segunda-feira, maio 06, 2013

Para além do niilismo - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 06/05

Para niilistas como eu, o ateísmo é brincadeira de meninas com fita amarrada na cabeça


O leitor sabe que meu pecado espiritual é o niilismo. Enfrento-o dia a dia como qualquer moléstia incurável. O tema já foi tratado por gênios como Nietzsche, Turguêniev, Dostoiévski, Cioran. Deixo meu leitor em companhia desses gigantes, muito melhores do que eu.

A tragédia também me acompanha em todo café da manhã, essa concepção grega de mundo que julgo a mais correta já pensada. Aqui tenho grandes parceiros como o autor da tragédia ática Sófocles (entre outros), o filósofo Nietzsche, o dramaturgo Shakespeare e os escritores contemporâneos Albert Camus e Philip Roth.

Ambos, niilismo e tragédia, são visões de mundo que arruínam a vida. Diante deles, ateísmo é para iniciantes. O ateísmo só é aceitável quando blasé e sem associações de ateus militantes. Para niilistas como eu, o ateísmo crente em si mesmo é brincadeira de meninas com fita cor-de-rosa amarrada na cabeça.

Ando de saco cheio do niilismo e da tragédia, apesar de continuar experimentando-os todo dia. Em termos morais, a virtude máxima para ambos é a coragem, e o vício mais a mão, a covardia.

Nos últimos tempos, tenho me interessado por outra virtude, a confiança, essa, tão difícil quanto a coragem, uma vez tomada a alma pelo niilismo e pela tragédia. É sobre ela que quero falar nesta segunda-feira, dia normalmente difícil, acompanhado do "bode" do domingo e da monotonia do dia a dia que recomeça imerso num sono que nunca descansa, porque sempre atormentado pela dúvida com relação ao amor, à família, ao trabalho e à viabilidade do futuro.

Meu maior pecado como escritor é jamais enganar, jamais querer agradar. Essa é minha forma de prestar respeito a quem me lê semanalmente. O caráter de alguém que escreve é medido pela ausência de desejo de agradar a quem o lê.

Amar cães e confiar neles é mais fácil do que amar seres humanos e confiar neles. Por isso, num mundo atormentado pela dúvida niilista, ainda que em constante denegação dela, tanta gente se lança à defesa melosa de cães e gatos e exige carne de frangos felizes na hora de comer em restaurantes ridículos.

Quero propor a você duas obras. Um filme e um livro que julgo entre os maiores exemplos da arte a serviço da confiança na vida.

O filme "As Damas do Bois de Boulogne", do cineasta francês Robert Bresson, de 1945, é uma pérola sobre a confiança na vida e nos laços afetivos. Bresson é um cineasta muito marcado pelo pensamento do escritor George Bernanos, grande anatomista da alma e especialista em nossa natureza vaidosa, mentirosa e, por isso mesmo, desesperada. Coisa para gente grande, rara hoje em dia, neste mundo governado por adultos infantis.

O filme trata da vingança de uma mulher belíssima contra seu ex-amante (que a abandonou), um homem frívolo e covarde por temperamento. Essa vingança se constitui na aposta de que ele e a mulher que ela "contrata" para sua vingança agirão do modo esperado. Sua intenção é fazer com que seu ex-amante se apaixone por essa mulher "contratada", uma prostituta.

O homem é mantido na ignorância da vida pregressa de sua noiva até depois do casamento. O que a mulher abandonada não contava é que a prostituta se apaixonasse pelo covarde, levando-o a transformação inesperada de caráter.

O amor também é personagem central da obra do dinamarquês Soren Kierkegaard "As Obras do Amor", da Vozes. Esse livro é o texto mais belo que conheço sobre o amor na filosofia ocidental.

Segundo nosso existencialista, o amor tudo crê, mas nunca se ilude porque, assim como a desconfiança e o ceticismo, o amor sabe que o conhecimento não é capaz de nada além do que fundamentar o niilismo, o ceticismo e o desespero.

O amor é um afeto moral, não um ato da razão. A razão não justifica a vida. O amor é uma escolha de investimento na vida, uma atitude, mesmo que a razão prove a falta de sentido último de tudo.

Ingênuos são os niilistas e céticos que consideram a desconfiança um ato livre da vontade. A desconfiança é uma escravidão. A aposta na vida é que mostra o caráter maduro de mulheres e homens. Boa semana.

Os investimentos da União e a 'Lei de Murphy' - GIL CASTELO BRANCO

O ESTADÃO - 06/05

Em teste sobre os efeitos da desaceleração rápida nos pilotos das aeronaves, os sensores falharam e frustraram os resultados esperados pelo engenheiro aeroespacial Edward Murphy. Descoberto o erro, foi cunhado o adágio: "Se alguma coisa tem a mais remota chance de dar errado, certamente dará". Ao que parece, existe forte correlação entre a chamada "Lei de Murphy" e os investimentos públicos no Brasil.

Nos últimos 18 anos, por exemplo, o porcentual médio de execução dos investimentos da União foi de apenas 60%. De cada R$ 10 autorizados, apenas R$ 6 foram efetivamente pagos. O montante aplicado, incluindo as empresas estatais, beirou 3% do PIB.

A execução pífia dos investimentos públicos está relacionada ao emaranhado de leis, decretos, portarias, bem como às exigências, prazos e fiscalizações do Ministério Público, do Ibama, da Funai, do Iphan, da Controladoria-Geral da União (CGU) e do Tribunal de Contas da União (TCU). Acrescente-se à burocracia a formação inadequada dos gestores públicos, o que resulta na má qualidade dos projetos, dos editais e das próprias obras. A corrupção e os interesses políticos também contribuem para a inapetência governamental. Afinal, como impedir o surgimento de problemas em vários empreendimentos quando a empreiteira que mais recebia recursos do Orçamento da União é declarada inidônea? Como evitar lentidão nas obras rodoviárias, se a cada ano um novo ministro assume nos Transportes?

Há 20 dias, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou aos jornalistas do Estadão Raquel Landim e João Villaverde que "os investimentos irão bombar em 2014". A previsão não causou euforia nos agentes econômicos, tendo em vista as frequentes discrepâncias entre as expectativas do ministro e a realidade. No entanto, a futurologia sugere que o governo já "jogou a toalha" no ano em curso.

Encerrado o primeiro quadrimestre, o marasmo continua. E não faltou planejamento. No final do ano passado, o governo editou a Medida Provisória n.º 598, criando créditos extraordinários de R$ 42,5 bilhões, e inscreveu R$ 71,8 bilhões de restos a pagar de investimentos, criando autorização legislativa para os gastos mesmo sem a aprovação do Orçamento de 2013.

De janeiro a abril, contudo, foram investidos pela administração direta R$ 12,3 bilhões, o que corresponde a somente 11% do previsto para o exercício. O valor é superior ao que foi aplicado no início de 2012, mas inferior aos desembolsos nos mesmos períodos em 2011 e 2010. No Ministério dos Transportes, desconsiderada a inflação, os pagamentos são os menores dos últimos três anos. Curiosamente, até o momento, o ministério "campeão" não é, como costuma ser, o dos Transportes, das Cidades ou da Integração. A pasta que mais investiu foi a da Educação, com R$ 2,9 bilhões, sendo quase meio bilhão de reais proveniente de restos a pagar do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), destinados à aquisição dos ônibus rurais escolares que estão sendo entregues pela presidente Dilma, pessoalmente, em solenidades com os prefeitos.

Em relação aos investimentos das empresas estatais, o "espírito animal" dos dirigentes também ainda não se manifestou. Como a transparência das estatais deixa a desejar, os últimos dados disponíveis ainda são do primeiro bimestre, período insuficiente para caracterizar tendência para todo o exercício. No entanto, nesses dois primeiros meses, foram aplicados R$ 13,7 bilhões, o que representa crescimento real de somente 2,5% em relação aos meses de janeiro e fevereiro de 2012. A título de comparação, em valores atualizados, os investimentos do conjunto das estatais em 2010 atingiram R$ 15,6 bilhões, ou seja, 14% a mais do que o montante deste ano.

Em alguns casos a situação é crítica. Apesar do "engarrafamento" de navios e das enormes filas de caminhões nos portos brasileiros, do orçamento de R$ 1,5 bilhão autorizado para as Companhias Docas - dos Estados do Maranhão, Rio de Janeiro, Espírito Santo, São Paulo, Bahia, Rio Grande do Norte, Ceará e Pará -, escassos R$ 26,4 milhões foram investidos no primeiro bimestre, o que correspondeu a 1,8% do total. Dentre as oito Companhias Docas - responsáveis por 18 dos 34 portos do País -, a metade nem sequer realizou investimentos este ano.

Em meio a discussões sobre possíveis apagões durante a realização da Copa das Confederações e da Copa do Mundo, o Grupo Eletrobrás, que abrange 19 empresas no setor de energia elétrica, investiu no primeiro bimestre apenas 6,6% dos R$ 10,2 bilhões autorizados para 2013. A empresa Furnas - Centrais Elétricas, que garante o fornecimento de energia em área onde estão situados 63% dos domicílios brasileiros, investiu somente R$ 89,4 milhões. O montante equivale a 7,5% do R$ 1,2 bilhão previsto para 2013.

Na Petrobrás e na Infraero os investimentos também andam de lado. Na maior estatal brasileira, dos R$ 89,3 bilhões orçados para este ano, foram utilizados até fevereiro R$ 12,6 bilhões, montante apenas 1% maior em valores constantes do que os R$ 12,4 bilhões desembolsados no mesmo período em 2012. Na Infraero, da dotação de R$ 1,5 bilhão prevista para 2013, só R$ 92,5 milhões foram aplicados. Assim, é natural que os aeroportos brasileiros estejam fora da lista dos cem melhores do mundo, constatação da qual ninguém duvida.

Desta forma, resta ao governo a aceleração dos processos de concessões de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos, em alguns casos com horizonte de 25 a 30 anos. Os entraves, porém, são imensos e os cronogramas dificilmente serão cumpridos. Basta verificar que a primeira concessão de rodovia no governo Dilma, num trecho da BR-101, só foi assinada no mês passado, depois de acirrada polêmica judicial que durou um ano. A medida provisória dos portos sofreu 150 alterações no Congresso, desfigurando a concepção inicial do governo. Nesse cenário, será mesmo que os investimentos irão bombar em 2014? Entre o otimismo de Mantega e o pessimismo de Murphy, façam as suas apostas.

Duplo retrocesso - ADRIANO PIRES

O GLOBO - 06/05
Tem sido divulgada a intenção da presidente Dilma de ressuscitar a Conta Petróleo como forma de aumentar o valor de mercado da Petrobras, que tem arcado sozinha com o ônus dos subsídios aos combustíveis. Com a volta da Conta Petróleo, o montante subsidiado seria explicitado através de uma conta gráfica da Petrobras com o Tesouro, deixando-se de prejudicar os acionistas.

