo, se é que o diabo tem preço.
Um ministério macro, com 39 membros, é o triste retrato de uma política micro, que vai apequenando o futuro de nosso país.
Um novo teste - PAULO GUEDES
O GLOBO - 13/05
O Congresso opera em ritmo febril, sabemos todos. Mas há grandes dúvidas sobre a natureza de suas atividades. O que se espera é que os congressistas defendam os interesses da população. O que não sabemos é se cuidam mais de seus próprios interesses, garantindo vantagens econômicas para grupos de interesse.
A tentativa de aprovação nesta semana da medida provisória para modernização dos portos será mais um teste para o Congresso. Os interesses da população são evidentes: mais investimentos na infraestrutura logística, redução dos custos portuários, mais eficiência e maior competitividade na economia. Mas os interesses corporativos de sindicatos e grupos privados atuantes no setor não parecem ser os mesmos.
"O projeto de abertura dos portos faz parte de um diagnóstico do governo de que o Estado sozinho nunca será capaz de fazer os investimentos necessários ao desenvolvimento do país. Ao chegar ao Congresso, entretanto, o projeto esbarrou no balcão de compra e venda de apoio da base aliada. Eduardo Cunha, deputado federal pelo Rio de Janeiro e líder do PMDB na Câmara, encarna o principal foco de resistência à aprovação da lei. Cunha inviabilizou a votação na semana passada. As forças do atraso sabotam projetos favoráveis ao Brasil, impedindo a modernização", registra em reportagem de capa a revista "Veja" desta semana.
Houve mais de cem emendas feitas ao texto original encaminhado ao Congresso pela presidente Dilma Rousseff. O que demonstra claramente o ritmo de atividade dos congressistas. Mas a maioria das alterações reflete esforços de parlamentares em defesa de privilégios sindicais e interesses corporativos. O que causa espanto é a falta de compromisso com os interesses maiores da população brasileira, atingida em cheio por ineficiência logística, baixa produtividade e perda de competitividade nos mercados globais.
O que faz este Congresso quando não está apenas disputando o poder pelo poder, de olho nas próximas eleições? Ou quando não está hostilizando o Supremo Tribunal Federal, cuja credibilidade institucional e reconhecimento pela opinião pública o cobrem de inveja? Ou quando não está, como agora no caso da MP do Portos, defendendo interesses corporativos? Estaríamos condenados para sempre a essa febril improdutividade?
O Congresso opera em ritmo febril, sabemos todos. Mas há grandes dúvidas sobre a natureza de suas atividades. O que se espera é que os congressistas defendam os interesses da população. O que não sabemos é se cuidam mais de seus próprios interesses, garantindo vantagens econômicas para grupos de interesse.
A tentativa de aprovação nesta semana da medida provisória para modernização dos portos será mais um teste para o Congresso. Os interesses da população são evidentes: mais investimentos na infraestrutura logística, redução dos custos portuários, mais eficiência e maior competitividade na economia. Mas os interesses corporativos de sindicatos e grupos privados atuantes no setor não parecem ser os mesmos.
"O projeto de abertura dos portos faz parte de um diagnóstico do governo de que o Estado sozinho nunca será capaz de fazer os investimentos necessários ao desenvolvimento do país. Ao chegar ao Congresso, entretanto, o projeto esbarrou no balcão de compra e venda de apoio da base aliada. Eduardo Cunha, deputado federal pelo Rio de Janeiro e líder do PMDB na Câmara, encarna o principal foco de resistência à aprovação da lei. Cunha inviabilizou a votação na semana passada. As forças do atraso sabotam projetos favoráveis ao Brasil, impedindo a modernização", registra em reportagem de capa a revista "Veja" desta semana.
Houve mais de cem emendas feitas ao texto original encaminhado ao Congresso pela presidente Dilma Rousseff. O que demonstra claramente o ritmo de atividade dos congressistas. Mas a maioria das alterações reflete esforços de parlamentares em defesa de privilégios sindicais e interesses corporativos. O que causa espanto é a falta de compromisso com os interesses maiores da população brasileira, atingida em cheio por ineficiência logística, baixa produtividade e perda de competitividade nos mercados globais.
O que faz este Congresso quando não está apenas disputando o poder pelo poder, de olho nas próximas eleições? Ou quando não está hostilizando o Supremo Tribunal Federal, cuja credibilidade institucional e reconhecimento pela opinião pública o cobrem de inveja? Ou quando não está, como agora no caso da MP do Portos, defendendo interesses corporativos? Estaríamos condenados para sempre a essa febril improdutividade?