A Conta Petróleo foi criada na década de 60 com o objetivo de equalizar os preços dos derivados de petróleo no território nacional. Inicialmente, a Conta recebia os créditos de alíquotas sobre o preço dos combustíveis e, posteriormente, de recursos provenientes da Parcela de Preço Específico (PPE) e pagava ressarcimentos de fretes de derivados e subsídios diversos. Os recursos eram da União e a Petrobras atuava como agente financeiro. Após, a Conta Petróleo passou a servir como instrumento de controle da inflação e como um amortecedor para as flutuações do preço internacional do petróleo, subsidiando o preço dos combustíveis.

Finalmente, em dezembro de 2001, com liberalização do preço dos combustíveis no mercado doméstico, conforme previsto na Lei do Petróleo, se deu o início do fechamento da Conta Petróleo, que foi concluído definitivamente no final de 2002. No entanto, o livre mercado dos combustíveis durou pouco. Em 2003, com o governo PT, os preços domésticos voltaram a se descolar dos preços internacionais, num movimento que se intensificou ao longo dos últimos 10 anos.

O preço dos combustíveis no Brasil sempre foi usado como instrumento de política econômica, tanto com o objetivo de incentivar o desenvolvimento quanto para controlar a inflação. No entanto, em nenhum momento a Petrobras e seus acionistas minoritários perderam tanto como no governo Lula/Dilma. Desde 2003, as perdas acumuladas da estatal podem chegar a R$ 38 bilhões, resultado da diferença entre o preço que a empresa cobra pelos derivados de petróleo no mercado interno e o preço internacional. Essa questão tem se agravado com a necessidade crescente de importação de combustíveis, uma vez que ao comprar efetivamente gasolina e diesel, a um preço mais alto no mercado externo, o prejuízo virtual se materializa.

A ressurreição da Conta Petróleo pode parecer, à primeira vista, uma solução. No entanto, a Conta Petróleo e a compensação da Petrobras faziam sentido num arcabouço institucional no qual a estatal exercia o papel de monopolista legal do refino. Sendo assim, a retomada da Conta Petróleo seria duplamente um retrocesso. Além de legitimar o controle de preços dos combustíveis, que inclusive não é mais previsto na legislação, seria também uma forma de reconhecer o monopólio da Petrobras no mercado de refino e na importação e na exportação. Assim, o Brasil nunca seria visto como um mercado com potencial completo, limitando os investimentos nos segmentos de exploração/produção e distribuição. O correto e mais fácil seria respeitar-se a lei, dando liberdade para a Petrobras estabelecer o preço dos combustíveis, e a utilização da Cide de acordo com os objetivos para os quais foi criada.

Política fiscal à deriva - GUSTAVO LOYOLA

Valor Econômico - 06/05

Em recente entrevista ao Valor, o secretário do Tesouro, Arno Augustin, declarou que "a meta fiscal será sempre uma variável da economia e não mais da dívida pública em si". E completou: "A mudança só é viável porque novos fundamentos econômicos, como juros estruturalmente mais baixos e dívida pública em queda, além da crise mundial, abrem espaço para uma gerência fiscal mais ativa".

As palavras do secretário parecem indicar que, daqui para frente, deixará de existir na prática uma meta fiscal e os resultados primário e nominal serão ditados, ano a ano, pelos caprichos da conjuntura econômica. Isso significa que a política fiscal não mais terá como objetivo a redução da dívida pública como proporção do Produto Interno Bruto (PIB), como tem ocorrido desde o Plano Real. Vale dizer que este não seria o primeiro atentado à responsabilidade fiscal. O emprego de contabilidade criativa, o afrouxamento das regras da Lei de Responsabilidade Fiscal para Estados e municípios, o uso abusivo de "abatimentos" da meta são algumas das ações do governo nos últimos dois anos que, de forma gradual, vêm comprometendo a solidez das contas públicas construída após 1994.

A ideia de que uma política fiscal ativa signifique ignorar a trajetória da dívida pública afigura-se totalmente esdrúxula. Ao contrário, somente o compromisso com a sustentabilidade do endividamento público permite que, no curto prazo, a política fiscal possa ser utilizada como instrumento de regulação da demanda agregada, quando isso se fizer necessário. Países que têm elevadas dívidas públicas com proporção do PIB raramente possuem condições de praticar políticas fiscais anticíclicas, tendo em vista o risco de aumento do prêmio de risco exigido pelos investidores na rolagem dos papéis da dívida ou mesmo, em casos mais agudos, o fechamento do mercado a novas captações de recursos, o que pode levar ao "default".

Nesse sentido, a situação atual dos países periféricos da zona do euro é muito ilustrativa. Não obstante a severa crise de crescimento porque passam países como Grécia, Portugal e Espanha, a política fiscal obrigatoriamente tem que ser de austeridade, em decorrência do endividamento elevado desses países e das complicações para rolagem de suas dívidas no mercado. Desse modo, a política fiscal acaba sendo utilizada de maneira procíclica, o que agrava ainda mais a situação de penúria econômica daqueles países.

Por outro lado, não é certo dizer que a dívida pública brasileira está em queda. O indicador dívida bruta/PIB tem crescido substancialmente nos últimos anos, em razão principalmente da expansão da dívida mobiliária como contrapartida do repasse massivo de recursos do Tesouro ao BNDES. Por sua vez, o fato de a relação dívida líquida/PIB ainda estar apresentando trajetória favorável traz conforto apenas ilusório, já que a estatística da dívida líquida não mais reflete fidedignamente, a meu ver, a noção de endividamento líquido, uma vez que em seu cálculo são deduzidos da dívida bruta os créditos do Tesouro junto ao BNDES que não têm liquidez imediata, ao contrário das reservas internacionais do país.

Ademais, o espaço fiscal gerado pelos juros "estruturalmente mais baixos" já foi totalmente comprometido pelo governo com a redução do esforço primário em 2012, o que deveria levar a uma política fiscal mais prudente em 2013 e 2014, contrariamente ao sugerido pelo secretário do Tesouro na citada entrevista.

Aliás, com relação à taxa de juros, não parece correto tomar-se seu nível atual como sendo o de equilíbrio de longo prazo, haja vista o comportamento desfavorável da inflação nos últimos meses que sinaliza a existência de um desequilíbrio entre oferta e demanda. Por outro lado, menor superávit primário implica estímulo adicional à demanda o que, numa situação de pleno emprego, acaba exigindo do BC a fixação de uma taxa Selic mais elevada para conter o risco inflacionário, acarretando elevação dos custos de financiamento do Tesouro. A propósito, uma das características mais negativas da atual gestão macroeconômica é a absoluta divergência de diagnósticos sobre a conjuntura entre o BC e o Tesouro. Enquanto o BC inicia um processo de aperto monetário - como reação ao aumento do risco inflacionário, o Tesouro acelera o passo na expansão fiscal, como se estivéssemos numa quadra de insuficiência de demanda agregada.

Nessas condições, colocar a política fiscal brasileira ao sabor das ondas da conjuntura econômica é um experimento temerário. Bem superior seria uma política que estabelecesse metas - críveis e transparentes - de longo prazo para a diminuição das despesas de custeio como proporção do PIB, assim como de equilíbrio estrutural entre as receitas e as despesas nominais do governo. Âncoras como essas permitiriam o gerenciamento de curto prazo da política fiscal sem sobressaltos e riscos, ainda quando a situação conjuntural viesse a exigir seu afrouxamento (redução de impostos e/ou aumento de gastos) para estimular a demanda agregada.

Mais Chile e menos Argentina - SAMY DANA E LEONARDO SIQUEIRA LIMA

Valor Econômico - 06/05

O ano era 1973, a ditadura de Augusto Pinochet começava no Chile e, nas décadas seguintes, o país passaria pela maior transformação econômica de sua história.

Os "Chicago Boys", como eram conhecidos os 25 jovens economistas chilenos recém-chegados da Escola de Chicago, foram os pioneiros a colocar em prática o pensamento neoliberal, antecipando no Chile em quase uma década medidas que só mais tarde seriam adotadas por Margaret Thatcher no Reino Unido e por Ronald Reagan nos Estados Unidos.

Para eles, a ideia mercantilista baseada na busca incessante de um superávit comercial já não atendia mais às necessidades do capitalismo. A crença agora era de que o neoliberalismo tornava a economia mais competitiva, e por meio da livre concorrência os preços, as margens e a inflação iriam cair.

Para tanto, foram tomadas algumas medidas: primeiro as privatizações, em seguida a abertura comercial em conjunto com o rigor fiscal. Mas, como tudo na vida, todo benefício tem seu custo.

Subir 0,25 a Selic ou 0,50 é importante para ancorar as expectativas de inflação no curto prazo. Mas no longo prazo são a competitividade da indústria e os incentivos ao setor privado que reduzirão os preços e farão o país crescer de maneira digna

Essas medidas liberais demoraram a surtir efeitos e o ajuste provocou em um primeiro momento inflação, desemprego e outros problemas sociais. O remédio foi amargo nos dezessete anos seguintes (1973-1990) com o PIB crescendo menos do que nos anos anteriores ao golpe.

Apesar disso, 20 anos depois, de 2006 a 2010, a então presidente do Chile, Michelle Bachelet, intensificou essas reformas liberais. Continuou a mínima intervenção estatal na economia e no mercado de trabalho; intensificou a abertura econômica; adotou medidas contra o protecionismo; se manteve contra os impostos excessivos e se posicionou contra o controle de preços por parte do Estado. Resumindo, defendeu com unhas e dentes os princípios econômicos do capitalismo.

Foi exatamente nesse período que o amargor dos anos 70 deu lugar ao maior Produto Interno Bruto (PIB) per capita da América Latina, com uma economia crescendo por volta dos 4,0% ao ano e uma inflação de apenas 1,9% de 2009 a 2012. Em termos de comparação, nesse mesmo período, o Brasil atingiu míseros 2,7% e inflação média de 5,6%.

Na contramão do Chile estão nossos hermanos argentinos. Com um governo cada vez mais populista e intervencionista, Cristina Kirchner vem desenhando um manual de tudo o que não deve ser feito em termos econômicos com um país. Após 10 anos de kirchnerismo, que começou com Néstor Kirchner em 2003, Cristina não fala em outra coisa senão restringir as importações, aumentar o controle de capital e manter (via caneta) o controle de preço. Em resumo, em vez de curar a febre, o governo argentino decidiu quebrar o termômetro.

Por um tempo funcionou, mas o que era uma popularidade alta foi transformado em um pífio crescimento de apenas 2,4%, com uma inflação exorbitante de 32%. Obra do acaso?

Talvez não. Medidas populares podem ser artifícios políticos para contentar a população no curto prazo. Um governo que protege a indústria nacional a qualquer custo equivale a uma mãe que mima seu filho até os 40 anos achando que essa é a solução para os problemas do mundo. O resultado disso já sabemos: assim como a mãe fica com um filho dependente e despreparado para vida, o governo cria uma indústria não competitiva e dependente de intervenções.

Mais do que isso, entra-se em uma armadilha com cada vez mais pressões populares e, à medida que atende essas demandas, o governo isola comercialmente o país, Em outras palavras, o remédio além de não surtir efeito, agrava o problema.