Diga não à corrupção - CARLOS ALBERTO DI FRANCO
ESTADÃO - 13/05
Está em andamento uma tentativa de melar o julgamento do mensalão e de submeter o Supremo Tribunal Federal (STF) aos interesses de certos setores do Congresso Nacional. A possibilidade concreta de cadeia, consequência natural do julgamento do mensalão, acionou o alerta vermelho no submundo da cultura da corrupção. As manchetes dos jornais refletem a reação desesperada dos mensaleiros de hoje e de sempre. Por trás dos embargos e recursos dos advogados dos mensaleiros, ferramentas legítimas do direito de defesa, o que se oculta é um objetivo bem determinado: zerar o placar, fazer um novo julgamento, livrar os culpados do regime fechado. É simples assim. As rusgas entre o Congresso e o Supremo têm bastidores pouco edificantes.
É impressionante o número de parlamentares com inquéritos ou ações penais na fila de julgamento do STF. No Congresso Nacional, são 160 deputados e 31 senadores, um terço da instituição. Na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, 32 de seus 130 integrantes respondem a inquéritos, entre os quais dois já condenados, José Genoino e João Paulo Cunha (PT-SP), Paulo Maluf (PP-SP) e o presidente do fórum, Décio Lima (PT-SC), com quatro inquéritos por improbidade administrativa e sonegação previdenciária quando prefeito de Blumenau. O que está em jogo não é a independência do Congresso, mas a pornodefesa da impunidade.
Muitos leitores, aturdidos com a extensão do lodaçal que se vislumbra na onda de corrupção reiteradamente denunciada pela imprensa, manifestam profundo desalento. "Não vai acontecer nada. Os bandidos não estão na cadeia, mas no comando do Brasil" - esse comentário me foi enviado por um jovem universitário. É tremendo, pois reflete o sentimento de muita gente.
A política é a arte da negociação, mas não pode ser a ferramenta da bandidagem. E é isso que está por trás das tentativas de melar o julgamento do mensalão. O que você, amigo leitor, pode fazer para contribuir para a urgente e necessária ruptura do sistema de privatização do dinheiro público que se enraizou nas entranhas da República?
Em primeiro lugar, pressionar as autoridades. O STF, por exemplo, deve sentir o clamor da sociedade. Impõe-se a execução plena das penas do julgamento. É um dever indeclinável. A Suprema Corte pode dar o primeiro passo para a grande virada. Se os réus do mensalão, responsáveis "pela instalação de uma rede criminosa no coração do Estado brasileiro", pagarem por seus crimes, sem privilégios nem imunidades, o Brasil mudará de patamar.
Não podemos mais tolerar que o Brasil seja um país que discrimina os seus cidadãos. Pobre vai para a cadeia. Poderoso não só não é punido, como invoca presunção de inocência, submerge estrategicamente, cai no esquecimento e volta para roubar mais. Registro memorável discurso do ministro Marco Aurélio Mello, do STF, quando assumiu a presidência do Tribunal Superior Eleitoral: "Perplexos, percebemos, na simples comparação entre o discurso oficial e as notícias jornalísticas, que o Brasil se tornou um país do faz de conta. Faz de conta que não se produziu o maior dos escândalos nacionais, que os culpados nada sabiam - o que lhes daria uma carta de alforria prévia para continuar agindo como se nada de mau tivessem feito".
De lá para cá, infelizmente, a coisa só piorou. A ausência de punição é a mola da criminalidade. Mas não atiremos a esmo. Não publiquemos no domingo para, na segunda, mudar de pauta. Vamos concentrar. Focar no mensalão. E você, caro leitor, escreva aos ministros do STF, pressione, proteste, saia às ruas.
Em segundo lugar, exija de nós, jornalistas, a perseverança de buldogues. É preciso morder e não soltar. Os meios de comunicação existem para incomodar. Resgato hoje, neste espaço opinativo, uma sugestão editorial que venho defendendo há anos. Vamos inaugurar o Placar da Corrupção. Mensalmente, por exemplo, a imprensa exporia um quadro claro e didático, talvez um bom infográfico, dos principais escândalos. O que aconteceu com os protagonistas da delinquência? Como vivem os réus de processos penais? Que lugares frequentam? Que patrimônio ostentam? É fundamental um mapeamento constante. Caso contrário, estoura o escândalo, o ministro cai, perde poder político, mas vai para casa com uma dinheirama. Depois, de mansinho, volta ao partido e retorna às benesses do poder, apoiado pela força da grana e do marketing. É preciso acabar com isso. A imprensa precisa ficar nos calcanhares dos criminosos.
Uma democracia se constrói na adversidade. O Brasil, felizmente, ainda conta com um Ministério Público atuante, um Judiciário, não obstante decepções pontuais, bastante razoável e uma imprensa que não se dobra às pressões do poder. É preciso, no entanto, que a sociedade, sobretudo a classe média, mais informada e educada, assuma o seu papel no combate à corrupção. As massas miseráveis, reféns do populismo interesseiro, da desinformação e da insensibilidade de certa elite, só serão acordadas se a classe média - e a formidável classe emergente -, fiel da balança de qualquer democracia, decidir dar um basta à vilania que tomou conta do núcleo do poder.
Chegou a hora de a sociedade civil mostrar sua cara e sua força. É preciso, finalmente, cobrar a reforma política. Todos sabem disso. Há décadas. O atual modelo é a principal causa da corrupção. Quando falta transparência, sobram sombras. O Brasil pode sair deste pântano para um patamar civilizado. Mas para que isso ocorra, com a urgência que se impõe, é preciso que os culpados sejam punidos.
Diga não à corrupção!
Está em andamento uma tentativa de melar o julgamento do mensalão e de submeter o Supremo Tribunal Federal (STF) aos interesses de certos setores do Congresso Nacional. A possibilidade concreta de cadeia, consequência natural do julgamento do mensalão, acionou o alerta vermelho no submundo da cultura da corrupção. As manchetes dos jornais refletem a reação desesperada dos mensaleiros de hoje e de sempre. Por trás dos embargos e recursos dos advogados dos mensaleiros, ferramentas legítimas do direito de defesa, o que se oculta é um objetivo bem determinado: zerar o placar, fazer um novo julgamento, livrar os culpados do regime fechado. É simples assim. As rusgas entre o Congresso e o Supremo têm bastidores pouco edificantes.
É impressionante o número de parlamentares com inquéritos ou ações penais na fila de julgamento do STF. No Congresso Nacional, são 160 deputados e 31 senadores, um terço da instituição. Na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, 32 de seus 130 integrantes respondem a inquéritos, entre os quais dois já condenados, José Genoino e João Paulo Cunha (PT-SP), Paulo Maluf (PP-SP) e o presidente do fórum, Décio Lima (PT-SC), com quatro inquéritos por improbidade administrativa e sonegação previdenciária quando prefeito de Blumenau. O que está em jogo não é a independência do Congresso, mas a pornodefesa da impunidade.
Muitos leitores, aturdidos com a extensão do lodaçal que se vislumbra na onda de corrupção reiteradamente denunciada pela imprensa, manifestam profundo desalento. "Não vai acontecer nada. Os bandidos não estão na cadeia, mas no comando do Brasil" - esse comentário me foi enviado por um jovem universitário. É tremendo, pois reflete o sentimento de muita gente.
A política é a arte da negociação, mas não pode ser a ferramenta da bandidagem. E é isso que está por trás das tentativas de melar o julgamento do mensalão. O que você, amigo leitor, pode fazer para contribuir para a urgente e necessária ruptura do sistema de privatização do dinheiro público que se enraizou nas entranhas da República?
Em primeiro lugar, pressionar as autoridades. O STF, por exemplo, deve sentir o clamor da sociedade. Impõe-se a execução plena das penas do julgamento. É um dever indeclinável. A Suprema Corte pode dar o primeiro passo para a grande virada. Se os réus do mensalão, responsáveis "pela instalação de uma rede criminosa no coração do Estado brasileiro", pagarem por seus crimes, sem privilégios nem imunidades, o Brasil mudará de patamar.
Não podemos mais tolerar que o Brasil seja um país que discrimina os seus cidadãos. Pobre vai para a cadeia. Poderoso não só não é punido, como invoca presunção de inocência, submerge estrategicamente, cai no esquecimento e volta para roubar mais. Registro memorável discurso do ministro Marco Aurélio Mello, do STF, quando assumiu a presidência do Tribunal Superior Eleitoral: "Perplexos, percebemos, na simples comparação entre o discurso oficial e as notícias jornalísticas, que o Brasil se tornou um país do faz de conta. Faz de conta que não se produziu o maior dos escândalos nacionais, que os culpados nada sabiam - o que lhes daria uma carta de alforria prévia para continuar agindo como se nada de mau tivessem feito".