Mas porque toda essa comparação? Os veículos de mídia e nossos governantes sempre discutem à exaustão se o Copom deve aumentar em 0,25 ou 0,50 a taxa de juros base da economia para controlar a inflação.

A grande questão é que tanto 0,25 como 0,50 não podem ser os problemas centrais do país, a discussão dos motivos do crescimento baixo e inflação a longo prazo está praticamente desconectada da taxa de juros. E infelizmente, o modelo brasileiro adotado está mais para a já comprovada ineficiente política argentina do que para a próspera visão chilena.

As notícias não animam. Um estudo feito pelo Banco Mundial mostra que o Brasil é o país mais fechado do G-20 e que desde 2008 vem intensificando essas medidas protecionistas.

O governo exagera ao sustentar a qualquer preço as ineficiências das empresas "ad eternum", mas também contribui pra isso. Um exemplo disso é o tempo necessário para abrir uma empresa no Brasil de 119 dias. A um custo médio de R$ 2.038. Já nosso vizinho, o Chile aprovou uma lei em que a abertura de empresas passa a ser feita em um único dia, pela internet, sem papelada e a custo zero.

Talvez isso explique o porquê temos o segundo Ipad mais caro do mundo, atrás apenas dos nossos hermanos argentinos. Sem contar o Ipad, ainda sofremos com a banda larga e os automóveis mais caros também. Para ilustrar como sofremos com isso, uma Ferrari 458 Spider no Brasil custa US$ 950 mil - com esse dinheiro um americano compra o mesmo carro (US$ 250 mil), um apartamento (US$ 350 mil) e ainda um helicóptero (US$ 350 mil).

Portanto, subir 0,25 a Selic ou 0,50 é claramente importante para ancorar as expectativas de inflação no curto prazo. Mas no longo prazo será a competitividade da indústria e os incentivos ao setor privado que irão tornar os preços mais baratos e farão o país crescer de maneira digna.

Assim como no Chile, uma saída para promover o desenvolvimento é apostar na fórmula empreendedorismo e inovação para não deixar morrer a iniciativa privada e a livre concorrência. Posto de outra forma, precisamos de mais Chile e menos Argentina para o Brasil.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

FOLHA DE SP - 06/06

Setor de sucata contesta programa do Estado de SP
Companhias do segmento de sucata de ferro e aço questionam o programa de incentivo à renovação de frota de caminhões do Estado de São Paulo.

Para receber financiamento para a compra de um veículo novo, os caminhoneiros precisam destinar o antigo a uma empresa de reciclagem.

O problema é que apenas uma companhia foi cadastrada pela Desenvolve SP (Agência de Desenvolvimento Paulista) para reciclar os veículos desde o início do projeto, há quase um ano.

A Desenvolve SP exige licenças ambientais que "não se aplicam ao comércio atacadista ferroso", de acordo com o Inesfa (instituto nacional das empresas de preparação de sucata).

"Algumas empresas fizeram contato com o órgão do Estado para se cadastrar, mas não tiveram êxito", afirma Murilo Meneghetti Nassif, advogado do Inesfa.

Nassif, no entanto, não sabe informar qual o número de companhias que tentaram se credenciar.

"Mas existem 1.800 empresas no Estado que atuam no segmento, e várias delas têm os equipamentos necessários para fazer o trabalho", diz.

"Começaremos agora nossas conversas com o órgão."

A Desenvolve SP informa que o processo de participação no programa é "público e está aberto a qualquer empresa de reciclagem interessada" e que, até o momento, apenas uma companhia apresentou um pedido formal de credenciamento.

Ainda segundo o órgão, as exigências de licenças ambientais foram estabelecidas pela Cetesb (companhia de saneamento ambiental).

Tentativas de golpe crescem no 1º trimestre, aponta índice
O primeiro trimestre deste ano teve 507 mil tentativas de fraude contra o consumidor, um aumento de 5,14% em relação ao mesmo período de 2012, segundo um estudo da Serasa Experian.

O índice é recorde desde o primeiro trimestre de 2010, quando a medição teve início.

O indicador apontou que, a cada 15,3 segundos, um consumidor brasileiro foi vítima de tentativas de fraude.

Entram na pesquisa casos rastreados em que golpistas usaram dados ou documentos de terceiros para solicitar um produto ou serviço.

Estão mais suscetíveis às fraudes os consumidores que tiveram o CPF ou outro documento roubado ou furtado.

Empresas usuárias do serviço antifraude da Serasa Experian recebem um alerta antes que o golpe se concretize.

O setor de telefonia lidera as tentativas identificadas, com 39% dos casos, seguido do setor de serviços (que inclui seguradoras, construturas, imobiliárias e pagamento de pacotes turísticos, por exemplo), com 30%.

Em terceiro lugar, está o setor de bancos e financeiras. Foram registrados mais de 106 mil casos, equivalente a 21% do total.

AMAZÔNIA ECONÔMICA
A Allia Hotels fechou contrato para administrar um hotel que está sendo construído em Manaus, focado no turismo de negócios.

A empresa já opera 28 hotéis nas regiões Sudeste e Centro-Oeste e chegará agora ao Norte do país.

O investimento de R$ 10 milhões nas obras é da Manoa Hotelaria e Participações. Ao assumir a administração, a Allia recebe com base no faturamento e no resultado operacional do empreendimento.

O presidente da Allia, André Monegaglia, diz que Manaus é um destino muito interessante, por ser um centro econômico da Amazônia, ter a Zona Franca e ser sede da Copa-2014.

Mesmo com o perfil voltado para atender hóspedes da área de negócios, Monegaglia afirma que os valores das hospedagens e a proximidade com o aeroporto podem atrair quem procurar também o lazer.

"É um hotel econômico, com uma diária convidativa, que pode receber turistas aos fins de semana."

O Bristol Easy Hotel Manaus, com previsão para ser inaugurado em abril do próximo ano, terá 84 apartamentos, restaurante e sala de eventos.

28
é o número de hotéis que a empresa opera atualmente, localizados nos Estados de SP, MG, ES, GO e DF

46
são os hotéis que a companhia prevê administrar no final de 2016

EXPORTAÇÃO
A Pretorian, de artigos esportivos, fechou contrato com distribuidores internacionais e terá seus produtos comercializados nos EUA, na Europa e na Ásia nos próximos meses.

O mercado americano significará 40% do faturamento da empresa. O europeu e o asiático, juntos, 15%. O restante será do Brasil.

"Em 18 meses, pretendemos abrir as primeiras lojas físicas no exterior", afirma o CEO da Pretorian, Ruy Drever.

A marca finalizou também o seu projeto de franquias para o Brasil.

"Em breve, vamos apresentar o plano, que terá lojas e também academias", afirma Drever.

Dilma em seu momento crítico - RENATO JANINE RIBEIRO

Valor Econômico - 06/05

Gosto da diferença que Maquiavel faz, no "Príncipe", entre os governantes que atingem o poder por sua ação própria e aqueles que chegam lá graças a amigos ou aliados, "pelas armas alheias", diz ele. Esta distinção ajuda a entender a política brasileira do período democrático que começou em 1985 - e, em especial, a pensar o momento crítico pelo qual ora passa a presidente Dilma.

Podemos dividir nossos seis presidentes civis em três grupos. José Sarney e Itamar Franco assumiram a Presidência pelo acaso, pela "fortuna"; tinham sido indicados para a vice-presidência como uma espécie de aposentadoria, mas a morte de Tancredo Neves e o impeachment de Fernando Collor os projetaram para a chefia do Estado. Por outro lado, Collor e Lula alcançaram o poder por méritos próprios: foram os dois que mais se empenharam nessa direção. Collor parece ter realizado o alerta que Dom João VI, ao partir para Portugal, teria feito ao filho: "Pedro, toma esta coroa antes que algum aventureiro lance mão dela". Collor lançou mão, sim. Percebeu que faltavam nomes para enfrentar a esquerda, na primeira eleição da Nova República, e planejou com cuidado e presteza os passos que o levariam à vitória. Lula foi o contrário - uma longa travessia, geralmente do deserto, a certeza de que ele jamais seria eleito (dizia Delfim Neto: se lançarem um poste contra Lula, o poste ganha as eleições) e, finalmente, a moderação, as alianças e a vitória consolidada. Talvez esses trajetos opostos nos dois lutadores - Collor açodado, Lula demorado - expliquem também por que o primeiro não durou e o segundo, sim. Lula aprendeu; Collor, não. Foi presidente de uma única edição.

Finalmente, temos dois presidentes que devem sua ascensão às armas alheias mas que, diferentes de Sarney e Itamar, foram eleitos pelo povo - e, com isso, constituem uma situação intermediária. Não chegaram ao poder por mérito próprio mas, uma vez no Palácio, procuraram construí-lo. Falo de Fernando Henrique Cardoso, escolha imperial de Itamar, e de Dilma Rousseff, decisão unilateral de Lula. Sem o apoio do antecessor, nenhum deles venceria. Aliás, nem seriam candidatos. O PSDB dispunha de nomes mais cotados do que FHC, em 1984; o PT tinha, em 2006, vários cardeais à frente da ministra da Casa Civil.

Mas FHC tem - por enquanto - uma vantagem sobre Dilma. Ele soube transformar a fortuna, a sorte, em mérito. Não foi fácil. Lembro Maria da Conceição Tavares contestando um apoiador de FHC, antes da eleição: "Mas você acha que o Fernando vai enrolar o Antonio Carlos Magalhães?" Pois enrolou. Foi favorecido pelo fato de que estava quase ombro a ombro com os demais chefes tucanos. Uma vez eleito, nenhum era maior que ele, no partido. Mas de todo modo esse, que era apenas um entre vários líderes tucanos, se tornou o líder inconteste de sua ala política, ao longo de seus dois mandatos, e continua sendo o referencial maior do partido - simplesmente, porque, até hoje, nenhum tucano voou tão alto.

Contudo, essa conversão da sorte em mérito não aconteceu - ainda? - com Dilma. A referência maior do PT continua sendo Lula. Ele respeita a sucessora. Jamais avançou sobre suas prerrogativas. Contudo, a personalidade dela ainda precisa ser consolidada. O ano difícil que ela está vivendo dificulta ou atrasa essa tarefa.

Tanto Lula quanto Dilma foram aplaudidos pela oposição ao assumirem o governo. Lula se empenhou na reforma da Previdência, e o PSDB o apoiou nisso - mas com a finalidade de mostrar que Lula fazia a política tucana, que essa era a política certa, o que por sua vez criaria uma distância entre Lula e quem votou nele para romper com o tucanato. Dilma demitiu ministros suspeitos, e a oposição a saudou por isso - mas com a finalidade de criar uma cunha entre ela e Lula, entre ela e o PT, e de dizer que ela reconhecia, afinal, que seu partido era corrupto. Os dois "apoios" foram, assim, apenas táticos: pretendiam esvaziar os dois presidentes petistas. Foram dados por esperteza. Mas não tiveram nenhum efeito. Não ajudaram, nem prejudicaram.