De lá para cá, infelizmente, a coisa só piorou. A ausência de punição é a mola da criminalidade. Mas não atiremos a esmo. Não publiquemos no domingo para, na segunda, mudar de pauta. Vamos concentrar. Focar no mensalão. E você, caro leitor, escreva aos ministros do STF, pressione, proteste, saia às ruas.
Em segundo lugar, exija de nós, jornalistas, a perseverança de buldogues. É preciso morder e não soltar. Os meios de comunicação existem para incomodar. Resgato hoje, neste espaço opinativo, uma sugestão editorial que venho defendendo há anos. Vamos inaugurar o Placar da Corrupção. Mensalmente, por exemplo, a imprensa exporia um quadro claro e didático, talvez um bom infográfico, dos principais escândalos. O que aconteceu com os protagonistas da delinquência? Como vivem os réus de processos penais? Que lugares frequentam? Que patrimônio ostentam? É fundamental um mapeamento constante. Caso contrário, estoura o escândalo, o ministro cai, perde poder político, mas vai para casa com uma dinheirama. Depois, de mansinho, volta ao partido e retorna às benesses do poder, apoiado pela força da grana e do marketing. É preciso acabar com isso. A imprensa precisa ficar nos calcanhares dos criminosos.
Uma democracia se constrói na adversidade. O Brasil, felizmente, ainda conta com um Ministério Público atuante, um Judiciário, não obstante decepções pontuais, bastante razoável e uma imprensa que não se dobra às pressões do poder. É preciso, no entanto, que a sociedade, sobretudo a classe média, mais informada e educada, assuma o seu papel no combate à corrupção. As massas miseráveis, reféns do populismo interesseiro, da desinformação e da insensibilidade de certa elite, só serão acordadas se a classe média - e a formidável classe emergente -, fiel da balança de qualquer democracia, decidir dar um basta à vilania que tomou conta do núcleo do poder.
Chegou a hora de a sociedade civil mostrar sua cara e sua força. É preciso, finalmente, cobrar a reforma política. Todos sabem disso. Há décadas. O atual modelo é a principal causa da corrupção. Quando falta transparência, sobram sombras. O Brasil pode sair deste pântano para um patamar civilizado. Mas para que isso ocorra, com a urgência que se impõe, é preciso que os culpados sejam punidos.
Diga não à corrupção!
País rico é país com educação - AÉCIO NEVES
FOLHA DE SP - 13/05
Semana passada defendi a alocação exclusiva dos recursos do pré-sal na educação brasileira. Volto ao tema para lembrar que, com grande atraso, está em tramitação no Congresso o Plano Nacional de Educação para a próxima década. Aprovado na Câmara, o PNE vai agora ao exame do Senado, apontando novas e desafiadoras metas a serem alcançadas pelo país.
Lamentavelmente, compromissos assumidos muitas vezes não se traduzem em realidade. Basta ver o resultado das metas estabelecidas pelo plano anterior: exemplo simbólico é a que previa pelo menos 50% das crianças de 0 a 3 anos nas creches em 2010. Ela está de volta na nova versão do plano, como se sua repetição fosse algo natural e aceitável.
Para que se efetive, o PNE precisa estar ancorado em uma "Lei de Responsabilidade Educacional" capaz de transformar uma carta de boas intenções em direitos e deveres a serem cumpridos pelas diferentes instâncias de governo, podendo alcançar instituições privadas e a comunidade escolar, nela incluídas as famílias brasileiras. Trata-se de colocar no seu devido lugar o gigantesco esforço que precisa e merece ser empreendido não só pelo poder público, mas também pela sociedade.
O único caminho seguro para o futuro do Brasil é transformar a educação em prioridade de Estado, com ampla participação da população. Foi assim nas trajetórias de diversos países que deram o grande salto para o desenvolvimento. Em todos houve decisivos investimentos em educação e em qualificação profissional.
Priorizar a educação é passo fundamental numa travessia que o Brasil apenas iniciou, com o advento da estabilidade e dos ganhos de renda derivados, em sua maior parte, do trabalho e complementados pelos programas sociais.
Todos sabemos que, apesar desses avanços, resta ainda intocada uma longa lista de carências sociais que se agiganta frente ao flagrante limite do processo de gestão diária da pobreza, sem sua definitiva superação. É hora de enfrentar distorções históricas que não podem mais ser varridas para debaixo do tapete.