O fato é que, de alguns meses para cá, a Presidência enfrenta uma crise. As medidas econômicas são criticadas. A baixa dos juros, certamente uma das iniciativas mais importantes na área, é frontalmente contestada. O alto peso das commodities em nossa pauta de exportações, a desindustrialização do país e o elevado número de manufaturados que hoje importamos preocupam. Três candidatos já se perfilam para desafiar a incumbente no ano que vem. Embora hoje ainda seja provável uma vitória de Dilma - no segundo turno - a situação pode mudar até o fim de 2014 e, pelo menos, demandará muita energia política.

Na verdade, o que está em jogo não é apenas o pleito do ano que vem. De pouco serviria à esquerda um segundo mandato de Dilma nos moldes do segundo de FHC, que não agregou quase nada ao que ele tinha realizado nos primeiros quatro anos de governo. Há tarefas cruciais pela frente. A questão é se a presidente será capaz de realizá-las. Ela não é uma comunicadora como Lula, mas sua tarefa já não depende de se comunicar bem e, sim, de organizar o poder. Talvez o mais difícil seja unir uma agenda política e social, que se escora na inclusão social, e uma econômica, que obedece a outra lógica. A primeira agenda é de esquerda. A segunda, sendo capitalista, tende à direita. Conciliar as duas, ou usar a economia como meio para atingir fins sociais e políticos, não é coisa fácil. Mas essa dificuldade não é só de Dilma. Quem quer que vença as eleições de 2014 terá esse mesmo problema pela frente.

Taxonomia dos ratos - JOÃO SAYAD

FOLHA DE SP - 06/05

Se é impossível resolver, classificamos: o taxonomista é, antes de tudo, um resignado; convido a iniciar uma taxonomia da corrupção


Face a problemas insuperáveis, a ciência classifica.

Médicos classificam tumores em benignos, malignos, perversos ou dóceis. Zoólogos falam de baratas pretas, marrons, voadoras, cascudas ou molengas; ratos de rabo longo, camundongos, ratazanas, roedores urbanos e rurais. O método se chama taxonomia.

Se é impossível resolver, extinguir ou explicar, classificamos. O taxonomista é, antes de tudo, um resignado.

Convido o leitor a iniciar uma taxonomia da corrupção.

Existe a corrupção do fiscal, do policial, do oficial de justiça, do perito avaliador, do inspetor da prefeitura, do parlamentar. Esta é a malversação do tipo público. E a corrupção do setor privado, obviamente, faz par a cada uma das classes de corrupção do setor público.

Mas gêneros, espécies e subespécies ainda não foram bem definidos.

Contribuo, então, com uma classificação que, mesmo modesta, pode aumentar a produtividade dos caçadores de ratos, fabricantes de inseticidas e ratoeiras, auditores, corregedores, promotores, funcionários do Ministério Público, jornalistas e até gente do terceiro setor que ainda se incomode com o tema.

Dividiria a corrupção do setor público em dois grandes grupos.

A grande corrupção (chamemos de corrupção "a la grande") está associada a investimentos públicos enormes. É o mundo das negociatas impressionantes, das concessões viciadas, das toneladas de cimento.

O caso famoso do prédio do Tribunal Regional do Trabalho, na Barra Funda, em São Paulo, é bom exemplo. O prédio está lá. É grande, espaçoso e funcional. Pode-se dizer até que é bonito. Custou 160 milhões de reais a mais do que deveria ter custado. Mas está lá.

O culpado pelo desvio foi morar em Miami, comprou um monte de carros esporte e voltou preso. Quem ficou aqui acabou devolvendo em prestações o superfaturamento praticado. A relação custo-benefício, no final das contas, foi positiva: houve custo excessivo, mas o prédio, repita-se, ficou pronto.

As características desse tipo de corrupção são duas: primeiro, o bem público foi produzido e entregue. Depois, o valor subtraído ficou conhecido e teve limite. Acabou a obra, acabou o roubo. E os culpados mudam de ramo e nos deixam em paz, se não forem presos.

Existe também a corrupção pequena (de custeio, diriam os economistas): contrata parentes, compra papel higiênico superfaturado, orienta a criação de empresas de fachada para prestarem serviços, cria cooperativas para pagar funcionários terceirizados, faz acordo de "kick back" com os fornecedores e, principalmente, avacalha, paralisa, lasseia e termina por matar a organização que administra.

Esse tipo de corrupto "petit cash" instala-se em organizações públicas menores, nas quais pode atender a fisiologia e necessidades de financiamento eleitoral sem ser percebido de imediato.

Sangra a organização anos a fio, faz favores a seus superiores e enche-se de queijo de maneira paulatina e continuada. A alta administração do órgão se afasta e se esconde dos funcionários de carreira; o segredo e a confidencialidade passam a ser as regras na organização.

E os serviços públicos que seriam oferecidos vão perdendo qualidade, tornam-se irrelevantes. Os funcionários acabam deprimidos, pois não têm o que fazer, ganham mal e sabem que o "andar de cima" ganha bem por dentro e por fora. O resultado é o apodrecimento da organização até a morte definitiva.

O custo desse tipo de corrupção parece pequeno. Mas um desvio de 1 milhão por ano por tempo indefinido tem um valor atual elevado. Se a taxa de juros de desconto for de 7,5% ao ano, 1 milhão por ano custa ao contribuinte mais de 10 milhões.

Pior ainda, a relação custo-benefício é infinita: custa 10 milhões e não oferece nenhum benefício público. Não há adição, só subtração. É dez dividido por zero.

Não há um prédio, não há nada concreto no fim da linha, só há ruínas e desmoralização. E a sociedade fica sem o serviço público direito, enquanto centenas de funcionários passam anos em meio ao lixo.

Finalmente, esse tipo de corrupção tem um agravante.

Como é obtido em suaves prestações, não permite ao parasita fugir para outro país, ir morar na praia ou dedicar-se à criação de cavalos. O parasita permanece grudado na instituição hospedeira da qual suga o sustento por longos períodos, até que mudem os partidos no governo.

É uma corrupção mixa, que não produz fóruns, estradas ou pontes.

Proponho, a quem tiver paciência de continuar o trabalho de classificação, chamá-la de "corrupção brega". Minha vontade de prosseguir na tarefa acabou. Estou indignado.

Fora de hora - RICARDO NOBLAT

O GLOBO - 06/05


"Não tem quem nos derrote, e isso garante a nossa força."
Dilma Rousseff


Um dia desses, em visita ao Congresso, o Ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, disse que há atos políticos e atos políticos eleitorais ou eleitoreiros. E que, mesmo às vésperas de novas eleições, não se pode classificar de eleitoreiros atos que são apenas políticos, obrigatórios da parte de quem governa e deve satisfações. Ou da parte de quem exerce cargo público mediante voto popular.

TEM RAZÃO o ministro. Só faltou oferecer exemplos que facilitassem a distinção entre atos políticos e atos políticos eleitoreiros. Na última segunda-feira, por exemplo, a presidente Dilma Rousseff foi recebida com festa em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, para a cerimônia de entrega das chaves de 300 ônibus escolares a 78 prefeitos. Aquele foi um ato político, apenas político ou foi também eleitoral?

É CLARO QUE o ato lhe renderá votos. Mas seria exagero apontá-lo como flagrantemente eleitoral. Dilma até chegou a ser vaiada por produtores rurais. No último dia 25, a assessoria de imprensa do govemo do Rio de Janeiro distribuiu nota sob o título "Pezão anuncia obras em rodovias federais do Estado" Coisa de R$ 4 bilhões. O anúncio foi feito em Casemiro de Abreu, na Região das Baixadas Litorâneas.

HAVIA POR LÁ prefeitos, cabos eleitorais, secretários de Estado e toda a sorte de gente que costuma se reunir em ocasiões do gênero. Há três anos, Sérgio Cabral, governador do Rio e candidato à reeleição, não deixaria que Pezão anunciasse um investimento desse porte. Caberia a ele, Cabral, anunciar. E a Pezão se manter em silêncio. Os papéis, agora, se inverteram como Cabral antecipou assim que se reelegeu.

PEZÃO É CANDIDATO à sucessão de Cabral. Está sendo empurrado por Cabral para o centro de todos os palcos que possam ser montados desde já. O da terça-feira passada, na praça central de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, foi animado por grupos de pagode e de fimk. Os custos do ato correram por conta do governo do estado. Quem sustenta o governo? Você, eu, nós, com os impostos que pagamos, ora.

CABRAL ESTAVA lá e até discursou prometendo 60 novos trens com ar-condicionado ligando a Baixada à cidade do Rio. Espera revisitar a cidade na companhia de Lula e Dilma. Mas a estrela da festa foi Pezão, que desembrulhou um pacote de obras no valor de R$ 1 bilhão. Não pediu votos - não poderia fazê-lo sem incorrer em crime.

DEU-SE UM JEITO. Líderes comunitários de Nova Iguaçu e cidades vizinhas distribuíram panfletos pedindo votos para ele. Por sua vez, o prefeito dispensou mais cedo do trabalho os servidores interessados em prestigiar Pezão. Teria procedido assim se, ao invés de Pezão, aparecesse por lá outro candidato ao governo? Claro que não!

DESPREZA-SE A AJUDA de cabeças privilegiadas para concluir que Nova Iguaçu foi cenário de um ato político eleitoral destinado a aumentar as chances de Pezão se eleger governador do Rio. De todo modo, dê-se como certo que a Justiça não incomodará Cabral e Pezão com pedidos de explicações, advertências ou multas. Ah, não incomodará mesmo.

LULA USOU e abusou da falta de direito de fazer campanha antecipada para Dilma em 2010. Nos dois anos anteriores, percorreu o país carregando-a debaixo do braço. Foi punido só com meia dúzia de multas irrisórias. Ou menos do que isso. Ministro de tribunal superior, que pode punir presidente, costuma dever o emprego a ele. Assim como desembargador deve ao governador. Portanto...

Desventuras em série - DENISE ROTHENBURG

CORREIO BRAZILIENSE - 06/05

Este primeiro semestre promete deixar o governo Dilma Rousseff com um gosto amargo na boca no que se refere à apreciação de temas importantes no Congresso, Até aqui, na lista de propostas importantes para o Planalto, nada saiu de acordo com os desejos presidenciais. Para completar, o que vem pela frente vai no mesmo caminho.

De março para cá, o projeto mais importante aprovado foi a PEC das Domésticas, cujo texto o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), fez questão de ressaltar como um feito do parlamento. Tanto é que, no 1º de Maio, sobrou para Dilma anunciar uma nova tentativa de destinar os royalties do petróleo à educação, um projeto que, aliás, já havia naufragado recentemente no Congresso. Quanto à emenda à Constituição que vai melhorar os rendimentos e dar mais organização ao trabalho doméstico, o mérito já estava estampado na testa dos parlamentares, uma vez que a iniciativa foi de uma deputada, Benedita da Silva (PT-RJ), e a celeridade na votação foi promovida pelos presidentes das duas Casas, não por pressão do governo.

Em relação aos próximos dois meses até o recesso legislativo de julho, as perspectivas não são das melhores. Esta semana, por exemplo, será crucial para o governo Dilma Rousseff mostrar o comando sobre a base parlamentar. Será a hora de tentar contornar a iminente derrota na Medida Provisória nº 595, que fixa o novo marco regulatório para o setor portuário. O desafio é grande porque, conforme dissemos aqui ontem, os congressistas escolheram esse tema para dar um recado de insatisfação ao governo.

Mas não é apenas aí que mora o perigo. O projeto do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que começou como uma grande promessa para esta temporada legislativa, perdeu força e ninguém aposta que vá sair dentro daquilo que desejava o governo. No geral, avaliam os próprios congressistas, tudo o que o governo listou como prioridade não consegue caminhar a contento.

Os motivos para que isso ocorra são os mais variados. Além, obviamente, dos problemas normais de mérito, há a má vontade e a ação deliberada para mostrar que Dilma não vai resolver as coisas no grito ou na queda de braço. A esperança dos políticos é a de que, até sexta-feira, isso fique translúcido para o Planalto. Veremos.

Enquanto isso, no PT...

O presidente do partido, Rui Falcão, não pode se queixar de sua estada em Brasília no fim de semana. Saiu da cidade com o apoio da terceira maior força petista, o Movimento PT , à sua reeleição. Somadas as facções fechadas com ele, Falcão tende a ficar com dois terços dos votos para o Processo de Eleição Direta (PED) de novembro, conforme antecipamos aqui na sexta-feira. O Movimento PT vai trabalhar para conquistar a Secretaria-Geral petista enquanto Falcão terá mais tranquilidade para cuidar dos palanques estaduais de Dilma Rousseff. E trabalho nessa seara não falta.

Enquanto isso, no PSB...

Eduardo Campos entrou na “muda” porque não quer dar motivos para o PT dizer que está fazendo farol aos oposicionistas. Por isso, não foi ao encontro do PPS no mês passado nem ao 1º de Maio da Força Sindical. Quanto à feira agropecuária, a Expozebu em Uberaba, houve quem dissesse que não era de bom tom ficar ali, no meio, entre Dilma e o senador Aécio Neves (PSDB-MG). A próxima investida do governador, segundo seus aliados, será em junho, mês das festas tradicionais nordestinas. Ali, sim, ele estará “em casa”.

Ovelhas desgarradas - VINICIUS MOTA

FOLHA DE SP - 06/05

SÃO PAULO - A faculdade da reeleição para cargos do Executivo, implantada em 1997, dificultou o exercício da oposição. Derrotar um governador ou um presidente candidato ao segundo mandato tornou-se uma possibilidade rara, uma façanha.

Com ciclos de oito anos, explodiu o custo da sustentação de partidos fora da órbita governista. Nenhuma reforma política, a não ser o improvável fim da reeleição, parece capaz de arrostar essa tendência.

Hoje talvez apenas o PT seja capaz de exercer oposição competitiva na hipótese de perder o domínio da generosa máquina federal. Ainda assim, a legenda dificilmente escapará de uma dieta severa de emagrecimento quando a derrota vier.

Mas uma derrota em 2014, quer de Dilma Rousseff no Planalto, quer de Geraldo Alckmin em São Paulo, seria uma surpresa. Ambos se esforçam agora para fazer valer a seu favor a inércia do sistema que permite a reeleição.

A presidente e o governador priorizam recolher o máximo da adesão dos partidos-satélites, de modo a assegurar o maior tempo de propaganda televisiva possível. Esse é o ativo de ouro das eleições brasileiras contemporâneas, que compensa um passeio no jardim malufista.

Nos dois casos, liquidar a fatura no primeiro turno não é o objetivo central. A meta é estabelecer sobre os adversários uma vantagem larga a ponto de tornar muito difícil a virada na votação decisiva.

Eduardo Campos é a ovelha desgarrada do comboio dilmista. Poderá frustrar a expectativa da presidente de obter folgada votação no Nordeste.

José Serra, cortejado pelo MD de Roberto Freire, poderá tornar-se, por assim dizer, o Eduardo Campos de Alckmin? Imagine um cenário em que Serra saia candidato a governador do Estado pela nova legenda.

Nessa confusão em que se transformou a política partidária nacional, eis uma possibilidade que não deveria ser descartada.

Olhar o presente - DENIS LERRER ROSENFIELD

O ESTADÃO - 06/05

Há o tempo da crítica e há o tempo do elogio. Mudanças devem ser não apenas constatadas, mas bem-vindas. Ilude-se quem pensa que uma mesma postura, sobretudo quando eivada de preconceitos ideológicos, deve ser mantida a qualquer custo, sob pena de produzir efeitos nocivos ao País. O governo Dilma Rousseff, no Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e, principalmente, via Incra, tem dado mostras de atitudes cada vez mais técnicas e menos ideologizadas.

Se anteriormente o Incra era um foco de radicalismo agrário que procurava infernizar a vida dos produtores rurais, prejudicando a agricultura e a pecuária, atualmente se observa uma mudança voltada para o interesse maior dos brasileiros em geral. Nada ganha quem radicaliza. Tudo ganha quem se abre ao diálogo.

Se antes era literalmente impensável um diálogo entre o Incra e a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), esse se tornou corriqueiro, com visitas recíprocas e tentativas de mútua compreensão. Permanecer vendo esse órgão governamental como um centro de obstáculos e controvérsias da vida rural significa desconhecer a própria realidade. O diálogo, por corriqueiro, não pode ser desconhecido. Ao contrário, é o signo de amadurecimento do País.

Os que se aferram a preconceitos não souberam perceber a atitude inovadora da presidente Dilma não só ao denunciar a existência de uma "favelização rural" nos assentamentos da reforma agrária, como ao propor uma nova política - que deveria estar voltada para a produtividade dos assentamentos rurais, tirando-os da situação de miséria e penúria, dotando-os de meios para um futuro de predominância e desenvolvimento da agricultura familiar. Rompeu com coragem uma inércia que se propagava por vários anos.

Houve críticas de que o atual governo estaria abandonando a reforma agrária pela diminuição das desapropriações. Trata-se de qualificar os assentamentos existentes. Assentados devem ser apoiados para que se tornem agricultores familiares, detenham títulos de propriedade mediante emancipações e tenham condições favorecidas para o crédito rural e para a aquisição de sementes e maquinário. Assentados devem estar integrados à economia de mercado.

O Incra está hoje também desenvolvendo uma nova agenda de "governança fundiária", voltada para a segurança jurídica dos empreendedores rurais. Se há algo que as pessoas envolvidas no mundo das finanças e da indústria não viam, por vivenciarem outra realidade, é que a insegurança paira sobre a agricultura, a pecuária e o agronegócio em geral. E é precisamente essa questão que está sendo objeto de atenção especial.

Com efeito, muitas vezes foi observado corretamente que a extensão do Brasil não bate com os registros das propriedades rurais, como se o conjunto destas não devesse coincidir com os limites de nossas fronteiras. Haveria dois Brasis, o físico e o cartorial. Os detentores de direitos legítimos devem ser reconhecidos. Note-se que essa mesma preocupação se está traduzindo num trabalho extremamente importante levado a cabo pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), verificando, analisando e propondo medidas de alterações nos registros de imóveis do País. Deve haver um único Brasil!

O trabalho do Incra está aqui focado em três pontos: 1) Fornecimento de novos produtos e serviços visando a regularizar as ocupações e dirimir conflitos entre proprietários no que diz respeito aos limites de suas propriedades; 2) controle pela sociedade dos dados cadastrais e cartográficos, num esforço de transparência que começa até a ser acessado eletronicamente; e 3) novo arranjo institucional que integre o uso da malha fundiária e dos dados existentes sobre o domínio da terra.

Recentemente, a Comissão de Assuntos Fundiários da CNA trabalhou em conjunto com o Incra na simplificação da análise dos processos de certificação de imóveis rurais, trabalho esse que contou com o apoio do Exército Brasileiro. Hoje já existem mais de 116 milhões de hectares de imóveis rurais cujos proprietários podem registrar nos cartórios com a segurança de que não se sobrepõem a outros.

Uma nova metodologia de simplificação da certificação foi implementada em novembro de 2012. Os resultados são visíveis: de 25 análises diárias, o número saltou para 140 imóveis/dia. Ainda neste semestre entrará em operações um sistema eletrônico de recepção e aprovações de imóveis georreferenciados, que permitirá a aprovação automática da medição da propriedade lançada via internet pelo proprietário ou profissional contratado. Um grande gargalo que atormentava a vida dos produtores rurais começa a ser equacionado.

O Brasil não pode, evidentemente, conviver com uma base de dados parcial e segmentada no que diz respeito à sua malha fundiária. Tal convivência é fonte de insegurança e obscuridades, cujas zonas de sombra favorecem os que procuram agir à revelia da lei. É digno de nota que o novo sistema de certificação porá as informações cartográficas à disposição dos cartórios de imóveis, facilitando e tornando viáveis os registros. O País terá uma integração inédita de diferentes bases de dados, com menor burocracia e maior transparência, graças a esse trabalho conjunto da CNA, do Incra, do Exército, do Ministério da Agricultura e Pecuária e do CNJ.

De um lado e de outro há os que se recusam a reconhecer todo um novo trabalho em curso. Há os que desconhecem a execução dessa nova política, voltada para o acesso público de dados, a transparência, a eficiência e o controle social exercido pelos próprios proprietários; e há os que seguem apostando na radicalização do processo político, procurando instrumentalizar o Incra e o MDA.

Olhar ideologicamente para o passado e desconhecer o presente impede o caminhar para o futuro.

Um novo salto - AÉCIO NEVES

FOLHA DE SP - 06/05

A destinação exclusiva dos recursos da exploração do petróleo do pré-sal para a educação brasileira é um dos raros consensos em processo de construção no país.

A causa merece apoio suprapartidário e o aval da opinião pública para que o país resista à tentação de atender simultaneamente aos múltiplos deficits dos quais é portador, ou ao tradicional pragmatismo do Estado brasileiro.

Temos cerca de 1 milhão de crianças sem vaga na pré-escola e 3,6 milhões de crianças e jovens sem estudar, segundo a ONG Todos pela Educação. Nos anos iniciais do ensino fundamental, 35% dos alunos não conseguem concluir os estudos. No médio, são 49%. E grande parte dos que alcançam o fim dos ciclos o fazem precariamente, com baixo desempenho em matérias básicas.

A média de escolaridade no Brasil (Pnud), de 7,2 anos, permaneceu estagnada entre 2011 e 2013. O número é o menor, ao lado do Suriname, entre os países da América do Sul. Posição que foi contestada pelo MEC. Ainda assim, se prevalecesse outro dado, como quer o governo, pouco mudaria a realidade brasileira.

O desafio da educação não se resume ao aumento de recursos, embora eles sejam fundamentais. Há um longo itinerário a ser percorrido na revisão e na modernização dos currículos, qualidade de ensino, qualificação e salários dos professores, aperfeiçoamento dos sistemas de avaliação e convergência de esforços das três esferas de governo.