No campo da educação, o Brasil tem a terceira pior taxa de evasão escolar entre 100 países com maior IDH, atrás apenas da Bósnia-Herzegovina e das Ilhas de São Cristóvão e Névis. Um em cada quatro alunos que inicia o ensino fundamental abandona a escola antes de completar a última série. Cerca de 50% dos brasileiros não têm sequer o ensino médio completo.
Não se vence a pobreza e a desigualdade sem mobilidade social. Sem mais anos de estudo. Sem melhor empregabilidade. Sem desprendimento e generosidade para a construção de uma grande convergência nacional. O slogan que deveria mobilizar o Brasil agora é outro: "País rico é país com educação".
Semana passada defendi a alocação exclusiva dos recursos do pré-sal na educação brasileira. Volto ao tema para lembrar que, com grande atraso, está em tramitação no Congresso o Plano Nacional de Educação para a próxima década. Aprovado na Câmara, o PNE vai agora ao exame do Senado, apontando novas e desafiadoras metas a serem alcançadas pelo país.
Lamentavelmente, compromissos assumidos muitas vezes não se traduzem em realidade. Basta ver o resultado das metas estabelecidas pelo plano anterior: exemplo simbólico é a que previa pelo menos 50% das crianças de 0 a 3 anos nas creches em 2010. Ela está de volta na nova versão do plano, como se sua repetição fosse algo natural e aceitável.
Para que se efetive, o PNE precisa estar ancorado em uma "Lei de Responsabilidade Educacional" capaz de transformar uma carta de boas intenções em direitos e deveres a serem cumpridos pelas diferentes instâncias de governo, podendo alcançar instituições privadas e a comunidade escolar, nela incluídas as famílias brasileiras. Trata-se de colocar no seu devido lugar o gigantesco esforço que precisa e merece ser empreendido não só pelo poder público, mas também pela sociedade.
O único caminho seguro para o futuro do Brasil é transformar a educação em prioridade de Estado, com ampla participação da população. Foi assim nas trajetórias de diversos países que deram o grande salto para o desenvolvimento. Em todos houve decisivos investimentos em educação e em qualificação profissional.
Priorizar a educação é passo fundamental numa travessia que o Brasil apenas iniciou, com o advento da estabilidade e dos ganhos de renda derivados, em sua maior parte, do trabalho e complementados pelos programas sociais.
Todos sabemos que, apesar desses avanços, resta ainda intocada uma longa lista de carências sociais que se agiganta frente ao flagrante limite do processo de gestão diária da pobreza, sem sua definitiva superação. É hora de enfrentar distorções históricas que não podem mais ser varridas para debaixo do tapete.
No campo da educação, o Brasil tem a terceira pior taxa de evasão escolar entre 100 países com maior IDH, atrás apenas da Bósnia-Herzegovina e das Ilhas de São Cristóvão e Névis. Um em cada quatro alunos que inicia o ensino fundamental abandona a escola antes de completar a última série. Cerca de 50% dos brasileiros não têm sequer o ensino médio completo.
Não se vence a pobreza e a desigualdade sem mobilidade social. Sem mais anos de estudo. Sem melhor empregabilidade. Sem desprendimento e generosidade para a construção de uma grande convergência nacional. O slogan que deveria mobilizar o Brasil agora é outro: "País rico é país com educação".
‘Grande’ nem sempre é ‘forte’ - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 13/05
Os petistas souberam politizar, com objetivos eleitorais, a questão da participação do Estado na economia. Nos embates com a oposição do PSDB e seus candidatos conseguiram, até por incompetência destes, passar a ideia de que são defensores do “patrimônio público”, enquanto todos os que se opõem a eles não passam de vendilhões do templo. O reducionismo eleitoreiro funcionou muito bem na reeleição de Lula, em 2006, e, volta e meia, serve de arma em debates políticos. Esta postura cai bem num partido que carrega o DNA da esquerda tradicional, cuja visão de mundo continua a defender um Estado forte, tutor da sociedade, sabedor do que é o melhor para as pessoas e o país. Um Estado intervencionista ao extremo. Não estranha, portanto, que avanços conseguidos nestes 10 anos de PT no poder sejam creditados à ação do Estado. Outro reducionismo.