A lógica de determinar novas obrigações aos entes federados se esgota na realidade de Estados engolfados por dívidas impagáveis e na penúria dos municípios.

Não há, por outro lado, justificativa razoável para que a participação federal em educação represente apenas cerca de menos de um terço do total das despesas no setor, enquanto Estados e municípios arcam com a maior parte.

A verdade é que já poderíamos ter avançado mais. A recente e correta iniciativa federal de estimular um pacto para a alfabetização na idade certa vem com grande atraso.

Nos últimos dez anos, por exemplo, Minas Gerais foi o primeiro Estado brasileiro a universalizar o ensino fundamental de nove anos.

O investimento na qualidade da aprendizagem nos anos iniciais do ciclo básico já garantiu resultados: hoje 88% dos alunos de oito anos de idade matriculados na rede pública estadual já leem e escrevem corretamente. No Ideb, Minas ocupa o primeiro lugar nessas séries e foi o único a alcançar o índice 6, dos países desenvolvidos, apesar de ser o Estado com maior número de municípios e possuir grandes diferenças regionais.

A área de educação é mais um exemplo de que a transformação da realidade exige, além de recursos, gestão eficiente e compromisso com resultados.

Fazendo o diabo - PAULO BROSSARD

ZERO HORA - 06/05

Seria prudente que a senhora presidente lembrasse o nome de Deus, mas ela preferiu falar no diabo


Um dos fatos mais notórios e menos auspiciosos que entre nós vêm ocorrendo relaciona-se com a candidatura da senhora presidente à reeleição. A escolha foi a destempo, uma vez que muito antes do tempo legalmente fixado, nem derivou do órgão partidário incumbido de fazê-lo, pois a escolha foi monocrática, por parte do presidente passado, quando cabe ao Partido. Contudo e a despeito de tudo, a senhora presidente passou a agir como candidata à reeleição e caso encerrado. Mas não só: jogou-se na campanha eleitoral sem recato, ainda na metade de seu mandato e cada dia que passa mais candidata se mostra. Confessando explicitamente que "nós podemos fazer o diabo quando é a hora da eleição", entrou a distribuir pessoalmente ônibus para transporte escolar, de modo a vincular o benefício à sua pessoa; foi assim em Minas Gerais, depois em Mato Grosso do Sul; verdade que lá foi vaiada, mas, ardorosa como é, enfrentou a vaia, talvez por conta de suas relações com Satanás. É de notar-se que a lei proíbe que seja colocada uma tabuleta em uma obra qualquer _ "administração Fulano de Tal" e se pública, que a presença da presidente é para ligar a doação pública à pessoa do governante, como fotografia que ocupa meia página do jornal. Tudo isto em ostensiva campanha para reeleição fora do figurino legal. Não sei como a Justiça Eleitoral conduzir-se-á em face da situação vertente, de notoriedade inegável e inexcedível. Mas este é outro problema. E o registro que faço não é gratuito, pois se tudo é cor de rosa segundo a linguagem oficial, bem diferente é a dura linguagem dos fatos.
Já que falei em vaias recebidas em Mato Grosso do Sul, devo dizer, que não me agrada esse tipo de manifestação, salvo frente situações extremamente graves, que é fácil imaginar e difícil de enumerar, nem seria o caso de fazê-lo aqui. Mas deixando à parte esse aspecto, a vaia pode pegar e ficar a candidata associada a esse tipo de chalaça das ruas quando o candidato não deixa de ser governador ou presidente. E note-se que não estamos na hora de eleição, "quando nós podemos fazer o diabo".
O fato é que o caminho escolhido pela senhora Presidente não combina com a situação particularmente delicada do movimento interno e externo do qual o país e o governo não podem desquitar-se.
Dou um exemplo. Não faz um ano que a senhora presidente ostensivamente determinou a redução de juros à revelia do Banco Central que é o competente para esse mister; as autoridades deixadas à margem submeteram-se ao cabresto, diga-se de passagem, sem tocar nos casos mais brutais de juros que incidem no cheque especial e no cartão de crédito, que envolve a faixa de mais necessidade de custódia e que fica à mercê de usura mais usurária - e aqui o pleonasmo deixa de ser pleonasmo. O certo é que, mal decorrido um ano, se tanto, o Banco Central aumentou os juros e se fala em novo aumento. Em outras palavras, a Sra. presidente foi leviana ou precipitada quando forçou a redução dos juros ou as autoridades monetárias se precipitaram indiferentes à exacerbada taxas de juros historicamente vigente entre nós, ou a situação do país, em um par de meses, teria se deteriorado de tal forma que a elevação do juro ter-se-ia tornado imperiosa.
Em verdade dia a dia mais preocupante, os mais variados setores, um a um, vêm comparecendo na primeira página das folhas mais autorizadas a ostentar suas feridas. Enquanto isso a arrecadação federal mermou. Por que será? Mas esta é outra estória.
Diante deste quadro preocupante seria prudente que a senhora presidente lembrasse o nome de Deus, mas ela preferiu falar no diabo.

Em busca de um script - JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO

O Estado de S.Paulo - 06/04

Qual história cada presidenciável vai contar ao eleitor de 2014?

Nenhuma resposta definitiva, mas muito ensaios. Do "é preciso fazer mais" à "nova política", os motes estão em fase de testes. Nenhum foi aprovado. Por ora, são quatro candidatos em busca de uma narrativa. Mais precisamente, um bando de marqueteiros testando múltiplos roteiros. Tentativas e erros. Muitos erros.

Contar histórias é a mais humana das habilidades. É o que prende a atenção do público, especialmente numa campanha eleitoral. Candidato sem uma boa história para contar está liquidado antes de a campanha começar. Em 2010, Dilma Rousseff foi a "mulher de Lula", a "mãe do PAC", a "gerentona da continuidade". Para 2014 esses personagens não servem mais. O filme é outro.

A propaganda oficial ainda não mudou. Está presa aos acertos do passado. No horário do PT na TV, Dilma dividiu a tela com Lula, lado a lado, do mesmo tamanho. Impossível não comparar os dois.

Quem ganhou? Lula. Em 2010, ele avalizava a desconhecida Dilma. Agora Dilma é presidente, deve andar com as próprias pernas.

Na propaganda do PT, o cidadão é tratado explicitamente como consumidor. Ficou implícita a ideia de que a prosperidade se compra individualmente. De que a política não dá mais conta de soluções coletivas. Mas esse não é o discurso da oposição?

A propaganda do PSB foi centrada em seu presidenciável. Close após close nos olhos azuis de Eduardo Campos, o narrador da história.

Como escreveu Roberto Jefferson (PTB), o governador ficou parecendo mais holandês do que pernambucano. Clipes de contrastes sociais, de avanços e atrasos, culminam com a conclusão do narrador-candidato: "É preciso fazer mais".

Alguém já disse isso... Ah, foi José Serra (PSDB), em 2010.

Segue o aliado-opositor: "É preciso contrariar os interesses da velha política. Cargo público tem de ser ocupado por quem tem capacidade, mérito, sobretudo espírito de liderança. E não por um incompetente que é nomeado somente porque tem um padrinho político forte". Quem quiser que vista a carapuça.

Nas palavras de Campos, as conquistas do passado são coletivas, sem protagonista. Foram tanto de Luiz (Inácio) quanto de Fernando (Henrique) e de Miguel (Arraes). Mas não de Dilma, que não é citada pelo nome. Já o futuro tem dono: "O Brasil precisa dar um passo adiante. E nós do PSB vamos dar esse passo, junto com o Brasil". Faltou dizer como.

O céu político está repleto de balões, subindo e descendo nas correntes da opinião pública, impulsionados por manchetes, likes e tuitaços. Um dos que furaram antes de alçar voo foi o fim da reeleição, assoprado por Aécio Neves (PSDB-MG). Acabou abatido pelo próprio patrono da candidatura do tucano, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Mais que previsível, já que FHC foi o pai da ideia.

Mesmo que tivesse flutuado, o balão estava condenado à brevidade. Bastaria algum gaiato lembrar que, por tabela, Aécio estaria propondo um ano a mais para José Genoino (PT) na Câmara.

Mineiro, o senador pulou de pronto para outro palanque, o da Força Sindical, na comemoração do 1.º de Maio. E mudou de discurso. Ou melhor, voltou a explorar o efeito tomate. Culpou Dilma pela inflação - frase sim, outra também.

Mas não falou nada sobre a proposta dos anfitriões de reindexar salários. Sobre isso, só se pronunciou quando foi indagado, já fora do palanque: é contra, mas a culpa não é de Paulinho da Força, o autor da ideia, é de Dilma. Ãh? Está no script.

E Marina Silva? Não tem palanque, não tem horário de TV, não tem cargo, não tem partido. Só tem a narrativa - de 2010.

Contra a miséria - PAULO GUEDES

O GLOBO - 06/05
O programa federal de transferência de renda Bolsa Família vai completar uma década de existência. São 13,8 milhões de famílias - 50 milhões de brasileiros pobres - recebendo em torno de 25 bilhões de reais em 2013. "As vantagens desse tipo de programa são claras. As transferências são direcionadas especificamente ao alívio da pobreza. E ajudam os indivíduos sob a forma mais útil: em dinheiro", registrava em "Capitalismo e liberdade" (1962) o liberal Milton Friedman.

A solidariedade tornou-se a principal bandeira dos socialistas. Mas as tecnologias mais eficazes para sua execução muito se beneficiariam da análise de simpatizantes liberais. O historiador Georges Lefebvre, socialista "jacobino", considerava "O Antigo Regime e a Revolução", do liberal Alexis de Tocqueville, "o mais belo livro sobre a Revolução Francesa". Em seu clássico "1789", Lefebvre descreve o surgimento do compromisso moderno com a "equidade" em quatro grandes ondas: a "revolução aristocrática", que desestabiliza o absolutismo real; a "revolução burguesa", que funda a nova ordem jurídica; a "revolução popular", que consolida o processo; e a "revolução camponesa", que o dissemina nacionalmente.

A popularidade dos social-democratas deveu-se exatamente a seu quase monopólio político da solidariedade. Secularizaram a bandeira das grandes religiões, conquistando corações ansiosos de massas desinformadas. Mas a solidariedade é traço humano milenar. Existiu bem antes do socialismo e das religiões. "Nossos ancestrais sustentaram indivíduos que não podiam contribuir ao grupo. A sobrevivência dos mais frágeis tem sido registrada por paleontólogos como marcos evolucionários de empatia e compaixão. Tais legados sugerem que a moralidade precede civilizações e religiões em pelo menos 100 mil anos. Mesmo nossa família dos quatro grandes primatas - chimpanzés, bonobos, gorilas e orangotangos - exibe demonstrações incontestáveis de solidariedade", registra o biólogo Frans de Waal, em "O bonobo e o ateu: em busca do humanismo entre os primatas" (2013).

Programas de transferência de renda em uma Grande Sociedade Aberta expressam nosso compromisso humanista com a solidariedade. O grande desafio é aumentar sua eficácia e reduzir o desperdício com a intermediação da classe política.

Espasmos - VALDO CRUZ

FOLHA DE SP - 06/05

BRASÍLIA - Este é um governo que vive, muitas vezes, de espasmos. A prioridade de hoje cede lugar a outra no dia seguinte. O que foi urgente ontem pode não ser amanhã.

A avaliação, em tradução livre, é de um assessor que segue de perto o vaivém de pedidos vindos do Palácio do Planalto. Visão compartilhada por outros colegas questionados sobre tal análise do cotidiano do governo Dilma Rousseff.

Comum entre eles está o fato de destacarem que todas as encomendas da chefe são bem-intencionadas, mas falta uma certa paciência para aguardar os resultados de uma ação antes de partir para outra.

Pior. Certas medidas levadas ao forno com recomendação expressa de fogo alto ganham a temperatura de banho-maria diante do surgimento de uma nova demanda.

Até pouco tempo a montagem dos leilões de rodovias consumia toda a energia do governo. Hoje o foco está na máquina de lavar subsidiada do Minha Casa Minha Vida.

Resultado: o programa de concessão de estradas ainda é visto como "prioridade", mas já está atrasado por conta de indefinições na taxa de retorno dos investimentos.

Enquanto isso um projeto de foco questionável, que dará subsídio para beneficiário do Minha Casa Minha Vida comprar fogão, geladeira e outros produtos, ocupa mais tempo na agenda dos técnicos.

No balanço das prioridades, faria bem mais sentido dedicar muito mais atenção ao programa que vai elevar os investimentos no país até que ele estivesse pronto para decolar. Só que ainda não está.

Algo difícil de compreender. Afinal, há consenso dentro e fora do governo de que o Brasil patinou nos dois primeiros anos da era Dilma Rousseff porque houve uma parada nos investimentos.

No atual ritmo, o risco é o programa de concessão de rodovias e ferrovias virar realidade de fato só em 2014. Aí, além do país, quem também sofrerá é a candidata Dilma.

Irresponsabilidade fiscal - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 06/05

A Lei de Responsabilidade Fiscal é uma arma eficiente contra desmandos e ineficiências da gestão pública, merecendo apoio de toda a população a fim de ser preservada e não modificada


Em 2000, o governo Fernando Henrique Cardoso promulgou a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), pela qual estados e municípios não podem gastar mais de 60% das receitas correntes com pessoal. No caso da União, esse limite é de 50%. A administração pública brasileira, em especial as prefeituras e os governos estaduais, vinha trilhando um caminho de franca deterioração de suas finanças, prenunciando que, se nada fosse feito, o abismo financeiro chegaria brevemente. A LRF foi a tábua de salvação. A lei pegou rapidamente, e cumpriu papel tão relevante a ponto de o primeiro ministro da Fazenda do PT, Antonio Palocci, ter dito que, somente por essa lei, Pedro Malan, ministro da Fazenda do governo FHC, merecia ter uma estátua em praça pública.

Muitos petistas não gostaram da declaração de Palocci, pois implicava reconhecer uma das mais importantes medidas tomadas pelo governo anterior, que era do PSDB, portanto, adversário do PT. Uma estupidez política, pois todo governo tem acertos e erros, e a LRF está inscrita entre os maiores acertos de FHC. Sem ela, seguramente a administração pública brasileira teria se transformado em completo caos. A LRF é um patrimônio da nação, uma arma eficiente contra desmandos e ineficiências da gestão pública, que merece apoio de toda a população a fim de ser preservada e não modificada.

Na época da aprovação da LRF, o PT posicionou-se radicalmente contra, embora a tenha mantido após a chegada de Lula à Presidência da República. Conforme o ministro Palocci reconheceu, o PT foi contra porque era contra tudo que viesse de Fernando Henrique, não por ver falta de méritos nessa lei. Tanto é que o PT também votou contra o Plano Real, embora Lula e Dilma tenham mantido as bases do plano e da política macroeconômica herdada de FHC.

Apesar de a LRF ter freado a irresponsabilidade nos gastos com pessoal, alguns estados começaram a inventar truques para fugir do limite de 60% nesse tipo de despesa. Em alguns casos, com o apoio do Tribunal de Contas, passaram a retirar do cálculo certas rubricas, como o Imposto de Renda pago pelos funcionários e a exclusão de algumas verbas remuneratórias. Essa contabilidade “criativa”, que tem limites, é um péssimo exemplo num país que pretende impedir a destruição da saúde financeira dos entes públicos.

A LRF dá força aos governantes para resistirem à concessão de reajustes salariais que, embora possam ser defensáveis, ajudariam a levar para a falência os cofres municipais e estaduais. A LRF só dá aos governos duas saídas: ou param de inchar a máquina estatal e melhoram a eficiência da gestão – o que criaria espaço para melhores salários –, ou ficam impedidos de oferecer elevações salariais, mesmos nos casos em que isso é claramente necessário. O fato constatado ao longo da história da gestão pública no Brasil é que, se deixados à vontade e sem limitação legal, os governantes – que são temporários – acabam adotando a irresponsabilidade fiscal e jogam para os governos seguintes e para as gerações futuras a conta de suas medidas lesivas à saúde financeira dos entes que administram. Em vários momentos, incluindo no ano passado, tentativas foram feitas para “flexibilizar” a LRF. É uma palavra bonita para designar o afrouxamento dos limites e permitir que estados e municípios gastem mais que 60% com pessoal. Isso precisa ser evitado. Atualmente, com prefeitos e governadores pressionados a conceder aumentos salariais – em muitos casos justificados pela elevação da inflação –, ressurgem os murmúrios sobre propostas para modificar o método de cálculo dos gastos com pessoal e sobre a tal “flexibilização” da lei.

A máquina pública é como uma empresa emperrada, com excesso de gente, processos administrativos ineficientes e custosos, burocracia exagerada e produtividade do trabalho baixa. Já passou da hora de o setor público começar a incorporar as teorias de administração e as tecnologias gerenciais conhecidas do setor privado para melhorar a produtividade no governo. Isso permitiria fazer mais tarefas com menos gente e, mesmo obedecendo aos limites da LRF, seria possível melhorar os salários daquelas categorias de menor remuneração, como professores e policiais.

Saúde à chinesa - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 06/05

De origem aviária, vírus H7N9 já matou ao menos 27 pessoas; surto é novo desafio para Pequim, que precisa evoluir em controle sanitário


A China enfrenta grandes desafios de saúde pública. O escândalo mais recente levou à prisão de 900 pessoas pelo comércio de alimentos falsos e contaminados. Em alguns dos casos, carne de rato era misturada a produtos químicos e vendida como se fosse de carneiro.

Mais preocupante é a emergência, nas últimas semanas, do misterioso vírus H7N9, de origem aviária. Ao menos 27 pessoas já morreram e milhares de aves foram sacrificadas de forma preventiva.

Ainda é cedo para aquilatar a real dimensão do problema. A recorrência de situações desse tipo, porém, mostra o quanto a China precisa avançar em controle sanitário e segurança alimentar.

No mês passado, mais de 16 mil porcos foram despejados no rio Huangpu, que abastece Xangai, maior cidade do país. As autoridades não conseguiram explicar até agora o motivo da mortandade nos criadouros da região.

Esses e outros episódios provocam compreensível ansiedade na população chinesa. Há cada vez mais preocupação com a qualidade dos alimentos e dúvidas diante das informações oficiais.

Temores de contágio pelo H7N9 levaram a drástica queda no consumo de frango em Xangai, cujos habitantes já desconfiam da carne de porco e da água encanada.

Essa apreensão não se mostra apenas nos momentos de crise. Até hoje os chineses têm receio do leite em pó infantil, após um caso de contaminação por melamina (matéria-prima para fabricar resinas) em 2008, que intoxicou cerca de 300 mil crianças e matou seis bebês.

Em Hong Kong, turistas da China continental compram tanto leite em pó que o governo local restringiu o produto a duas latas por viajante, para impedir o desabastecimento da região.

As dimensões continentais e o crescimento acelerado fazem da China campo fértil para essas ocorrências. Basta lembrar que o país tem cerca de 700 milhões de habitantes na área rural, a maioria produzindo alimentos em minifúndios de fiscalização quase impossível.

A crise atual veicula, no entanto, uma boa notícia: Pequim não tenta esconder o problema, como fez em 2003 com a Sars (síndrome respiratória aguda grave, na sigla em inglês). Originada na China, que proibiu inicialmente a divulgação do surto, infectou cerca de 8.000 pessoas em todo o mundo, das quais cerca de 10% morreram.

Na ausência de prevenção sanitária eficaz, é crucial divulgar informações precisas e atualizadas sobre surtos e contaminações. O governo chinês parece ter aprendido parte da lição, embora o país desconheça algo comparável a uma imprensa livre e independente.

Um vexame amazônico - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S. PAULO - 06/05

Dos grandes disparates patrocinados pelo governo petista ao longo da última década, o Fundo Amazônia talvez seja um dos mais significativos. Criado em agosto de 2008, esse fundo recebe doações com as quais deveriam ser financiados projetos de preservação da Amazônia. Dois desses doadores são Estados estrangeiros, Alemanha e Noruega, o que constitui um óbvio atentado à noção de que a conservação do bioma amazônico, ou de qualquer outra parte do território nacional, é um assunto que diz respeito exclusivamente aos brasileiros. Não bastasse isso, o fundo parece fadado a seguir o padrão de incompetência gerencial do governo petista, pois apenas 11,4% do R$ 1,29 bilhão doado foi efetivamente usado. Como o prazo estipulado para a utilização dos recursos acaba em dezembro de 2015, o governo corre para negociar mais tempo. O vexame é, portanto, completo.

A existência do Fundo Amazônia já é, em si, uma contradição. Houve um tempo em que os líderes petistas eram os campeões da defesa da soberania nacional sobre a Amazônia, enxergando em todo canto conspirações "imperialistas" para tomar dos brasileiros o seu patrimônio natural. Em 2006, dois anos antes que o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinasse o decreto que criou o fundo, o chanceler Celso Amorim bradou que "a Amazônia é patrimônio do povo brasileiro e não está à venda", referindo-se aos "interesses de pessoas, entidades ou mesmo governos estrangeiros com relação à Região Amazônica", preocupados com o fenômeno da mudança climática. Embora, eivada de entusiasmo militante, mais apropriado para uma assembleia de estudantes do que para uma manifestação do chefe da diplomacia, a declaração de Amorim foi na direção certa ao enfatizar que a Amazônia é problema dos brasileiros, e de mais ninguém.

O estabelecimento do Fundo Amazônia, porém, foi uma admissão franca de que o Estado, sob a administração petista, era incapaz de cumprir suas obrigações na preservação daquele bioma sem recorrer à ajuda, jamais desinteressada, de governos estrangeiros. Como um país como o Brasil, cuja economia está entre as maiores do mundo, aceita recorrer à ajuda internacional para amealhar os recursos necessários para cuidar de uma parte de seu território?