Na verdade, tucanos e petistas são galhos da mesma árvore ideológica da esquerda, mas com diferenças de fundo quando se trata do entendimento do que deve ser a democracia. Os tucanos, plasmados pela social-democracia europeia, não atacam a democracia representativa, têm um projeto menos intervencionista, mas também nele o Estado não ocupa papel secundário. Tanto que o aumento avassalador da carga tributária nos últimos 16 anos — cerca de dez pontos percentuais de PIB — se inicia no primeiro governo FH. Com Lula, o processo foi mantido e, de fato, o Estado passou a ocupar uma posição mais central. Principalmente na área social. Programas de transferência de renda herdados da fase tucana — gás subsidiado, filhos na escola como contrapartida de uma bolsa financeira — foram reunidos em um único programa, o Bolsa Família, hoje um enorme guichê de distribuição de R$ 24 bilhões anuais a, direta e indiretamente, 50 milhões de pessoas.
Num segundo momento, aumentou a ingerência do Estado na economia. A crise mundial, cujo estopim foi o estouro de uma bolha financeira imobiliária nos Estados Unidos, em 2008, serviu de pretexto para o aprofundamento de um projeto estatista que restabeleceu no BNDES uma política de “escolha” de “campeões” por setores, no estilo da utilizada — também sem sucesso — na ditadura militar pelo governo do presidente Ernesto Geisel.
Pouco antes, com a descoberta do pré-sal, a mesma ideologia inspirou o estabelecimento do monopólio da Petrobras na operação nesta nova área e a participação cativa em 30% de todos os consórcios que venham a atuar nesta fronteira de exploração. É quase certo que a estatal não terá condições financeiras de atuar desta forma no pré-sal, por ter sido desestabilizada financeiramente por uma gestão de inspiração sindical.
Se o discurso estatista continua, na prática o governo Dilma, às voltas com a inflação e baixo crescimento, precisa atrair capitais privados para investir na carente infraestrutura do país, na qual um Estado assoberbado com despesas primárias — funcionalismo, previdência, assistencialismo — não tem mais condições de atuar. O estatismo enfraqueceu o estado brasileiro. Confundiram estado grande com estado forte.
Os petistas souberam politizar, com objetivos eleitorais, a questão da participação do Estado na economia. Nos embates com a oposição do PSDB e seus candidatos conseguiram, até por incompetência destes, passar a ideia de que são defensores do “patrimônio público”, enquanto todos os que se opõem a eles não passam de vendilhões do templo. O reducionismo eleitoreiro funcionou muito bem na reeleição de Lula, em 2006, e, volta e meia, serve de arma em debates políticos. Esta postura cai bem num partido que carrega o DNA da esquerda tradicional, cuja visão de mundo continua a defender um Estado forte, tutor da sociedade, sabedor do que é o melhor para as pessoas e o país. Um Estado intervencionista ao extremo. Não estranha, portanto, que avanços conseguidos nestes 10 anos de PT no poder sejam creditados à ação do Estado. Outro reducionismo.
Na verdade, tucanos e petistas são galhos da mesma árvore ideológica da esquerda, mas com diferenças de fundo quando se trata do entendimento do que deve ser a democracia. Os tucanos, plasmados pela social-democracia europeia, não atacam a democracia representativa, têm um projeto menos intervencionista, mas também nele o Estado não ocupa papel secundário. Tanto que o aumento avassalador da carga tributária nos últimos 16 anos — cerca de dez pontos percentuais de PIB — se inicia no primeiro governo FH. Com Lula, o processo foi mantido e, de fato, o Estado passou a ocupar uma posição mais central. Principalmente na área social. Programas de transferência de renda herdados da fase tucana — gás subsidiado, filhos na escola como contrapartida de uma bolsa financeira — foram reunidos em um único programa, o Bolsa Família, hoje um enorme guichê de distribuição de R$ 24 bilhões anuais a, direta e indiretamente, 50 milhões de pessoas.
Num segundo momento, aumentou a ingerência do Estado na economia. A crise mundial, cujo estopim foi o estouro de uma bolha financeira imobiliária nos Estados Unidos, em 2008, serviu de pretexto para o aprofundamento de um projeto estatista que restabeleceu no BNDES uma política de “escolha” de “campeões” por setores, no estilo da utilizada — também sem sucesso — na ditadura militar pelo governo do presidente Ernesto Geisel.
Pouco antes, com a descoberta do pré-sal, a mesma ideologia inspirou o estabelecimento do monopólio da Petrobras na operação nesta nova área e a participação cativa em 30% de todos os consórcios que venham a atuar nesta fronteira de exploração. É quase certo que a estatal não terá condições financeiras de atuar desta forma no pré-sal, por ter sido desestabilizada financeiramente por uma gestão de inspiração sindical.
Se o discurso estatista continua, na prática o governo Dilma, às voltas com a inflação e baixo crescimento, precisa atrair capitais privados para investir na carente infraestrutura do país, na qual um Estado assoberbado com despesas primárias — funcionalismo, previdência, assistencialismo — não tem mais condições de atuar. O estatismo enfraqueceu o estado brasileiro. Confundiram estado grande com estado forte.
Mantega reinventa o emprego - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo - 13/05
Sempre criativo, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, acaba de lançar uma teoria sobre a criação de emprego sem crescimento econômico. Segundo ele, a geração de empregos pode ser mais importante que a expansão do Produto Interno Bruto (PIB), como se a primeira fosse independente da segunda. De fato, a oferta de vagas pode até crescer mais que a atividade geral da economia, em circunstâncias muito especiais, como tem ocorrido no Brasil. As limitações econômicas, no entanto, deverão prevalecer depois de algum tempo. Assim terminará a bonança dos trabalhadores, se a produção continuar estagnada ou em marcha muito lenta.
A tese apresentada a parlamentares do PT, na quinta-feira, pode servir à campanha eleitoral de um governo preocupado sobretudo com eleições. Mas o ministro ainda terá algum trabalho para garantir respeitabilidade acadêmica a suas ideias inovadoras. Não basta a inventividade, como ele deveria ter aprendido quando recorreu à contabilidade criativa para fechar as contas federais.
A oscilação do emprego na indústria de transformação desmente componentes importantes do discurso oficial, mas a presidente Dilma Rousseff e o ministro da Fazenda parecem desconhecer esses dados. Em março, o número de ocupados no setor de transformação foi 0,2% maior que em fevereiro, mas 0,6% menor que um ano antes. O número de empregados no primeiro trimestre foi 1% inferior ao do período entre janeiro e março de 2012. Em 12 meses o contingente diminuiu 1,4%. Os números são do IBGE. A abertura de vagas de um ano para cá dependeu, portanto, principalmente de outros segmentos. São, na maior parte dos casos, atividades menos envolvidas na absorção e na difusão de tecnologia e na criação dos chamados empregos de qualidade.
Apesar disso, o quadro geral mantém-se razoável, especialmente quando se observa a situação internacional. Seria muito pior se as demissões na indústria de transformação refletissem mais precisamente as condições econômicas do setor. Há um mistério aparente nessa história, mas algumas observações bastam para tornar o cenário menos estranho.
Em primeiro lugar, estímulos ao consumo têm contribuído para manter alguns segmentos da indústria em movimento e para sustentar seu quadro de pessoal. Esses estímulos têm sido insuficientes, no entanto, para estimular um maior empenho na produção e para afetar positivamente outras áreas da indústria.
Em segundo lugar, empresas têm preferido manter seu pessoal pela combinação de dois motivos muito compreensíveis. Demissões custam muito e, além disso, quem demitir poderá encontrar dificuldade para preencher as vagas depois, se a economia voltar a crescer. Falta mão de obra qualificada e a escassez ficará mais grave, se muitas empresas decidirem contratar.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) chamou a atenção para esses pontos, em estudos divulgados recentemente. Isso ajuda a explicar, também, os ganhos reais obtidos pelos trabalhadores nas negociações dos últimos anos. Há desequilíbrio no mercado.
Em resumo: 1) a criação de empregos tem dependido de estímulos de curto alcance, isto é, insuficientes para gerar crescimento sustentável; 2) boa parte das vagas tem resultado na criação de ocupações de baixa qualidade; e 3) a preservação de quadros na indústria tem sido motivada, em boa parte, por um dado negativo para a economia brasileira - a escassez de mão de obra qualificada e até, como já havia indicado a Confederação Nacional da Indústria, pela falta de pessoal preparado para receber treinamento na fábrica.
Esse dado reflete a política educacional do Partido dos Trabalhadores (PT). O governo dedicou-se a facilitar de forma eleitoreira o acesso a faculdades e negligenciou a formação indispensável à atividade produtiva. Recentemente o discurso oficial começou a valorizar a educação técnica. Já seria bom se o governo cuidasse mais da educação fundamental. Mas sua maior realização nesse campo foi a defesa da frase "os menino pega os peixe" como padrão aceitável de linguagem.