Os recursos captados pelo fundo estão condicionados à redução da emissão de gases de efeito estufa que resultam do desmatamento. O problema é que os alertas de desmatamento na Amazônia Legal cresceram 26% entre agosto de 2012 e fevereiro deste ano, o que gera "incômodo e desgaste do Brasil no cenário internacional", conforme salientou Adriana Ramos, integrante do Comitê Orientador do Fundo Amazônia, Para ela, "a imagem que fica é ruim", Como o País aceitou recursos estrangeiros não reembolsáveis, também deve prestar contas do uso. desse dinheiro, expondo-se ainda mais à censura internacional num assunto que deveria se circunscrever, por óbvio, apenas ao Brasil.

O governo da Noruega, por exemplo, considera que os projetos aprovados até agora não refletem o volume de recursos. Diplomaticamente, disse acreditar que haverá maior celeridade daqui para a frente. Trata-se de uma situação esdrúxula, em que o governo brasileiro deu a um governo estrangeiro o direito de opinar sobre o andamento de iniciativas para a preservação da Amazônia.

Noves fora o evidente comprometimento da soberania nacional, a Noruega tem razão. Mesmo com mais de R$ 1 bilhão à disposição, o governo simplesmente não consegue realizar os investimentos necessários para frear o desmatamento sistemático da Amazônia.

Como já se tornou habitual em quase todos os quadrantes da administração pública federal, o gigantismo burocrático e a ausência de planejamento retardam ou inviabilizam as soluções dessa grave questão ambiental, dando margem a que estrangeiros se sintam à vontade para palpitar sobre a administração da Amazônia e, por tabela, para tratar dela como se fosse território internacional

Visão deformada - EDITORIAL ZERO HORA

ZERO HORA - 06/05

Causou perplexidade o pronunciamento feito no último sábado pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa, durante evento promovido pela Unesco na Costa Rica e comemorativo ao Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. Ao pretender dar uma aula de como o Brasil funciona, o ministro passou aos presentes uma visão pessoal e distorcida da mídia brasileira e da representação racial na sociedade, com ênfase nos meios de comunicação. Disse que o país possui apenas três jornais de abrangência nacional e que todos eles têm tendência ao pensamento de direita. Com essa afirmação, demonstrou desconhecimento de que a circulação dos jornais brasileiros é predominantemente regional e que a mídia brasileira, por ser independente, não tem vínculos com qualquer tendência ideológica. Na mesma ocasião, alegou também que, embora os negros e mulatos correspondam à metade da população, é muito rara sua presença nos estúdios de televisão e em posições de liderança nas emissoras, sendo eles tratados, de forma geral, de maneira estereotipada.
É fácil fazer demagogia. A representação racial nos veículos de comunicação é exatamente a mesma do Supremo Tribunal Federal e das demais instituições do país, porque essa é a realidade da sociedade brasileira. É evidente _ e lamentável _ a desproporção em relação à multiplicidade étnica da população, mas isso se deve a fatores históricos e antropológicos que as políticas afirmativas adotadas recentemente no país vêm tentando compensar, e não a eventuais posições discriminatórias, como deu a entender o magistrado. Quanto ao rótulo ideológico atribuído aos jornais brasileiros, até parece que o ministro ignora a plena liberdade de imprensa vigente no país, assim como o permanente esforço de muitas empresas de comunicação para atuar com independência política, com pluralismo e com neutralidade em relação a ideologias e tendências partidárias.
Prestou um desserviço ao país o senhor Joaquim Barbosa ao expressar uma visão tão deformada da mídia brasileira num fórum internacional. E foi, no mínimo, injusto com a mídia brasileira, que cobriu com isenção e responsabilidade o recente julgamento do mensalão, presidido pelo ministro.

Julgar sem paixão - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 06/05

Segundo o senador Pedro Simon, “vivemos atualmente um regime anárquico em termos de produção legislativa”, numa referência a matérias aprovadas no Congresso, produto de maiorias eventuais que “votam o que bem entendem”. O senador propôs a retomada de um costume vigente no governo Itamar Franco, “em que se realizavam mensalmente reuniões das quais participavam representantes dos três Poderes”, o que prevenia o surgimento de crises entre essas instâncias.

Seria simpático, e certamente útil. Mas para que isso acontecesse seria preciso uma certa boa vontade básica que, neste momento, não está muito em evidência. Pelo contrário: o atrito entre poderes vem de um ambiente marcado pelo inconformismo dos que sentem na pele o julgamento do mensalão. É esse inconformismo que procura, agora, turvar o funcionamento das instituições. A já famosa PEC 33 propõe-se, por exemplo, a “resgatar o valor da soberania popular e a dignidade da lei aprovada pelos representantes legítimos do povo, ameaçadas pela postura ativista e usurpadora do Supremo Tribunal Federal”.

Tenta-se, assim, solapar a autoridade do STF sob o argumento de que ele estaria, em relação ao Congresso, mais longe da “soberania popular”, já que seus membros não surgem de eleições diretas.

É o sonho da “democracia direta”, de que participam países como a Venezuela e a Argentina.

Os membros do Supremo, entretanto, não são menos legítimos por não surgirem do voto direto: são escolhidos pelo presidente da República, que é fruto do voto popular, e referendados pelo Senado,que tem a mesma origem. São pessoas mais velhas, “de ilibada reputação e saber jurídico”, o que as torna mais aptas para a função que exercem: a de serem a cúpula do sistema judiciário.

O fato de não surgirem de votação direta significa uma liberdade maior em relação a correntes de opinião. Quando se tenta a democracia direta,tudo passa a depender da paixão política e da arregimentação partidária. Isso não combina com uma certa frieza de julgamento que é o que se espera da cúpula do Poder Judiciário.

Por serem pessoas ilustres, que já não precisam fazer propaganda de si mesmas, os membros do Supremo não se curvam facilmente a injunções e partidarismos. Assim se viu o julgamento do mensalão transcorrer a boa distância das filiações partidárias ou lealdades políticas, embora a vasta maioria de seus membros tenha chegado à função por indicação do ex-presidente Lula e da presidente Dilma Rousseff.

Um outro aspecto da “democracia direta” é que ela traduz um determinado momento da opinião pública. Mas é função do Supremo, justamente, defender o direito mesmo quando ele esteja no lado mais fraco da balança. Por isso ele não pode estar sujeito à “voz das multidões”.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

"Não se prestam a obter novo julgamento"
Procurador-geral da República, Roberto Gurgel,ao comentar recurso de ‘mensaleiros’


Governo premia ineficiência e pune quem investe

Conhecida pela produção de “carroças”, a indústria automobilística foi beneficiada por quinze medidas, a maioria de redução tributária, desde o final do governo Lula, a pretexto de preservar seus 100 mil empregos. Enquanto ajudava amigos, o governo federal punia setores eficientes, como de bebidas frias (refrigerantes, água, cerveja), prejudicando-os com o maior reajuste tributário da sua história, apesar de empregar três milhões de pessoas e gerar mais de R$ 35 bilhões em impostos.


Inutilidade

Ineficiente, a indústria automobilística acabou dependente de incentivos que se revelaram inúteis: pátios cheios, prejuízos, operários demitidos.


Investiu, dançou

O setor de bebidas frias, que soma 3% do PIB, investiu R$ 21 bilhões de 2010 para cá, amarga queda de vendas desde o final de 2012.


Garrote vil

Os aumentos de impostos aplicados desde 2011 equivalem ao praticado ao longo dos últimos treze anos.


Ah, bom

A indústria automobilística tem sido tradicionalmente um dos setores que mais financiam campanhas eleitorais de políticos do PT.


IR mostra ‘falsa prosperidade’, diz especialista

As 26 milhões de declarações de pessoas físicas à Receita Fiscal de 2012 mostram a “fome” injusta do “Leão” comendo a média baixa de salários no Brasil, diz a advogada e doutora em Direito Privado Maria de Fátima Guimarães. O recorde de declarações saudado pela Receita prova a ganância arrecadadora: a faixa de isenção de R$1,7 mil não acompanhou a alta da inflação acumulada do IPCA, igualando famílias da “classe C” às de alta renda: a defasagem na tabela é de 66,44%.


Suíça brasileira

Com a correção na tabela, a faixa de isenção passaria para R$2,7 mil, reduzindo a arrecadação sem retorno que enche as burras do governo.


Gosto da vingança

No Congresso, os parlamentares mal escondem a satisfação diante do incômodo causado pela proposta que tenta subjugar o Supremo.


Por mais saúde

O distrital Chico Vigilante (PT) defende a "federalização" da saúde pública para resolver problema na região do entorno do DF.


Constrangedor

Os funcionários do consulado-geral do Brasil em Sydney (Austrália) reclamaram ao chanceler Antônio Patriota que terão de negociar renovação contratual este mês com o embaixador Américo Fontenelle, a quem denunciaram por assédio moral e sexual.


Faça o que digo...

O governador André Puccinelli (PMDB-MS) acusa o senador Delcídio Amaral (PT) de fazer jogo duplo, mas ele próprio pregou reaproximação com PSDB logo após anunciar apoio à reeleição da presidenta Dilma.


Não curti

O deputado Peninha (PMDB) se irritou com internautas que incluíram seu nome em lista online dos favoráveis à PEC 33, que limita poderes do STF: “Sou a favor da tramitação, contrário à proposta”, disse. Ah, tá.


Todos levam crédito

O deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA) defende que, em vez de orçamento impositivo, seja obrigatório o empenho de emendas parlamentares direcionadas a áreas de programas do governo.


Voando com ela

Dilma prometeu “passagens aéreas com preço de ônibus”, subsidiando aeroportos regionais. Esqueceu o preço em dólar do combustível e que o duopólio TAM-Gol tem viagens de ônibus com asas a preço de avião.


Mais um recorde

Além da congestão nos portos, o Brasil é líder em roubo de carga na América Latina: 6,8 mil caminhões roubados só em SP em 2012, diz relatório da empresa de risco Sensitech Inc. No México foram 6 mil.


Mão amiga

A empresa que vendeu capas de chuvas milionárias de PMs para o governo do DF é a mesma em Brasília que teve compra cancelada de 300 carabinas na Polícia Rodoviária Federal, após rolo na licitação.


Lunáticos

Está longe de terminar o ano, mas os deputados da Câmara do DF já estouraram a quota de passagens. Só a distrital Celina Leão (PSD) rodou mais de 35 mil quilômetros em "visitas técnicas" pagas pelo contribuinte. Equivale a três voltas ao redor da Terra.


Pensando bem...

...a Justiça é igual ao futebol. Pode-se ganhar nos pênaltis mas não trocar o juiz.

Poder sem pudor

Ah, subir a rampa!

O mineiro Magalhães Pinto sempre sonhou com a Presidência da República, por isso até apoiou o golpe de 1964 imaginando que seria a “solução civil” dos golpistas. Certo dia, o general Artur da Costa e Silva o convidou para subir com ele a rampa do Palácio do Planalto. Ele subia a rampa orgulhoso quando o general, ao seu lado, perguntou com malícia:
- E então, Magalhães, está gostando?
Magalhães percebeu a ironia e devolveu:
- Muito, Senhor Presidente, muito. Mas preferia fazê-lo todos os dias.