Sempre criativo, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, acaba de lançar uma teoria sobre a criação de emprego sem crescimento econômico. Segundo ele, a geração de empregos pode ser mais importante que a expansão do Produto Interno Bruto (PIB), como se a primeira fosse independente da segunda. De fato, a oferta de vagas pode até crescer mais que a atividade geral da economia, em circunstâncias muito especiais, como tem ocorrido no Brasil. As limitações econômicas, no entanto, deverão prevalecer depois de algum tempo. Assim terminará a bonança dos trabalhadores, se a produção continuar estagnada ou em marcha muito lenta.
A tese apresentada a parlamentares do PT, na quinta-feira, pode servir à campanha eleitoral de um governo preocupado sobretudo com eleições. Mas o ministro ainda terá algum trabalho para garantir respeitabilidade acadêmica a suas ideias inovadoras. Não basta a inventividade, como ele deveria ter aprendido quando recorreu à contabilidade criativa para fechar as contas federais.
A oscilação do emprego na indústria de transformação desmente componentes importantes do discurso oficial, mas a presidente Dilma Rousseff e o ministro da Fazenda parecem desconhecer esses dados. Em março, o número de ocupados no setor de transformação foi 0,2% maior que em fevereiro, mas 0,6% menor que um ano antes. O número de empregados no primeiro trimestre foi 1% inferior ao do período entre janeiro e março de 2012. Em 12 meses o contingente diminuiu 1,4%. Os números são do IBGE. A abertura de vagas de um ano para cá dependeu, portanto, principalmente de outros segmentos. São, na maior parte dos casos, atividades menos envolvidas na absorção e na difusão de tecnologia e na criação dos chamados empregos de qualidade.
Apesar disso, o quadro geral mantém-se razoável, especialmente quando se observa a situação internacional. Seria muito pior se as demissões na indústria de transformação refletissem mais precisamente as condições econômicas do setor. Há um mistério aparente nessa história, mas algumas observações bastam para tornar o cenário menos estranho.
Em primeiro lugar, estímulos ao consumo têm contribuído para manter alguns segmentos da indústria em movimento e para sustentar seu quadro de pessoal. Esses estímulos têm sido insuficientes, no entanto, para estimular um maior empenho na produção e para afetar positivamente outras áreas da indústria.
Em segundo lugar, empresas têm preferido manter seu pessoal pela combinação de dois motivos muito compreensíveis. Demissões custam muito e, além disso, quem demitir poderá encontrar dificuldade para preencher as vagas depois, se a economia voltar a crescer. Falta mão de obra qualificada e a escassez ficará mais grave, se muitas empresas decidirem contratar.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) chamou a atenção para esses pontos, em estudos divulgados recentemente. Isso ajuda a explicar, também, os ganhos reais obtidos pelos trabalhadores nas negociações dos últimos anos. Há desequilíbrio no mercado.
Em resumo: 1) a criação de empregos tem dependido de estímulos de curto alcance, isto é, insuficientes para gerar crescimento sustentável; 2) boa parte das vagas tem resultado na criação de ocupações de baixa qualidade; e 3) a preservação de quadros na indústria tem sido motivada, em boa parte, por um dado negativo para a economia brasileira - a escassez de mão de obra qualificada e até, como já havia indicado a Confederação Nacional da Indústria, pela falta de pessoal preparado para receber treinamento na fábrica.
Esse dado reflete a política educacional do Partido dos Trabalhadores (PT). O governo dedicou-se a facilitar de forma eleitoreira o acesso a faculdades e negligenciou a formação indispensável à atividade produtiva. Recentemente o discurso oficial começou a valorizar a educação técnica. Já seria bom se o governo cuidasse mais da educação fundamental. Mas sua maior realização nesse campo foi a defesa da frase "os menino pega os peixe" como padrão aceitável de linguagem.
SEGUNDA NOS JORNAIS
- Globo: Competitividade em xeque – sem MP dos Portos, país pode perder R$ 35 bi
- Folha: Para Gleisi, lobby trabalha contra a MP dos Portos
- Estadão: Verbas do governo têm “padrinhos” no Congresso
- Valor: Produção cai, mas cresce o faturamento da indústria
- Estado de Minas: Alforria à mineira
- Jornal do Commercio: Tri, tri, tri, tri, tricolor!
- Zero Hora: O preço do escândalo – Lucro com fraude do leite supera os R$ 6 milhões